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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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provoca empatia.<br />

Dos nomes que reverencio, quero destacar Mário Gusmão, que conheci aos<br />

dez anos de idade, quando atuei em um especial de <strong>Na</strong>tal chamado O menino e<br />

o velho (1988). Explico: a filha da diretora do colégio em que eu estudava<br />

precisava de uma criança para fazer um curta-metragem que seria exibido na TV<br />

Itapoã. Essa criança teria que contracenar com Gusmão, um velho que<br />

representava justamente o futuro daquele menino. Entre as várias perguntas<br />

que fez ao velho, havia a clássica “o que serei quando crescer?” (até hoje me<br />

lembro da minha péssima inflexão). E essa figura mítica, primeiro ator negro<br />

formado numa faculdade de teatro na Bahia, respondia: “Você só vai descobrir<br />

caminhando”. Depois disso, lembro-me dele em outro curta baiano, Troca de<br />

cabeças (de 1993, dirigido por Sérgio Machado, com quem trabalhei depois no<br />

filme Cidade Baixa), em que contracenava com Grande Otelo e Léa Garcia.<br />

Gusmão foi minha primeira referência de ator negro, por isso quero falar um<br />

pouco mais dele. <strong>Na</strong> época, eu não entendia muito bem sua importância, mas o<br />

destino me deu a chance de recuperar as conversas que não tivemos em O<br />

menino e o velho exatos sete anos depois, no espetáculo teatral Zumbi está vivo<br />

(1995). Eu interpretava Zumbi dos Palmares, ele, Ganga Zumba. Infelizmente,<br />

isso foi pouco antes de ele falecer. Gusmão, que de certo modo foi precursor<br />

do caminho que depois pude percorrer (e com sucesso), nunca teve o<br />

reconhecimento que merecia. Atuou em mais de vinte peças teatrais, muitas<br />

delas marcos de nossa dramaturgia, além de novelas, seriados e filmes, como o<br />

clássico O dragão da maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber<br />

Rocha, como Antão, o comandante dos beatos. Negro, homossexual e buscando<br />

cada vez mais um estilo de vida alternativo, Gusmão começou a se afastar do<br />

teatro. Ele morreu pobre, consumido por um câncer, no simbólico dia 20 de<br />

novembro do ano de 1996.<br />

Abro um último parêntese para falar de Carlos Petrovich, mais um ator de<br />

outra geração que foi importante para mim. Nos encontramos em Um tal de<br />

Dom Quixote (1998), ele como Dom Quixote, eu como Sancho Pança. Durante<br />

essa experiência, Carlos me deu inúmeros conselhos. Não falou apenas de como<br />

exercer a profissão, mas de identidade. Branco, do candomblé e um dos<br />

fundadores do teatro Vila Velha, ele um dia, sem motivo algum, me levou uma<br />

revista com a seguinte manchete na capa (ou algo muito similar): “Metas para a<br />

vida”. Era uma espécie de manual sobre como focar na realização dos seus<br />

objetivos. <strong>Na</strong> hora não entendi bem o porquê do presente, mas anos depois,

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