You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
última página<br />
Michail_Petroc-96/iStock<br />
por uma vida<br />
menos ordinária<br />
Claudia Penteado<br />
filme The Post é um <strong>de</strong>sses <strong>de</strong> efeito<br />
O renovador na <strong>de</strong>voção ao bom jornalismo.<br />
Para mim, a chave do filme está no<br />
momento em que Katharine Graham, em<br />
reunião com investidores e advogados sobre<br />
a abertura <strong>de</strong> capital do jornal, afirma<br />
que o jornalismo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> aumenta os<br />
lucros. Simples causa e efeito. Nesta terra<br />
<strong>de</strong> ninguém chamada “conteúdo”, <strong>de</strong> alguma<br />
forma, parece se tornar necessário<br />
lançar mão <strong>de</strong> algumas “velhas crenças”,<br />
que serviram <strong>de</strong> base para a construção<br />
do jornalismo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Romper com<br />
o po<strong>de</strong>r, naquela ocasião, numa batalha<br />
que uniu, <strong>de</strong> maneira até então impensável,<br />
os rivais The Washington Post e The<br />
New York Times, em nome da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
imprensa, teve efeito fundador nessa profissão,<br />
e é uma baita aula <strong>de</strong> ética capaz<br />
<strong>de</strong> mexer com o lado direito do cérebro <strong>de</strong><br />
qualquer bom profissional <strong>de</strong> jornalismo,<br />
em qualquer tempo, em qualquer<br />
lugar.<br />
Muito se per<strong>de</strong>u pelo caminho,<br />
mas o NYT, por exemplo,<br />
continua provando a tese <strong>de</strong><br />
Katharine: se valendo do bom<br />
jornalismo conseguiu chegar à<br />
marca <strong>de</strong> US$ 1 bilhão <strong>de</strong> faturamento<br />
com assinaturas, que<br />
hoje representam 60% da receita<br />
total. Recentemente, ao<br />
assumir o posto <strong>de</strong> publisher do jornal, A.<br />
G. Sulzberger relembrou votos feitos pelo<br />
jornal há 120 anos com o jornalismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
corajoso e confiável. Difícil não<br />
refletir sobre tudo isso em meio a discussões<br />
sobre fake news e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
eleger presi<strong>de</strong>ntes, as trapalhadas algorítmicas<br />
<strong>de</strong> Mark Zuckerberg, o <strong>de</strong>scontrole<br />
pantanoso da publicida<strong>de</strong> programática.<br />
Sempre me causa a impressão <strong>de</strong> que a<br />
perplexida<strong>de</strong> que nos trouxe até aqui, que<br />
nos <strong>de</strong>ixou chegar a este ponto, talvez viva<br />
finalmente seu ponto <strong>de</strong> inflexão, aquele<br />
divisor <strong>de</strong> águas transformador, capaz <strong>de</strong><br />
reverter toda a loucura e nos lembrar que<br />
as coisas já foram muito diferentes porque<br />
nos guiávamos por algumas regrinhas básicas.<br />
Quando foi que veículos <strong>de</strong> comunicação<br />
<strong>de</strong>cidiram se ren<strong>de</strong>r aos algoritmos dos<br />
gigantes digitais, talvez <strong>de</strong>sesperados por<br />
“Difícil não<br />
refletir<br />
sobre tuDo<br />
isso em meio<br />
a Discussões<br />
sobre fake<br />
news”<br />
audiência? Quando foi que a transparência<br />
passou a ser item secundário em nome da<br />
fantástica entrega <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e não qualida<strong>de</strong>?<br />
Quando foi...?<br />
No lugar <strong>de</strong> pensar se a Folha vai per<strong>de</strong>r<br />
audiência do jovem ao se retirar <strong>de</strong> uma<br />
plataforma que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que seus usuários<br />
vão ver - talvez seja o caso <strong>de</strong> analisar se<br />
este não seria um movimento importante<br />
na discussão sobre liberda<strong>de</strong> e acesso à<br />
informação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maneira<br />
geral. Se não seria uma discussão que <strong>de</strong>veria<br />
obter o apoio <strong>de</strong> outros veículos, muitos<br />
dos quais já consi<strong>de</strong>raram se opor a alguns<br />
gigantes digitais, mas acabaram se acostumando<br />
a dormir com o inimigo.<br />
Talvez a Folha consiga manter intacto<br />
seu castelo no topo da colina e seguir sua<br />
luta, provando que é possível viver fora do<br />
mundo dos algoritmos, se valendo <strong>de</strong> outras<br />
estratégias para espalhar seu conteúdo<br />
por aí. Talvez, como outros fizeram,<br />
volte atrás na sua <strong>de</strong>cisão,<br />
convencida <strong>de</strong> que não há outro<br />
caminho a seguir. Ou talvez convença<br />
outros players do mercado<br />
a se unirem em torno da i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> questionar - sempre salutar.<br />
Quando li a matéria na Folha<br />
sobre a sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> sair do<br />
Facebook confesso que me <strong>de</strong>u<br />
um orgulho alheio, <strong>de</strong> quem tem<br />
se<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma causa no<br />
meio <strong>de</strong> tanta conformida<strong>de</strong>. A Folha não<br />
está totalmente só, claro. A re<strong>de</strong>s sociais<br />
estão sob o olhar atento dos veículos, dos<br />
anunciantes e <strong>de</strong> muitos usuários que não<br />
estão gostando da vida monótona e limitadora<br />
dos algoritmos.<br />
Não sou revolucionária, nem contra os<br />
gran<strong>de</strong>s gigantes digitais. Uso e sempre fui<br />
entusiasta <strong>de</strong> todos. Mas, como usuária,<br />
<strong>de</strong>vo confessar que tem me incomodado<br />
sim o universo randômico ao qual ele me<br />
submete, quando me prometia o mundo<br />
inteiro à distância <strong>de</strong> alguns cliques. E não<br />
curto monopólios, ou duopólios, enfim,<br />
não é preciso ser um comunista ou um extremado<br />
capitalista para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r algo que<br />
<strong>de</strong>veria unir a todos: o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />
o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolher e o direito <strong>de</strong> saber. Por<br />
uma vida menos ordinária.<br />
42 <strong>19</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark