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Chicos 54 - 22.09.2018

Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar nossas edições.

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<strong>Chicos</strong><br />

Antônio Jaime<br />

Soares<br />

Antonio Jaime Soares, nasceu em Cataguases<br />

(MG) lá na Chave. Participou de um dos movimentos<br />

culturais mais ativos dos anos 60<br />

em Cataguases, o CAC. Depois de morar um<br />

longo tempo no Rio de Janeiro, onde entre<br />

outras foi redator de publicidade. Retornou<br />

a Cataguases, direto para a Vila.<br />

Poeta e cronista publicou Pedra que não quebra<br />

(crônicas - 2011)<br />

Uma pobre-coitada<br />

Menino, eu a via saltar do trem<br />

com as irmãs, lá na roça, em visita a parentes.<br />

Décadas depois, aconteceu de a<br />

gente trabalhar na Assistência Social, eu,<br />

organizando uma biblioteca, ela, nos<br />

‘serviços gerais’. Chegava às seis da manhã,<br />

a limpar todas as salas antes do pessoal<br />

‘mais importante’ dar as caras, água<br />

fervendo na cozinha, pra ganhar tempo e<br />

o café sair na hora.<br />

Depois, a faxina externa, uma área cagada<br />

de pombos, outra, já cheia de assistidos<br />

que usavam um sanitário em que nem<br />

sempre davam descarga, che-gando a fazer<br />

suas necessidades no chão, que ela<br />

limpava com nojo, até vomi-tou uma vez.<br />

Pausa de dez ao meio-dia, em casa, mas<br />

não almoçava, dizendo que preferia jantar.<br />

Na verdade, por falta de dinheiro.<br />

Sempre humilhada pelos colegas, até foi<br />

chamada de ‘perereca do brejo’ por um<br />

dos ‘importantes’. Já eu, dei umas coisas<br />

de casa que não me faziam falta e ela ficou<br />

contente.<br />

Não era mais pobre, por morar com<br />

irmãs em casa própria, herdada dos pais, e<br />

tinha um carro que bebia muita gasolina,<br />

trocado por moto, também antiga. O salário<br />

ia todo pra faculdade do filho, na área<br />

de saúde, razão por que à noite cuidava<br />

de um ve-lho paralítico. Aos domingos,<br />

gostava de pescar.<br />

O carro, herdou do marido, não a pensão,<br />

que deve ter ido pra outra.<br />

Marido que batia nela, quando bêbado,<br />

num tempo em que algumas aceitavam<br />

isso passivamente. Antes, a mãe também<br />

batia, pelo hábito da moça ter mais de um<br />

namorado – isso ela contava rindo. Aquele<br />

emprego, conse-guiu por intermédio de<br />

algum político e fez o concurso da prefeitura,<br />

sem pas-sar. Se passasse ou aquela<br />

equipe continuasse por mais um mandato,<br />

o filho for-mado, ela teria finalmente uma<br />

vida tranquila. Não deu, pois é. Caiu na<br />

rua e quebrou um braço, voltou da licença<br />

e logo foi impedida por um AVC fatal.<br />

Os que a humilhavam devem estar<br />

bem colocados.<br />

<strong>54</strong>

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