Editorial - Esaf - Ministério da Fazenda
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Crônica<br />
Fideli<strong>da</strong>de ao passado<br />
A ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> minha infância<br />
desapareceu, pois o tempo não<br />
pode parar. O progresso invade<br />
ruas e casas, tritura corações<br />
nas fábricas e engole homens<br />
no asfalto. Santa Luzia, que no<br />
século XIX fora sitia<strong>da</strong> pelas forças<br />
de Caxias, é hoje cerca<strong>da</strong><br />
e ameaça<strong>da</strong> pelos conjuntos<br />
habitacionais.<br />
As langorosas valsas <strong>da</strong>s<br />
serenatas são substituí<strong>da</strong>s pelo<br />
barulho ensurdecedor dos metaleiros,<br />
de indisfarçável sotaque<br />
norte-americano.<br />
Curvo-me diante <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
que se implanta agora, imposta<br />
pelo progresso. Com ela, uma<br />
nova geração está surgindo.<br />
Certamente sonhadora e realista,<br />
como são sempre os jovens.<br />
Aceitemo-la como ela é, nas<br />
ânsias de sua inexperiência, nos<br />
28 - CECO/Casa dos Contos - Maio de 2009<br />
excessos de seus julgamentos,<br />
até mesmo nos equívocos de<br />
seus arroubos. Saibamos compreendê-la<br />
assim, porque assim<br />
que ela é autêntica. Como já<br />
foi observado, porém, é preciso<br />
que os moços de hoje saibam<br />
que um dia, eles serão velhos.<br />
E é “caminhando para o<br />
futuro que somos fiéis ao passado”<br />
– afirmava Milton Campos<br />
– assim como, na imagem de<br />
Jaurés, “é correndo para o mar<br />
que as águas do rio são fiéis às<br />
suas origens”.<br />
Os antepassados subsistem<br />
na história, inscritos em nossos<br />
corações como símbolos e<br />
lembranças. A mim, basta que<br />
eu seja fiel ao passado. Assim,<br />
percebo ain<strong>da</strong> o marulhar <strong>da</strong>s<br />
águas do rio cau<strong>da</strong>loso. O marulhar<br />
é monótono e envolvente<br />
como uma ampulheta. E sugere<br />
coisas de amor, arrastando<br />
para o rio os sonhos de juventude,<br />
que se enterram na areia<br />
branca e movediça do tempo.<br />
Pelas ruas e becos, ecoam aos<br />
meus ouvidos as recor<strong>da</strong>ções<br />
do passado.<br />
Dói, no coração, a lembrança<br />
do retrato que ain<strong>da</strong> está dependurado<br />
na parede. Ouço, ao<br />
longe, o brado dos luzias. Meus<br />
olhos alcançam a várzea fértil<br />
e o rio bravo. Revivem alegres<br />
recor<strong>da</strong>ções – já tão distantes<br />
no tempo, mas tão próximas de<br />
nós. E perscrutam o futuro, na<br />
busca sonhadora <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de<br />
do passado.<br />
(*) José Bento Teixeira de Salles<br />
é jornalista e escritor, membro<br />
<strong>da</strong> Academia Mineira de Letras.<br />
A Rua Direita, a mais<br />
importante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de