Durante a história, foram criados vários instrumentos e formas de medir o tempo para garantir a sobrevivência por meio da lavoura, saber as mudanças na estação do ano, ou para se programar. Segundo o astrônomo Marcelo Anjos, membro da Sociedade de Estudos Astronômicos de Ouro Preto (Seaop), os primeiros relógios usados pelo homem foram os gnômons, um tipo de instrumento que, ao ser iluminado pelo Sol ou pela Lua, projetava uma sombra que se deslocava pela superfície, determinando a divisão do tempo. Ele também conta que ainda existem lugares onde as estações do ano são bem definidas, e isso já foi motivo de subsistência da raça humana. Como a Patagônia, na Argentina, onde o aquecimento global ainda não chegou. A ampulheta, ou relógio de areia, como é conhecida, também foi um dos primeiros objetos criados para medir o tempo. Teria sido inventada no século oito por um monge francês chamado Luipraud. Parecia que a areia demorava para passar de um cilindro ao outro, causando a sensação de dias longos e proporcionando em cada pessoa uma experiência, o que também acontece com outros marcadores temporais do cotidiano. Marcadores pessoais Quando ainda não existia televisão, eram os sinos, que, do alto das igrejas, informavam a população ouropretana sobre os acontecimentos. O sino foi considerado um importante mensageiro e ainda está presente principalmente na religião católica. Simbolicamente, a intensidade e o ritmo das badaladas, além de convidar os fiéis para as celebrações, podem expressar momentos de meditação, alegria, tristeza e respeito, entre outros. A moradora de Ouro Preto Terezinha Vieira não perdia a “reza”. Ouvia o sino tocar e sabia que precisava se arrumar para a missa das 10 horas no domingo. Quando teve seu primeiro relógio, já estava casada: “fizeram o despertador, mas a gente não sabia olhar as horas nele”. Hoje, com 77 anos, ela lembra que, quando jovem, acordava às 4h30 com o cantar do galo, dos pássaros e dos porcos, os quais, segundo ela, faziam muito barulho. Trabalhava em uma fábrica de chá e, durante o dia, orientava-se pelo ângulo de refração do Sol. “Quando o Sol estava bem alto, eu sabia que era mais ou menos dez horas. Quando o Sol virava, já eram 16 horas, então era hora de recolher o chá e voltar pra casa.” O astrônomo Marcelo Anjos relata que as pessoas mais velhas são observadoras da natureza. Desconhecem na teoria, mas sabem na prática como funciona o tempo. No interior do Brasil, ainda que o passar do dia pudesse ser medido pelos relógios de Sol, de noite e os de água, os horários mais confiáveis ainda são a alvorada, o Sol do meio-dia e o anoitecer. De acordo com a moradora de Barro Branco, distrito de Mariana, Iza Januária, 86, “é mais fácil hoje, que existe relógio, errar as horas, do que na roça quando não tinha. Ninguém tinha relógio, nem rádio, não tinha nada, despertava no peito mesmo”. Muito lúcida, Iza lembra que, quando o tico-tico cantava, ela podia se levantar que era hora de encher as marmitas e ir para o mato cortar lenha e carregar os animais. Entre risos, ela fala que, no canto da coruja, não dava para confiar. “Ela era muito preguiçosa e acordava tarde!” Hoje, Iza tem um Tic Tac na parede da cozinha, mas seu companheiro é o galo Nonô. Ela comenta que o galo só tem um problema: começa a “abrir o bico” às dez horas da noite. Previsão que acompanha gerações Quando o assunto é medir o tempo por meio dos sinais da natureza, a Folhinha Eclesiástica de Mariana ou “Folhinha de Mariana”, seu nome popular, é tradição na Região dos Inconfidentes, em Minas Gerais. Existente há 145 anos, com uma tiragem anual de cerca de 200 mil exemplares, a publicação, uma grande folha em formato de cartaz, tem sua base no Lunário Perpétuo, almanaque ilustrado de origem medieval, cuja sustentação é o acompanhamento dos movimentos da Lua e como eles interferem no clima da Terra. Gerente da gráfica responsável pela publicação, Jair Duarte tem contato com ela há 22 anos, e confia nas previsões do tradicional anuário. “Corto todo ano a parte da previsão do tempo, colo na minha agenda e vou acompanhando. Posso dizer que a Folhinha tem uma média entre 75 e 80% de acertos.” Jair conta que algumas pessoas ligam para saber as previsões do dia e até as fases da Lua “porque, se cortar o cabelo na lua errada, já era”. Apesar da imprecisão científica e da forma primitiva como nossos antepassados marcavam a existência, a vida em comunhão com a natureza permitiu ao homem compreender e aperfeiçoar as diversas formas de contar e estabelecer o tempo. Talvez, no passado, as pessoas não vivessem em um ritmo tão alucinado como hoje. Depois da Revolução Industrial, a história mudou, nos vimos lançados em um ritmo de vida com relógios, horários e pressa… muita pressa. “A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas: há tempo... Quando se vê, já é 6ª feira... Quando se vê, passaram 60 anos... Agora, é tarde demais para ser reprovado... E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio, seguia sempre, sempre em frente... E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.” Mário Quintana
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