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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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sereno. Foi um dos fundadores do Filhos de Gandhy, afoxé criado por<br />

trabalhadores das docas no fim dos anos 1940.<br />

<strong>Minha</strong> tia e Dudu nunca tiveram filhos. <strong>Na</strong>quele tempo, o trabalho no porto<br />

pagava bem e os dois poderiam ter desfrutado de uma vida boa, mas decidiram<br />

abrir as portas de casa para os familiares. A generosidade de Dudu e de<br />

Dindinha me impressiona até hoje. A casa deles virou uma espécie de porto<br />

seguro para todos.<br />

Posso dizer que a educação de Dindinha deu certo. Ela costumava dizer, se<br />

gabando: “Eu sempre chamo a atenção quando os meninos daqui de casa estão<br />

errados. Mas eles quase nunca erram, eles me obedecem”. Um dos primeiros a<br />

morar com ela foi meu pai. Ele teve casa, comida, roupa lavada e praticamente<br />

mais nada. Caderno para os exercícios da escola? Às vezes, era papel de<br />

embrulhar pão.<br />

Ele nunca me contou isso com ar de heroísmo, mas entendia as dificuldades<br />

como uma fase da vida que não o impediu de batalhar para melhorar. Meu pai<br />

conseguiu ter uma boa formação porque, intuitivamente, apostou na educação<br />

como a melhor maneira de ascender. Quando terminou o curso secundário foi<br />

trabalhar como operador de máquinas num dos principais polos petroquímicos<br />

do país, que fica em Camaçari, a uma hora e meia de Salvador.<br />

Aqui vou dar uns saltos... Meus pais tiveram um namorico. <strong>Minha</strong> mãe<br />

engravidou. O relacionamento terminou. Mas de forma amistosa. Os dois<br />

estiveram igualmente presentes na minha criação. Ela sempre muito bemhumorada:<br />

afetividade. Ele sempre muito rigoroso: responsabilidade. Já<br />

estabelecido profissionalmente, meu pai pensou: “Com o que ganho, o que<br />

posso dar de melhor ao meu filho é estudo. Se deu certo comigo, vai dar com<br />

ele também”.<br />

Aos cinco anos, após já ter morado em uns três pontos cardeais de Salvador,<br />

segui os passos de meu pai e fui viver com Dindinha. <strong>Minha</strong> mãe era empregada<br />

doméstica e trabalhava numa casa próxima, também no bairro da Federação. A<br />

gente se via nos fins de semana e vez ou outra eu passava as noites com ela no<br />

seu pequeno quarto no apartamento da patroa. E lá ia eu, que não era um<br />

retrato do bebê Johnson, mas sim o meu próprio retrato: fraquinho, magro,<br />

asmático e cheio de caroços pelo corpo. Foi só depois de um tempo na casa de<br />

Dinda que os problemas de pele e o cansaço pela asma tiveram fim. Em vez de<br />

usar aquele creme antiassaduras ultraespecial e supersônico, Dinda sempre<br />

botou fé no poder curativo das plantas. Para mim, preparava uma mistureba que

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