Chicos 54 - 22.09.2018
Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar nossas edições.
Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar nossas edições.
- TAGS
- raquel-naveira
- inez-andrade-paz
- helen-massote
- edmar-monteiro-fihlo
- altamir-soares
- leonardo-campos
- eltania-andre
- antonio-carlos-lemos-ferreira
- jose-vecchi-de-carvalho
- gleison-dornelas
- ronaldo-cagiano
- acir-simoes
- marcelo-bennini
- flausina-marcia-da-silva
- claudio-sesin
- luiz-ruffato
- antonio-jaime-soares
- emerson-teixeira-cardoso
- gabriel-franco-martins-pereira
- alvaro-antunes
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Chicos</strong><br />
Raquel Naveira<br />
Raquel Naveira, nasceu em Campo Grande<br />
(MS), formada em Direito e Letras, doutoranda<br />
em Literatura Portuguesa na USP. Escreveu<br />
vários livros, entre eles: Abadia (poemas,<br />
editora Imago,1996) e Casa de tecla (poemas,<br />
editora Escrituras, 1999), indicados ao Prêmio<br />
Jabuti de Poesia.<br />
Comedores de batatas<br />
Coloco na travessa as batatas<br />
quentes, lisas, fumegantes. Preparei um prato<br />
especial nesta noite fria de junho.<br />
A batata é uma planta perene, selvagem,<br />
de flores e frutos e, no subterrâneo do solo,<br />
guarda a surpresa dos tubérculos comestíveis,<br />
gemas amarelas, ricas em amido e carboidrato.<br />
Sua origem remonta há milhares<br />
de anos, as ramas espalhadas pela Cordilheira<br />
dos Andes, à beira do Lago Titicaca,<br />
cultivada pelos antigos incas. Os invasores<br />
espanhóis dizimaram os incas e levaram para<br />
a Europa esse tesouro. Alimento fundamental,<br />
o preferido em muitas áreas urbanas,<br />
capaz de trazer solução para a fome do<br />
mundo.<br />
Que quadro impressionante é o<br />
“Comedores de Batatas”, de Van Gogh!<br />
Usando uma paleta de cores escuras como<br />
preto, marrom e ocre, retratou uma cena do<br />
cotidiano camponês medieval, com sua miséria,<br />
escassez, falta de recursos. A mesa<br />
rústica, as batatas numa vasilha de cerâmica<br />
ao centro, sob a chama trêmula de um lampião<br />
que ilumina as faces de criaturas rudes,<br />
sôfregas, interrogativas. As mãos grosseiras<br />
da mulher partindo os pedaços. Escreveu o<br />
artista em carta ao seu irmão Théo que se<br />
aplicara conscientemente em dar a ideia de<br />
que essas pessoas que comem as batatas<br />
com as mãos, também lavraram a terra. Que<br />
o trabalho manual, árduo, trouxe-lhes a nutrição<br />
honesta. E assim, entre goles de café<br />
nas canecas e bocados de massa, a luta se<br />
desenvolve, sofrida e fraterna.<br />
Essas figuras preocupadas com a pouca<br />
comida são a representação da fome. Nos<br />
lugares com fome de ética, o povo padece<br />
fome. Tudo passa, menos a fome do homem,<br />
sempre desesperada, sempre renovada.<br />
O pão é a necessidade de cada dia. O<br />
homem é escravo da sua enorme fome.<br />
55