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O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Teatro<br />

O tempo<br />

que o tempo tem<br />

Clara<br />

An<strong>de</strong>rmatt e<br />

Marco Martins<br />

foram buscar<br />

os intérpretes<br />

à dança e ao<br />

teatro: aqui<br />

não se sabe<br />

bem on<strong>de</strong><br />

acaba um e<br />

começa o<br />

outro<br />

Clara An<strong>de</strong>rmatt, coreógrafa, e Marco Martins, cineasta e encenador,<br />

fi zeram do tempo a matéria-prima <strong>de</strong> uma aventura coreográfi ca e teatral, “Durações<br />

<strong>de</strong> um Minuto”, que se estreia hoje no São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>. Até 28 <strong>de</strong> Novembro, eles<br />

<strong>de</strong>scobrem, juntos, o que po<strong>de</strong>m fazer enquanto esperam. Tiago Bartolomeu Costa<br />

No princípio era o tempo, como na<br />

lengalenga infantil em que o tempo<br />

pergunta ao tempo quanto tempo o<br />

tempo tem. O que o tempo lhe respon<strong>de</strong><br />

é uma forma <strong>de</strong> nos perguntarmos<br />

o que fazemos com ele, e<br />

aquilo a que se propuseram Clara An<strong>de</strong>rmatt,<br />

coreógrafa, e Marco Martins,<br />

cineasta e encenador, respon<strong>de</strong>ndo<br />

ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> Jorge Salavisa,<br />

na altura director artístico do São<br />

Luiz – Teatro <strong>Municipal</strong>, para criarem<br />

uma peça a dois. Chamaram-lhe “Durações<br />

<strong>de</strong> Um Minuto” não porque<br />

seja sobre o tempo, mas porque (e<br />

dizer isto não é dizer tudo) é sobre<br />

nós.<br />

Não se conheciam, apesar <strong>de</strong> Marco<br />

já ter seguido Clara. Já se tinha interessado<br />

por aquele corpo, aquela<br />

forma “particular” <strong>de</strong> movimento que<br />

nela se traduz por uma manipulação<br />

<strong>de</strong>sconcertante dos modos <strong>de</strong> existir<br />

num espaço. Numa das cenas <strong>de</strong> “Ali-<br />

33 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

ce”, o filme que o revelou, Nuno Lopes,<br />

o pai que per<strong>de</strong>u a filha, segue<br />

uma mãe que leva uma criança pelo<br />

braço. Essa mãe é Clara. Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

seguir alguém está nesta peça, mas<br />

Clara não está em palco, nem Marco<br />

a segue. Agora estão lado a lado, testando<br />

as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um no outro, procurando<br />

“ajustar-se a essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

trabalhar em conjunto”. “É mais fácil,<br />

não sei se é mais fácil”, diz Clara. “Ficas<br />

a pensar no que disseste e tens<br />

que saber <strong>de</strong>fendê-lo”, contrapõe<br />

Marco.<br />

A peça partiu <strong>de</strong> um dado geofísico,<br />

não isento <strong>de</strong> polémica: por efeito do<br />

terramoto que em Fevereiro abalou<br />

o Chile, o eixo da Terra <strong>de</strong>slocou-se<br />

e, por isso, os dias ficaram 1,26 microssegundos<br />

mais pequenos. Já tinha<br />

acontecido antes: estudos indicam<br />

que o terramoto que provocou o tsunami<br />

<strong>de</strong> 2004 no Su<strong>de</strong>ste Asiático<br />

diminuiu os dias em 2,62 microsse-<br />

gundos. Mas o que é isso em, digamos,<br />

tempo real?<br />

Para os dois autores, foi a oportunida<strong>de</strong><br />

para relançar questões sobre<br />

o nosso comportamento em socieda<strong>de</strong>:<br />

sobre o modo como nos relacionamos<br />

com o outro, como o nosso<br />

corpo é afectado, como reagimos à<br />

sua presença, como é que saímos daqui.<br />

O que apresentam a partir <strong>de</strong><br />

hoje, e até 28 <strong>de</strong> Novembro, no São<br />

Luiz não é necessariamente um mo<strong>de</strong>lo<br />

social, mas aproxima-se <strong>de</strong> uma<br />

hipótese <strong>de</strong> representação da socieda<strong>de</strong>.<br />

“Não tivemos qualquer intenção<br />

<strong>de</strong> caracterizar ou <strong>de</strong>finir este<br />

ambiente, e as pessoas que nele vivem”,<br />

nota Clara. “Pelo contrário, o<br />

nosso trabalho foi retirar e limpar referências”,<br />

acrescenta Marco.<br />

Criada <strong>de</strong> raiz – “era muito mais fácil<br />

se não fosse assim”, confirmam os<br />

dois –, a peça parte <strong>de</strong> textos já publicados<br />

ou inéditos, e escritos proposi-<br />

“Durações <strong>de</strong> Um<br />

Minuto” parte <strong>de</strong><br />

um dado geofísico:<br />

por efeito do<br />

terramoto <strong>de</strong><br />

Fevereiro no Chile,<br />

os dias ficaram<br />

1,26 microssegundos<br />

mais pequenos<br />

tadamente, por Gonçalo M. Tavares,<br />

um dos autores <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> Marco<br />

Martins. “Tínhamos em vista quatro<br />

ou cinco nomes, mas, <strong>de</strong>pois, tornouse<br />

evi<strong>de</strong>nte que seriam do Gonçalo as<br />

palavras a caber aqui”. Reconhecemos<br />

nos diálogos o “pessimismo antropológico<br />

e cultural” que caracteriza a<br />

escrita <strong>de</strong> Tavares, conforme sublinhava<br />

Pedro Mexia na última edição do<br />

Ípsilon (29 Outubro). “A brutalida<strong>de</strong><br />

dos acontecimentos do século XX exige,<br />

a qualquer escritor, um pessimismo<br />

antropológico firme. É uma responsabilida<strong>de</strong><br />

moral e literária”, explicava<br />

o escritor nessa entrevista. “O<br />

espaço da literatura po<strong>de</strong> ser tudo e<br />

mais alguma coisa, mas antes <strong>de</strong> mais<br />

é um espaço <strong>de</strong> vigilância à distância,<br />

<strong>de</strong> uma atenção constante. É um pouco<br />

como estar a repetir constantemente:<br />

atenção!, não te esqueças do século<br />

XX, não te esqueças do século XX”,<br />

acrescentava ainda.<br />

PEDRO CUNHA

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