O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa
O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa
O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A Biblioteca Universitária <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em<br />
Tóquio: uma floresta, para que os utilizadores se<br />
possam per<strong>de</strong>r<br />
e as ruas muito estranhas, o que cria<br />
uma continuida<strong>de</strong> interessante entre<br />
o interior e o exterior. De certa forma<br />
estamos protegidos”, explica na conferência.<br />
Diz muitas vezes que esse<br />
carácter orgânico <strong>de</strong> Tóquio, em que<br />
a rua parece um prolongamento da<br />
casa, lhe serviu <strong>de</strong> inspiração. “No<br />
fundo, penso que a sensação <strong>de</strong> brincar<br />
na floresta é muito semelhante à<br />
sensação <strong>de</strong> viver em Tóquio”, explicou<br />
numa entrevista à ArteCapital em<br />
2009.<br />
Foi essa sensação que o inspirou a<br />
criar a House N, uma casa em Oita<br />
feita <strong>de</strong> “três caixas, uma caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>,<br />
uma média e uma pequena – caixa<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa”.<br />
Criam-se assim diferentes espaços <strong>de</strong><br />
privacida<strong>de</strong> – maior na caixa pequena<br />
e menor nas outras. A “caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>”<br />
é uma estrutura com aberturas<br />
rectangulares em cima e nos lados<br />
que “cobre” o resto da casa, <strong>de</strong>ixando<br />
entrar o exterior, mas não completamente.<br />
“Não é só um objecto<br />
sólido no meio <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. É uma<br />
casa que às vezes inclui o céu, às vezes<br />
inclui os vizinhos.”<br />
As aberturas rectangulares fazem<br />
lembrar os espaços vazios <strong>de</strong>ixados<br />
on<strong>de</strong> antes tinham estado janelas nas<br />
fachadas <strong>de</strong> edifícios em ruínas. “Gosto<br />
<strong>de</strong> ruínas”, diz Fujimoto. “São geralmente<br />
o fim da arquitectura. Mas<br />
se quisermos [como na House N] po<strong>de</strong>m<br />
ser também o princípio.”<br />
Fujimoto aplicou o mesmo conceito<br />
<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> fronteiras claras na<br />
House Before House, um projecto<br />
construído na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utsunomiya,<br />
no qual os espaços interiores e exteriores,<br />
ligados entre si por escadas,<br />
se confun<strong>de</strong>m, com árvores e pequenos<br />
pedaços <strong>de</strong> terreno a surgirem<br />
no meio da estrutura <strong>de</strong> espaços interiores.<br />
Havia, contudo, alguma curiosida<strong>de</strong><br />
sobre como é que estas i<strong>de</strong>ias sobre<br />
a relação entre os corpos e o espaço<br />
se iriam traduzir quando Fujimoto<br />
se visse confrontado com um<br />
projecto <strong>de</strong> maiores dimensões. A<br />
sua visão acaba <strong>de</strong> ser testada com a<br />
recém-terminada Biblioteca Universitária<br />
<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em Tóquio.<br />
Com o número <strong>de</strong> estudantes<br />
universitários em queda no Japão <strong>de</strong>vido<br />
ao envelhecimento da população<br />
e às elevadas propinas, explica a<br />
“Architectural Review”, as universida<strong>de</strong>s<br />
tentam <strong>de</strong> várias formas atrair<br />
estudantes. Criar uma biblioteca com<br />
uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong>ssa<br />
estratégia. Foi aberto um concurso e<br />
Fujimoto fez a sua proposta – uma<br />
floresta <strong>de</strong> livros.<br />
O edifício é inteiramente dominado<br />
por enormes prateleiras, criando<br />
uma sensação <strong>de</strong> floresta, e, segundo<br />
explicou o arquitecto, dando às pessoas<br />
a sensação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m vaguear<br />
pelo espaço e, eventualmente,<br />
per<strong>de</strong>r-se nele. Mas, explica a “Architectural<br />
Review”, a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong><br />
Fujimoto teve <strong>de</strong> ser adaptada a algumas<br />
exigências <strong>de</strong> uso – uma necessida<strong>de</strong><br />
que não perturbou o arquitecto,<br />
que terá percebido as críticas<br />
dos que diziam que o carácter mais<br />
caótico do seu <strong>de</strong>senho inicial tornava<br />
o sistema numérico <strong>de</strong> classificação<br />
dos livros uma confusão, levando<br />
muitos estudiosos a per<strong>de</strong>rem-se verda<strong>de</strong>iramente.<br />
E por muito que Fujimoto queira<br />
introduzir alguns elementos <strong>de</strong> caos,<br />
não quer que a sua arquitectura-floresta<br />
se torne um labirinto do qual as<br />
pessoas não consigam sair. O que ele<br />
procura é que as pessoas recuperem<br />
uma relação mais intuitiva entre o<br />
corpo e o espaço. Algo que, acredita,<br />
se terá perdido ao longo dos tempos.<br />
Quando exactamente? A partir do<br />
momento em que o homem começou<br />
a construir espaços para habitar?<br />
Em todas as épocas houve diferentes<br />
formas <strong>de</strong> viver os espaços construídos,<br />
diz. “Parece que falo <strong>de</strong> Le<br />
Corbusier como um inimigo”, ri Fujimoto,<br />
“mas ele, ao mesmo tempo<br />
que falava da arquitectura funcionalista<br />
fazia também uma arquitectura<br />
com maior abertura <strong>de</strong> espírito. Gosto<br />
muito da Villa Savoye, por exemplo.<br />
Claro que é funcionalista, mas ao<br />
mesmo tempo <strong>de</strong>ixa as pessoas livres<br />
para encontrarem o seu espaço escondido<br />
e as funções da casa. Tem<br />
um potencial <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>.”<br />
Tal como outro tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />
<strong>de</strong> que Fujimoto gosta particularmente:<br />
a das catedrais góticas. “São<br />
espaços muito fortes. Numa catedral<br />
gótica há várias escalas <strong>de</strong> espaço diferentes.<br />
Os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s espaços são dominantes,<br />
claro, mas <strong>de</strong>pois há espaços<br />
laterais, com escalas mais pequenas,<br />
a zona do claustro... parece<br />
caótico mas é um espaço com diferentes<br />
qualida<strong>de</strong>s.”<br />
Sou Fujimoto não é dogmático. Não<br />
diz que o racionalismo e o funcionalismo<br />
nos fizeram per<strong>de</strong>r coisas. “Per-<br />
<strong>de</strong>mos algumas, mas ganhámos também.<br />
Não quero negar a história da<br />
arquitectura. É muito importante,<br />
essas camadas da história – umas vezes<br />
per<strong>de</strong>mos, outras transformamos.<br />
O que eu gosto é <strong>de</strong> voltar atrás para<br />
compreen<strong>de</strong>r como é que as coisas<br />
se passavam há muito tempo.”<br />
Não se pense que é um arquitecto<br />
que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-arquitectura. Nada<br />
disso. “Não <strong>de</strong>fendo o regresso à natureza<br />
ou à montanha, mas acho que<br />
seria agradável recuperar algumas<br />
sensações que se per<strong>de</strong>ram nesta socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea.”<br />
É isto o “futuro primitivo”.<br />
que constrói fl orestas<br />
s criativos se não estivéssemos limitados por esta arquitectura em que uma cozinha é uma cozinha<br />
perdido, e reconstruir uma relação intuitiva com o espaço. É isso que ele tem andado a fazer<br />
no Japão. Alexandra Prado Coelho<br />
IWAN BAAN<br />
IWAN BAAN<br />
A House N, em Oita, “é uma casa que às vezes inclui o<br />
céu, às vezes inclui os vizinhos”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 31