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SOCIEDADE
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O FUTURO DO AMOR
NELSON S LIMA
Na minha vida, o amor foi sempre um
tema presente por boas e por más razões.
Julgo que, neste capítulo, não sou diferente
dos outros humanos. Fui feliz e infeliz,
também. É que, como todos sabemos, o
amor pode ser gerador de sentimentos
menos bons. Um amor não correspondido,
por exemplo, dá origem a decepção
e sofrimento. Isto não é novo. Sempre foi
assim em todos os tempos.
O problema actual é outro. Os humanos
parecem estar a perder a capacidade de
amar! Ou melhor, são capazes de amar
mas dedicam‐se menos ao amor. Tenho
reparado que as pessoas amam cada vez
mais à distância por telemóvel, por Internet,
em solidão e em silêncio. Na verdade,
correspondem‐se uns com os outros, avidamente,
teclando. Mas vão perdendo o
sentido das prioridades.
Muitas pessoas comunicam por necessidade
de comunicar, de estarem conectadas
aos outros, mais para se fazerem ouvir
(ou ler) do que para ouvirem e lerem os
outros. No amor parece estar a acontecer
o mesmo.
Nas famílias atuais, as pessoas passam
mais tempo a ver televisão, a teclar no
computador ou no “smartphone”. Para
além de que passam mais tempo com os
colegas de trabalho do que com os filhos
ou com o seu companheiro. O cenário é,
neste capítulo, decepcionante. Não é por
acaso que as famílias estão a desestruturar‐se,
aumentam os divórcios e os conjugues
vivem cada um no seu mundo.
O amor é um sentimento multi-focal. É,
segundo a psicologia, uma confluência de
paixão, intimidade e união. Está ligado a
numerosas emoções e influencia os comportamentos.
O amor, ele próprio, combina‐se
com sentimentos de fundo como a
excitação, o bem‐estar, o entusiasmo e a
harmonia.
O amor influencia também o estado do
nosso Eu (nas suas dimensões espiritual,
psíquica e física) e pode contribuir para
o enriquecimento da auto-estima. O que
quer dizer que, na ausência do sentimento
do amor ou na sua falta de correspondência,
o nosso psiquismo pode falhar, sofrer
rupturas e provocar sentimentos de frustração,
desânimo, tristeza e depressão.
O ser humano está predisposto geneticamente
para amar e ser amado porque é
um animal profundamente social, envolvido
em múltiplas redes de relações (familiares,
comunitárias, laborais, etc.).
Os sentimentos têm servido ao Homem
para o influenciar na sua percepção de si
e do mundo e a levá‐lo a agir no e sobre
o mundo. O amor, em particular, é um estimulante
poderoso (motivador) da acção.
Já a falta de amor e afecto conduz à inacção.
Amor em mudança
O desenvolvimento da capacidade de
amar depende de factores históricos, culturais
e familiares. O amor, hoje, é diferente
de épocas passadas. Por exemplo, no
período do Romantismo (final do século
18 e grande parte do século 19), o amor
estava associado à paixão - um sentimento
intenso, contemplativo e subversivo.
Era sentido como emancipador, mesmo
que trágico como na história de Romeu e
Julieta.
Actualmente, o amor é mais dominado
pela racionalidade. O amor já não provoca
escravidão como à época do Romantismo.
O sofrimento é mais limitado nas
suas consequências e não amar para toda
a vida já não constitui um drama para a
maioria das pessoas.
O amor romântico extremo, fantasista, por
exemplo, ainda que procurado por muitas
pessoas, não passa actualmente de um
mito. «A paixão de hoje é mercadoria de
consumo. Não tem mais a ver com o destino,
com os riscos, com o enfrentamento»
- escreveu Renato Ribeiro, professor
titular de Ética e Filosofia Política.
As transformações sociais modificaram
um pouco a forma como o amor é percebido,
sentido e gerido. O modo de amar
depende muito das aprendizagens sociais
nos primeiros anos de vida. Num mundo
em que aumentam os divórcios entre casais,
os filhos ficam menos preparados
para relacionamentos amorosos duradouros.
Por outro lado, actualmente, ensina‐se
mais sobre as relações sexuais do que sobre
as relações amorosas. Os jovens sabem
mais sobre sexo do que sobre amor.
E isto influencia o seu comportamento no
mundo.
É de prever que no futuro, os divórcios
possam aumentar e a própria instituição
do casamento, tal como a conhecemos
hoje, desapareça. Aliás, já há casos de
paixões com “humanos virtuais” que
mais não são do que robôs alugados ao
mês. Em 2005, a empresa Artificial Life, de
Hong-Kong, criou uma “namorada virtual”
de nome Vivienne, com quem os homens
podiam conversar e partilhar “sentimentos”
mediante o pagamento de uma mensalidade.
Vivienne era, obviamente, um programa
de computador mas a “moça” teve milhões
de “namorados” e muitas esposas
foram traídas da forma mais inesperada
possível.
Professor de Neurociência
- https://bit.ly/3jlGc6P
Novembro 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU