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uma água de coco. Foi quando avistamos dois adolescentes negros altos, magros<br />
e sorridentes. Eles estavam deitados no chão, no gramado, batendo papo e<br />
admirando a paisagem, assim como nós. Usavam trajes comuns para um<br />
adolescente — um deles, lembro bem, vestia calça jeans e camiseta azul e o<br />
outro estava de bermuda e camisa cinza. Ambos com mochilas. O que faziam?<br />
Curtiam aquele dia bonito e a tranquilidade da Lagoa.<br />
João comentou comigo: “Olha, pai, que delícia, eles ali curtindo a natureza”.<br />
Acho lindo ele se sentir o dono dessa cidade, admirando com empolgação suas<br />
belezas. Acho lindo como ele está crescendo e sigo adiante. Tomamos a água de<br />
coco, caminhamos até o parquinho, corri com ele — ele mais do que eu, é claro<br />
—, e tome sorvete e bagunça. Uma hora depois, a criança cheia de areia, o pai<br />
esbaforido, voltamos pra casa. Logo adiante, estavam os dois garotos que vimos<br />
na ida. Só que agora estavam sendo revistados com certa agressividade por dois<br />
policiais. Um deles me olhou e deu uma piscadela, como quem diz, “Estou<br />
fazendo um bom trabalho”. João me perguntou: “Eles estão brincando, pai?”.<br />
Meu peito apertou com a inocência do meu João. Não soube o que dizer pra<br />
ele. Não me senti capaz. Daqui a alguns anos, ele pode passar exatamente pelo<br />
mesmo constrangimento apenas por ser negro. Antes que você pergunte, já digo<br />
que o fato de ser filho de um ator conhecido não o tornará imune. Mas fiquei<br />
em silêncio, fingi não ter ouvido a pergunta.<br />
<strong>Minha</strong> resposta só veio um tempo depois, com um mantra criado por mim e<br />
por Taís para nossos filhos. Dizemos sempre pra eles: “Meu/minha filho/ a,<br />
você é dono/a do seu corpo. Meu/minha filho/a, cuide do seu corpo”. E a cada<br />
vírgula, dizemos: “Te amo”.<br />
Voltando agora a O topo da montanha, penso: “Será que um dia o discurso de<br />
Martin Luther King fará total sentido para mim?”.<br />
Não sei o que acontecerá agora. Temos dias difíceis pela frente. Mas isso realmente não me<br />
importa, agora, porque eu estive no topo da montanha. E não me importo. Como qualquer<br />
pessoa, eu gostaria de viver uma vida longa. A longevidade tem seu lugar. Mas não estou<br />
preocupado com isso agora. Desejo apenas fazer a vontade de Deus. E Ele me permitiu<br />
subir ao topo da montanha. Olhei ao redor e contemplei a Terra Prometida. Posso não<br />
chegar até lá com vocês. Mas quero que saibam que nós, como povo, chegaremos à Terra<br />
Prometida. E estou feliz esta noite, nada me preocupa. Não temo homem algum. Meus<br />
olhos viram a glória da chegada do Senhor!***<br />
* Disponível em: . Acesso em: 22 dez.