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Chicos 54 - 22.09.2018

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<strong>Chicos</strong><br />

José Vecchi de Carvalho<br />

José Vecchi de Carvalho, nasceu em Cataguases<br />

(MG), mora em Paula Candido (MG).<br />

Coautor de A casa da Rua Alferes e outras<br />

crônicas (2006), e autor de Duas Cruzes<br />

(contos 2018).<br />

Gervásio<br />

Duas e meia da tarde e nada. A<br />

calçada estreita e irregular da minha rua<br />

guarda marcas de Gervásio: a roupa sempre<br />

sóbria, a calça de tom escuro, a camisa bege,<br />

às vezes cinza ou cáqui, sapatos simples,<br />

pretos ou marrons.<br />

Eu ficava na entrada da vendinha de meu<br />

pai observando as pessoas. Ele era um dos<br />

últimos a passar. O andar apressado. Parecia<br />

que o seu tempo era exíguo e que tinha<br />

muito por fazer. Os únicos dias em que ele<br />

não tinha pressa eram às quartas-feiras e<br />

aos sábados. Às quartas, ele e um pequeno<br />

grupo de colegas se reuniam num cômodo<br />

nos fundos da venda, um átrio entre o ofício<br />

e a casa. A portas fechadas, discutiam<br />

em torno de duas mesinhas que eu unia<br />

para eles. Ali havia um corredor estreito<br />

que ia dar dentro de nossa casa.<br />

Aos sábados, chegava calmamente, ficava<br />

sozinho e quieto. Às vezes, um ou outro conhecido<br />

parava, dizia algumas palavras,<br />

oferecia uma bebida... nada. Ele ficava horas<br />

e horas sozinho, parecia se alimentar de cigarro,<br />

café e pensamento.<br />

Os operários da fábrica não se distinguiam,<br />

eram muito iguais em tudo: o brilho de<br />

óleo e suor no rosto, pedaços de algodão e<br />

de linha presos nos cabelos, na roupa, no<br />

pescoço, o cheiro forte do óleo das máquinas<br />

de tecelagem impregnando corpo e alma.<br />

Eu saía da escola ao meio-dia e, depois<br />

do almoço, ia para a venda. Às quinze para<br />

as duas passava muita gente. Todos para a<br />

fábrica. Às duas e pouco, um outro tanto<br />

passava em sentido contrário. Era a troca<br />

de turnos. Lufa-lufa, estouro-de-boiada.<br />

Cercado por um pequeno grupo, vinha Gervásio.<br />

Havia algo que o diferenciava: talvez<br />

sua pressa, seu jeito de falar com os colegas,<br />

os gestos, as pausas, o crescendo e o<br />

diminuindo, os assuntos, as ideias, o entusiasmo...<br />

também seu semblante não era comum.<br />

Tinha o olhar profundo, principalmente,<br />

quando estava sozinho.<br />

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