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40 GÁVEA
relevos porque a superfície não é determinada pelas formas; não seriam escultura porque
não há propriamente volume e massa e fogem também da bidimensionalidade da pintura.
Vêm diretamente dos Contra Relevos de Tatlin e têm o sentido malevitchiano de saltar
para o espaço.
No periodo de 1912 a 1930, sobretudo, os artistas realizam experiências cubistas
visando sair da superfície para o espaço. Efetivam no objeto as proposições cubistas, facetando
os volumes em ritmos fragmentados, transportando os planos da pintura para a
escultura. Tatlin. em especial, realiza com formas geométricas uma articulação orgânica e
funcional. Lygia Clark nos Casulos segue essa tendência, questiona o dentro e fora. quer o
olhar do espectador criando incessantemente um espaço topològico, proveniente das experiências
com a Fita de Moebius, famoso exemplo de geometria não-euclidiana.
Em 1959. com os Bichos, I.ygia Clark dá outro “ salto qualitativo” através da participação
do espectador na obra. É o fim da contemplação e da reverência diante da obra de
arte. Com a noção fenomenológica do homem, a interação do fora e do dentro, do antes e
do depois, é a arte voltada para a existência imediata do Homem.
As obras se tornam organismos vivos, tanto que ela os denomina Bichos. Tratam-se
de placas unidas com dobradiças que juntam dois planos e duas partes dobradas que não
mexem. O caráter orgânico é flagrante: as dobradiças seriam a espinha dorsal e derivam das
pesquisas com a linha orgânica. Para ela, o Bicho é um quadro cubista que caiu (10).
Quando diz isto o faz porque ali existe uma superfície cubista tensionada; articulação de
planos e não de volume. Devemos, pois, observar o tamanho das peças, basicamente
manipuláveis. Não poderíam ter a dimensão da Minimal A rt, evidentemente.
Essa dimensão subjetiva da obra, irredutível à objetividade do mundo, propicia as
condições para acabar com a base. pressuposto da escultura clássica. Porque a Base remete
justamente ao problema da Representação e o trabalho artístico agora visa acontecer no
mundo: não está mais fora dele, não tem uma dimensão ilusionista. É o que leva Max
Bense a chamá-los kntre-Objetos. Quando a artista liquida a moldura já estava em luta
com a representação e a contemplação.
Os Bichos tomam a questão da experiência artística como uma experiência do Outro.
O espectador, através do gesto, do tátil, em construção e desconstrução. é convocado à
participação, à recriação da obra. O Bicho, “ como a visão do pintor é um nascimento continuado".
Há ai o paradoxo de, sendo arte construtiva, questionarem a presença positiva
da arte no mundo. A função-arte (Caminhando) acaba passando muito mais por um Existencialismo.
Nada é menos positivo do que o existencialismo. O de Merleàu-Ponty, entretanto,
não tem o sentido sartreano pois recusa a concepção dramática do homem,
sobretudo enraiza “ o sujeito-pensamento no seu corpo, no seu passado, num mundo cultural
onde o pensamento de cada um pode ser tomado e compreendido pelos outros” (11).
Coloca-se, portanto, radicalmente a expressão. Nesta obra de força expressiva, orgânica,
com dinamismo espacial, encontram-se o dentro e o fora, o côncavo e o convexo, interioridade
e exterioridade, o reto e o oblíquo, o reto e o curvo. A questão não é decifrá-los e
sim experimentá-los, tem a intencionalidade de “ eu posso e não eu quero” . É uma situação
limite. A dinâmica das placas pressupõe cada parte no espaço. E este remete ao
imediato do nosso corpo.
Aqui não há a problemática da escultura tradicional: volume e massa saem do plano
cubista e nesta tensão ambígua aparece pela primeira vez a tridimensionalidade, o pensamento
do Plano. O Bicho constrói um volume mas deriva da questão do plano. A arte é
vista como prática a envolver participações gestuais e ativas do espectador, um “ exercício
de liberdade". Em Lygia Clark o que se move não é o espectador ao redor da obra, como