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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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Quero ser médico<br />

Assim como acontece em várias famílias brasileiras, na minha há uma prática<br />

comum: quem ascende socialmente numa capital (no nosso caso, Salvador)<br />

acaba “puxando” os parentes do interior. No meu lado paterno, quem cumpriu<br />

esse papel foi Dindinha, tia-avó de meu pai. Ela, aliás, levou esse costume ao<br />

extremo: recebeu nada menos que dezenove sobrinhos na sua casa, no bairro da<br />

Federação. E esse número ainda não está fechado, porque ela continua<br />

acolhendo os mais jovens por lá. Dindinha é uma senhora de 92 anos, de porte<br />

delicado e temperamento indomável. Todas as gerações da família admiram seu<br />

espírito altivo e generoso. E também a maravilhosa empada que ela gosta de<br />

preparar — uma receita que ela não revelou a ninguém até hoje, mesmo porque<br />

eu acho que ela vai mudando com o passar do tempo.<br />

Dindinha nasceu no Paty e começou a trabalhar na roça e no mangue ainda<br />

criança. Aos dezesseis anos, decidiu tentar a vida na capital como empregada<br />

doméstica na casa de dona Miúda, uma conhecida da família que vem a ser mãe<br />

de Carlos Alberto Caó. Caó foi deputado e autor da lei de 1985 que penaliza<br />

com prisão e multa os crimes relacionados aos preconceitos de raça, cor, sexo<br />

ou estado civil.* Mais pra frente voltarei ao Caó. Dona Miúda era costureira e<br />

casada com seu Themístocles, que chamávamos de seu Temista, um marceneiro.<br />

Quando Dindinha chegou a Salvador, o emprego não tinha sido muito bem<br />

acertado e outra moça já trabalhava para o casal. Mas ela foi insistente e pediu<br />

para aprender a costurar com a dona da casa. E assim foi: Dindinha passou a<br />

morar com dona Miúda, de quem recebia também um dinheirinho. Elas viraram<br />

boas amigas e minha tia-avó começou a ganhar a vida como costureira.<br />

Depois de sete anos em Salvador, Dindinha terminou com o namorado que<br />

tinha deixado no Paty. Assim que soube da novidade, Lindú — chamado por<br />

nós de Dudu —, irmão de dona Miúda, entregou um presente a Dindinha: uma<br />

caixa de sabonetes e um bilhete dizendo assim: “Eu lhe dei um presente para<br />

você me dar outro até o fim da vida”. Dudu era um estivador grandão e muito

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