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Na-Minha-Pele-Lazaro-Ramos

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qualquer abismo que sempre haveria uma solução. Meus intensos anos de<br />

experiência como ator tinham me mostrado que eu poderia criar livremente<br />

qualquer personagem, adotando uma estratégia ou outra, mas sem sobressaltos.<br />

Eu estava inebriado com a nova história que estava sendo construída, uma<br />

história de livre criação e de otimismo para os até então excluídos.<br />

Quando recebi o convite, Gilberto me disse: “Estou reescrevendo este<br />

personagem, pois ele tem tudo para dar errado. É muito parecido com o<br />

personagem que Antônio Fagundes fez em O Dono do Mundo (1991-2). Mas<br />

quero investir nele e aposto muito em você”. Com o sentimento de que teria em<br />

Gilberto um parceiro, fui para casa estudar os capítulos. André Gurgel era<br />

descrito como um homem muito rico, bem-sucedido profissionalmente,<br />

arrogante e que tratava as mulheres com certa frieza. Seria o tipo que elas<br />

assediariam às nove horas da manhã durante uma descompromissada caminhada<br />

na lagoa Rodrigo de Freitas. Diriam de cara “Eu quero dar pra você” e ele teria<br />

então uma maravilhosa noite — ou melhor, manhã — de amor com cada uma<br />

delas e depois as mandaria embora num táxi. Esses são elementos dificílimos<br />

para um ator defender, por comporem um comportamento complicado para o<br />

público assimilar.<br />

Além disso, há outro detalhe. Eu tinha acabado de sair de alguns personagens<br />

cômicos ou populares (no sentido de “vindos do povo”) e de prestígio no<br />

cinema, e ousava ir para a televisão em horário nobre, na principal novela,<br />

fazendo um personagem que era desejado sexualmente por mulheres muito<br />

bonitas.<br />

Eu não percebi que isso poderia ser polêmico e obedeci rigorosamente a<br />

todas as rubricas do Gilberto. Em uma semana e meia gravei dezoito capítulos.<br />

<strong>Na</strong>s falas que pediam arrogância, eu era arrogante; nas falas que pediam<br />

cinismo, cínico eu era. Acho que foi a primeira vez que não montei nenhuma<br />

estratégia para criar carisma para um personagem, pois contava com a virada<br />

que ele teria ao longo da novela.<br />

Abri mão do meu processo autoral como ator para aceitar o presente que<br />

Gilberto me deu e ver no que daria. Não sabia que seria tão forte a reação.<br />

Além de ser chamado de canastrão, fui atacado ferozmente nas redes sociais.<br />

Muita gente me chamou de feio, de macaco, de inadequado para o papel.<br />

Claro que é mais complexo do que isso, porque estava colocado ali o desejo<br />

sexual das mulheres. Eu, felizmente, sei por experiência própria que o desejo na<br />

vida real não se enquadra no padrão do galã de traços quase femininos, olhar

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