t talento 14 Cx a revista da caixa MIGUEL CASTRO E SILVA Maestro de sabores Divide-se entre a música e a cozinha, onde dá asas à criatividade. Longe vai o tempo em que, se certezas tinha, era de que o futuro não passaria por um restaurante. O destino encarregar-se-ia de lhe trocar as voltas Para fazer face aos gastos, coordenou os estudos de Biologia Marinha com uma passagem por um restaurante de Munique, onde todos os dias chegava peixe fresco. Mas, se hoje reconhece que aprendeu muito nessa fase, na altura, tinha bastante claro que, profissionalmente, a cozinha jamais seria uma opção. E, de facto, durante uns tempos não foi. Nem o curso, que trocou pela área têxtil, que lhe deu «oportunidade de viajar muito» e conhecer «muitos sítios». O bichinho, no entanto, ficou. «Gosto muito de cozinha. Antes de ser cozinheiro, ao fim do dia, ia para casa, punha uma música, bebia um copo de vinho; o meu relaxamento era ir para a cozinha neste ambiente. Antigamente, em minha casa, nunca se sabia quantas pessoas é que vinham para jantar.» «A cozinha é um pouco aquilo que não fiz na música, que é a parte criativa. Há várias cozinhas possíveis: uma cozinha inocente, mais terra a terra, digamos, de partilha e de convivência (como os Decastro), e uma cozinha sofisticada, um trabalho mais elaborado, com menus de degustação (como o Bull & Bear). Identifico-me com as duas.» Outra coisa de que gosta muito é explorar a sua cultura e recuperar sabores. Quando «arrancou» na cozinha, há cerca de 20 anos, a forma de cozinhar em Portugal era «um tradicional muito no mesmo registo» e, com alguns colegas, começou a explorar outras facetas da nossa cozinha, que considera ter «coisas fantásticas». Prova disso é o seu livro Por Helena Estevens Fotografia Filipe Pombo A PAIXÃO PELA COMIDA vem-lhe da infância, no Porto. Em casa, recorda o chefe do restaurante Largo, em Lisboa, «comia-se bem». A mãe – alemã e boa cozinheira – habituou-o à comida tradicional portuguesa com alguma influência do norte e centro da Europa. Foi, também, em casa que adquiriu o gosto da mesa, a partilha com amigos, algo que viria a revelar- -se útil quando foi estudar para fora, dividindo a casa: «Era eu que ficava encarregado da cozinha. Fazia o que gostava, e as pessoas ficavam contentes por lavarem a loiça», diz, sorrindo. The Food and Cooking of Portugal, que apresenta «uma amplitude enorme de referências marcadas pelos diferentes ambientes: Trás-os- -Montes, o Minho, as Beiras, o Alentejo, com realidades socioculturais e naturezas muito diferentes, um mais seco, mais parco, outro abundante, verde, o que influencia muito a gastronomia. Apesar de sermos um País pequeno, temos uma riqueza brutal e uma identidade gastronómica muito grande. Acho que há muito por fazer e já dei bastante no sentido de ajudar a recuperar alguns pratos». A COZINHA LIDA COM SABORES E AROMAS E COM A SUA CONJUGAÇÃO. OS VÁRIOS INGREDIENTES SÃO OS INSTRUMENTOS QUE DEVERÃO ESTAR EM SINTONIA Recuperar e divulgar. «Se falar em polenta, muitas pessoas já ouviram falar; se se falar em milhos, não. E é uma coisa que está tão enraizado na nossa cultura como na italiana. Temos um défice de divulgação lá fora.» As ideias surgem-lhe amiúde. «Já me aconteceu acordar a meio da noite com Print IDEIAS E TÉCNICA Não passa sem boa música ou um bom momento à mesa, acompanhado de bom vinho. Começou a tocar piano, «um instrumento hipercompleto», aos seis anos, achando também interessante a guitarra e o trompete. E o violoncelo, pelo qual tem uma paixão especial, por «ser o instrumento que mais se assemelha à voz humana. Nunca toquei, mas acho um instrumento absolutamente fantástico». Infelizmente, não tem tido tempo para a música, tão importante na sua vida como a cozinha. O paralelismo é claro. «A cozinha é uma arte e uma ciência. Comparando com a música, um bom músico só se consegue expressar se tiver boa técnica; se não a tiver, pode ter ideias bonitas, mas não consegue concretizá-las.» uma coisa na cabeça e ter de me levantar e escrever aquilo. Surgem por leitura, um clique que se faz quando estou a ler alguma coisa, ou por engraçar com um ingrediente, com um sabor, e depois trabalhá-lo.» Outras vezes, nascem de desafios. Os caminhos são diversos; os resultados, deleitosos, mesmo que nem sempre fáceis. «Um dos pratos que me persegue é o bacalhau cozido a 80ºC com as migas; o outro é o robalo marinado, um prato de uma simplicidade extrema, mas que demorou anos – tive de evoluir dez anos para conseguir um prato daquela simplicidade», refere, frisando manter «uma certa paixão pela vertente científica», explorando técnicas de cozedura e afins, que lhe permitem resultados interessantes. Há, também, a componente arte, a sabedoria de fazer um quadro de sabores. E é de arte que se fala perante os seus pratos, que descreve como uma cozinha «aromaticamente rica, mas muito elegante e não pesada». Duas coisas não dispensa: peixe e tomilho.
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