12.04.2013 Views

Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo

Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo

Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Fassbin<strong>de</strong>r durante as filmagens da série <strong>de</strong> televisão<br />

baseada no romance <strong>de</strong> Alfred Döblin, em 1980.<br />

O livro resiste a tudo. Esta é uma adaptação<br />

<strong>de</strong> luxo que, já agora, gostávamos <strong>de</strong> ver à venda<br />

numa loja perto <strong>de</strong> nós<br />

dominava parte da literatura da época e<br />

em que a fala assume uma importância<br />

fulcral não só na caracterização das personagens<br />

como na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

cida<strong>de</strong> cosmopolita da época. Todas essas<br />

nuances linguísticas tornam os diálogos<br />

<strong>de</strong>ste “Berlim Alexan<strong>de</strong>rplatz” um<br />

dos aspectos mais sedutores para quem<br />

tiver a feliz iniciativa <strong>de</strong> pegar neste livro,<br />

oito décadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido escrito.<br />

Leiam-se, por exemplo, os versos<br />

que Franz apren<strong>de</strong>u na prisão, uma oralida<strong>de</strong><br />

que cita <strong>de</strong> cor cá fora, pelas ruas<br />

<strong>de</strong> Berlim. “Na vida é-se folião só enquanto<br />

embrião!... Lá vai o bom pai Estado,<br />

traz-te pelo beicinho sempre, por<br />

todo o lado. Seringate e saco<strong>de</strong>-te em<br />

busca dos tostões , com parágrafos e<br />

proibições. Homem, toca a pagar, é o<br />

primeiro mandamento!”<br />

É a sabedoria da dureza. Ru<strong>de</strong> por vezes,<br />

mas sempre temperada por alguma<br />

doçura que se vais azedando. É a vida.<br />

Era a vida em Berlim tal como a conta<br />

Döblin, dizem os teóricos que <strong>de</strong> um forma<br />

muito parecido com o estilo que James<br />

Joyce <strong>de</strong>u ao seu “Ulisses” . Isso fica<br />

com os teóricos. Preferimos seguir Franz<br />

na sua caminhada, nos seus tropeções,<br />

nas suas quedas e nódoas negras. Um dos<br />

aspectos mais importantes e estimulantes<br />

da literatura é o modo como um escritor<br />

consegue contar a humanida<strong>de</strong><br />

através do quotidiano <strong>de</strong> uma pessoa.<br />

Uma só pessoa chega para esse retrato<br />

universal. Döblin fez isso em “Berlim<br />

Alexan<strong>de</strong>rplarz” e transformou-o numa<br />

obra maior, resistente aos tempos, porque<br />

a condição humana não muda. Mudam<br />

os hábitos, os costumes, mas o essencial<br />

permanece. E conhecer essa Berlim<br />

dos anos 20 e 30, a Berlim <strong>de</strong> <strong>Di</strong>etrich,<br />

a Berlim <strong>de</strong>ste Franz que serve para<br />

contar o <strong>de</strong>scontentamento é uma tentação<br />

a que não <strong>de</strong>ve resistir. Daí este entusiasmos<br />

com o reaparecimento <strong>de</strong> um<br />

livro que não se via por aí, à venda, fazia<br />

tempo. Bem-vindo a Alexan<strong>de</strong>rplatz.<br />

NA CABECEIRA<br />

Outlook | Sábado, 24.4.2010 | 19<br />

Um escritor que se<br />

escon<strong>de</strong> em diá<strong>rio</strong>s<br />

De Enrique Vila-Matas sabe-se que é um escritor<br />

catalão, nascido em Barcelona em 1948, que se exilou<br />

em Paris em busca <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> criativa que o<br />

regime <strong>de</strong> Franco não lhe permitia em Espanha. Sabe-se<br />

que foi para a capital francesa na década <strong>de</strong> sessenta e se<br />

instalou num apartamento alugado a Marguerite Duras.<br />

Sabemos isso dos seus livros, diá<strong>rio</strong>s num falso registo<br />

autobiográfico. O autor gosta <strong>de</strong> misturar factos reais<br />

com a ficção, o que o torna um dos nomes mais<br />

estimulantes da actual literatura castelhana. É um jogo a<br />

que já habituou os muitos dos fiéis que lhe seguem a<br />

escrita num escon<strong>de</strong> escon<strong>de</strong> on<strong>de</strong> procuram o autor<br />

entre as palavras do narrador.Éoqueacontece mais<br />

uma vez neste recém-publicado “<strong>Di</strong>á<strong>rio</strong> Volúvel”.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um diá<strong>rio</strong> literá<strong>rio</strong>. Mais um. Pretenso<br />

diá<strong>rio</strong>, melhor dizendo, por com Vila-Matas o truque da<br />

escrita serve-lhe <strong>de</strong> máscara. É por ali que ele se vai<br />

revelando. Ele que é avesso a entrevista e <strong>de</strong> poucas<br />

palavras faladas. Prefere os ca<strong>de</strong>rnos para as anotar e<br />

mais tar<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar em diá<strong>rio</strong>s-ficção. Aqui, Vila-Matas<br />

recorre à memória e as suas referências literárias para<br />

construir um ambiente próximo da autobiografia. Aqui<br />

surge menos mascarado, mas salvaguardado na sua<br />

intimida<strong>de</strong> por essa capa que é a literatura. E a literatura<br />

aqui é o centro <strong>de</strong> tudo. Nos cafés parisienses, na rua<br />

on<strong>de</strong> esperava ver Jane Birkin com o seu cãozinho. Os<br />

dias intercaldos com os pensamentos: “Nenhum escritor<br />

é bom até apren<strong>de</strong>r a corrigir”; “às vezes o humor<br />

revela-se como o único sentido do universo”. O humor<br />

que ele vai transportando para o quotidiano que tece <strong>de</strong><br />

forma brilhante com referências antigas a autores, a<br />

livros, a imagens. Recorre a recortes selectivos <strong>de</strong><br />

memória, como uma entrevista que leu do escritor<br />

Ricardo Piglia: “E digo sempre que o melhor que<br />

fizemos na vida é o que a polícia registou sobre cada um<br />

<strong>de</strong> nós, o nosso melhor currículo é a nossa ficha na<br />

polícia”. Esta afirmação serve a Vila-Matas para<br />

concluir: “Não está mal visto. A literatura como uma<br />

forma <strong>de</strong> pensar a nossa relação com o ilegal.”<br />

Classificar a escrita <strong>de</strong> Vila-Matas é cada vez mais<br />

difícil. Ele está entre os que foram capazes <strong>de</strong> criar uma<br />

voz singular e um estilo que perpassa muitos estilos e os<br />

assimila para <strong>de</strong>pois os transformar num registo<br />

próp<strong>rio</strong>. Um híbrido que faz as <strong>de</strong>lícias tanto dos fãs <strong>de</strong><br />

diá<strong>rio</strong>s como os <strong>de</strong> boa ficção. Ele está aí, nessa<br />

fronteira, on<strong>de</strong> muitas vezes também está perto do<br />

ensaio. E sempre com um olhar acutilante e certeiro ou<br />

realida<strong>de</strong> e ficção não fossem também elas um<br />

contágio. IL

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!