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Revista Gávea 01

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A academia e seus modelos 21

tural. Essa influência será agora exercida diretamente através de artistas importados pelo

Estado e das bolsas de estudo concedidas aos alunos mais aplicados da Academia. Esta funcionará

como instrumento de permanência de um modelo dado e como um mecanismo de

preservação. Os artistas acadêmicos desse período, talvez por serem “simple people",

produtos de um meio artistico simples, sem maiores tradições ou raízes, serão os perpetuadores

da estrutura vigente. Daí a implantação de um sistema de arte ligado ao mecenato

do Estado e à institucionalização do saber.

A rigidez do conceito de arte implantado pela Missão Francesa encontrou respaldo

para se expandir e solidificar numa estrutura política centralizadora e conservadora. Dela

resulta uma produção artística praticamente limitada a reproduzir formas desvinculadas da

realidade social e despida das características do seu meio. Por outro lado, a formação

humanistica apreendida na Europa pela sociedade brasileira erudita contribuía para a

sedimentação dessa forma de expressão. Para Craig Owens, as disciplinas humanísticas,

em particular a história da arte, trabalham para legitimar e perpetuar a hegemonia da cultura

européia ocidental. (6)

A limitação á criação artística deu-se desde o início e se estendeu até mesmo aos artistas

estrangeiros convidados a implantar o ensino artístico no Brasil. Foi o caso, por exemplo,

do “Pano de boca do teatro da Corte por ocasião da coroação de D. Pedro V , encomendado

a Debret. A necessidade de privilegiar o erudito vindo de fora, e a apropriação de

uma forma de representação estranha ao contexto cultural brasileiro ficam evidentes nas

palavras do próprio Debret. Em Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, relata: “Pintor de

teatro, fui encarregado de nova tela, cujo bosquejo representava a fidelidade geral da

população brasileira ao governo imperial sentado em um trono coberto por rica tapeçaria

estendida por cima de palmeiras. A composição foi submetida ao primeiro-ministro José

Bonifácio que a aprovou. Pediu-me apenas que substituísse as palmeiras naturais por um

motivo de arquitetura regular, a fim de não haver nenhuma idéia de estado selvagem.

Coloquei então o trono sob uma cúpula sustentada por cariátides douradas.

Relação da Produção A rtística com o Meio Sócio-Cultural

O século XVIII, que terminou com uma revolução, começou com um dilema —

político, filosófico e artistico — que provoca uma renovação na estrutura social, intelectual

e cultural na Europa. Esta renovação estava ligada ao Iluminismo e preconizava o

Racionalismo como a fonte do verdadeiro saber. A burguesia emerge e vai desenvolver

novos padrões e valores culturais que terão papel decisivo na produção artística. Em estudo

sobre a sociedade burguesa, J. Habermas (7) afirma que no século XVI11 os espaços

culturais foram ampliados e tomados públicos (museus, teatros, salas de leitura e de concertos

e salões da Academia) e a obra de arte é finalmente aberta à discussão. Ao passar

para o domínio público, ela assume necessariamente a forma de mercadoria, tomando-se

sujeita á discussão e à crítica. Se antes a obra de arte não era questionada, agora está submetida

ao julgamento público — à opinião pública que, através do mercado, apropria-se

dos objetos em discussão. Prova inequívoca desta nova e nada ortodoxa situação é a recusa

por Courbet da Légion d'Fionneur, em 1870: “ Meus sentimentos como artista se opõem a

isso simplesmente porque eu estaria aceitando uma recompensa que me é conferida pela

mão do Estado. O Estado é incompetente em matéria de Arte. Quando ele se incumbe de

distribuir recompensas, ele se intromete no campo do gosto do público. Sua intenção é

totalmente desmoralizadora. fatal para a arte que ele confina dentro das convenções oficiais

e que condena à mais terrível mediocridade; a única coisa sensata a fazer seria absterse.

O dia em que o Estado decidir nos dar liberdade, nos terá feito um grande favor. Tenho

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