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Sapeca n° 39

Nº 39 – Setembro/2022 – Editor: Tonico Soares e-mail: ajaimesoares@hotmail.com

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Nos oitent’anos caetânicos

Qualquer joia

Augusto de Campos

O que ele fez, faz, está fazendo para ou pela ou com a música popular não

há mais quem ignore. Ele explodiu a canção, levando-a a caminhos jamais palmilhados

entre nós. Revolução da Bossa-Nova (um movimento “joia”), Tropicália

(um movimento “qualquer-coisa”). Proibido proibir: sons em liberdade. Navegar

é preciso: o desconhecido. Tudo comer: antropofagia. Metapoesia e metamúsica:

nos discos e shows, a melhor crítica-em-ação da música popular feita e por fazer.

Mas é impossível pensar Caetano como “músico popular”, por mais que a

isso deva induzir uma História da Música Popular Brasileira. A imprópria ou insuficiente

chamada “música popular” – que não é só música e nem é tão popular

quanto as conotações do adjetivo fazem supor – é quase sempre uma poesia musicada.

Queiram ou não, uma modalidade de poesia. Poesia-música. Ou música-poesia.

Paradoxalmente, o texto poético, aqui, ganha o nome de “letra”.

Em outros tempos, esse gênero de poesia teve seus praticantes na área tradicionalmente

batizada de erudita. A poesia dos trovadores provençais dos séculos

12-13, toda ela feita para ser cantada e, muitas vezes, executada por seus autores.

As canções inglesas da época elizabetana, onde há notáveis poetas-músicos, como

Thomas Campion, e músicos-poetas, como o alaudista John Dowland. Dentro do

âmbito popular, um gênero que tem larga tradição e se manifesta mais instintiva e

intuitivamente, sem a cerrada elaboração dos artefatos eruditos. Nos últimos anos,

porém, essa poesia-música, antes confinada ao seu compartimento convencional,

armou-se de recursos muito mais sofisticados, cruzou as linhas e invadiu as áreas

cultas. Um fato novo, como ocorrência generalizada.

Depois da grande fase da poesia para ser vista, enfaticamente vista – a dos

anos 50 e 60 –, houve um giro, uma mudança de veículo, privilegiando a audição.

A poesia para ser ouvida, dos fins dos anos 60. Feita por poetas para serem vistos.

Quase todos, pré, para ou ex-universitários. O fato é que, a partir desse momento,

toda uma geração de poetas das camadas cultas urbanas partiu, decididamente,

para o som.

Em tal contexto, a atuação de Caetano foi tremendamente significativa. Situando-se

desde logo no grupo dos inventores, isto é, dos artistas vocacionados

para a descoberta de territórios inexplorados, Caetano não se limitou a impelir a

música popular, até então contida numa dinâmica cultural acanhada, a participar

ativamente da renovação da linguagem artística. Baiano e estrangeiro, ele foi o

nosso grande sincretista. Um novo antropófago, bárbaro e doce, capaz de ligar, em

sua música aberta, em sua poesia qualquer-coisa, as pontas das mais diversas poéticas

potencialmente vivas, de Gregório a Pastinha, de Gil a Sousândrade, do rock

a Smetak, do concreto ao Xingu.

Puxada por Caetano, a poesia-música rompeu as barreiras entre o popular e

o erudito. E se expôs, radicalmente, com todos os riscos, às largas e despreparadas

plateias do consumo, levando a um extremo limite a tensão comunicativa entre a

informação nova e o repertório coletivo de redundâncias. Vivas e vaias.

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