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edição de 19 de fevereiro de 2018

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última página<br />

Michail_Petroc-96/iStock<br />

por uma vida<br />

menos ordinária<br />

Claudia Penteado<br />

filme The Post é um <strong>de</strong>sses <strong>de</strong> efeito<br />

O renovador na <strong>de</strong>voção ao bom jornalismo.<br />

Para mim, a chave do filme está no<br />

momento em que Katharine Graham, em<br />

reunião com investidores e advogados sobre<br />

a abertura <strong>de</strong> capital do jornal, afirma<br />

que o jornalismo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> aumenta os<br />

lucros. Simples causa e efeito. Nesta terra<br />

<strong>de</strong> ninguém chamada “conteúdo”, <strong>de</strong> alguma<br />

forma, parece se tornar necessário<br />

lançar mão <strong>de</strong> algumas “velhas crenças”,<br />

que serviram <strong>de</strong> base para a construção<br />

do jornalismo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Romper com<br />

o po<strong>de</strong>r, naquela ocasião, numa batalha<br />

que uniu, <strong>de</strong> maneira até então impensável,<br />

os rivais The Washington Post e The<br />

New York Times, em nome da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

imprensa, teve efeito fundador nessa profissão,<br />

e é uma baita aula <strong>de</strong> ética capaz<br />

<strong>de</strong> mexer com o lado direito do cérebro <strong>de</strong><br />

qualquer bom profissional <strong>de</strong> jornalismo,<br />

em qualquer tempo, em qualquer<br />

lugar.<br />

Muito se per<strong>de</strong>u pelo caminho,<br />

mas o NYT, por exemplo,<br />

continua provando a tese <strong>de</strong><br />

Katharine: se valendo do bom<br />

jornalismo conseguiu chegar à<br />

marca <strong>de</strong> US$ 1 bilhão <strong>de</strong> faturamento<br />

com assinaturas, que<br />

hoje representam 60% da receita<br />

total. Recentemente, ao<br />

assumir o posto <strong>de</strong> publisher do jornal, A.<br />

G. Sulzberger relembrou votos feitos pelo<br />

jornal há 120 anos com o jornalismo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

corajoso e confiável. Difícil não<br />

refletir sobre tudo isso em meio a discussões<br />

sobre fake news e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

eleger presi<strong>de</strong>ntes, as trapalhadas algorítmicas<br />

<strong>de</strong> Mark Zuckerberg, o <strong>de</strong>scontrole<br />

pantanoso da publicida<strong>de</strong> programática.<br />

Sempre me causa a impressão <strong>de</strong> que a<br />

perplexida<strong>de</strong> que nos trouxe até aqui, que<br />

nos <strong>de</strong>ixou chegar a este ponto, talvez viva<br />

finalmente seu ponto <strong>de</strong> inflexão, aquele<br />

divisor <strong>de</strong> águas transformador, capaz <strong>de</strong><br />

reverter toda a loucura e nos lembrar que<br />

as coisas já foram muito diferentes porque<br />

nos guiávamos por algumas regrinhas básicas.<br />

Quando foi que veículos <strong>de</strong> comunicação<br />

<strong>de</strong>cidiram se ren<strong>de</strong>r aos algoritmos dos<br />

gigantes digitais, talvez <strong>de</strong>sesperados por<br />

“Difícil não<br />

refletir<br />

sobre tuDo<br />

isso em meio<br />

a Discussões<br />

sobre fake<br />

news”<br />

audiência? Quando foi que a transparência<br />

passou a ser item secundário em nome da<br />

fantástica entrega <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> e não qualida<strong>de</strong>?<br />

Quando foi...?<br />

No lugar <strong>de</strong> pensar se a Folha vai per<strong>de</strong>r<br />

audiência do jovem ao se retirar <strong>de</strong> uma<br />

plataforma que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o que seus usuários<br />

vão ver - talvez seja o caso <strong>de</strong> analisar se<br />

este não seria um movimento importante<br />

na discussão sobre liberda<strong>de</strong> e acesso à<br />

informação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maneira<br />

geral. Se não seria uma discussão que <strong>de</strong>veria<br />

obter o apoio <strong>de</strong> outros veículos, muitos<br />

dos quais já consi<strong>de</strong>raram se opor a alguns<br />

gigantes digitais, mas acabaram se acostumando<br />

a dormir com o inimigo.<br />

Talvez a Folha consiga manter intacto<br />

seu castelo no topo da colina e seguir sua<br />

luta, provando que é possível viver fora do<br />

mundo dos algoritmos, se valendo <strong>de</strong> outras<br />

estratégias para espalhar seu conteúdo<br />

por aí. Talvez, como outros fizeram,<br />

volte atrás na sua <strong>de</strong>cisão,<br />

convencida <strong>de</strong> que não há outro<br />

caminho a seguir. Ou talvez convença<br />

outros players do mercado<br />

a se unirem em torno da i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> questionar - sempre salutar.<br />

Quando li a matéria na Folha<br />

sobre a sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> sair do<br />

Facebook confesso que me <strong>de</strong>u<br />

um orgulho alheio, <strong>de</strong> quem tem<br />

se<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma causa no<br />

meio <strong>de</strong> tanta conformida<strong>de</strong>. A Folha não<br />

está totalmente só, claro. A re<strong>de</strong>s sociais<br />

estão sob o olhar atento dos veículos, dos<br />

anunciantes e <strong>de</strong> muitos usuários que não<br />

estão gostando da vida monótona e limitadora<br />

dos algoritmos.<br />

Não sou revolucionária, nem contra os<br />

gran<strong>de</strong>s gigantes digitais. Uso e sempre fui<br />

entusiasta <strong>de</strong> todos. Mas, como usuária,<br />

<strong>de</strong>vo confessar que tem me incomodado<br />

sim o universo randômico ao qual ele me<br />

submete, quando me prometia o mundo<br />

inteiro à distância <strong>de</strong> alguns cliques. E não<br />

curto monopólios, ou duopólios, enfim,<br />

não é preciso ser um comunista ou um extremado<br />

capitalista para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r algo que<br />

<strong>de</strong>veria unir a todos: o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolher e o direito <strong>de</strong> saber. Por<br />

uma vida menos ordinária.<br />

42 <strong>19</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark

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