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quem é negro como eu sabe que a cor é motivo de discriminação diária, sim.<br />
Um bom exemplo é blitz de ônibus. Em determinada época, elas eram bastante<br />
frequentes em Salvador. O curioso é que só descia negão dos ônibus. O cara<br />
branco era chamado de cidadão e eu virava menininho, garoto, moleque. Ou<br />
vocês nunca repararam na cor da pele de quem é “menor” e de quem é “criança”<br />
nos textos da imprensa, no vocabulário popular ou mesmo em pronunciamentos<br />
de autoridades?<br />
<strong>Na</strong>s rodas de conversa com a turma do Garcia, volta e meia alguém contava<br />
uma situação constrangedora. Chico, aos dezoito anos, foi comprar o primeiro<br />
carro. Ele estudava engenharia e trabalhava numa oficina mecânica. Quando<br />
chegou à concessionária, ouviu um vendedor comentar com outro: “Esse aí é só<br />
olheiro. O tipo que olha e não compra nada”. Pois ele gostou de um Gol que<br />
estava à venda, foi ao banco, sacou o valor necessário e voltou. Tirou da meia<br />
um maço de dinheiro e pagou o automóvel à vista.<br />
Certa vez, eu voltava de um ensaio do Bando, às onze da noite, quando parei<br />
num caixa eletrônico para tirar dinheiro. Quando saí do banco, dois policiais<br />
me esperavam. Vieram atrás de mim, com arma na mão e tudo, e me pediram os<br />
documentos. Antes de entregar minha identidade, comecei a questionar a<br />
abordagem:<br />
— Por que você quer o documento?<br />
— Porque você é um tipo meio suspeito... de boné.<br />
— Como assim: tipo suspeito, de boné? Não entendi.<br />
— Estava aí, à noite, no banco.<br />
— Oxente, estou no meu banco, sacando o meu dinheiro.<br />
Um dos policiais passou a andar de um lado para o outro, irritado, arma em<br />
riste, enquanto eu despejava todo o discurso aprendido no Bando.<br />
— Rapaaaaz, rapaaaaaz... — repetia ele em passos firmes, irritado com a minha<br />
empáfia.<br />
No fim das contas, o policial devolveu meu documento e os dois entraram no<br />
carro, meio emburrados. De alguma maneira, passei meu recado e consegui<br />
fazer com que eles pensassem um pouco no que tinham acabado de fazer,<br />
porque o motorista deu meia-volta, parou a viatura e falou da janela:<br />
— Não estou te discriminando, não, tá?<br />
<strong>Minha</strong> mudança de comportamento passou a influenciar também a minha<br />
família. <strong>Minha</strong> mãe e minhas primas deixaram o alisamento para trás e aderiram<br />
aos penteados afros depois que comecei a aparecer em casa com trancinhas e