LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto
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precedeu ao decreto-lei no 167, de 1938, sempre foi um dos setores de atuação da política local. A<br />
relativa impunidade dos capangas dos “coronéis” encontrava sua explicação principal na inuência que<br />
os chefes políticos locais exerciam sobre o júri. Pôr na rua ou fazer condenar quem tivesse cometido<br />
algum crime tem sido, tradicionalmente, problema importante para a política local, sobretudo quando o<br />
criminoso, ou seu mandante, ou a vítima têm atuação partidária de relevo. Nessa tarefa desempenham<br />
papel decisivo a conivência da polícia, na investigação das provas; a tolerância do promotor, diluindo a<br />
acusação ou dispensando os recursos; a atuação dos advogados liados às correntes municipais, às vezes<br />
cheadas por eles próprios, ou chamados de fora, quando a importância da causa assim o exige. Na<br />
organização das listas de jurados e na “preparação” dos pertencentes à sua parcialidade é que mais<br />
avultava a inuência do chefe local. Dado o choque, quase sempre irredutível, das correntes políticas<br />
municipais, é fácil compreender a relevância que sempre assumiu, no interior, o princípio da recusação<br />
peremptória, que Rui Barbosa tão ardentemente defendeu.119 Não era, pois, somente a “lógica do<br />
sentimento”120 que informava as decisões do júri, senão ainda a “lógica partidária”, que nem sempre<br />
funcionava para absolver, mas também para condenar.<br />
Na inuência da política local sobre os julgamentos populares podemos observar, nitidamente,<br />
como a autoridade própria dos “coronéis”, derivada de sua ascendência econômica e social, é reforçada<br />
pela autoridade de empréstimo, recebida do governo estadual através do compromisso característico do<br />
“coronelismo”.<br />
O PODER PRIVADO, AS ORDENANÇAS E A GUARDA NACIONAL<br />
Manifestações muito visíveis de transação entre o poder privado e o poder público encontramos<br />
ainda em duas importantes instituições, entre cujas tarefas se incluía o exercício de funções policiais:<br />
referimo-nos às ordenanças e à Guarda Nacional.<br />
A crescente interferência da Coroa na vida colonial, principalmente através dos juízes de fora e dos<br />
ouvidores, revelava a preocupação de exercer efetivamente os seus poderes, mas as condições sociais do<br />
país não lhe permitiam prescindir da força disciplinadora encarnada nos senhores de terras. Por isso, a<br />
Metrópole procurou pôr a seu serviço esses chefes naturais, atribuindo-lhes funções de mando na<br />
corporação das ordenanças, reserva militar de terceira linha, que enquadrava toda a população<br />
masculina entre dezoito e sessenta anos, ainda não alistada na tropa de linha ou nas milícias.<br />
Caio Prado Júnior, de quem nos valemos nesta passagem, realizou interessante pesquisa sobre o<br />
papel desempenhado pelas ordenanças, o qual se desenvolveu sobretudo à margem da lei, como<br />
imposição das condições econômicas e sociais do país. Em suas próprias palavras,<br />
se como força armada as ordenanças ocupam em nossa história um plano obscuro, noutro setor, aliás não previsto pelas leis que as<br />
criaram, elas têm uma função ímpar. Sem exagero, pode-se armar que são elas que tornaram possível a ordem legal e<br />
administrativa neste território imenso, de população dispersa e escassez de funcionários regulares. Estenderam-se com elas, sobre<br />
todo aquele território, as malhas da administração, cujos elos teria sido incapaz de atar, por si só, o parco funcionalismo ocial que<br />
possuíamos; concentrado ainda mais como estava nas capitais e maiores centros.121