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LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto

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determinar às autoridades locais que “façam as benfeitorias públicas, calçadas, pontes, fontes, poços,<br />

chafarizes, caminhos, casas do Concelho, picotas, e outras benfeitorias, que forem necessárias,<br />

mandando logo fazer as que cumprir de novo sejam feitas, e reparar as que houverem mister reparo”. 6<br />

Resumindo as atribuições de caráter local, dispunham as Ordenações que “aos vereadores pertence ter<br />

carrego de todo o regimento da terra e das obras do Concelho, e de tudo o que puderem saber, e<br />

entender, porque a terra e os moradores dela possam bem viver, e nisto hão de trabalhar”. 7 Para<br />

satisfação desses encargos, dispunham as câmaras de rendas próprias, em regra exíguas, ou recorriam a<br />

contribuições especiais para determinada obra.8<br />

Não se pode, entretanto, compreender o funcionamento das instituições daquele tempo, inclusive<br />

das autoridades locais, com a noção moderna da separação de poderes, baseada na divisão das funções<br />

em legislativas, executivas e judiciárias.9 Havia, nesse terreno, atordoadora confusão, exercendo as<br />

mesmas autoridades funções públicas de qualquer natureza, limitadas quantitativamente pela denição,<br />

nem sempre clara, das suas atribuições, e subordinadas a um controle gradativo, que subia até ao rei.10<br />

Descrevendo as câmaras da Colônia, observa Carvalho Mourão que tinham<br />

funções muito mais importantes do que as das modernas municipalidades. Assim é que, além das atribuições de interesse peculiar<br />

do município, exerciam elas funções hoje a cargo do Ministério Público, denunciando crimes e abusos aos juízes, desempenhavam<br />

funções de polícia rural e de inspeção da higiene pública, auxiliavam os alcaides no policiamento da terra e elegiam grande número<br />

de funcionários da administração geral, tais como: os almotacés, assistidos do alcaide-mor;11 os quatro recebedores das sisas, os<br />

depositários judiciais, o do cofre de órfãos, o da décima, os avaliadores dos bens penhorados, o escrivão das armas, os quadrilheiros<br />

— guardas policiais do termo — e outros funcionários. Tinham, além disso, as Câmaras o direito de nomear procuradores às<br />

Cortes [...]12<br />

Afora as funções policiais e judiciárias, de que trataremos com mais minudência em outro lugar,13 o<br />

exercício das atribuições da câmara competia, ou aos vereadores reunidos com o juiz, ou especicamente<br />

a determinado funcionário. O procurador, por exemplo, requeria e scalizava as obras de que<br />

necessitassem os bens do concelho, cobrava as multas, representava o concelho em juízo e funcionava<br />

como tesoureiro, onde não houvesse. O tesoureiro arrecadava as rendas e fazia as despesas determinadas<br />

pelos vereadores, e o escrivão funcionava como secretário e encarregado da escrituração da câmara e<br />

como escrivão judicial nas causas de jurisdição desta.14<br />

O regime municipal sob o domínio holandês apresentava certas peculiaridades,15 e os aldeamentos<br />

de índios administrados por ordens religiosas não podiam ser considerados exemplos de governo local.16<br />

Não é possível, contudo, saber o que eram as câmaras coloniais pelo simples exame da legislação<br />

aplicável. Se, no entender de Carvalho Mourão, não chegamos a ter municipalismo original, as<br />

“pretensões exorbitantes” e os “ímpetos de rebeldia” das câmaras, que ele qualica de “fatos acidentais”, 17<br />

reetiram durante muito tempo o estado social da Colônia, com o poder privado desaando o poder<br />

público e quase sempre tolerado e não raro estimulado pela Coroa. Durante período bem longo — cujo<br />

termo nal Caio Prado Jr. situa em meados do século XVII, como adiante veremos —, as câmaras<br />

exerceram imenso poder, que se desenvolveu à margem dos textos legais e muitas vezes contra eles. Não<br />

raro, porém, a Coroa sancionava usurpações, praticadas através das câmaras pelos onipotentes senhores<br />

rurais. Legalizava-se, assim, uma situação concreta, subversiva do direito legislado, mas em plena

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