Editorial - Esaf - Ministério da Fazenda
Editorial - Esaf - Ministério da Fazenda
Editorial - Esaf - Ministério da Fazenda
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Crônica<br />
A mulher<br />
luziense<br />
26 - CECO/Casa dos Contos - Maio de 2009<br />
Os bares acolhedores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
ante-salas fraternais <strong>da</strong> residência de<br />
ca<strong>da</strong> proprietário.<br />
A tradição se escoando pela vi<strong>da</strong><br />
vazia, mas tão cheia de sentimentos<br />
e amor.<br />
Soltas e perdi<strong>da</strong>s recor<strong>da</strong>ções: As<br />
inolvidáveis Semanas Santas, duas<br />
longas fileiras de fiéis pela Rua Direita<br />
abaixo, portando velas acesas como se<br />
fosse um colar de brilhantes enfeitando<br />
o colo inabordável <strong>da</strong> menina-moça.<br />
Nessa época do ano, reunia-se to<strong>da</strong><br />
a minha família – irmãos, primos, tios,<br />
sobrinhos – no bar Natal, de Chico de<br />
Davina, <strong>da</strong>s 9 <strong>da</strong> manhã às 2 ou 3 <strong>da</strong><br />
E como eram lin<strong>da</strong>s e puras as serenatas<br />
antigas: As luzes <strong>da</strong> Cemig não<br />
haviam ain<strong>da</strong> destruído o encantamento<br />
<strong>da</strong>s noites.<br />
Aos meus ouvidos ressoam ain<strong>da</strong> a<br />
voz do trovador e o som plangente do<br />
violão, clamando pela sua ama<strong>da</strong>:<br />
“Acor<strong>da</strong> minha bela namora<strong>da</strong> /<br />
A lua nos convi<strong>da</strong> a passear /<br />
Seus raios iluminam to<strong>da</strong> a estra<strong>da</strong> /<br />
Por onde nós havemos de passar.”<br />
Ou então a valsa antológica:<br />
“A deusa <strong>da</strong> minha rua /<br />
Tem os olhos onde a lua /<br />
Costuma se embriagar.”<br />
Ou ain<strong>da</strong> o apelo em noite cheia de<br />
estrelas:<br />
“Lua! Man<strong>da</strong> a tua luz pratea<strong>da</strong> /<br />
Despertar a minha ama<strong>da</strong>.”<br />
Sonhávamos na reali<strong>da</strong>de. E nas canções<br />
de amor, enaltecíamos a beleza<br />
<strong>da</strong> mulher luziense, tão bem retrata<strong>da</strong><br />
na quadra popular: “De Curral d’El<br />
Rei as frutas / De Congonhas os Danié<br />
/ De Sabará, os Paula Rocha / De<br />
Santa Luzia as muié”.<br />
madruga<strong>da</strong>, entre centenas de cervejas<br />
nem sempre gela<strong>da</strong>s e dezenas de<br />
cachaças nem sempre puras. Chico<br />
Teixeira, tio-avô de voz grave e cabeleira<br />
branca como a neve, coordenava<br />
e financiava to<strong>da</strong> a sede etílica dos<br />
jovens que o rodeavam. Acredito que<br />
ele se remoçava assim, identificandose<br />
um pouco em ca<strong>da</strong> um de nós, num<br />
processo de transferência de sua vi<strong>da</strong><br />
venturosa e aventurosa.<br />
No meio <strong>da</strong> algazarra reinante e de<br />
inconti<strong>da</strong> cantoria, lá pelas tantas <strong>da</strong> noite<br />
explodia do Chico de Davina, uma gargalha<strong>da</strong><br />
homérica, cuja altura ficava em<br />
razão direta <strong>da</strong>s bramas consumi<strong>da</strong>s.<br />
Solar dos Teixeira <strong>da</strong> Costa, em 1936; hoje restaurado e sede <strong>da</strong> Casa de Cultura<br />
O Papa luziense<br />
E o quê dizer dos pitorescos tipos populares? O rei<br />
Tiú, na suprema felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cretinice. Neca, o mendigo<br />
filosófico; Canela de Ferro, que provocávamos, cantando:<br />
“Na rua <strong>da</strong> Lapa, eu não posso passar / Canela de Ferro<br />
quer me pegar”. A resposta era uma saraiva<strong>da</strong> de impropérios,<br />
para falso escân<strong>da</strong>lo <strong>da</strong>s donzelas e matronas.<br />
Talvez o mais pitoresco dos tipos fosse o Pio, crioulo<br />
sabido que fingia de doido, com uma beiçorra maior do<br />
que a língua do Einstein de conhecido anúncio. Pio criava<br />
histórias fantásticas, como a de que o Papa Pio XII escolhera<br />
esse nome em homenagem a ele, o Pio luziense. E<br />
narrava, com riqueza de pormenores, uma suposta audiência<br />
com o Sumo Pontífice, em Roma, durante a qual ele<br />
foi condecorado com a Cruz <strong>da</strong> Ordem de Cristo.