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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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e, para complicar, os moradores se libertam da formalidade dos documentos e<br />

usam outros nomes. Eles só se tratam por apelidos curtos, muitas vezes<br />

engraçados. Meu avô paterno era Carrinho (de Carlos). Tinha um tio Piroca (de<br />

Pedro). E há vários outros diminutivos e abreviações que nem sei de onde vêm:<br />

Pombo, Rolinha, Mirôca, Guelé, Tuzinha, Zuzu, seu Neca, Quido... Seguindo a<br />

tradição, meus familiares me chamavam — e ainda me chamam —, de vez em<br />

quando, de Lu ou de Lau.<br />

E de onde surgiram essas quatro famílias? Praticamente não há registros<br />

oficiais dessa história, que conto como ouvi da parentada. O enredo é cheio de<br />

lacunas e interrogações, mas uma coisa é certa: todas as famílias do Paty têm<br />

origem negra ou indígena, como se vê na tez e nos traços de sua população. As<br />

lendas são muitas na ilha: de lobisomem, caipora e até de um pacato morador<br />

misterioso chamado seu Mano, que não se sabe se chegou lá de canoa ou vindo<br />

do oco de uma árvore. A lenda da povoação da ilha diz que aquele pedaço de<br />

terra foi dado, na segunda metade do século XIX, a um certo Constâncio José de<br />

Queiroz pelo barão de Paramirim, um conhecido militar e fazendeiro da região,<br />

que não tinha herdeiros. Esse passado embaralhado, não registrado, pode<br />

esconder algum segredo de família ou simplesmente encobre detalhes de como<br />

foi feita a posse da terra.<br />

Algumas versões dão conta de que Constâncio era capitão do mato. Para<br />

quem não sabe, já que as aulas de história por muito tempo envernizaram a<br />

escravidão, capitão do mato era uma espécie de caçador de fujões das senzalas,<br />

no período da Colônia e do Império. Pois bem, na versão que diz que<br />

Constâncio era um desses capitães do mato, conta-se que a ilha lhe foi dada<br />

como recompensa por seu trabalho. Em outra versão, Constâncio era filho<br />

bastardo do tal barão. Quem me contou isso foi meu tio Mirôca, lenda viva do<br />

Paty, que tem seus oitenta e tantos anos e não sei se está lá muito bem da<br />

memória.<br />

Mais acesas entre as recordações dos mais velhos estão as figuras de Virgílio e<br />

Pedro, filhos de Constâncio. Segundo Dindinha, que hoje tem 92 anos e uma<br />

memória de elefante, Virgílio era um homem moreno, alto, simpático, com<br />

costeletas grandes e bigode encaracolado. Uma mistura de Wolverine com dom<br />

Pedro I. Já Pedro era um homem igualmente elegante, mas muito reservado,<br />

sabe-se pouco sobre ele. Ao escutar sobre tio Pedro, lá no fundo da minha<br />

memória me lembro dele. Mas como só o vi poucas vezes e provavelmente com<br />

dois ou três anos de idade, nada mais consigo contar. Bem, eles ficaram sendo

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