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edição de 19 de fevereiro de 2018

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STORYTELLER<br />

molotovcoketail/iStock<br />

Mais uma<br />

Por aquela sucessão <strong>de</strong> burrices que<br />

<strong>de</strong>rruba avião, começa guerras e <strong>de</strong>strói<br />

reputações, alguém trocou os DVDs<br />

LULA VIEIRA<br />

Passei o Carnaval em casa, com família<br />

e neta. Apaixonado por Carnaval, <strong>de</strong>sta<br />

vez nem vi televisão. Não tenho i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

quem ganhou nos <strong>de</strong>sfiles do Brasil inteiro.<br />

E olhe que gosto muito <strong>de</strong> fantasia, alegria,<br />

bunda, peito, embora saiba que não é não.<br />

Permito-me apenas um olhar cúpido (que<br />

língua a nossa!). Bom e respeitoso cidadão,<br />

não olho fixo para as <strong>de</strong>usas que passam<br />

no turbilhão da galeria, mas faço-o <strong>de</strong> rabo<br />

(epa!) <strong>de</strong> olho. Só saí para ir ao Teatro Oi<br />

Casa Gran<strong>de</strong>. E me lembrei <strong>de</strong> uma cagada<br />

monumental que fizemos quando patrocinamos<br />

um musical naquele teatro. Nós<br />

não, um cliente nosso, com nossa interveniência.<br />

E burrice. Para a noite <strong>de</strong> estreia,<br />

distribuimos convites para altíssimas autorida<strong>de</strong>s,<br />

empresários importantes, jornalistas<br />

<strong>de</strong> primeiro time e algumas celebrida<strong>de</strong>s<br />

mais longevas do que os 15 minutos<br />

que o Andy Warhol permite. A história é<br />

velha. Naquele tempo o prefeito do Rio ia a<br />

espetáculos teatrais. Uma noite fenomenal,<br />

para o qual o cliente reuniu toda a família<br />

e os maiores amigos, a diretoria inteira e o<br />

conselho <strong>de</strong> administração. A glória.<br />

Conseguimos que o teatro nos permitisse<br />

fazer uma projeção falando do orgulho<br />

do patrocinador em participar <strong>de</strong> tão<br />

importante espetáculo. Algo naquela base<br />

meio babaca <strong>de</strong> que a empresa, além <strong>de</strong> sua<br />

profunda preocupação com o progresso e<br />

o bem-estar da população, também cuida<br />

da cultura. A <strong>de</strong>magogia básica da qual a<br />

gente, por mais crítico que seja, não consegue<br />

escapar. An<strong>de</strong>i pensando em quebrar<br />

os paradigmas (meu Deus! “Quebrar paradigmas”<br />

– cheguei no fundo do poço) e<br />

propor um texto menos lugar-comum, mas<br />

a diretoria <strong>de</strong> comunicação foi contra e o<br />

responsável – veterano jornalista – acabou<br />

perpetrando ele mesmo o texto. Pegamos<br />

as imagens <strong>de</strong> um enorme, insuportável,<br />

documentário <strong>de</strong> apresentação, que era<br />

utilizado para os novatos na empresa conhecerem<br />

a casa e aproveitamos algumas<br />

imagens. Para fazer justiça ao texto, escolhemos<br />

as tomadas grandiosas das fábricas<br />

e instalações, intercaladas com as tradicionais<br />

cenas <strong>de</strong> operários e técnicos trabalhando,<br />

arrumadinhos e felizes. Aqueles<br />

materiais que todos nós já vimos milhares<br />

<strong>de</strong> vezes. Pelo menos todo mundo aceitou<br />

que a chorumela toda não levasse mais do<br />

que 30 segundos. Mandamos fazer o material,<br />

revisamos tudo cuidadosamente e, para<br />

garantir que não haveria nenhuma falha,<br />

testamos o equipamento do teatro. Corta.<br />

Estamos na noite <strong>de</strong> estreia. Tinha gente<br />

da maior importância. Três ministros, um<br />

governador, o prefeito, sete secretários <strong>de</strong><br />

Estado, um <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, celebrida<strong>de</strong>,<br />

artistas, mulheres gostosas, celebrida<strong>de</strong>s<br />

célebres por serem celebrida<strong>de</strong>s, quatro<br />

craques <strong>de</strong> futebol, tudo que faz uma<br />

festa importante. Eu não pu<strong>de</strong> ir (não sei se<br />

por sorte), mas me contaram em <strong>de</strong>talhes<br />

o que ocorreu. Na última hora, por aquela<br />

sucessão <strong>de</strong> burrices que <strong>de</strong>rruba avião, começa<br />

guerras e <strong>de</strong>strói reputações, alguém<br />

trocou os DVDs da projeção. E, em vez da<br />

edição <strong>de</strong> 30 segundos, iniciou-se a projeção<br />

do documentário <strong>de</strong> quase meia hora.<br />

Na tela, a história da fundação da empresa,<br />

seus i<strong>de</strong>ais, cada uma das instalações,<br />

sua preocupação social, o clube <strong>de</strong> esportes,<br />

o <strong>de</strong>partamento médico, blá-blá-blá. A distinta<br />

platéia começa a se mexer, incomodada.<br />

O cliente fica rubro <strong>de</strong> vergonha e raiva.<br />

Inicia-se uma correria e uma discussão do<br />

que fazer? On<strong>de</strong> anda o filho da puta do Lula?<br />

Finalmente alguém consegue entrar na<br />

cabine <strong>de</strong> projeção e tirar do ar a porcaria do<br />

documentário, mais ou menos na hora que<br />

um operário olhando fixo para a câmara,<br />

com cara <strong>de</strong> bobo, recitava uma <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> amor à instituição. Decidiu-se que alguém<br />

falaria pelo sistema <strong>de</strong> som algo como<br />

“pedimos <strong>de</strong>sculpas pelo engano <strong>de</strong>sta projeção.<br />

Convidamos a todos assistir ao espetáculo”.<br />

Mas, como sempre teve palpiteiro<br />

contra, iniciou-se uma confusão, acen<strong>de</strong>ram-se<br />

as luzes da plateia, a briga foi ficando<br />

feia e... coroou-se a noite. No momento<br />

mais quente da discussão, o operador abriu<br />

o microfone da cabine e ouviu-se em quantida<strong>de</strong>s<br />

industriais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cibéis um sonoro<br />

“putaqueopariu!”. E começou o espetáculo.<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />

Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />

radialista, escritor, editor e professor<br />

lulavieira@grupomesa.com.br<br />

jornal propmark - <strong>19</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> <strong>19</strong>

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