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Revista Curinga Edição 12

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Opinião<br />

Conversa<br />

fantasma<br />

Texto: Israel Marinho<br />

Foto: Isadora Lira<br />

Arte: Joyce Mendes<br />

Chego à Passagem com a<br />

missão de fazer uma entrevista diferente.<br />

A ideia é conversar com o fantasma da Mina<br />

da Passagem. Conhecido pelos moradores<br />

como Capitão Jackes, era um homem importante<br />

no final do Século XVIII,<br />

responsável pelo envio do ouro das cidades mineiras<br />

para o Rio de Janeiro que era Capital do Império.<br />

Jackes foi um explorador inglês que comandou vários<br />

empregados que trabalhavam na mina e por isso possuía<br />

a patente de Capitão. Autoritário, ranzinza, tratava seus<br />

subordinados com bastante rigidez. Mesmo sendo rude, ele tinha o<br />

simples desejo de encontrar ao menos uma pepita de ouro.<br />

Essa era a sua única ambição. Morreu buscando a sua riqueza e até<br />

hoje volta às galerias em busca do seu sonhado tesouro.<br />

Vou até a Mina e resolvo entrar em busca do fantasma.<br />

Depois algum tempo de caminhada nas escuras e estreitas galerias,<br />

vejo um vulto. Encontro Jackes sentado. É um senhor de 60 e poucos anos<br />

com rugas em todos os cantos do rosto. Usa um chapéu de couro com alguns<br />

detalhes prateados. Suas roupas são de uma cor difícil de ser distinguida.<br />

Parece um marrom, mas ao chegar perto se tornar mais claro parecendo um<br />

laranja. Calça uma bota visivelmente desgastada pelo tempo.<br />

Com um olhar um tanto ameaçador, nota a minha presença. Tento<br />

balbuciar algumas palavras, mas me interrompe. Resmunga, parece estar<br />

incomodado comigo. Abaixa a cabeça e sorri a todo o momento.<br />

De repente, se levanta e vem em minha direção e só para quando está frente a<br />

frente a mim. Fica me olhando. Continuo parado. Não me intimido e nem me amedronto<br />

com a presença dele. Jackes coloca sua mão direita em meu ombro e quando<br />

percebe que estou disposto a ouvi-lo, começa a falar.<br />

Inicia confessando ser muito sozinho, pois os outros fantasmas da região são<br />

muito isolados. Achou bom alguém tentar conversar com ele, pois as pessoas têm<br />

medo e não conhecem a sua história. Decepciona-se, pois o conhecem apenas como<br />

um fantasma e não como uma figura importante da cultura e da história da cidade.<br />

Visivelmente chateado, diz que merece um reconhecimento maior relembrando alguns<br />

acontecimentos que presenciou como as várias brigas e lutas dos seus empregados pelo<br />

fim da escravidão e se revolta por não poder contá-las para mais ninguém. Após uma pausa,<br />

olha pra baixo e diz aceitar a sua situação e que tem a certeza que um dia as pessoas vão procurá-lo<br />

para saber mais da sua vida e de tudo que sabe da Mina.<br />

Depois de um instante de silêncio e de cabeça baixa, me surpreende com um abraço.<br />

Agradecendo a atenção, se afasta, acena e desaparece misteriosamente.<br />

Saio da mina feliz e com a certeza de que Capitão Jackes é bom e com a missão de mostrar aos moradores<br />

a verdadeira personalidade daquele fantasma camarada de verdade.

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