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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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esquecer. Ela diz que temos visto nos últimos tempos pessoas negras de<br />

estratos populares chegarem às universidades, a postos de comando no mercado<br />

de trabalho etc. São histórias exemplares, mas também perigosas. Devemos<br />

fazer uma leitura de que somos exceção. Quando nos prendemos muito a esse<br />

elogio da história pessoal (“ela veio da favela e conseguiu”), corremos o risco de<br />

dizer que o outro não conseguiu porque não quis, e isso não é verdade. A<br />

exceção simplesmente confirma a regra.<br />

Toda essa discussão me remete para o lugar da família. O que as famílias estão<br />

ensinando e mostrando aos seus filhos? Durante um tempo fiquei obcecado<br />

com isso. Incansavelmente comecei a fazer a mesma pergunta no Espelho:<br />

Como é a sua família? De onde você vem?<br />

Todos os meus entrevistados, invariavelmente, ganhavam novo vigor ao falar<br />

de suas famílias. Contar sobre suas origens, eu notava, era algo perseguido e<br />

desejado por muitos negros que tinham o microfone na mão. A necessidade de<br />

contar a própria história passa pela conquista da identidade e me lembra muito<br />

do impacto que foi descobrir a trajetória de Luiz Gama 2 e Luísa Mahin, que<br />

conheci mais profundamente depois de ler o romance Um defeito de cor, da Ana<br />

Maria Gonçalves. Encontrei ecos disso nos depoimentos de muitos no Espelho.<br />

Eles falam da sua origem negra de uma maneira fabular, como se fosse uma<br />

saga. Quando Luiz Gama inventa uma mãe para lhe dar uma origem, uma mãe<br />

africana nagô livre que lutou pela sua liberdade, ele está fazendo o mesmo que<br />

os cantores Seu Jorge, Liniker, Ricco Dalasam, o escritor e sambista Nei Lopes,<br />

o ativista social Celso Athayde, a dra. Sueli Carneiro, o antropólogo Celso<br />

Prudente e vários outros. Trata-se de uma busca para descobrir quem cada um<br />

é, e de afirmar e reafirmar com orgulho suas identidades e origens, que tantas<br />

vezes são omitidas, escondidas. Ana Maria, na entrevista que deu a Espelho,<br />

analisou que o fato de Luiz Gama ter recriado a mãe era perfeito para falar<br />

sobre cultura negra, sobre a necessidade de o movimento negro recriar seus<br />

antepassados. Por isso ela insere no passado a responsabilidade de deixar um<br />

legado para o presente, não o contrário. Precisamos ter nossos registros,<br />

principalmente porque nossa cultura é muito oral e foi desprezada por décadas<br />

e mais décadas pelos que escrevem oficialmente a história.<br />

Ana Maria Gonçalves lembra que boa parte da população branca do Brasil<br />

conhece bem “suas origens europeias e cultiva, com carinho e orgulho, o<br />

sobrenome italiano, o livro de receitas da bisavó portuguesa, a menorá que está<br />

há várias gerações na família”. Acho que todos nós concordamos com isso, não?

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