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Revista Gávea 01

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30 GÁVEA

o problema do Brasil é a solidão intelectual, não encontrar uma pessoa que diga. que faça

uma referência ao teu trabalho, que pese, que te oriente — esta referência leva a uma

reflexão do teu trabalho. Porque o sujeito pode dizer coisas, mas quem disse não tem peso

para dizer aquilo. Esta densidade cultural que eu acho que existe na Europa, que acho que

nós não temos. Nós somos de uma pobreza impressionante. Acho que todo contato com

um artista moderno importante, como Guignard, quer dizer, um homem autêntico, que

viveu as coisas, a sua arte. um artista de verdade. Acho que o que é autêntico sempre nos

enriqueceu, contribuiu. Por isso. às vezes um poeta que fale sobre teu trabalho tem sentido.

porque ele tem intuição, porque ele também é mãe, ele sabe os problemas da gestação.

ele conhece. O criador sabe, então pode através do que sabe ajuizar. Eu sempre tive

muito medo, porque sempre digo que um dia não saberei mais o que é pintura, mais nada,

porque me afastei tanto. sabe?... Agora eu, a minha vida. a minha pintura é do desespero

eu acho. Ele não pode construir, não tem meios, não tem formação, só tem a dignidade. O

latino-americano é o homem que tem que pintar a morte porque outro caminho não há, eu

não vejo. O sujeito vai entrar por essa área que falávamos, coitado, não conhece nada. Não

sabemos fazer nada. nem papel higiênico... então, o artista não tem meios, não tem como

trabalhar, é um país miserável.

LV: Iberê, como foi seu processo na Europa no sentido do olhar, do treinamento da

mão?

IC: Ah! eu olhava muito, centímetro por centímetro como era a relação do quadro,

como ele tinha sido feito, como um marceneiro que chega numa marcenaria como aprendiz

e procura ver como o sujeito faz os encaixes, como aquilo está resolvido no sentido de

como as coisas são feitas. A parte artesanal sempre me interessou muito para aprender.

Mas o que uma pessoa pode fazer senão se debruçar sobre as múmias e prescrutá-las? Porque

toda história é assim, toda descoberta... você chega e lê nas pedras o que o tempo

trabalhou, palavras, pedaços de palavras e tu tens que recompor o pensamento e é assim

que se aprende.

LV: Naquela ocasião na Europa, quem você admirava, a gente tem sempre alguém

com quem se identifica.

IC: Bom. naturalmente é um choque violento, não é? Quando desembarquei em Portugal.

fui correndo ao Museu das Janelas Verdes porque tinham me dito que lá existia um

Raphael e aí eu sai correndo... eu nunca tinha visto, Inumca tinha tocado, quer dizer,

aquela coisa que é você ver pela primeira vez; então, essa emoção toda... quando você

chega diante daquela montanha de arte, o sujeito fica louco, não é? Eu nunca tinha visto

nada... aquele impacto assim arrasador... o cara tem vontade de sair para a rua e dizer “eu

não sou pintor, sou dono de um cartório” , inventar uma coisa assim porque não dá. Eu

passei pelos ateliês porque não dava, não havia tempo; juntei o que pude para encher o

saco como aqueles famintos que, quando chegam, começam a encher o saco. Mas aquele

saco por maior que fosse, era pequeno, porque a montanha de ouro está lá, o que poderia

trazer é esta consciência, compreende? Isto que estou falando é o resultado de uma consciência

adquirida da nossa diferença, por isso eu digo que o único caminho é o desespero.

LV: Além da visualidade adquirida, em termos de vivência, quais foram as marcantes

na tua obra?

IV: A vida quando você vai vivendo, respondendo a tudo isso, o mar está calmo, o

horizonte tranqüilo, não há nada, nem sinal de tempestade... mas um dia acontece, então

ai acontece a tempestade... um negócio que você nunca imaginou... então você vai perder

todos esses respeitos, todos esses compromissos que você tem, porque você sem querer

' tem compromissos com a estética... e vai, sem querer, vai se engajando num contexto his-

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