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Novembro - Nº 235

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28 Lusitano<br />

OPINIÃO<br />

A piada que isto (não) tem<br />

ANTÓNIO M. RIBEIRO (UHF)<br />

Quando um sujeito está a convalescer<br />

vê mais televisão. Ontem<br />

corri os canais para perceber o que<br />

estava em causa na acusação do<br />

Processo Marquês e acabei por ouvir<br />

os explicadores profissionais do<br />

costume repetirem o costume a que<br />

as suas profissões obrigam – questão<br />

corporativa, paninhos quentes,<br />

como diz o povo que enche a boca<br />

da nossa classe política.<br />

Lembrei-me depois de um amigo<br />

que há uns anos me informou que se<br />

tinha reformado. Profissão: inspector<br />

da Polícia Judiciária, trabalhando<br />

nos delitos de colarinho branco.<br />

Com ele saíram uns quantos sem<br />

alarido. Motivo: desalento. Procurador-Geral<br />

da República em funções<br />

à altura: Dr. Pinto Monteiro.<br />

Falámos o possível, cumprindo a reserva<br />

do silêncio a que estava obrigado.<br />

Ainda lhe perguntei por que<br />

não escrevia um livro. “Não posso”,<br />

respondeu, leal a essa reserva.<br />

Depois recordei-me do processo<br />

Madoff, preso pelo FBI em 2008,<br />

julgado e condenado em 2009 –<br />

levou um ano. Nem tudo é mau na<br />

América, até porque o dinheiro e a<br />

confiança fazem parte do sistema e<br />

não podem parar.<br />

Recordo as notas explicativas dos<br />

doutos pensadores com escritório<br />

da praça sobre este mega-processo<br />

que abala (?) a nossa sociedade<br />

e vejo um pouco mais longe. O<br />

Processo Marquês é – finalmente<br />

– a exposição do monstro que a democracia<br />

retomada em 1974 criou,<br />

um emaranhado de possibilidades<br />

legais de uns quantos para dominarem<br />

a máquina – a teta – do Estado.<br />

É por isso que quando me agitam<br />

que é preciso mais Estado torço o<br />

nariz: na gamela do Estado até os<br />

mais empedernidos capitalistas se<br />

perfilam de mão estendida para<br />

uma benesse. Mexer um dedo custa<br />

dinheiro em Portugal, é o capitalismo<br />

de risco limitado.<br />

Os anos que este processo pode consumir<br />

tingem de vergonha um homem normal. Dez,<br />

doze anos, mais? Iremos assistir à coreografia<br />

dos advogados preparados para a dilação (legal)<br />

dos prazos. À fila interminável das testemunhas<br />

que entopem o processo. À amnésia<br />

súbita, selectiva e até aos óbitos de alguns<br />

intervenientes em idade avançada. O tango<br />

dos recursos virá no fim. Chamamos a isto<br />

justiça?<br />

A culpa está no legislador, nesta casta de<br />

deputados que entregou a coisa pública aos<br />

seus interesses tribais. Não há ligação de seriedade<br />

entre um eleito e um eleitor, há um<br />

processo, ponto final. Costumo dizer que o<br />

MFA devolveu-nos a democracia para legalizarmos<br />

a corrupção. Somos um país de espertos.<br />

Um dia, há conversa com um amigo francês<br />

que me ouvia zurzir na dormência da minha<br />

nação, expliquei-lhe que tínhamos tudo<br />

como os outros mas que nada funcionava.<br />

Portugal merece mais e melhor.<br />

A razão deste texto centra-se (também) na<br />

experiência vívida que levou um processo<br />

jurídico que me opôs a uma “stalker” entre<br />

2007 e 2012, e que será contado em livro no<br />

próximo ano. Ninguém tem de passar pelo<br />

que eu passei durante cinco anos de diatribes<br />

judiciais.<br />

Quando no ano passado três abutres do Facebook<br />

puseram em causa o meu bom nome<br />

e integridade moral, por causa do “affaire<br />

Avante”, movi três acções judiciais. Passado<br />

um ano continuo a aguardar o seu desenvolvimento<br />

dos processos. Uma justiça que não<br />

é célere só beneficia o infractor na trincheira<br />

de ser um presumível inocente até prova (estendida)<br />

em contrário.<br />

Não sou juíz, nem aceito julgamentos na praça<br />

pública, só exijo decência na causa pública,<br />

é o regime que está em causa e a forma<br />

que permite o assalto ao poder, esse poder<br />

de distribuir dinheiro mantendo a nação na<br />

tibieza de cresce/não cresce.<br />

Quando se afunda uma empresa com a força<br />

da PT, de valor financeiro e inovação tecnológica<br />

ímpares, como quem joga Monopólio,<br />

tudo está em causa. Os cidadãos, os contribuintes<br />

sob a densa carga dos impostos, devem<br />

exigir que a verdade conheça a luz do<br />

dia e ainda estejamos vivos para a desfrutar.

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