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STORYTELLER<br />
molotovcoketail/iStock<br />
Mais uma<br />
Por aquela sucessão <strong>de</strong> burrices que<br />
<strong>de</strong>rruba avião, começa guerras e <strong>de</strong>strói<br />
reputações, alguém trocou os DVDs<br />
LULA VIEIRA<br />
Passei o Carnaval em casa, com família<br />
e neta. Apaixonado por Carnaval, <strong>de</strong>sta<br />
vez nem vi televisão. Não tenho i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
quem ganhou nos <strong>de</strong>sfiles do Brasil inteiro.<br />
E olhe que gosto muito <strong>de</strong> fantasia, alegria,<br />
bunda, peito, embora saiba que não é não.<br />
Permito-me apenas um olhar cúpido (que<br />
língua a nossa!). Bom e respeitoso cidadão,<br />
não olho fixo para as <strong>de</strong>usas que passam<br />
no turbilhão da galeria, mas faço-o <strong>de</strong> rabo<br />
(epa!) <strong>de</strong> olho. Só saí para ir ao Teatro Oi<br />
Casa Gran<strong>de</strong>. E me lembrei <strong>de</strong> uma cagada<br />
monumental que fizemos quando patrocinamos<br />
um musical naquele teatro. Nós<br />
não, um cliente nosso, com nossa interveniência.<br />
E burrice. Para a noite <strong>de</strong> estreia,<br />
distribuimos convites para altíssimas autorida<strong>de</strong>s,<br />
empresários importantes, jornalistas<br />
<strong>de</strong> primeiro time e algumas celebrida<strong>de</strong>s<br />
mais longevas do que os 15 minutos<br />
que o Andy Warhol permite. A história é<br />
velha. Naquele tempo o prefeito do Rio ia a<br />
espetáculos teatrais. Uma noite fenomenal,<br />
para o qual o cliente reuniu toda a família<br />
e os maiores amigos, a diretoria inteira e o<br />
conselho <strong>de</strong> administração. A glória.<br />
Conseguimos que o teatro nos permitisse<br />
fazer uma projeção falando do orgulho<br />
do patrocinador em participar <strong>de</strong> tão<br />
importante espetáculo. Algo naquela base<br />
meio babaca <strong>de</strong> que a empresa, além <strong>de</strong> sua<br />
profunda preocupação com o progresso e<br />
o bem-estar da população, também cuida<br />
da cultura. A <strong>de</strong>magogia básica da qual a<br />
gente, por mais crítico que seja, não consegue<br />
escapar. An<strong>de</strong>i pensando em quebrar<br />
os paradigmas (meu Deus! “Quebrar paradigmas”<br />
– cheguei no fundo do poço) e<br />
propor um texto menos lugar-comum, mas<br />
a diretoria <strong>de</strong> comunicação foi contra e o<br />
responsável – veterano jornalista – acabou<br />
perpetrando ele mesmo o texto. Pegamos<br />
as imagens <strong>de</strong> um enorme, insuportável,<br />
documentário <strong>de</strong> apresentação, que era<br />
utilizado para os novatos na empresa conhecerem<br />
a casa e aproveitamos algumas<br />
imagens. Para fazer justiça ao texto, escolhemos<br />
as tomadas grandiosas das fábricas<br />
e instalações, intercaladas com as tradicionais<br />
cenas <strong>de</strong> operários e técnicos trabalhando,<br />
arrumadinhos e felizes. Aqueles<br />
materiais que todos nós já vimos milhares<br />
<strong>de</strong> vezes. Pelo menos todo mundo aceitou<br />
que a chorumela toda não levasse mais do<br />
que 30 segundos. Mandamos fazer o material,<br />
revisamos tudo cuidadosamente e, para<br />
garantir que não haveria nenhuma falha,<br />
testamos o equipamento do teatro. Corta.<br />
Estamos na noite <strong>de</strong> estreia. Tinha gente<br />
da maior importância. Três ministros, um<br />
governador, o prefeito, sete secretários <strong>de</strong><br />
Estado, um <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, celebrida<strong>de</strong>,<br />
artistas, mulheres gostosas, celebrida<strong>de</strong>s<br />
célebres por serem celebrida<strong>de</strong>s, quatro<br />
craques <strong>de</strong> futebol, tudo que faz uma<br />
festa importante. Eu não pu<strong>de</strong> ir (não sei se<br />
por sorte), mas me contaram em <strong>de</strong>talhes<br />
o que ocorreu. Na última hora, por aquela<br />
sucessão <strong>de</strong> burrices que <strong>de</strong>rruba avião, começa<br />
guerras e <strong>de</strong>strói reputações, alguém<br />
trocou os DVDs da projeção. E, em vez da<br />
edição <strong>de</strong> 30 segundos, iniciou-se a projeção<br />
do documentário <strong>de</strong> quase meia hora.<br />
Na tela, a história da fundação da empresa,<br />
seus i<strong>de</strong>ais, cada uma das instalações,<br />
sua preocupação social, o clube <strong>de</strong> esportes,<br />
o <strong>de</strong>partamento médico, blá-blá-blá. A distinta<br />
platéia começa a se mexer, incomodada.<br />
O cliente fica rubro <strong>de</strong> vergonha e raiva.<br />
Inicia-se uma correria e uma discussão do<br />
que fazer? On<strong>de</strong> anda o filho da puta do Lula?<br />
Finalmente alguém consegue entrar na<br />
cabine <strong>de</strong> projeção e tirar do ar a porcaria do<br />
documentário, mais ou menos na hora que<br />
um operário olhando fixo para a câmara,<br />
com cara <strong>de</strong> bobo, recitava uma <strong>de</strong>claração<br />
<strong>de</strong> amor à instituição. Decidiu-se que alguém<br />
falaria pelo sistema <strong>de</strong> som algo como<br />
“pedimos <strong>de</strong>sculpas pelo engano <strong>de</strong>sta projeção.<br />
Convidamos a todos assistir ao espetáculo”.<br />
Mas, como sempre teve palpiteiro<br />
contra, iniciou-se uma confusão, acen<strong>de</strong>ram-se<br />
as luzes da plateia, a briga foi ficando<br />
feia e... coroou-se a noite. No momento<br />
mais quente da discussão, o operador abriu<br />
o microfone da cabine e ouviu-se em quantida<strong>de</strong>s<br />
industriais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cibéis um sonoro<br />
“putaqueopariu!”. E começou o espetáculo.<br />
Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />
Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />
radialista, escritor, editor e professor<br />
lulavieira@grupomesa.com.br<br />
jornal propmark - <strong>19</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> <strong>19</strong>