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cara (2004) ele voluntariamente retirou a cena em que eu seguraria uma arma.<br />
Jorge compreendeu que esta é uma imagem muito repetida, a do negro com<br />
uma arma na mão, ocupando o lugar da marginalidade — e aí está meu<br />
incômodo maior —, sem qualquer protagonismo, como se o negro fosse um<br />
acessório de cena para contar a história de outro personagem. Não falo de<br />
protagonismo no tamanho, mas na oportunidade de ter a sua história mais<br />
aprofundada.<br />
São apenas simbolismos e nada mais? Seria isso um excesso de zelo da minha<br />
parte?<br />
Esse excesso de zelo fez com que eu recusasse convites para alguns filmes<br />
bem importantes. Esse não foi o único motivo, na verdade, mas o fato é que eu<br />
não me sentia pronto para estar naquele lugar. Achava que me tornaria um ator<br />
estereotipado e acreditava que tinha de pagar o preço para não passar por isso.<br />
Depois de ter minha carreira estabelecida, até escolhi fazer um ou outro<br />
trabalho que envolvia cena com arma, mas sempre estando num contexto ou de<br />
protagonismo, ou de inadequação em relação a esta arma, ou para discutir a<br />
violência e suas consequências.<br />
Faço um esforço para contar das decisões que me levaram a não fazer algo. Os<br />
“sim” que dei podem ser mais facilmente compreendidos, mas falar das<br />
motivações dos “não” talvez traga alguma reflexão sobre como o personagem<br />
negro tem sido tratado pela dramaturgia brasileira.<br />
Outro “não” que dei foi relacionado ao já tão citado aqui programa Espelho.<br />
Depois de alguns anos de programa, depois de a gente já ter um público<br />
consolidado, fiz um acordo com o Canal Brasil para buscar patrocínio. Bati em<br />
várias portas, mas não consegui acesso a nenhuma empresa. A única que me<br />
atendeu, depois de uma breve conversa, me enviou para o setor social. Era uma<br />
empresa automobilística que queria que a verba — uns 70 mil reais, na época —<br />
saísse do setor de responsabilidade social. Recusei. Ver o Espelho sendo<br />
enquadrado na rubrica “demanda social” da empresa me pareceu estranho. Não<br />
considero que o programa apenas represente uma demanda social, e eu queria<br />
que compreendessem isso. Claro que o Espelho apresenta uma reflexão sobre<br />
temas com que outros programas não estão acostumados ou que não<br />
consideram relevantes, mas isso é mais complexo que apenas “demanda social”:<br />
é entretenimento de massas, é informação, é notícia, é linguagem. O lugar que<br />
eu quero que o Espelho ocupe é também o lugar em que eu quero estar.<br />
As decisões foram difíceis e muitas vezes questionadas pelos meus parceiros