Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo
Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo
Di.rio fim-de-semana 4876 : Plano 56 : 1 : P.gina 1 - Económico - Sapo
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Tenho um<br />
discurso um<br />
bocadinho<br />
i<strong>de</strong>alista,<br />
romântico.<br />
Revolta-me<br />
sentir que o<br />
mundo está nas<br />
mãos do Excel;<br />
revolta-me<br />
que tudo seja<br />
resumido a<br />
números“<br />
Outlook | Sábado, 24.4.2010 | 37<br />
quero ir por aí? Porque eu tenho um<br />
discurso um bocadinho i<strong>de</strong>alista,<br />
romântico. Revolta-me sentir que o<br />
mundo está nas mãos do Excel; revolta-<br />
-me que tudo seja resumido a números.<br />
É assim porque é assim, mas entristece-<br />
-me e gostaria <strong>de</strong> pensar que ainda vamos<br />
a tempo que não seja assim. Era bom que<br />
não fosse assim. Nesta peça que estamos<br />
a fazer agora, o “Olá e A<strong>de</strong>uzinho”…<br />
Que tu encenaste.<br />
Sim, que é um texto do Athol Fugard, dos<br />
anos 60. Passa-se na África do Sul em<br />
pleno Apartheid. Mas é uma história <strong>de</strong><br />
brancos africaners, <strong>de</strong> cultura calvinista<br />
em que se está em ruptura com o mundo,<br />
com Deus. Todos são vítimas <strong>de</strong> si<br />
próp<strong>rio</strong>squeéoquesomostodosneste<br />
momento. Na peça diz-se que não há<br />
Deus, que nunca houve Deus. Levanta<br />
uma questão absolutamente brutal e<br />
gigantesca que põe em causa 2010 anos da<br />
nossa cultura No último século, o que é<br />
que se fez <strong>de</strong> estragos no planeta? Só me<br />
lembro do alcatrão em que a terra não<br />
respira. É uma coisa que me angustia. Mas<br />
quem gere o mundo gere Excel, gere<br />
capital. Há uma separação em que por um<br />
lado estão os políticos, os gran<strong>de</strong>s gestores<br />
e os meios <strong>de</strong> comunicação, e <strong>de</strong>pois há os<br />
<strong>de</strong>sgraçados, que são o pano <strong>de</strong> fundo, que<br />
são as pessoas. As pessoas são um pano <strong>de</strong><br />
fundo neste momento. Não é em Portugal.<br />
É no mundo inteiro. Quem é que eu sou?<br />
Eu sou aquela que fica transtornada com<br />
essas situações. Eu sou aquela que não<br />
quer aceitar isso e que não sabe o que é<br />
que se faz. Eu sou aquela que acha que não<br />
é a política que vai resolver isso, mas são<br />
as pessoas. Eu sou aquela que acredita que<br />
as coisas não se fazem em massa, as<br />
revoluções não se fazem em massa.<br />
Fazem-se pela cabeça <strong>de</strong> algumas pessoas<br />
que conseguem juntar a massa. O que é<br />
que isso faz <strong>de</strong> mim? Tudo o que eu estou a<br />
dizer é tão banal, mas é verda<strong>de</strong> que é um<br />
discurso que nem sempre encontra<br />
parceiros, eco. Porque o eco que recebo é:<br />
Portugal importa mais do que exporta e<br />
portanto temos <strong>de</strong> acabar com os custos<br />
internos e a primeira coisa a acabar é com<br />
os subsídios e, portanto, com a cultura.<br />
Esse discurso parece-me o <strong>de</strong> um louco,<br />
mas é um discurso instalado e aceite e<br />
legitimado. Então o que são as pessoas se<br />
não a cultura? O que são as pessoas senão<br />
a troca. A troca <strong>de</strong> informação, a troca <strong>de</strong><br />
experiências, a troca <strong>de</strong> afectos. Ainda há<br />
pouco lia uma entrevista do Luís Miguel<br />
Cintra sobre o “Miserere”. Ele dizia que o<br />
maior tabu da religião católicaéoamor,a<br />
relação sexual entre as pessoas, quando<br />
é daí que nós vimos e isso também é<br />
cultura, porque é amor, uma troca. A<br />
generosida<strong>de</strong> é uma experiência <strong>de</strong> amor.<br />
É uma forma <strong>de</strong> amor.<br />
E tu, qual é a tua relação com Deus?<br />
Como quase todos os portugueses, faço<br />
parte <strong>de</strong> uma família que tem uma<br />
tradição religiosa, mas não tenho relação<br />
com a Igreja aí <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 14 anos.<br />
Ficou uma relação com o sagrado?<br />
Sim, ficou uma relação com o sagrado. A<br />
escolha <strong>de</strong>sta peça tem a ver com isso. A<br />
discussãoétodaàroda<strong>de</strong>comonósnos<br />
<strong>de</strong>sresponsabilizamos, utilizando o<br />
sagrado como escape. “É a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Deus”; Só Seus sabe”; “É o que Deus<br />
quiser”. E assim nos<br />
<strong>de</strong>sresponsabilizamos.Eapeçatambém<br />
fala dos dois extremos. Entre isso e aqueles<br />
que renegaram por completo essa força<br />
divinaeavidaéfeitaàcustadassuas