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O fato de pensar nessas questões desde cedo me deu a sensação, muitas vezes,<br />
de que eu estava saciado dessa discussão e de que tinha que encontrar novos<br />
caminhos.<br />
Tenho que dizer que alguns discursos ligados a afetividade me trazem certa<br />
preocupação, principalmente quando não buscam a parceria. A autoafirmação é<br />
importantíssima, ainda mais depois de tanto silenciamento e opressão. Mas me<br />
animo mais quando encontro uma afirmação compartilhada, em que um<br />
potencializa e fortalece o outro. Temos que ser cautelosos para não assumir os<br />
códigos do opressor. Vejo — em algumas poucas ocasiões, é verdade — um<br />
discurso que, para se fazer ouvir, aponta o parceiro como menor e exige dele<br />
uma atitude de submissão. Ainda que sempre opte pelo caminho do bom<br />
humor e do afeto, nesses momentos ligo meu alerta. Incentivo que se beijem os<br />
pés do outro, sim, mas só se isso for um ato de amor, e não de submissão.<br />
Vejam bem, também entendo que um discurso radical às vezes é uma<br />
provocação contra aqueles que tratam a mulher sem o devido respeito. Mas a<br />
fronteira entre provocar para gerar a reflexão e a mudança de comportamento e<br />
assumir uma postura opressora pode ser tênue. Vamos ficar vigilantes.<br />
Algumas pessoas dizem que o homem negro busca uma mulher branca para se<br />
autoafirmar ou porque é muito doloroso ser um casal negro no mundo de hoje.<br />
Há também a teoria de que o negro, se está com uma mulher branca, faz isso<br />
para se sentir superior. Essa atitude estaria presente na vida da maioria dos<br />
jogadores de futebol negros, por exemplo, e isso é quase sempre malvisto pelos<br />
movimentos contra o racismo. Esses são traços complexos e, com certeza,<br />
oferecem um campo vasto de estudo.<br />
Claudete Alves escreveu um livro sobre a solidão da mulher negra diante do<br />
preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo. Virou regra? 3 — esse é<br />
o título — demonstra que a preferência de homens negros por mulheres brancas<br />
existe e não se dá apenas nos estratos em que o homem negro ascendeu<br />
economicamente, mas também nas regiões periféricas. Para Claudete, esse<br />
fenômeno é uma proteção do homem negro e resultado do fato de que toda sua<br />
bagagem histórica e cultural o levou a negar suas identidades. Se a mulher<br />
negra, na mesma proporção, preterisse o homem negro, teríamos um equilíbrio.<br />
Mas é o contrário que se dá. A pesquisa de campo de Claudete demonstrou que<br />
a mulher negra tem sua preferência afetivo-sexual dentro do seu próprio grupo<br />
étnico. Isso demonstra uma atitude de resistência que permeou toda a<br />
historicidade da mulher negra, resistência que fez com que ela preservasse as