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Mas há diferença entre o legal e o real. Nunca foi e não será por meio de leis<br />
que promoveremos mudanças estruturais no país, apesar de a legislação ser uma<br />
ferramenta importante. Há que se realizar amplos processos de reestruturação<br />
do Estado, que resultem em desconcentração da renda e elevação da qualidade<br />
da escola pública em todos os níveis para formar quadros capazes de responder<br />
ao novo ciclo de desenvolvimento da nação; é preciso criar oportunidades para<br />
todos e eliminar as desigualdades salariais baseadas em cor e gênero. Não<br />
podemos mais aceitar a democracia racial como retórica e nem as desigualdades<br />
entre homens e mulheres, pobres e abastados. O Estado brasileiro deve se<br />
lançar ao desafio da refundação da unidade nacional, com valorização da<br />
diversidade e com a efetiva consagração dos direitos de todos.<br />
Mas, para além do Estado, precisamos reeducar o nosso olhar, desacostumar a<br />
nossa vista. Não é natural as pessoas de tez mais escura serem maioria nos<br />
presídios, favelas e manicômios. Não é natural que (o dado estarrecedor que<br />
darei agora é da Anistia Internacional*), dos 30 mil jovens mortos no Brasil,<br />
77% sejam negros. Segundo números levantados pelo Atlas da violência 2016,<br />
divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2004 e<br />
2014 houve um crescimento nas taxas de homicídios de afrodescendentes<br />
(18,2%) e uma diminuição nas taxas relativas a indivíduos não negros. Segundo<br />
o relatório,<br />
um indivíduo afrodescendente possui probabilidade significativamente maior de sofrer<br />
homicídio no Brasil, quando comparado a outros indivíduos. [...] essas diferenças são<br />
maiores no período da juventude (entre 15 e 29 anos). Aos 21 anos de idade, quando há o<br />
pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147%<br />
a mais de chances de ser vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos,<br />
amarelos e indígenas.**<br />
Precisamos entender as verdadeiras razões por trás desses dados. Acho que<br />
não preciso dizer mais nada, certo?<br />
As rasteiras raciais vêm sempre de imprevisto. Explico. Rasteira racial pra<br />
mim é quando algo inesperado ligado à raça (sociologicamente falando, não<br />
geneticamente) acontece. Podemos seguir? Uma dessas rasteiras que me<br />
inquieta até hoje tomei num simples passeio pela Lagoa Rodrigo de Freitas, no<br />
Rio de Janeiro, com meu filho João, que tinha quatro anos na época. Entre<br />
conversas e risadas caminhávamos observando a paisagem e decidimos tomar