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LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto

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União. Na interpretação do texto constitucional, formaram-se duas correntes: uma, com o relevo que lhe<br />

deu Rui Barbosa, entendia que o júri fora mantido com a organização, competência e características que<br />

possuía ao ser proclamada a República;102 a outra, mais numerosa e anal vencedora, sustentava que a<br />

Constituição não havia fossilizado o júri, mas permitia a sua renovação, desde que lhe fossem respeitadas<br />

as marcas fundamentais.103<br />

Os Estados, em suas Constituições ou leis processuais criminais, e a própria União, ao legislar sobre<br />

a justiça federal,104 e sobre a justiça local da capital da República,105 introduziram diversas modicações<br />

na instituição legada pelo Império, sobretudo no que respeita à sua composição e competência. Em regra,<br />

foram reduzidas as suas atribuições, ampliando-se a lista dos crimes a serem julgados pela magistratura.<br />

A lei gaúcha de 16 de dezembro de 1895, cujas inovações foram sancionadas pelo Supremo Tribunal,<br />

chegou a vedar a recusação imotivada e impor a publicidade do voto dos jurados.106 O código mineiro<br />

de 1926, seguindo os exemplos do Distrito Federal e Pernambuco, facultou ao Tribunal de Apelação<br />

anular o julgamento proferido contra a evidência dos autos para submeter o réu a novo júri.107 O Ceará<br />

chegou ao ponto de permitir que a justiça togada reformasse as decisões do júri, no mérito, mas não<br />

logrou para tanto o beneplácito do Judiciário.108 No que respeita à composição do tribunal popular, foi<br />

grande a diversidade das soluções adotadas.109<br />

A Constituição de 1934, embora declarando expressamente mantido o júri, delegou à lei o encargo<br />

de lhe denir “a organização e as atribuições”. 110 A lei, no caso, seria a federal, em vista da competência<br />

outorgada à União para legislar sobre direito processual,111 mas a Constituição da Segunda República foi<br />

revogada antes que tivessem sido promulgados os códigos nacionais de processo. Durante sua vigência,<br />

portanto, subsistiu, relativamente ao júri, o que já vinha do regime passado.<br />

A Carta de 1937 foi omissa sobre o assunto, cando, pois, o legislador ordinário com a liberdade de<br />

suprimir ou conservar o júri, organizando-o e denindo sua competência como bem lhe aprouvesse. Não<br />

tardou o decreto-lei no 167, de 5 de janeiro de 1938,112 cuja principal inovação consistiu em permitir<br />

que os tribunais de segunda instância reformassem, no mérito, as decisões do júri, “para aplicar a pena<br />

justa, ou absolver o réu, conforme o caso”, quando a decisão recorrida estivesse em “completa<br />

divergência” com a prova produzida, ou “nenhum apoio” encontrasse nos autos.113<br />

Disse, mais tarde, o legislador federal que essa reforma reabilitou o júri na conança pública por ter<br />

posto m à sua “sistemática indulgência”; 114 não obstante, a Constituinte de 1946 restabeleceu a<br />

soberania dos veredictos do tribunal popular, exigindo ainda sua composição em número ímpar, sigilo<br />

das votações e plenitude de defesa para o acusado. Quanto à competência, só tornou obrigatória a<br />

inclusão dos crimes dolosos contra a vida, deixando quaisquer outros ao critério do legislador<br />

ordinário.115 A legislação então vigente já foi adaptada aos novos preceitos constitucionais.116<br />

Desde sua introdução no Brasil, o júri tem sido alvo de muitas críticas e vem encontrado<br />

combativos defensores. Seus próprios apologistas não lhe negam os defeitos, conando em que o tempo e<br />

a educação do povo os corrijam.117 Nossos legisladores não têm tido, porém, a paciência de esperar, ou<br />

melhor, têm procurado colaborar com o tempo, “aperfeiçoando” o júri: a consequência, na melhor das<br />

hipóteses, vem sendo a redução de suas atribuições.118<br />

Não é nosso objetivo participar da polêmica sobre o esplendor e as misérias do júri, mas tão somente<br />

notar suas relações com o sistema “coronelista”. O tribunal popular, durante o longo período que

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