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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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Ator negro. Ator. Ou monologando.<br />

A cada dia que passa me convenço de que a questão da cor de pele no Brasil é mais<br />

complexa do que eu, mesmo sendo negro, penso. Fui convidado para ser capa da TPM<br />

por conta do filme Cidade Baixa.6 Vibrei!<br />

Lázaro — Que bom, meu trabalho está indo na direção certa. Até capa de revista tá<br />

rolando, vai ser uma divulgação ótima para o Cidade Baixa.<br />

Eu — Por um momento, eu, que tenho tido a felicidade de ver meu trabalho trilhando<br />

uma curva ascendente, achei um fato normal na carreira de um ator que vem se<br />

destacando ser capa de revista. É claro que sei que nós, negros, temos muitas<br />

dificuldades e enfrentamos alguns tabus, mas ao iniciar a entrevista tive a comprovação<br />

de uma coisa que eu até então só intuía: algumas revistas acham que ter um negro na<br />

capa não vende.<br />

Lázaro — Que falta de visão.<br />

Eu — É preconceito.<br />

Lázaro — Que bom que, junto com a revista, ajudarei a quebrar esse tabu.<br />

Eu — Para um ator negro, não basta fazer bem o seu trabalho. Ainda temos que lutar<br />

contra várias coisas. Tenho que brigar para conseguir mais e mais personagens que<br />

estejam fora da rubrica “personagem para ator negro” que os autores geralmente fazem.<br />

Lázaro — Mas temos várias histórias boas em que os personagens são necessariamente<br />

negros.<br />

Eu — Temos que diversificar a dramaturgia.<br />

Lázaro — Tenho que, na entrevista com essa moça, falar que o fato de meu trabalho<br />

estar dando certo é uma prova de que o público quer se ver na tela. Vou falar da audiência<br />

do Fantástico, dos prêmios que já ganhei e da importância em dar oportunidades iguais<br />

para todos.<br />

Eu — Ai, meu Deus, lá vou eu ser tratado de novo como ator negro e não como ator.<br />

A entrevista foi um almoço gostoso e agradável com uma jornalista igualmente<br />

agradável. Rodamos um pouco (uma hora, treze minutos e dezenove segundos) até<br />

chegarmos ao local da foto, que teve que ser trocado porque chovia, e, olha que boa<br />

coincidência, o novo lugar era um estúdio ao lado da minha casa. Chegando lá, a<br />

jornalista me disse que a revista queria me colocar na capa segurando um cartaz...<br />

É cada ideia que esse povo tem. Eles queriam que a mensagem no cartaz fosse algo<br />

relacionado ao consumo, e a sugestão deles era: Não vai comprar porque ele é negro?<br />

Polêmica à vista. Para quem não sabe, prezo a discrição e nunca gostei de me envolver<br />

em polêmica. Falei então para a jornalista que não achava legal ser essa a frase na placa e<br />

fiquei de pensar numa outra com que eu me sentisse mais à vontade.<br />

Foto para cá, foto para lá, o fotógrafo super-habilidoso (Calé), as roupas muito<br />

bonitas (Ana Hora), a maquiagem uma loucura (Lavoisier), eles conseguiram, depois de<br />

muita negociação, me deixar menos constrangido para fazer fotos — segundo eles —<br />

sensuais.<br />

Enfim, chegamos a uma conclusão sobre a frase. “Compro e vendo” seria a manchete.

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