LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto
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sistema político, tem feição marcadamente governista. Para alcançar esse resultado, o governo estadual<br />
teve de garantir sua posição de parte forte naquele compromisso político.<br />
Essa ascendência dos dirigentes do Estado resulta naturalmente do fortalecimento do poder público,<br />
mas tem sido consolidada pelo reetido emprego desse poder para ns de política partidária. A<br />
precariedade das garantias da magistratura e do Ministério Público (ou sua ausência) e a livre<br />
disponibilidade do aparelho policial sempre desempenharam a esse respeito saliente papel, de manifesta<br />
inuência no falseamento do voto, e essa prática — atenuada, é certo — ainda subsiste. A utilização do<br />
dinheiro, dos serviços e dos cargos públicos, como processo usual de ação partidária, também se tem<br />
revelado de grande ecácia na realização dos mesmos objetivos. Finalmente, a submissão do município<br />
foi expediente muito útil para garantir a preponderância da situação estadual em seus entendimentos<br />
com os chefes locais. Sem receita suciente, atadas as mãos por processos variados de tutela, cerceadas<br />
por vezes na composição do seu próprio governo, as comunas só podiam realizar qualquer coisa de<br />
proveitoso quando tivessem o amparo do alto.<br />
Não é, pois, de estranhar que o “coronelismo” seja um sistema político essencialmente governista.<br />
Com a polícia no rastro, mal garantidos pela justiça precária, sem dinheiro e sem poderes para realizar os<br />
melhoramentos locais mais urgentes, destituídos de recursos para as despesas eleitorais e não dispondo<br />
de cargos públicos nem de empreitadas ociais para premiar os correligionários, quase nunca têm tido os<br />
chefes municipais da oposição outra alternativa senão apoiar o governo. Como, todavia, não é possível<br />
apagar completamente as rivalidades locais, há sempre “coronéis” oposicionistas, a quem tudo se nega e<br />
sobre cujas cabeças desaba o poder público, manejado pelos adversários. Daí a crônica truculência da<br />
facção local governista, acompanhada muitas vezes de represálias; daí também o favoritismo em relação<br />
aos amigos do governo, tão pernicioso para a regularidade da administração municipal.<br />
Dentro desse quadro, a falta de autonomia legal do município nunca chegou a ser sentida como<br />
problema crucial, porque sempre foi compensada com uma extensa autonomia extralegal, concedida pelo<br />
governo do Estado ao partido local de sua preferência. Essa contraprestação estadual no compromisso<br />
“coronelista” explica, em grande parte, o apoio que os legisladores estaduais — homens em sua maioria<br />
do interior — sempre deram aos projetos de leis atroadoras do município. Com tais medidas, só os<br />
adversários cavam realmente prejudicados: de uma parte, a corrente local governista sempre obteria do<br />
Estado o que reputasse indispensável e, de outra, quanto maior a dependência da comuna, tanto maiores<br />
as probabilidades de vitória da facção situacionista nas próprias eleições municipais.<br />
O fortalecimento do poder público não tem sido, pois, acompanhado de correspondente<br />
enfraquecimento do “coronelismo”; tem, ao contrário, contribuído para consolidar o sistema, garantindo<br />
aos condutores da máquina ocial do Estado quinhão mais substancioso na barganha que o congura.<br />
Os próprios instrumentos do poder constituído é que são utilizados, paradoxalmente, para rejuvenescer,<br />
segundo linhas partidárias, o poder privado residual dos “coronéis”, que assenta basicamente numa<br />
estrutura agrária em fase de notória decadência.<br />
Essa decadência é imprescindível para a compreensão do “coronelismo”, porque na medida em que<br />
se fragmenta e dilui a inuência “natural” dos donos de terras, mais necessário se torna o apoio do<br />
oficialismo para garantir o predomínio estável de uma corrente política local.<br />
Nessa tentativa de conceituação do “coronelismo”, procuramos acentuar seus traços mais gerais e