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Chicos 54 - 22.09.2018

Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar nossas edições.

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<strong>Chicos</strong><br />

Raquel Naveira<br />

Raquel Naveira, nasceu em Campo Grande<br />

(MS), formada em Direito e Letras, doutoranda<br />

em Literatura Portuguesa na USP. Escreveu<br />

vários livros, entre eles: Abadia (poemas,<br />

editora Imago,1996) e Casa de tecla (poemas,<br />

editora Escrituras, 1999), indicados ao Prêmio<br />

Jabuti de Poesia.<br />

Comedores de batatas<br />

Coloco na travessa as batatas<br />

quentes, lisas, fumegantes. Preparei um prato<br />

especial nesta noite fria de junho.<br />

A batata é uma planta perene, selvagem,<br />

de flores e frutos e, no subterrâneo do solo,<br />

guarda a surpresa dos tubérculos comestíveis,<br />

gemas amarelas, ricas em amido e carboidrato.<br />

Sua origem remonta há milhares<br />

de anos, as ramas espalhadas pela Cordilheira<br />

dos Andes, à beira do Lago Titicaca,<br />

cultivada pelos antigos incas. Os invasores<br />

espanhóis dizimaram os incas e levaram para<br />

a Europa esse tesouro. Alimento fundamental,<br />

o preferido em muitas áreas urbanas,<br />

capaz de trazer solução para a fome do<br />

mundo.<br />

Que quadro impressionante é o<br />

“Comedores de Batatas”, de Van Gogh!<br />

Usando uma paleta de cores escuras como<br />

preto, marrom e ocre, retratou uma cena do<br />

cotidiano camponês medieval, com sua miséria,<br />

escassez, falta de recursos. A mesa<br />

rústica, as batatas numa vasilha de cerâmica<br />

ao centro, sob a chama trêmula de um lampião<br />

que ilumina as faces de criaturas rudes,<br />

sôfregas, interrogativas. As mãos grosseiras<br />

da mulher partindo os pedaços. Escreveu o<br />

artista em carta ao seu irmão Théo que se<br />

aplicara conscientemente em dar a ideia de<br />

que essas pessoas que comem as batatas<br />

com as mãos, também lavraram a terra. Que<br />

o trabalho manual, árduo, trouxe-lhes a nutrição<br />

honesta. E assim, entre goles de café<br />

nas canecas e bocados de massa, a luta se<br />

desenvolve, sofrida e fraterna.<br />

Essas figuras preocupadas com a pouca<br />

comida são a representação da fome. Nos<br />

lugares com fome de ética, o povo padece<br />

fome. Tudo passa, menos a fome do homem,<br />

sempre desesperada, sempre renovada.<br />

O pão é a necessidade de cada dia. O<br />

homem é escravo da sua enorme fome.<br />

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