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Revista Gávea 01

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36 GÁVEA

cional. Espaço pictórico tradicional sim. pois Lygia Clark usava tela, moldura e tinta,

resolvendo a pintura no quadro convencional. No entanto, isto não a satisfaz e logo busca

formular um vocabulário para exprimir um novo espaço, pintando a moldura da cor da

tela. A preocupação era a “de arrebentar o núcleo do quadro (tela), levando a cor desta

para a moldura, a própria espessura da moldura já começava a entrar também como

elemento plástico” (3). Nestas primeiras tentativas, joga em algumas telas a cor até um

determinado ponto da moldura de acordo com a própria composição do quadro. A pintura

começa a se fundir com o suporte.

Moldura e tela se confundem, uma invadindo a outra, quando Lygia Clark pinta a

moldura da cor da tela. Depois, ao pintar partes da tela até a moldura, o espaço passa a se

organizar de maneira cromática, chegando mesmo a ampliar o espaço pictórico, saindo da

moldura. Não é uma pintura fechada nela mesma, a superfície se expande igualmente

sobre a tela. separando um espaço, se reunindo nele, e se sustentando como um todo.

É bom lembrar que. dentro do movimento concreto, estas tentativas de Lygia Clark

estavam já bem distantes dos postulados racionalistas. Mondriam deixa assim de ser pensado

como uma estrutura fechada em si mesma, recordando que estas formas geométricas

já haviam inspirado a Calder e seus móbiles, que fazem flutuar no espaço as formas coloridas

de Mondrian.

Esta análise intuitiva, própria de Lygia Clark e do Neoconcretismo, abandona o rigor

formal do construtivismo. chegando através das linhas oblíquas e formas ortogonais à

desarticulação do quadro e ao rompimento com a moldura. É uma tentativa de abolir a distância

entre o espaço da tela e o espaço real. E é aí que Lygia Clark dá o salto qualitativo,

não só em sua obra como dentro da linguagem construtiva. Quando, nas obras Neoconcretas.

ela extrapola a moldura, não há um lado por onde abordar, a abordagem se dá por

todos os lados: o espaço da pintura não se resume nele mesmo. Com a ausência de linhas

verticais. Lygia Clark nega os limites da moldura e a verdade passa a ser o próprio espaço

que se está formando à nossa frente. É a critica à contemplação.

Max Bense. em sua Pequena Estética, dizia “coordenar um esquema finito de repartição

de probabilidade de seus elementos materiais ou signos, então a moldura do objeto

artístico fixa de certa maneira este esquema finito” (4). Max Bense usa o sentido da moldura

como margem que “fixa não só a finitude do objeto artístico, mas também o tamanho,

o formato e a intensidade" (5). Pressupõe a pré-ordenação ou seja uma decisão'

sobre o objeto estético.

Ao atravessar a moldura, Lygia Clark cria o objeto no espaço real. cria o espaçomodernidade.

Pois. a “função da moldura de quadros relaciona-se também com a psicologia

de figura e fundo” , segundo Arheim (6) em que o quadro como superfície limitada

é a figura, que colocada sobre a parede se torna fundo. O rompimento da moldura realiza

também o encontro com a arquitetura, pois ela tem o mesmo problema da janela, resolvido

na arquitetura moderna com as paredes que se tornam grades de planos horizontais e

vidros (vide Mies Van de Roh).

A idéia de Mondrian de que o espaço virtual, de coordenação abstrata, passasse da

idéia à ordem real, e a de Malevitch de que o fundo da tela não é o lugar do pensamento artístico

mas o seu modo. afirmam que não é mais o objeto o que importa e sim o projeto. O

lugar efetivo do pensamento será o espaço público. É o desejo de Lygia Clark, “eu sempre

proçurei um espaço que não fosse mecânico, esse espaço em que fecha o olho e lê mecanicamente

o quadro através de pequenas fórmulas. Eu queria um espaço orgânico, em que

se pudesse entrar dentro do quadro” . (7)

Desde o inicio, a linha era uma de suas preocupações: a linha entre a rela e a moldura,

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