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O namoro e o casamento
são uma situação séria
na comunidade cigana.
Ela compreendeu e
aceitou. Acompanhou o
processo e adaptou-se
muito bem, e isso foi
brilhante no processo
de integração na família
já que nos damos todos
muito bem
«isto é quem sou e ela é a pessoa com quem
quero seguir a minha vida, apesar de ser de
uma cultura diferente». Ele foi corajoso. É
preciso ter coragem para fazer o que ele fez.
O Idálio é tímido, acanhado. Não seria
mais lógico fazer o pedido numa floresta
ou à mesa de um restaurante à luz das
velas? São os dois românticos?
C.: Não. Eu sou uma eterna romântica.
Ele não.
I.: Já tentei ser, mas não resulta [risos]. É contra
a minha natureza. É isso e dançar...
A.C: Já somos dois [risos]
I.: A Carla adora dançar! Eu não sei dançar
nem gosto de dançar.
A.C.: À minha mulher digo para ela ir dançar
com os vizinhos do prédio se estiver
muito necessitada de dançar...
C.: Adoro dançar e de tudo o que está relacionado
com dança. Gosto muito das músicas
e das danças africanas, como a kizomba.
Quando começámos a namorar, desafiei-o
para a dança numa noite africana, num bar
da cidade. Eu não sabia se ele gostava de
dançar ou se iria dançar. Ele ficou espantado
com aquele ambiente, eu fui dançar e ele
ficou no balcão a observar, o que para ele é
óptimo porque fica no seu canto e eu vou
para o bailarico.
Em que contexto é que vocês se conhecem?
I.: É uma história muito curiosa. Eu estava
de férias em Lisboa (onde nasci), na casa da
minha mãe. Eu já conhecia a Carla de vista,
mas o facto de ser tímido não me permitiu
avançar mais. Há um dia em que faço um
post relacionado com a área da hotelaria, ela
faz um comentário no post e eu respondo
com um gosto no comentário dela. Começámos
a trocar simples mensagens, sempre na
temática do turismo. O clique deu-se quando
um dia ela envia a mensagem: “bff”. Eu olhei
para aquilo e não percebi o que queria dizer.
Fiquei a matutar e escrevi «desculpa a minha
ignorância, mas o que queres dizer com bff?»
Ela respondeu «bom fim de semana». A partir
daí começámos a conversar mais e a trocar
mensagens.
A partir deste “bff”, Carla, o que é que se
segue?
C.: Seguem-se muitas conversas, olhares.
I.: Entretanto eu disse-lhe que a achava uma
pessoa diferente e que eu tinha uma cultura
diferente.
C.: Não percebi o que ele queria dizer com
essa coisa de ser diferente ou de ter uma cultura
diferente. Até ao dia em que ele me diz
que é cigano. E eu… «e...?»
O que me leva à questão do preconceito.
A Carla poderia já gostar de ti ou sentir
uma atracção por ti. Porque é que o facto
de vires de uma etnia diferente faria
com que ela deixasse de gostar de ti? Não
faria sentido. E a brincar, a brincar, estão
juntos há...
I.: Há mais de cinco anos.
C.: Conhecemo-nos há mais de cinco anos,
mas estamos juntos faz cinco anos no dia 9
de junho.
Têm o Lucas com dois anos. Como é que
foi para a tua família, ou para a tua comunidade,
receber a informação de que ias
casar ou viver com uma não cigana, e
como é que foi para a tua família, Carla,
saber que estavas apaixonada por um
cigano?
I.: Da minha parte, foi mais complicado. Na
nossa comunidade temos de respeitar para
sermos respeitados. E eu sabia que ao escolher
a Carla para viver comigo seria para
sempre. A minha mãe não queria que eu
andasse a saltar de relação em relação e tive
um tio que me disse «não gosta, não estraga».
E foi assim. Quando disse à minha mãe
e aos meus irmãos que era a Carla a pessoa
de quem gostava e queria ter a meu lado na
minha, houve previamente uma preparação
porque não queria defraudar as espectativas
e não queria errar. Disse à Carla que
não iria ser fácil esta coisa de explicar à família
o nosso relacionamento. Na nossa comunidade
não andamos a saltar de relação em
relação. O namoro e o casamento são uma
situação séria na comunidade cigana. Ela
compreendeu e aceitou. Acompanhou o processo
e adaptou-se muito bem, e isso foi brilhante
no processo de integração na família
já que nos damos todos muito bem. Ela relaciona-se
muito bem com os meus irmãos e a
minha mãe. Tem sido espetacular.
Carla, em algum momento ouviste algum
tipo de comentário menos favorável por
causa da etnia cigana do Idálio?
C.: Não, mas senti no meu local de trabalho
essa sensação de preconceito. Não na
minha família. A minha mãe aceitou super
bem. Disse-me «não quero saber se é cigano,
se é preto ou é amarelo. Só quero que ele
te trate bem». No primeiro jantar de família,
o Idálio foi bombardeado com muita curiosidade,
mas correu tudo bem e com normalidade.
Tudo corre bem quando há respeito e
educação.
Quando entraste no relacionamento com
o Idálio já tinhas uma filha com 12 anos.
Como é que foi a aceitação por parte da
Fabiana relativamente ao Idálio?
C.: São muito amigos. Simpatizaram logo
um com o outro. O Idálio é um confidente.
A Fabiana respeita e sabe as regras da cultura
cigana, há coisas na cultura cigana que ela
entende, mas as quais não se identifica. Tem
o seu ponto de vista, e expressa-o, mas aceita
e respeita a cultura cigana.
A comunidade cigana na Madeira está dispersa
geograficamente ou está mais concentrada
no Funchal?
I.: Está concentrada no bairro da Nazaré. Há
uma ou duas famílias na Camacha, mas a
grande comunidade está no Funchal, no Bairro
da Nazaré.
És o presidente da mesa da Assembleia-
-geral da Associação dos Ciganos da
Madeira. O que é que a Associação se propõe
fazer e em que pode ajudar a comuni-
26 saber ABRIL 2022