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Crónica

Salazar e o atraso

Morreu-me um Amigo, o Rui !

Maria José Praça

Óbito

estrutural de Portugal

João Mendes

Ouço e leio muita gente falar no atraso de Portugal em

relação aos países de Leste, simplificando e reduzindo a

complexidade do problema a “são países liberais”, como

se, para além da Estónia, onde a pobreza e a exclusão

social têm uma dimensão bem mais preocupante

do que em Portugal, mais algum país de leste fosse

verdadeiramente liberal, para lá de meia-dúzia de

reformas, privatizações ou destruição de direitos

laborais.

Se vamos simplificar, comparemos ditaduras e olhemos

para o que foi e Educação no Estado Novo e na União

Soviética. Censura e doutrinamentos à parte, que

existiam em ambos os regimes, há algo que salta

à vista: enquanto a estratégia de Salazar residia na

ignorância programada de crianças descalças com

escolas miseráveis, com a maior parte a não passar do

ensino primário, quando o concluíam, a União Soviética

investia rios de dinheiro na educação dos cidadãos,

o que garantia uma sociedade com elevados níveis

de literacia, apesar da opressão e dos pés não menos

descalços. De outra forma, não teria tido sequer a

possibilidade de competir com os EUA durante as

décadas da Guerra Fria.

Ainda hoje, praticamente todas os países que integraram

a antiga URSS têm níveis de alfabetização superiores ao

nosso. Seja a própria Federação Russa, seja a Moldávia.

E se este atraso na educação, que é factual, tem um

culpado original, esse culpado chama-se António de

Oliveira Salazar. Por isso, da próxima vez que ouvirem

alguém culpar o “socialismo” pelo atraso face a esses

países, tenham paciência e sejam tolerantes. É possível

que se trate de uma vítima dessa ignorância programada,

que foi parte intrínseca de todos os regimes de extremadireita

no sul da Europa. E sem literacia não há massa

crítica, nem bons professores, nem bons cientistas,

nem bons empresários, nem bons engenheiros, and so

on. Estejamos, pois, agradecidos à revolução de Abril,

aos instrumentos que ela nos deu e à capacidade que

tivemos de, em menos de 50 anos, recuperar um atraso

gigantesco, ensinando a maior parte da população a ler

e escrever, a somar e subtrair, formando centenas de

milhares de excelentes profissionais, erradicando, quase

por completo, a estratégia de estupidificação ancorada

no Fado, Fátima e Futebol. Existem outros factores, sem

sombra de dúvida, mas sociedade alguma evolui sem

educação de qualidade e respeito, a todos os níveis, por

aqueles que podem fazer a diferença: os professores.

Morreu um Homem de Abril :

- Um Capitão, o Coronel de Cavalaria Rui Borges Santos

Silva, Comandante do Esquadrão de Reconhecimento

que, nessa Noite da Liberdade e dos Cravos, saiu de Santarém

com Salgueiro Maia...

Coube-lhe ocupar o Terreiro do Paço e depois, com Salgueiro

Maia, a Rendição do Quartel do Carmo.

Homem vertical, falava com orgulho daqueles que comandou

e de quem ganhou, para o resto da vida, reconhecimento

e amizade.

Era frontal :

- Homem de pão...pão, queijo...queijo, mas de uma delicadeza

e sensibilidade sem limites.

Deixou muitos relatos escritos e contou-me muitas histórias.

Desde a madrugada do dia 16, quando soube da sua partida,

que sinto saudades!

Tínhamos falado na véspera...

Um beijo aos Filhos e aos Netos.

À Fátima que, mesmo com essa cortina de Alzeihmer,

tinha sempre o Rui com ela , um beijo do coração.

Católico rico,

católico pobre

Obrigada por ti, Rui !

e

Obrigada pelas Asas à solta

d’aquela Gaivota que ajudaste

a conquistar...

(Nov.- 2021)

João Mendes

Ler mais:

https://bit.ly/3DEJnBN

Por vezes cruzo-me com cemitérios repletos daqueles grandes

jazigos, autênticos palácios muralhados que se elevam sobre a

campa rasa do comum dos mortais.

Todos os cemitérios os têm, é certo, e todos são livres de construir

os seus castelos para o descanso eterno. Mas ocorrem-me poucas

coisas, no âmbito católico apostólico romano, que sejam uma

tão gritante antítese daquilo que são os ensinamentos bíblicos,

como a diferenciação, após a morte, entre católicos ricos e

católicos pobres.

A ostentação e a estratificação social, em absoluta negação da

retórica da humildade e do desprendimento do materialismo,

e no limite - ou para lá dele - de alguns pecados ditos mortais

são um fenómeno que atravessou os séculos e que, ainda hoje,

se mantém.

Conseguem imaginar Jesus Cristo a defender cemitérios em que

os filhos do seu Pai se diferenciam pela posse e pela condição

social? Eu não. Eu imagino-o a fazer com esses jazigos o que fez

com os vendilhões do templo.

Sim, é uma hipocrisia e não podia estar mais a léguas daquilo

que são os valores cristãos fundadores e ancestrais. E são um

dos muitos espelhos de uma sociedade profundamente elitista,

onde a religião, mais do que um fim em si mesma, é um meio

para outras finalidades. Já a frugalidade sobre a qual assenta o

protestantismo, as suaas práticas e os seus templos, por contraste

com a opulência reinante no mundo Católico, diz muito sobre

onde eles estão e onde nós estamos. Nada, nem isto, é por acaso.

38 Lusitano de Zurique - Dezembro 2021 | www.cldz.eu Lusitano de Zurique - Dezembro 2021 | www.cldz.eu

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