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NOVEMBRO 2020 - edição nº 270

Orgão oficial do Centro Lusitano de Zurique

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SOCIEDADE

33

O FUTURO DO AMOR

NELSON S LIMA

Na minha vida, o amor foi sempre um

tema presente por boas e por más razões.

Julgo que, neste capítulo, não sou diferente

dos outros humanos. Fui feliz e infeliz,

também. É que, como todos sabemos, o

amor pode ser gerador de sentimentos

menos bons. Um amor não correspondido,

por exemplo, dá origem a decepção

e sofrimento. Isto não é novo. Sempre foi

assim em todos os tempos.

O problema actual é outro. Os humanos

parecem estar a perder a capacidade de

amar! Ou melhor, são capazes de amar

mas dedicam‐se menos ao amor. Tenho

reparado que as pessoas amam cada vez

mais à distância por telemóvel, por Internet,

em solidão e em silêncio. Na verdade,

correspondem‐se uns com os outros, avidamente,

teclando. Mas vão perdendo o

sentido das prioridades.

Muitas pessoas comunicam por necessidade

de comunicar, de estarem conectadas

aos outros, mais para se fazerem ouvir

(ou ler) do que para ouvirem e lerem os

outros. No amor parece estar a acontecer

o mesmo.

Nas famílias atuais, as pessoas passam

mais tempo a ver televisão, a teclar no

computador ou no “smartphone”. Para

além de que passam mais tempo com os

colegas de trabalho do que com os filhos

ou com o seu companheiro. O cenário é,

neste capítulo, decepcionante. Não é por

acaso que as famílias estão a desestruturar‐se,

aumentam os divórcios e os conjugues

vivem cada um no seu mundo.

O amor é um sentimento multi-focal. É,

segundo a psicologia, uma confluência de

paixão, intimidade e união. Está ligado a

numerosas emoções e influencia os comportamentos.

O amor, ele próprio, combina‐se

com sentimentos de fundo como a

excitação, o bem‐estar, o entusiasmo e a

harmonia.

O amor influencia também o estado do

nosso Eu (nas suas dimensões espiritual,

psíquica e física) e pode contribuir para

o enriquecimento da auto-estima. O que

quer dizer que, na ausência do sentimento

do amor ou na sua falta de correspondência,

o nosso psiquismo pode falhar, sofrer

rupturas e provocar sentimentos de frustração,

desânimo, tristeza e depressão.

O ser humano está predisposto geneticamente

para amar e ser amado porque é

um animal profundamente social, envolvido

em múltiplas redes de relações (familiares,

comunitárias, laborais, etc.).

Os sentimentos têm servido ao Homem

para o influenciar na sua percepção de si

e do mundo e a levá‐lo a agir no e sobre

o mundo. O amor, em particular, é um estimulante

poderoso (motivador) da acção.

Já a falta de amor e afecto conduz à inacção.

Amor em mudança

O desenvolvimento da capacidade de

amar depende de factores históricos, culturais

e familiares. O amor, hoje, é diferente

de épocas passadas. Por exemplo, no

período do Romantismo (final do século

18 e grande parte do século 19), o amor

estava associado à paixão - um sentimento

intenso, contemplativo e subversivo.

Era sentido como emancipador, mesmo

que trágico como na história de Romeu e

Julieta.

Actualmente, o amor é mais dominado

pela racionalidade. O amor já não provoca

escravidão como à época do Romantismo.

O sofrimento é mais limitado nas

suas consequências e não amar para toda

a vida já não constitui um drama para a

maioria das pessoas.

O amor romântico extremo, fantasista, por

exemplo, ainda que procurado por muitas

pessoas, não passa actualmente de um

mito. «A paixão de hoje é mercadoria de

consumo. Não tem mais a ver com o destino,

com os riscos, com o enfrentamento»

- escreveu Renato Ribeiro, professor

titular de Ética e Filosofia Política.

As transformações sociais modificaram

um pouco a forma como o amor é percebido,

sentido e gerido. O modo de amar

depende muito das aprendizagens sociais

nos primeiros anos de vida. Num mundo

em que aumentam os divórcios entre casais,

os filhos ficam menos preparados

para relacionamentos amorosos duradouros.

Por outro lado, actualmente, ensina‐se

mais sobre as relações sexuais do que sobre

as relações amorosas. Os jovens sabem

mais sobre sexo do que sobre amor.

E isto influencia o seu comportamento no

mundo.

É de prever que no futuro, os divórcios

possam aumentar e a própria instituição

do casamento, tal como a conhecemos

hoje, desapareça. Aliás, já há casos de

paixões com “humanos virtuais” que

mais não são do que robôs alugados ao

mês. Em 2005, a empresa Artificial Life, de

Hong-Kong, criou uma “namorada virtual”

de nome Vivienne, com quem os homens

podiam conversar e partilhar “sentimentos”

mediante o pagamento de uma mensalidade.

Vivienne era, obviamente, um programa

de computador mas a “moça” teve milhões

de “namorados” e muitas esposas

foram traídas da forma mais inesperada

possível.

Professor de Neurociência

- https://bit.ly/3jlGc6P

Novembro 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU

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