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LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto

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conselho consultivo, estabeleceu um sistema de recursos, que subia do prefeito ao interventor e deste ao<br />

chefe do governo nacional.63 Abrangia-se, deste modo, efetivamente, toda a esfera da administração<br />

municipal, posta sob a tutela dos órgãos superiores, não só do ponto de vista da legalidade, senão<br />

também da conveniência e oportunidade dos seus atos. Nem seria possível admitir-se que, na ausência de<br />

qualquer órgão local representativo — pois o conselho consultivo instituído não tinha esse caráter —,<br />

casse o prefeito imune a qualquer scalização e controle. O interesse dos próprios munícipes impunha<br />

um sistema de recursos, que naquelas circunstâncias não podia ser muito diverso do adotado, mas o<br />

governo estadual só excepcionalmente estaria disposto a desautorar seus prepostos políticos no<br />

município.<br />

Compreende-se um sistema tão rigorosamente hierarquizado, desde que se destinava a desempenhar<br />

papel transitório, durante o período de governo discricionário que sucedia a uma revolução vitoriosa.<br />

Entretanto, uma inovação adotada nessa fase, com o propósito de moralizar a administração municipal e<br />

dar-lhe maior eciência, viria a impor-se no próprio período constitucional que se seguiu, cando<br />

denitivamente entrosada em nossa organização administrativa. Referimo-nos ao departamento de<br />

municipalidades, órgão estadual, cujo nome variava, mas entre cujas importantes atribuições se incluía<br />

dar assistência técnica aos municípios, coordenar suas atividades em função de planos estaduais,<br />

scalizar a elaboração e execução de seus orçamentos, opinar previamente sobre um grande número de<br />

medidas administrativas etc. Cabia, enm, a esse órgão, dependente diretamente do interventor, exercer<br />

a extensa tutela que a legislação em vigor outorgava ao governo estadual sobre a vida administrativa dos<br />

municípios.<br />

As experiências feitas pelos Estados de São Paulo e Espírito Santo atraíram a atenção de muitos<br />

outros, que ali se inspiraram para instituir órgãos semelhantes. Na Assembleia Constituinte de 1933-34,<br />

a bancada paulista fez eloquente elogio dessa novidade, apresentando um balanço dos seus benefícios,<br />

sobretudo no terreno da gestão nanceira. Os municípios paulistas tinham reduzido suas dívidas e<br />

melhorado sua situação orçamentária graças à assistência e scalização daquele departamento.64 Os<br />

representantes de outros Estados, que haviam criado departamento semelhante, também prestaram<br />

depoimento sobre as excelências da importante inovação administrativa,65 em torno da qual se formou,<br />

na Assembleia, um halo de tamanho prestígio que um deputado capixaba reivindicou para o seu Estado<br />

a glória de também haver descoberto tão valioso instrumento de progresso.66<br />

Não é preciso um exame muito profundo para se ver como a conveniência da criação, nos Estados,<br />

de uma nova máquina política, a ser comandada não mais pelos “carcomidos”, mas pelos senhores do<br />

dia, se conjugava perfeitamente com o empenho patriótico de aperfeiçoar a administração dos<br />

municípios, tornando-a mais econômica e produtiva. Fazendo-se ênfase sobre esta razão de ordem<br />

pública, o interesse político da montagem das máquinas partidárias podia aparecer aos olhos de todo o<br />

país revestido de uma sólida base doutrinária, capaz de protegê-lo contra os defensores da maior<br />

autonomia municipal, tão intimamente associada, na prática, com a insolvência e anarquia de muitos<br />

municípios no regime derrubado pela revolução. Ressuscitava-se, portanto, com outras palavras, a velha<br />

doutrina imperial da tutela.<br />

É evidente, e nem precisaria observá-lo, que para muita gente bem-intencionada não parecia tão<br />

ostensivo esse matrimônio do interesse partidário com a aspiração do progresso administrativo. A

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