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Cultura Republicana e Brasilidade - Arquivo Nacional

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A C E<br />

cendente, inerente ao espírito do barroco,<br />

libera para o rei um enorme espaço<br />

antes preenchido pela vontade divina. Ele<br />

se apodera desse espaço, e transformase<br />

numa espécie de logos exterior à sociedade,<br />

no responsável direto por sua<br />

harmonia e equilíbrio. 7<br />

Maravall, no seu clássico estudo,<br />

observa que o barroco<br />

ibérico – mais especificamente<br />

o espanhol – consiste no primeiro grande<br />

programa de massas do mundo moderno,<br />

concebido e desdobrado pela Coroa<br />

para abrigar e estimular tanto esta<br />

torturada movimentação religiosa quanto<br />

a produção artística e dramatúrgica de<br />

sacralização do poder. 8 Ela tinha plena<br />

consciência do ambiente crítico e pessimista<br />

da sociedade, da corrosão da antiga<br />

ordem jurisdicionalista e organicista,<br />

enfrentando um pesado conjunto de problemas<br />

internos e desafios externos.<br />

Percebe, no entanto, que a mera repressão<br />

física das manifestações de descontentamento<br />

– como a dos comuneros –<br />

e de desagregação da ordem – o<br />

banditismo rural – não seria suficiente<br />

para a preservação do seu poder e da<br />

ordem social. É dela que nasce a imaginação<br />

de um grande projeto de incorporação<br />

de massas. O barroco ibérico<br />

é esse programa, não apenas como estilo<br />

de arte, mas como horizonte vital.<br />

Mais do que um programa defensivo, uma<br />

estratégia cuidadosa e audaciosa para<br />

dirigir o movimento da sociedade numa<br />

direção particular, acrescenta Maravall.<br />

O núcleo dessa imaginação encontra-se<br />

no desenvolvimento de uma superestru-<br />

pág.12, jan/dez 2006<br />

tura política reorientada para o domínio<br />

das motivações internas dos indivíduos,<br />

levando-os à adesão ativa aos valores estabelecidos<br />

e à aceitação da ordem política<br />

absolutista. Essa é a premissa chave<br />

do barroco espanhol, explica Maravall:<br />

a racionalização do comportamento humano<br />

por meio da “artificialização” da<br />

subjetividade, seja pela disciplina, ao<br />

estilo dos exercícios espirituais de santo<br />

Inácio de Loyola, seja por meios extraracionais<br />

e simbólicos. 9 Os poderes criativos<br />

do homem, o artifício e a técnica<br />

são aproveitados para aumentar a capacidade<br />

de comoção da arte – da escultura,<br />

da música e, sobretudo, do teatro –<br />

diante das massas sequiosas de novidade<br />

e ansiosas por direção.<br />

O barroco ibérico é a consciência de que<br />

não existe o “natural”, o “objetivo”, e de<br />

que tudo é engano e desengano, xadrez<br />

indecifrável de aparências que joga para<br />

o rei a responsabilidade de sustentar e<br />

reanimar uma sociedade encanecida,<br />

sem os encantos e hormônios de sua<br />

antiga “naturalidade”. Deus retirante é a<br />

vontade do rei que se torna onipresente,<br />

e a face corporativa do reino ganha um<br />

novo significado: ela já não é mais comunicação<br />

vinda do transcendente, mas produto<br />

artificial da voluntas real, de um<br />

centro de poder absoluto no universo das<br />

ações humanas. É essa vontade que se<br />

derrama sobre o todo social, preenchendo<br />

os vazios entre as instituições<br />

corporativas e particulares, entrelaçando-as<br />

novamente e dando forma a uma<br />

concepção especial de “público” e totalidade<br />

social.

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