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28 Lusitano<br />
OPINIÃO<br />
A piada que isto (não) tem<br />
ANTÓNIO M. RIBEIRO (UHF)<br />
Quando um sujeito está a convalescer<br />
vê mais televisão. Ontem<br />
corri os canais para perceber o que<br />
estava em causa na acusação do<br />
Processo Marquês e acabei por ouvir<br />
os explicadores profissionais do<br />
costume repetirem o costume a que<br />
as suas profissões obrigam – questão<br />
corporativa, paninhos quentes,<br />
como diz o povo que enche a boca<br />
da nossa classe política.<br />
Lembrei-me depois de um amigo<br />
que há uns anos me informou que se<br />
tinha reformado. Profissão: inspector<br />
da Polícia Judiciária, trabalhando<br />
nos delitos de colarinho branco.<br />
Com ele saíram uns quantos sem<br />
alarido. Motivo: desalento. Procurador-Geral<br />
da República em funções<br />
à altura: Dr. Pinto Monteiro.<br />
Falámos o possível, cumprindo a reserva<br />
do silêncio a que estava obrigado.<br />
Ainda lhe perguntei por que<br />
não escrevia um livro. “Não posso”,<br />
respondeu, leal a essa reserva.<br />
Depois recordei-me do processo<br />
Madoff, preso pelo FBI em 2008,<br />
julgado e condenado em 2009 –<br />
levou um ano. Nem tudo é mau na<br />
América, até porque o dinheiro e a<br />
confiança fazem parte do sistema e<br />
não podem parar.<br />
Recordo as notas explicativas dos<br />
doutos pensadores com escritório<br />
da praça sobre este mega-processo<br />
que abala (?) a nossa sociedade<br />
e vejo um pouco mais longe. O<br />
Processo Marquês é – finalmente<br />
– a exposição do monstro que a democracia<br />
retomada em 1974 criou,<br />
um emaranhado de possibilidades<br />
legais de uns quantos para dominarem<br />
a máquina – a teta – do Estado.<br />
É por isso que quando me agitam<br />
que é preciso mais Estado torço o<br />
nariz: na gamela do Estado até os<br />
mais empedernidos capitalistas se<br />
perfilam de mão estendida para<br />
uma benesse. Mexer um dedo custa<br />
dinheiro em Portugal, é o capitalismo<br />
de risco limitado.<br />
Os anos que este processo pode consumir<br />
tingem de vergonha um homem normal. Dez,<br />
doze anos, mais? Iremos assistir à coreografia<br />
dos advogados preparados para a dilação (legal)<br />
dos prazos. À fila interminável das testemunhas<br />
que entopem o processo. À amnésia<br />
súbita, selectiva e até aos óbitos de alguns<br />
intervenientes em idade avançada. O tango<br />
dos recursos virá no fim. Chamamos a isto<br />
justiça?<br />
A culpa está no legislador, nesta casta de<br />
deputados que entregou a coisa pública aos<br />
seus interesses tribais. Não há ligação de seriedade<br />
entre um eleito e um eleitor, há um<br />
processo, ponto final. Costumo dizer que o<br />
MFA devolveu-nos a democracia para legalizarmos<br />
a corrupção. Somos um país de espertos.<br />
Um dia, há conversa com um amigo francês<br />
que me ouvia zurzir na dormência da minha<br />
nação, expliquei-lhe que tínhamos tudo<br />
como os outros mas que nada funcionava.<br />
Portugal merece mais e melhor.<br />
A razão deste texto centra-se (também) na<br />
experiência vívida que levou um processo<br />
jurídico que me opôs a uma “stalker” entre<br />
2007 e 2012, e que será contado em livro no<br />
próximo ano. Ninguém tem de passar pelo<br />
que eu passei durante cinco anos de diatribes<br />
judiciais.<br />
Quando no ano passado três abutres do Facebook<br />
puseram em causa o meu bom nome<br />
e integridade moral, por causa do “affaire<br />
Avante”, movi três acções judiciais. Passado<br />
um ano continuo a aguardar o seu desenvolvimento<br />
dos processos. Uma justiça que não<br />
é célere só beneficia o infractor na trincheira<br />
de ser um presumível inocente até prova (estendida)<br />
em contrário.<br />
Não sou juíz, nem aceito julgamentos na praça<br />
pública, só exijo decência na causa pública,<br />
é o regime que está em causa e a forma<br />
que permite o assalto ao poder, esse poder<br />
de distribuir dinheiro mantendo a nação na<br />
tibieza de cresce/não cresce.<br />
Quando se afunda uma empresa com a força<br />
da PT, de valor financeiro e inovação tecnológica<br />
ímpares, como quem joga Monopólio,<br />
tudo está em causa. Os cidadãos, os contribuintes<br />
sob a densa carga dos impostos, devem<br />
exigir que a verdade conheça a luz do<br />
dia e ainda estejamos vivos para a desfrutar.