LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto
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direitos de seus juízes, ou contra eles seus governos cometeram violências e abusos.80 Os menos<br />
conformados recorreram à justiça, e o Supremo Tribunal, reiteradas vezes, com pequenas variações,<br />
declarou aplicáveis aos magistrados estaduais as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e<br />
irredutibilidade de vencimentos, como implícitas no preceito que tornava obrigatórios para os Estados os<br />
princípios constitucionais da União.81 A reforma constitucional de 1926 perfilhou esse princípio em texto<br />
expresso, sancionando-o com a intervenção federal.82<br />
Aquelas garantias, entretanto, não se aplicavam aos juízes temporários, cuja investidura se<br />
destinava, segundo a justicação corrente, a dar-lhes tirocínio prossional para o ulterior ingresso na<br />
carreira.83 Ficava, pois, uma numerosa categoria de juízes à mercê das exigências e seduções dos<br />
governantes menos ciosos da independência e dignidade do Poder Judiciário.<br />
Embora de competência limitada, os juízes temporários substituíam os vitalícios nos seus<br />
impedimentos em muitos atos do processo e até no próprio julgamento. A escala de substituição descia<br />
até aos juízes de paz, cuja competência assim se ampliava além de suas possibilidades intelectuais, o que<br />
era agravado pelas notórias ligações desses juízes leigos com a corrente política local de que dependia sua<br />
eleição.84 A regra geral do recurso para os juízes vitalícios, bastante limitada nos casos de substituições,<br />
tinha ecácia relativa, pois com frequência o provimento do apelo não repara, ou repara de modo<br />
imperfeito, o gravame sofrido pela parte. Finalmente, o mecanismo das promoções por merecimento, da<br />
recondução e das remoções para melhores termos ou comarcas acentuava a precariedade dos juízes<br />
temporários e reduzia a independência dos vitalícios. Foram, aliás, muito variados os meios postos em<br />
prática pelos governos estaduais para submeter a magistratura, como a disponibilidade, a alteração de<br />
limites ou a supressão de circunscrições judiciárias, a retenção de vencimentos etc.85<br />
Quanto ao Ministério Público local, eram seus membros, em regra, de livre nomeação e demissão,<br />
utilizando-se, assim, os promotores e seus adjuntos, habitualmente, como instrumentos de ação<br />
partidária.86<br />
Por estas portas largas passava a desenvolta colaboração da organização judiciária nos planos de<br />
dominação do situacionismo estadual, refletindo-se, diretamente, no mecanismo “coronelista”.<br />
NAS CONSTITUIÇÕES DE 1934, 1937 E 1946<br />
Deixando de parte numerosas disposições referentes à organização judiciária, que não interessam<br />
especialmente a este trabalho, notaremos que a Constituição de 1934, a exemplo da reforma<br />
constitucional de 1926, também sancionou com a intervenção federal as garantias da magistratura<br />
estadual, estabelecendo ainda diversas normas obrigatórias sobre remuneração, investidura, acesso,<br />
aposentadoria etc.87 Idêntica orientação adotaram as Constituições de 193788 e 194689, as quais,<br />
entretanto, suprimiram os juízes federais comuns de primeira instância.90 Cumpre observar, contudo,<br />
que essas garantias, durante o Estado Novo, eram pouco mais que ilusórias, em vista da aposentadoria<br />
compulsória e imotivada, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, permitida pelo artigo 177<br />
da Constituição de 10 de novembro.91<br />
Tanto a Constituição de 1934 como a de 1937 mantiveram a justiça de paz eletiva, com a