Editorial - Esaf - Ministério da Fazenda
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Crônica<br />
A ci<strong>da</strong>de do cronista<br />
A minha história, porém, começa<br />
no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30. Já se vai<br />
bem mais de meio século de vi<strong>da</strong>. As<br />
visitas a Santa Luzia – já então morava<br />
na Capital – representavam, para mim,<br />
ver<strong>da</strong>deira aventura. Lembro-me <strong>da</strong>s<br />
viagens de jardineira, os passageiros<br />
de guar<strong>da</strong>-pó, defendendo-se <strong>da</strong> poeira<br />
fina e penetrante. No verão, as chuvas<br />
faziam atoleiros perigosos, que muitas<br />
vezes impediam o experiente motorista<br />
Zé Brasil de alcançar o ponto de chega<strong>da</strong>.<br />
De trem, a saí<strong>da</strong> de Belo Horizonte<br />
ocorria às 17h30. Os passageiros viajavam<br />
como sardinhas na lata. A locomotiva<br />
a carvão pintava de pó preto as<br />
golas e os punhos <strong>da</strong>s camisas. Ain<strong>da</strong><br />
assim, era bom refestelar-se nas cadeiras<br />
de palhinha amarela, trança<strong>da</strong>. Em<br />
General Carneiro havia uma para<strong>da</strong><br />
na velha estação, hoje destruí<strong>da</strong> pela<br />
insensibili<strong>da</strong>de dos homens.<br />
Depois, a chega<strong>da</strong> a Santa Luzia. O<br />
trem seguia para o sertão, com o apito<br />
lancinante cortando os céus e deixando<br />
atrás de si um rastro de tristeza e sau<strong>da</strong>de.<br />
A máquina corria pela estra<strong>da</strong><br />
afora, soprando fumaça e bufando<br />
faíscas. Era como se metade do mundo<br />
se desgarrasse de mim, perdido na estação<br />
sombria e triste.<br />
As recor<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> infância se projetam<br />
no tempo. Não se perdem, nem se<br />
diluem. Bem me lembro <strong>da</strong>s primeiras<br />
impressões <strong>da</strong> terra natal. A Rua Direita,<br />
com alvos seixos roliços. As boia<strong>da</strong>s<br />
atravessando a ci<strong>da</strong>de pacata, com o<br />
touro bravo se desgarrando do rebanho<br />
para pôr em polvorosa a quietude do<br />
nirvana luziense.<br />
Entre o sobrado <strong>da</strong> Baronesa e o<br />
adro do Rosário situava-se o meu pequeno<br />
mundo tão grande. Lembro-me<br />
bem do antigo teatro, com a sua estru-<br />
tura interna de madeira, as cadeiras<br />
de palhinha dispostas na platéia, os<br />
camarotes em volta, as “torrinhas” em<br />
cima. Ao fundo, o palco iluminado por<br />
tími<strong>da</strong>s gambiarras, velhos cenários no<br />
chão, desbotados e empoeirados; nos<br />
bastidores, as bambolinas retratavam<br />
o amadorismo do pintor local. Nos<br />
corredores e saletas, brincávamos de<br />
esconder, entre enfeites improvisados<br />
com bambus trazidos <strong>da</strong> beira do rio.<br />
Ao alto, a rua Direita,<br />
com sua tradicional<br />
calça<strong>da</strong> de pedras,<br />
vendo-se ao fundo<br />
a matriz de Santa<br />
Luzia.<br />
Abaixo, vista parcial<br />
do Bairro Ponte<br />
Grande, com a Igreja<br />
de São João Batista<br />
em primeiro plano<br />
<br />
CECO/Casa dos Contos - Maio de 2009 - 23