O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Sexta-feira<br />
5 Novembro 2010<br />
www.ipsilon.pt<br />
Estoril Film Festival<br />
O <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>ditador</strong><br />
Avassalador documentário:<br />
“Autobiografi a <strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”<br />
Kathryn Bigelow<br />
Retrospectiva <strong>de</strong> uma cineasta<br />
que sempre fez o que quis<br />
Chris Marker<br />
Inqualifi cável: documentário,<br />
fi cção, ensaio, e por vezes<br />
tudo junto<br />
GonzalesTrobbing Gristle Eduardo SacheriClara An<strong>de</strong>rmatt Sou Fujimoto Hipnótica<br />
BERNARD BISSON/ SYGMA/ CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7519 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Flash<br />
Sumário<br />
Estoril Film Festival 6<br />
A ascensão e a queda <strong>de</strong><br />
Nicolaeu Ceausescu - e ainda<br />
Kathryn Bigelow, Chris<br />
Marker e Roman Polanski<br />
Gonzalez 14<br />
Um homem do espectáculo<br />
em chinelos e roupão<br />
Throbbing Gristle 18<br />
Os Throbbing Gristle<br />
morreram, vivam os X-TG<br />
Eduardo Sacheri 26<br />
Um segredo da literatura<br />
argentina<br />
Sou Fujimoto 30<br />
O futuro é o regresso<br />
à caverna<br />
Clara An<strong>de</strong>rmatt<br />
e Marco Martins 33<br />
Encontro imediato no São<br />
Luiz<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara,<br />
Inês Nadais (adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />
Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
É assim o<br />
Tintin <strong>de</strong><br />
Spielberg<br />
(mais só<br />
no Natal<br />
<strong>de</strong> 2011)<br />
“The Adventures of Tintin:<br />
The Secret of the Unicorn”,<br />
<strong>de</strong> Steven Spielberg, vai ser<br />
muito provavelmente o<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> sucesso <strong>de</strong> bilheteira<br />
do Natal <strong>de</strong> 2011. O filme<br />
<strong>de</strong>verá chegar às salas a 28<br />
<strong>de</strong> Dezembro do próximo<br />
ano e será o primeiro <strong>de</strong> uma<br />
trilogia que está a ser<br />
cozinhada por Spielberg e<br />
Peter Jackson, o realizador<br />
<strong>de</strong> “O Senhor dos Anéis”. A<br />
revista inglesa “Empire”<br />
revelou no início <strong>de</strong>sta<br />
semana, em exclusivo, as<br />
primeiras imagens reais do<br />
filme, que tornam mais<br />
palpável o que Spielberg quis<br />
dizer quando explicou que o<br />
seu objectivo era “alcançar<br />
uma espécie <strong>de</strong> hiperrealida<strong>de</strong><br />
que integrasse a<br />
linha clara <strong>de</strong> Hergé”. Não<br />
<strong>de</strong>sfigurar o estilo do<br />
<strong>de</strong>senhador belga é, para<br />
Spielberg, um ponto <strong>de</strong><br />
honra: “Assumo-me como<br />
garante <strong>de</strong> que a trilogia que<br />
estou a preparar com Peter<br />
Jackson será fiel à arte <strong>de</strong><br />
Hergé”.<br />
Filmado em 3D e recorrendo<br />
à técnica utilizada por James<br />
Cameron em “Avatar”, que<br />
permite transpor<br />
movimentos e expressões<br />
faciais <strong>de</strong> actores para<br />
personagens <strong>de</strong> animação, o<br />
Ei-los que voltam:<br />
Belle Chase Hotel<br />
em mini-digressão<br />
Vários anos e muita especulação<br />
<strong>de</strong>pois – “Voltam? Não voltam? Para<br />
concertos? Para gravar um disco?<br />
Para um espectáculo <strong>de</strong><br />
vau<strong>de</strong>ville?” -, eis que nos chegam<br />
novida<strong>de</strong>s fiáveis,<br />
confirmadíssimas, do campo Belle<br />
Chase Hotel. A banda que nos <strong>de</strong>u<br />
“Fossanova” e que nos alegrou o<br />
fim do século passado com uma<br />
euforia pare<strong>de</strong>s meias com<br />
“Tintin” <strong>de</strong> Spielberg vai<br />
custar 135 milhões <strong>de</strong> dólares<br />
(quase cem milhões <strong>de</strong><br />
euros), numa produção que<br />
envolve, além da<br />
DreamWorks <strong>de</strong> Spielberg, a<br />
Sony e a Paramount.<br />
O realizador anunciou este<br />
projecto há dois anos, no<br />
festival <strong>de</strong> Cannes, mas a<br />
intenção vem <strong>de</strong> longe. “No<br />
funeral <strong>de</strong> Hergé, em 1983,<br />
lembro-me <strong>de</strong> ter dito à sua<br />
viúva, Fanny, que queria<br />
muito adaptar as aventuras<br />
<strong>de</strong> Tintin ao <strong>gran<strong>de</strong></strong> ecrã,<br />
mas que respeitaria a obra<br />
do seu marido”.<br />
Embora a produção esteja a<br />
<strong>de</strong>correr sob rigoroso<br />
<strong>de</strong>sencanto, um bigo<strong>de</strong> icónico e<br />
um carrossel musical on<strong>de</strong> cabiam<br />
chanson, tango, samba, cabaré,<br />
soul revista por Burt Bacharach e<br />
swing pós-mo<strong>de</strong>rno, reuniu-se e<br />
<strong>de</strong>sta vez é a sério.<br />
JP Simões, Pedro Renato, Sérgio<br />
Costa, Raquel Ralha, Luís Pedro<br />
Ma<strong>de</strong>ira e restante trupe iniciarão<br />
uma mini-digressão na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
tudo começou, Coimbra. Na<br />
próxima sexta-feira, dia 12, no<br />
Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente, a<br />
banda <strong>de</strong> “Sunset Boulevard” sobe a<br />
palco pela primeira vez em sete<br />
anos e, naturalmente, a noite será<br />
segredo e se conheçam<br />
poucos <strong>de</strong>talhes do filme, boa<br />
parte do elenco foi já<br />
divulgada: o actor britânico<br />
Jamie Clegg será Tintin, Andy<br />
Serkis, o Gollum <strong>de</strong> “O Senhor<br />
dos Anéis”, interpretará o<br />
irascível Capitão Haddock, os<br />
polícias gémeos Dupond e<br />
Dupont ficam a cargo <strong>de</strong><br />
Simon Pegg e Nick Frost, e<br />
Daniel Craig foi escolhido<br />
para o papel <strong>de</strong> Rackham o<br />
Vermelho. É certo que<br />
Spielberg já levantou um<br />
bocadinho o véu, mas o pouco<br />
que disse, soando bastante<br />
prometedor, dificilmente<br />
permitirá formar uma<br />
imagem aproximada do que o<br />
<strong>de</strong> celebração (12 euros, , um<br />
bilhete e a porta aberta para a<br />
eternida<strong>de</strong>). Em breve serão<br />
anunciadas as datas que e<br />
completarão a<br />
digressão agora<br />
anunciada: <strong>Lisboa</strong> e<br />
Porto estão na calha.<br />
Os Belle Chase Hotel<br />
nasceram em 1995 e<br />
editaram o seu álbum<br />
<strong>de</strong> estreia,<br />
“Fossanova”, três<br />
anos <strong>de</strong>pois. “La<br />
Toilette <strong>de</strong>s Etóiles”<br />
foi o segundo e<br />
As primeiras imagens do Tintin<br />
<strong>de</strong> Spielberg, divulgadas em<br />
exclusivo pela “Empire”: um<br />
compromisso entre a<br />
hiper-realida<strong>de</strong> tornada<br />
possível pelo 3D e a linha<br />
clara <strong>de</strong> Hergé<br />
filme possa vir a ser: “Deve<br />
muito não apenas ao ‘film<br />
noir’, mas também a todo o<br />
teatro brechtiano”, diz o<br />
realizador, acrescentando<br />
que, “ao mesmo tempo, é<br />
uma aventura infernal”.<br />
Para abrir esta trilogia,<br />
Spielberg e Jackson<br />
escolheram uma história que<br />
se esten<strong>de</strong> por dois álbuns <strong>de</strong><br />
Tintin (o 11º e o 12º)<br />
originalmente publicados na<br />
primeira meta<strong>de</strong> dos anos<br />
40: “O Segredo do Licorne” e<br />
“O Tesouro <strong>de</strong> Rackham o<br />
Terrível”. E Peter Jackson,<br />
que dirigirá o próximo filme,<br />
já adiantou que está a pensar<br />
adaptar “As Sete Bolas <strong>de</strong><br />
Cristal”. Mas não garante.<br />
“Também gosto muito dos<br />
que se passam nos Balcãs,<br />
como ‘O Ceptro <strong>de</strong> Ottokar’,<br />
que daria um óptimo<br />
thriller”.<br />
Luís Miguel Queirós<br />
É ofi cial: eles vão voltar, pelo menos<br />
para alguns concertos<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 3
Flash<br />
último longa-duração <strong>de</strong> uma<br />
carreira meteórica. Do fim do grupo<br />
resultaram os Azembla’s Quartet,<br />
li<strong>de</strong>rados por Pedro Renato e on<strong>de</strong><br />
encontramos Luís Pedro Ma<strong>de</strong>ira e<br />
Raquel Ralha (que se tornaria<br />
também vocalista dos Wray Gunn),<br />
e os Quinteto Tati, que reuniram JP<br />
Simões e Sérgio Costa em “Exílio”,<br />
álbum <strong>de</strong> 2004, antes <strong>de</strong> o primeiro<br />
se lançar numa carreira a solo <strong>de</strong><br />
que resultou, em 2007, o celebrado<br />
“1970”.<br />
A África lusófona no<br />
cinema, em Londres<br />
O pretexto é a passagem dos 35 anos<br />
sobre a <strong>de</strong>scolonização dos países<br />
africanos sob dominação<br />
portuguesa, data que vai ser<br />
assinalada em Londres, no cinema<br />
Alfred Hitchcock da Queen Mary<br />
University, com um ciclo <strong>de</strong> filmes<br />
<strong>de</strong> realizadores <strong>de</strong> expressão lusa.<br />
Entre 9 e 13 <strong>de</strong>ste mês, o<br />
Departamento <strong>de</strong> Língua<br />
Portuguesa daquela universida<strong>de</strong>,<br />
com o apoio do Instituto Camões,<br />
promove um ciclo <strong>de</strong> filmes e <strong>de</strong><br />
encontros, distribuídos em jornadas<br />
focadas em cada um dos PALOP.<br />
Abre com a Guiné-Bissau e com três<br />
filmes <strong>de</strong> Flora Gomes (“Mortu<br />
Nega”, “Os Olhos Azuis <strong>de</strong> Yonta” e<br />
“Nha Fala”). Seguem-se, no dia 10,<br />
São Tomé e Príncipe (“Mionga Ki<br />
ôbo – Mar e Selva”, <strong>de</strong> Ângelo<br />
Torres) e Cabo Ver<strong>de</strong>, que será<br />
visitado através do olhar <strong>de</strong><br />
Francisco Manso, realizador que aí<br />
rodou “O Testamento do Senhor<br />
Napumoceno” e “A Ilha dos<br />
Escravos” e que estará presente na<br />
sessão para um encontro com os<br />
espectadores. O cinema angolano<br />
estará representado, no dia<br />
seguinte, pelos filmes “Na Cida<strong>de</strong><br />
Vazia”, <strong>de</strong> Maria João Ganga, e “O<br />
Herói”, <strong>de</strong> Zézé Gamboa. Caberá a<br />
Moçambique a atenção maior do<br />
programa. Os realizadores<br />
Margarida Cardoso e Joaquim Leitão<br />
apresentarão os seus filmes: “Natal<br />
71”, “A Costa dos Murmúrios” e<br />
“Kuxa Kanema, o Nascimento do<br />
Cinema”, no caso da primeira;<br />
“20,13: Purgatório”, no caso <strong>de</strong><br />
4 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Leitão. O em e novos projectos os<br />
programa encerra <strong>de</strong> d novos nomes da<br />
com adaptações ao <strong>gran<strong>de</strong></strong> ecrã <strong>de</strong> cena brasileira e<br />
livros <strong>de</strong> Mia Couto: “Tatana”, que revelando aqueles s<br />
João Ribeiro e Gonçalo Galvão Teles que po<strong>de</strong>m muito o<br />
realizaram sobre argumento <strong>de</strong>ste bem vir a ser os<br />
último e do escritor; e “Terra<br />
Sonâmbula”, <strong>de</strong> Teresa Prata.<br />
próximos notáveis. s.<br />
O Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
volta a dançar,<br />
até 21 <strong>de</strong> Novembro<br />
Em vésperas <strong>de</strong> comemorar 20<br />
anos, o mais importante festival <strong>de</strong><br />
dança da América do Sul, o<br />
Panorama Rio Dança, apresenta a<br />
sua mais ambiciosa e extensa<br />
programação. De 5 a 21 <strong>de</strong><br />
Novembro vários teatros do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro recebem obras da norte<br />
americana Trisha Brown (com um<br />
programa que já esteve em<br />
Serralves em 2007), do alemão<br />
Raimund Hoghe (com duas peças,<br />
uma das quais, “L’Aprés Midi”, foi<br />
apresentada em 2009 no festival<br />
Materiais Diversos), do francês<br />
Rachid Ouramdane, do holandês<br />
Emio Greco, do moçambicano<br />
Panaibra Gabriel (que já por duas<br />
vezes esteve em Portugal) e <strong>de</strong> um<br />
vasto elenco <strong>de</strong> nomes brasileiros.<br />
Entre eles está Lia Rodrigues,<br />
fundadora do festival e<br />
homenageada da edição <strong>de</strong>ste ano,<br />
com uma retrospectiva que inclui,<br />
entre outros espectáculos,<br />
“Pororoca”, visto em Abril na<br />
Culturgest e em Serralves. Dizem os<br />
programadores, Nayse Lopez e<br />
Eduardo Bonito, que “são muitos os<br />
percursos possíveis [nesta edição]:<br />
o ontem e o hoje <strong>de</strong> um artista, a<br />
política, os cruzamentos entre<br />
danças populares e composição<br />
contemporânea”. No total, são 33<br />
peças que ocupam a cida<strong>de</strong>, dos<br />
parques ao metropolitano, dos<br />
teatros à favela, tentando respon<strong>de</strong>r<br />
à pergunta “que dança po<strong>de</strong> falar<br />
do nosso tempo?”.<br />
Ao longo dos anos, o festival tem<br />
sido uma plataforma para a dança<br />
brasileira e esta 19ª edição do<br />
Panorama volta a tomar o pulso à<br />
criação contemporânea, focando-se<br />
“Nha Fala”, <strong>de</strong><br />
Flora Gomes,<br />
é um dos fi lmes<br />
que vão passar<br />
pelo cinema Alfred<br />
Hitchcock<br />
da Queen Mary<br />
University<br />
“Pororoca”, <strong>de</strong> Lia Rodrigues:<br />
a a coreógrafa brasileira<br />
bras<br />
é a homenageada<br />
<strong>de</strong>sta edição<br />
do Panorama Rio<br />
Dança<br />
David<br />
Hockney,<br />
iPintor em<br />
Paris<br />
No final <strong>de</strong> 2008,<br />
David Hockney (n.<br />
1937) comprou um m<br />
iPhone e começou u<br />
a mandar flores<br />
frescas aos amigos<br />
todas as manhãs.<br />
“As minhas flores<br />
duram. Com o iPhone, one, não só<br />
posso <strong>de</strong>senhá-las como também<br />
possso enviá-las a 15 ou 20 pessoas<br />
que <strong>de</strong>pois as recebem assim que<br />
acordam”, explicou ao jornalista do<br />
“Telegraph” Martin Gayford, que<br />
bruscamente no Verão passado<br />
também recebeu um SMS do artista<br />
britânico (“Mando-te o amanhecer<br />
<strong>de</strong> hoje esta tar<strong>de</strong>; frase absurda,<br />
bem sei, mas perceberás o que<br />
quero dizer”), seguido, horas mais<br />
tar<strong>de</strong>, da respectiva iPintura das<br />
primeiras horas do dia filtradas<br />
pelas nuvens malva da costa do<br />
Yorkshire.<br />
Nos últimos dois anos, Hockney<br />
produziu centenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong><br />
flores e <strong>de</strong> paisagens no iPhone<br />
(entretanto também comprou um<br />
iPad) que traz sempre no bolso<br />
interior direito do seu blazer<br />
Príncipe <strong>de</strong> Gales. Parte <strong>de</strong>sses<br />
<strong>de</strong>senhos integra agora a exposição<br />
“Fleurs Fraîches”, que po<strong>de</strong> ser<br />
vista até 30 <strong>de</strong> Janeiro na Fondation<br />
Pierre Bergé - Yves Saint-Laurent.<br />
Aqui, já não estamos perante os<br />
po<strong>de</strong>rosos <strong>gran<strong>de</strong></strong>s formatos em<br />
que Hockney fez a crónica da bela<br />
vida californiana; é das pequenas<br />
coisas (plantas, naturezas mortas,<br />
auto-retratos) que “o último dandy<br />
da arte do pós-guerra”, como lhe<br />
chamava o “Figaro” esta semana, se<br />
ocupa agora.<br />
Além das intermináveis<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> difusão criadas<br />
pelo iPhone (<strong>de</strong> resto<br />
profundamente disruptoras <strong>de</strong> um<br />
mercado que gira em torno da<br />
assinatura e do original), Hockney<br />
está particularmente entusiasmado<br />
com a maneira como o ecrã<br />
luminoso revoluciona a qualida<strong>de</strong><br />
do <strong>de</strong>senho: “Nunca teria<br />
<strong>de</strong>senhado a aurora se só tivesse um<br />
lápis e uma folha <strong>de</strong> papel. Foi a<br />
luminosida<strong>de</strong> do ecrã que me<br />
incitou”, explica no texto do<br />
catálogo. A cenografia da exposição,<br />
concebida pelo arquitecto novaiorquino<br />
Ali Tayar, recria em parte<br />
o estúdio do artista no Yorkshire,<br />
permitindo ao espectador ver (em<br />
Des<strong>de</strong> Des que <strong>de</strong>scobriu o iPhone, David Hockney<br />
manda man fl ores aos amigos todas as manhãs<br />
(e um u ou outro nascer do sol)<br />
pequenos e <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />
ecrãs) as obras à luz<br />
das condições em<br />
que foram<br />
produzidas e,<br />
mais do que isso,<br />
vê-las enquanto<br />
são produzidas<br />
(basta carregar numa tecla e o<br />
iPhone faz rewind e reconstitui o<br />
<strong>de</strong>senho traço a traço). É novo para<br />
nós, e surpreen<strong>de</strong>ntemente<br />
também para ele: “Até ter feito<br />
‘replay’ dos meus <strong>de</strong>senhos no<br />
iPad, nunca me tinha visto<br />
<strong>de</strong>senhar”.<br />
Zaha Z Hadid vai<br />
<strong>de</strong>senhar d<br />
a segunda<br />
casa c da Serpentine<br />
Gallery G<br />
Normalmente<br />
No<br />
inclusivamente os olhos postos<br />
ouvimos ou falar da neste edifício. É uma<br />
Serpentine Ser Gallery, oportunida<strong>de</strong> que só aparece<br />
em em Londres, todos os uma vez na vida”,<br />
anos pelo Verão, a propósito acrescentou.<br />
das instalações que os<br />
Aquilo que <strong>de</strong>finitivamente fez<br />
arquitectos mais conhecidos a balança pen<strong>de</strong>r para a<br />
do mundo são convidados a candidatura da Serpentine, em<br />
fazer nos relvados do Hy<strong>de</strong> <strong>de</strong>trimento das <strong>de</strong> Hirst e da<br />
Park – Álvaro Siza e Eduardo Halcyon, foi o apoio<br />
Souto <strong>de</strong> Moura foram os filantrópico da Fundação<br />
portugueses já convidados, em Mortimer e Theresa Sackler –<br />
2005. Agora, esta que é uma uma família <strong>de</strong> americanos<br />
das instituições <strong>de</strong> referência que fez fortuna no Reino<br />
da arte contemporânea na Unido no negócio<br />
capital britânica é notícia por farmacêutico e que é um dos<br />
ter conseguido conquistar um principais mecenas do país.<br />
importante espaço para a O plano <strong>de</strong> acção da<br />
ampliação da sua activida<strong>de</strong>: Serpentine para o “The<br />
ultrapassou a forte<br />
Magazine” já está traçado:<br />
concorrência <strong>de</strong> Damien Hirst Zaha Hadid (que já realizou o<br />
e da Halcyon Gallery, e venceu pavilhão <strong>de</strong> Verão no Hy<strong>de</strong><br />
o concurso público aberto pela Park por duas vezes, em 2000<br />
Royal Parks para a exploração e 2007) foi convidada a<br />
<strong>de</strong> The Magazine, um edifício renovar parte do edifício, e vai<br />
abandonado há mais <strong>de</strong> meio <strong>de</strong>senhar também um novo<br />
século nos Kensington<br />
pavilhão <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />
Gar<strong>de</strong>ns. Este antigo <strong>de</strong>pósito dimensões para a realização<br />
<strong>de</strong> munições que funcionou anual <strong>de</strong> instalações<br />
entre meados do século XVIII luminosas. “Encontramo-nos<br />
e o final da Segunda Guerra num dos raros lugares <strong>de</strong><br />
Mundial, com uma área <strong>de</strong> 880 Londres que tem pouca<br />
metros quadrados – idêntica à poluição luminosa”, disse<br />
que a Serpentine Gallery Peyton-Jones, justificando esta<br />
<strong>de</strong>tém hoje –, vai ser<br />
aposta. A futura segunda casa<br />
transformada pela arquitecta da Serpentine terá espaços <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> origem iraniana Zaha Hadid exposições, uma loja, café e<br />
num novo equipamento para a restaurante. O público<br />
arte contemporânea, mporânea, com<br />
continuará a ter<br />
abertura prometida ometida ainda a<br />
entrada entrada livre, e<br />
tempo dos próximos Jogos<br />
para a<br />
Olímpicos <strong>de</strong> 2012.<br />
concretização<br />
concretiza<br />
“Estou encantada”, antada”,<br />
do project projecto<br />
exclamou Julia ulia Peyton- Peyton-<br />
não serão<br />
Jones, directora tora da<br />
<strong>de</strong>spendidos<br />
<strong>de</strong>spendid<br />
Serpentine, comentando<br />
dinheiros<br />
para o jornal al “The<br />
públicos.<br />
Guardian” o<br />
Sérgio C. C<br />
resultado do o<br />
concurso. “A A<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
expandir a<br />
Andra<strong>de</strong> Andra<br />
Serpentine<br />
estava na nossa ossa<br />
mente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e há<br />
muito tempo, o, e<br />
tínhamos<br />
Zaha Hadid vai renovar parte<br />
<strong>de</strong> The Magazine, o novo edifício<br />
da Serpentine Gallery<br />
nos Kensington Gar<strong>de</strong>ns
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
LANÇAMENTO EM DVD<br />
GAINSBOURG. VIDA HERÓICA<br />
Filme <strong>de</strong> Joann Sfar<br />
João Lopes e Nuno Galopim, jornalistas e críticos <strong>de</strong> música e <strong>de</strong> cinema, encontram-se no Fórum FNAC<br />
para uma conversa com o público sobre a obra e a vida <strong>de</strong> uma das figuras mais marcantes da cultura<br />
contemporânea.<br />
08.11. 20H00 FNAC CHIADO<br />
EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA<br />
SERGE GAINSBOURG<br />
Fotografias <strong>de</strong> Tony Frank<br />
Uma selecção <strong>de</strong> momentos da vida <strong>de</strong> Serge Gainsbourg que revelam o seu lado mais íntimo e apresentam<br />
fragmentos do seu quotidiano familiar e profissional.<br />
INAUGURAÇÃO<br />
08.11. 20H00 FNAC CHIADO<br />
APRESENTAÇÃO<br />
MILAGRÁRIO PESSOAL<br />
Livro <strong>de</strong> José Eduardo Agualusa<br />
Um romance <strong>de</strong> amor e, ao mesmo tempo, uma viagem através da História da língua portuguesa.<br />
06.11. 15H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
MÚSICA AO VIVO<br />
LA CHANSON NOIRE<br />
Música para os Mortos<br />
Manifesto artístico que aponta como principais objectivos a divulgação dos prazeres da <strong>de</strong>cadência, a<br />
apologia da exuberância e da extravagância, assim como a <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> e da libertinagem.<br />
05.11. 22H00 FNAC ALMADA<br />
07.11. 17H00 FNAC LEIRIA<br />
12.11. 22H00 FNAC COIMBRA<br />
MÚSICA AO VIVO<br />
TERESA LOPES ALVES<br />
Reflexo<br />
No seu trabalho <strong>de</strong> estreia, esta cantora tem como referências o fado, o jazz vocal clássico, passando<br />
pela música ligeira portuguesa e pela música popular brasileira.<br />
05.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
06.11. 17H00 FNAC GUIMARÃES<br />
06.11. 22H00 FNAC BRAGA<br />
Consulte todos os eventos da Agenda Fnac,<br />
assim como outros conteúdos culturais em http://cultura.fnac.pt<br />
Apoio:<br />
13.11. 18H00 FNAC MAR SHOPPING<br />
14.11. 17H00 FNAC BRAGA<br />
17.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
18.11. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />
18.11. 22H00 FNAC GAIASHOPPING<br />
07.11. 17H30 FNAC MAR SHOPPING 13.11. 22H00 FNAC CASCAIS<br />
12.11. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA 14.11. 17H00 FNAC COLOMBO<br />
13.11. 16H00 FNAC ALMADA<br />
20.11. 21H30 FNAC ALFRAGIDE<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO
BERNARD BISSON/ SYGMA/ CORBIS<br />
O marionetista<br />
É um objecto avassalador<br />
“Autobiografi a <strong>de</strong> Nicolae<br />
Ceaucescu”, <strong>de</strong> Andrei Ujica.<br />
Imagens <strong>de</strong> arquivo pesquisadas<br />
nos acervos da televisão e do<br />
serviço cinematográfi co estatal<br />
romenos <strong>de</strong>senham a ascensão<br />
e queda do lí<strong>de</strong>r comunista. Um<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> fi lme sobre a manipulação,<br />
está em competição já amanhã<br />
no Estoril Film Festival.<br />
Que hoje inaugura. E on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sfi larão Kiarostami, Lou Reed,<br />
Kathryn Bigelow, Laurie An<strong>de</strong>rson<br />
ou as obras <strong>de</strong> Chris Marker<br />
e Polanski. Rui Catalão<br />
Capa<br />
O único privilégio <strong>de</strong> assistir ao<br />
funeral <strong>de</strong> alguém é talvez o <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>rmos imaginar como vai ser<br />
o nosso. As primeiras imagens da<br />
“Autobiografia <strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”,<br />
<strong>de</strong> Andrei Ujica (sábado,<br />
dia 6, 12h, Centro <strong>de</strong> Congressos<br />
do Estoril; dia 12, 18h, Casino Estoril<br />
– filme em competição no Estoril<br />
Film Festival) são do Natal <strong>de</strong><br />
1989, pouco antes <strong>de</strong> o casal Nicolae<br />
e Elena Ceausescu ser con<strong>de</strong>nado<br />
à morte por um tribunal militar<br />
improvisado em Târgoviste<br />
(a que chegaram <strong>de</strong> helicóptero,<br />
fugindo <strong>de</strong> uma multidão em có-<br />
6 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
lera que se juntara na Piatza Palatului,<br />
Bucareste).<br />
As imagens seguintes são <strong>de</strong><br />
1965, uma multidão em correria,<br />
até se estabilizar numa or<strong>de</strong>nada<br />
fila que serpenteia pelas ruas e se<br />
interna no edifício on<strong>de</strong> o corpo<br />
<strong>de</strong> Gheorge Ghiorghiu-Dej, então<br />
o lí<strong>de</strong>r comunista romeno, está em<br />
câmara ar<strong>de</strong>nte. Entalado entre<br />
soldados, um jovem <strong>de</strong> olhar humil<strong>de</strong>,<br />
belos cabelos ondulados e<br />
porte elegante, carrega o caixão<br />
<strong>de</strong> Gheorghiu por entre a multidão,<br />
à saída para a Piatza Palatului<br />
– a porta que acabou <strong>de</strong> franque-<br />
Ceausescu foi<br />
o encenador e<br />
intérprete<br />
principal <strong>de</strong><br />
uma farsa, ou,<br />
à semelhança<br />
<strong>de</strong> Salazar,<br />
passou os<br />
últimos anos<br />
da vida com a<br />
ilusão <strong>de</strong><br />
governar um<br />
país quando já<br />
não passava<br />
<strong>de</strong> um mero<br />
símbolo <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r?
e a marioneta<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 7
8 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Nicolae<br />
Ceausescu<br />
no seu último<br />
discurso<br />
aos romenos;<br />
a fuga <strong>de</strong><br />
helicópetro,<br />
no Natal<br />
<strong>de</strong> 1989; a<br />
megalomania<br />
do <strong>ditador</strong>:<br />
30 mil<br />
habitações<br />
foram remo<br />
vidas para<br />
implementar<br />
a mastodôn<br />
tica Casa da<br />
República<br />
ar será a da sua residência nos 25<br />
anos seguintes.<br />
Mais à frente, num funeral típico<br />
<strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia, vê-lo-emos, Nicolae, a carregar<br />
o caixão da mãe. Os cabelos<br />
agora prateados, o olhar ainda humil<strong>de</strong><br />
e o porte elegante.<br />
Mas na hora da sua própria morte<br />
o camarada Ceausescu (ler “tcheauchescu”)<br />
não teve direito a honras <strong>de</strong><br />
Estado nem a uma cerimónia familiar.<br />
Para ele não houve multidão nem<br />
grandiosida<strong>de</strong>, nem regresso às origens<br />
camponesas. Vinte e um anos<br />
<strong>de</strong>pois da sua <strong>de</strong>spachada execução,<br />
aquilo que vemos no documentário<br />
“Autobiografia <strong>de</strong> Nicolae Ceaucescu”<br />
não é nem a banalida<strong>de</strong> do mal nem<br />
o julgamento final. Essas imagens <strong>de</strong><br />
1989, em que o casal Elena e Nicolae<br />
não sabe como reagir aos seus julgadores,<br />
se com o paternalismo que usa<br />
para com um filho problemático à<br />
beira <strong>de</strong> cometer um acto irreflectido,<br />
se com a firmeza para com um jovem<br />
insubmisso e que já ultrapassou os<br />
limites, essas imagens <strong>de</strong> patrões reféns<br />
na sua própria casa cabem antes<br />
num outro filme <strong>de</strong> Ujica, realizado<br />
em colaboração com Harun Farocki,<br />
“Vi<strong>de</strong>ogramas <strong>de</strong> uma revolução”, <strong>de</strong><br />
1982 [dia 13, 18h30, Museu Paula Rego].<br />
O que vemos em “Autobiografia<br />
<strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”, com o beneplácito<br />
cooperante do Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>senvolvido,<br />
é, antes, como uma nação<br />
inteira participou activamente no <strong>de</strong>lírio<br />
<strong>de</strong> um homem que durante quase<br />
25 anos transformou um país numa<br />
brinca<strong>de</strong>ira infantil. Walt Disney fez<br />
os seus filmes e criou a Disneyland,<br />
mas Nicolae Ceauscescu montou o<br />
seu parque <strong>de</strong> diversões privado numa<br />
área <strong>de</strong> 238.391 quilómetros quadrados<br />
com 20 milhões <strong>de</strong> figurantes.<br />
Uma fábula<br />
Po<strong>de</strong>mos chamar ao documento coligido<br />
por Andrei Ujica uma autobiografia<br />
assistida que dura três horas<br />
hipnóticas: Nicolae Ceausescu filmado<br />
como ele queria, nas circunstâncias<br />
por ele escolhidas. Ujica dá-nos<br />
a ver uma fábula, um conto <strong>de</strong> fadas<br />
em que realida<strong>de</strong> e ilusão são os dois<br />
ROMPRES/ REUTERS<br />
BOGDAN CRISTEL/ REUTERS<br />
O documento coligido<br />
por Andrei Ujica<br />
é uma autobiografia<br />
assistida que dura<br />
três horas hipnóticas:<br />
Ceausescu filmado<br />
como ele queria,<br />
nas circunstâncias<br />
por ele escolhidas<br />
fios que tecem uma só malha: as<br />
crianças agra<strong>de</strong>cem pela sua felicida<strong>de</strong>,<br />
o 1º <strong>de</strong> Maio cobre-se <strong>de</strong> flores,<br />
dança-se no ano novo, festejam-se as<br />
colheitas <strong>de</strong> 1966, uma multidão compacta<br />
contorna o <strong>de</strong>senho dos carrosséis,<br />
os representantes das nações<br />
comunistas são recebidos no Muzeul<br />
Satului (museu a céu aberto, no Parque<br />
Herastrau, on<strong>de</strong> figuram casas<br />
em tamanho real representando as<br />
diversas regiões da Roménia), Charles<br />
<strong>de</strong> Gaulle aterra em Bañeasa (on<strong>de</strong><br />
actualmente se fazem voos low-cost),<br />
Alexan<strong>de</strong>r Dubcek agra<strong>de</strong>ce “a amiza<strong>de</strong><br />
e as flores”, suce<strong>de</strong>m-se as recepções,<br />
os banhos <strong>de</strong> multidão, os<br />
discursos, os aplausos.<br />
Moscovo <strong>de</strong>strói a Primavera <strong>de</strong><br />
Praga e o amigo Dubcek é saneado.<br />
Ceausescu, na varanda da sua residência,<br />
dá uma manifestação <strong>de</strong> força<br />
para o exterior. A multidão reunida<br />
na Piatza Palatului em apoio à<br />
Checoslováquia é um gesto <strong>de</strong> dissidência<br />
política.<br />
Orquestra-se o mito, para exportação.<br />
Durante a década seguinte Nixon<br />
visita Bucareste e quando Ceaucescu<br />
visita os EUA Jimmy Carter faz o seguinte<br />
elogio: “O povo dos EUA sentese<br />
honrado por ter convidado um<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um <strong>gran<strong>de</strong></strong> país. É um<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> privilégio para mim ter a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> aconselhar-me com um<br />
lí<strong>de</strong>r nacional e internacional como<br />
o nosso convidado. A sua influência<br />
enquanto lí<strong>de</strong>r romeno e através do<br />
mundo internacional [sic] é excep-<br />
cional.” Washington também lhe oferece<br />
um banho <strong>de</strong> multidão (versão<br />
<strong>de</strong>scontraída). Tal como a China,<br />
acompanhado por Mao (versão eufórica).<br />
Tal como Inglaterra, on<strong>de</strong> a<br />
carruagem que carrega o Querido<br />
“Conducator” e a Rainha passa em<br />
frente a uma sala <strong>de</strong> cinema que exibe<br />
“Garganta Funda” (versão agradável).<br />
Cresce a aura do “filho <strong>de</strong> camponeses”,<br />
como ele se <strong>de</strong>fine, e soa a<br />
liturgia o coro que entoa “Multsi ani,<br />
traiasca” por ocasião dos seus 55<br />
anos. Suce<strong>de</strong>m-se novos títulos e cargos,<br />
Ceausescu transcen<strong>de</strong> o seu papel,<br />
a sua visão é a <strong>de</strong> um país em vias<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que ele também<br />
quer ver transcendido. Brejnev, ternurento,<br />
faz-lhe uma festa no rosto,<br />
<strong>de</strong>pois senta-se a seu lado num sofá,<br />
e, enquanto fuma um cigarro, <strong>de</strong>bruça-se<br />
sobre o camarada romeno em<br />
íntima cavaqueira, que o som não<br />
capta.<br />
Palavras do realizador, Ujica, à revista<br />
“Cinemascope”: “Não há propaganda<br />
que consiga fazer uma encenação<br />
completa a partir da realida<strong>de</strong>.<br />
Atrás ou ao lado das imagens <strong>de</strong>scobrem-se<br />
fragmentos da vida real (...),<br />
as imagens e cenas <strong>de</strong> propaganda<br />
também são vivas. Simplificamos as<br />
coisas, mas estas cenas são parte da<br />
vida não apenas <strong>de</strong> Ceausescu mas<br />
<strong>de</strong> toda esta gente – quando perdiam<br />
horas a fio para irem a uma parada,<br />
isto era uma parte importante das<br />
suas vidas.”<br />
As paradas são uma parte integrante<br />
do modo <strong>de</strong> vida romeno durante<br />
o comunismo. Os regimes comunistas,<br />
ou tão somente ditatoriais, realizamse<br />
naquilo que <strong>de</strong> mais profundo têm<br />
para dar numa parada. A simetria, a<br />
multidão enquanto um só corpo articulado<br />
e or<strong>de</strong>nado, com uma direcção<br />
clara e inequívoca, a <strong>de</strong>senhar formas,<br />
caminhos, é algo que inspira reverência<br />
e êxtase. Nos anos 60, têm ainda<br />
uma estética militar, acrescentada <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrações atléticas risíveis. Mas<br />
na década seguinte Ceausescu viaja<br />
até ao Extremo-Oriente e na Coreia<br />
do Norte assiste a paradas que atingem<br />
níveis <strong>de</strong> elaboração causado-<br />
PAULO DUARTE<br />
YVES HERMAN/ REUTERS<br />
Mais do que a programação,<br />
é o próprio acontecimento<br />
que é em si a mais-valia<br />
Convidados e homenageados,<br />
o cinema a ser puxado por uma<br />
série <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>s<br />
LOU REED<br />
ABBAS<br />
KIAROSTAMI<br />
LAURIE<br />
ANDERSON<br />
ROMAN<br />
POLANSKI
Há uma esquizofrenia latente<br />
no Estoril Film Festival que<br />
<strong>de</strong>senha, <strong>de</strong> forma razoavelmente<br />
mais visível do que noutros<br />
certames, a corda bamba em que<br />
qualquer festival <strong>de</strong> cinema se<br />
tem <strong>de</strong> equilibrar nestes tempos<br />
mercantilistas em que vivemos.<br />
Por um lado, a sobrevivência<br />
<strong>de</strong> um festival exige um<br />
acontecimento mediático,<br />
cheio <strong>de</strong> estrelas convidadas,<br />
encontros com o público, glamour<br />
e holofotes. Por outro, quer-se<br />
um festival sério e rigoroso, que<br />
apresente aos espectadores fi lmes<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e que lhes permita<br />
<strong>de</strong>scobrir obras que, <strong>de</strong> outro<br />
modo, difi cilmente po<strong>de</strong>riam<br />
encontrar.<br />
É um truque <strong>de</strong> equilíbrio<br />
difícil, e à quarta edição o Estoril<br />
Film Festival pouco ou nada faz<br />
para resolver essa esquizofrenia.<br />
Pelo contrário, até a exacerba,<br />
atirando para o mesmo saco uma<br />
série <strong>de</strong> propostas que explicam<br />
nitidamente a ambição do certame<br />
dirigido por Paulo Branco: um<br />
festival ao mesmo tempo frívolo<br />
e sério, popular e elitista. À<br />
imagem <strong>de</strong> Cannes ou Veneza,<br />
on<strong>de</strong> o cachet da localização<br />
e a qualida<strong>de</strong> do programa<br />
funcionam como aglutinador <strong>de</strong><br />
públicos muito diferentes. Mas<br />
também mais abrangente do que<br />
os outros eventos que colocaram<br />
Portugal na rota cinéfi la (cinema<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para o Indie<strong>Lisboa</strong>,<br />
documentário e cinema do<br />
real para o Doc<strong>Lisboa</strong>, cinema<br />
fantástico para o Fantasporto).<br />
Abrangência<br />
Talvez seja essa ambição <strong>de</strong><br />
abrangência que, este ano mais<br />
do que nunca, crie a sensação<br />
<strong>de</strong> que o Estoril Film Festival<br />
está mais próximo do festival <strong>de</strong><br />
cinema tal como entendido pelos<br />
programadores da América do<br />
Norte. Nova Iorque ou Toronto<br />
são, mais do que eventos<br />
centrados à volta do prestígio que<br />
a competição lhes dá, “montras”<br />
<strong>de</strong> cinema viradas para o público<br />
mais do que para a indústria<br />
ou a imprensa, on<strong>de</strong>, mais do<br />
que a programação, é o próprio<br />
acontecimento que é em si a maisvalia.<br />
Essa abrangência manifestase<br />
nas três linhas condutoras da<br />
programação <strong>de</strong> cinema 2010. A<br />
mais mediática envolve a montra<br />
<strong>de</strong> ante-estreias e activida<strong>de</strong>s<br />
paralelas que trazem a Portugal<br />
a maior parte das fi guras que<br />
servem <strong>de</strong> “puxa-carroça” da<br />
cobertura.<br />
A abertura ofi cial acontece com<br />
o falso documentário <strong>de</strong> Casey<br />
Affl eck e Joaquin Phoenix “I’m<br />
Still Here” (hoje às 21h30, Centro<br />
<strong>de</strong> Congressos do Estoril), o<br />
encerramento com o novo Woody<br />
Allen, “You Will Meet a Tall Dark<br />
Stranger” (domingo 14 às 22h15,<br />
Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril).<br />
Entre esses nove dias, passam por<br />
cá Mathieu Amalric (“Tournée”),<br />
o iraniano Abbas Kiarostami<br />
(“Copie Conforme”, o seu fi lme<br />
francês com Juliette Binoche), o<br />
georgiano Otar Iosseliani (que<br />
traz “Chantrapas”) e o fotógrafo<br />
e realizador Anton Corbijn<br />
(acompanhando “O Americano”).<br />
E ante-estreiam-se dois dos mais<br />
importantes fi lmes americanos<br />
<strong>de</strong> 2010 - “Road to Nowhere”, o<br />
novo Monte Hellman, estreado<br />
A ambição<br />
do certame dirigido<br />
por Paulo Branco:<br />
um festival ao mesmo<br />
tempo frívolo e sério,<br />
popular e elitista<br />
em Veneza 2010 sob o olhar do<br />
discípulo Tarantino, e “Winter’s<br />
Bone”, <strong>de</strong> Debra Granik, fi lme <strong>de</strong><br />
suspense rural (na linhagem <strong>de</strong><br />
“Frozen River” ou “Ballast”) que<br />
se tornou na sensação 2010 do<br />
cinema in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte americano.<br />
Os nomes mais sonantes,<br />
contudo, não vêm apresentar<br />
fi lmes. Lou Reed traz a sua<br />
exposição “Romanticism”, Laurie<br />
An<strong>de</strong>rson virá no fi nal do evento<br />
para fazer leituras <strong>de</strong> Don <strong>de</strong><br />
Lillo. Stephen Frears, realizador<br />
<strong>de</strong> “A Rainha” e “Tamara Drewe”,<br />
fará um encontro com o público<br />
(anunciado como “masterclass”)<br />
sobre “Dirigir John Malkovich”<br />
, na presença do próprio –<br />
trabalharam juntos em “Ligações<br />
Perigosas” e “Mary Reilly” - mas<br />
o actor apresenta igualmente um<br />
<strong>de</strong>sfi le <strong>de</strong> moda que <strong>de</strong>senhou e<br />
algumas das suas experiências<br />
cinematográfi cas com a <strong>de</strong>signer<br />
Bella Freud (que faz parte do júri<br />
da competição). O juiz espanhol<br />
Baltasar Garzón vem dar uma<br />
A montra<br />
do Estoril<br />
À quarta edição, o Estoril Film Festival quer ser um festival<br />
para todos os gostos. Jorge Mourinha<br />
conferência sobre “A memória<br />
colectiva e a importância das<br />
imagens” e a actriz Marisa<br />
Pare<strong>de</strong>s será homenageada com a<br />
projecção <strong>de</strong> três fi lmes seus.<br />
O cinéfi lo e o popular<br />
A presença <strong>de</strong> Garzón e Pare<strong>de</strong>s<br />
introduz o segundo vector<br />
do festival: uma selecção <strong>de</strong><br />
retrospectivas e homenagens<br />
que procuram fazer a ponte entre<br />
o cinéfi lo e o popular. Há uma<br />
integral <strong>de</strong> Kathryn Bigelow”,<br />
que é um dos momentos fortes do<br />
certame, e uma selecção <strong>de</strong> fi lmes<br />
<strong>de</strong> Polanski que inclui algumas<br />
das suas primeiras obras ( “A<br />
Faca na Água” ou “Repulsa”) mas<br />
também êxitos como “Tess” ou “A<br />
Semente do Diabo”.<br />
Contrapõem-se-lhe uma<br />
retrospectiva alargada do lendário<br />
experimentalista francês Chris<br />
Marker, o autor <strong>de</strong> “La Jetée”, que<br />
trará a Portugal o historiador do<br />
cinema Bernard Eisenschitz e<br />
a jornalista multimedia Annick<br />
Rivoire, bem como o seu mais<br />
recente trabalho, “Ouvroir the<br />
Movie” (não <strong>de</strong>ixa, contudo, <strong>de</strong><br />
ser uma retrospectiva peculiar<br />
quando, um mês <strong>de</strong>pois, a<br />
Culturgest propõe um outro<br />
olhar sobre Marker comissariado<br />
por Augusto M. Seabra); ou a<br />
apresentação integral da obra<br />
do palestiniano Elia Suleiman,<br />
autor <strong>de</strong> “Intervenção Divina”,<br />
acompanhada pelo realizador.<br />
Homenageiam-se o iconoclasta<br />
japonês Koji Wakamatsu, quase<br />
<strong>de</strong>sconhecido entre nós (com<br />
uma selecção focada nas suas<br />
“Still here”,<br />
a abrir;<br />
“Tournée”,<br />
<strong>de</strong> Mathieu<br />
Amalric;<br />
“Road to<br />
Nowhere”,<br />
o novo Monte<br />
Hellman<br />
incursões pelo porno soft-core<br />
nipónico), o falecido Werner<br />
Schroeter, autor <strong>de</strong> culto que<br />
Paulo Branco acompanhou<br />
repetidamente como produtor,<br />
e o antropólago Ruy Duarte<br />
<strong>de</strong> Carvalho, com documentos<br />
inéditos das suas viagens<br />
angolanas. E a homenagem a<br />
Garzón é o pretexto para mostrar<br />
os documentários que Patricio<br />
Guzmán (recentemente a concurso<br />
no Doc com o magnífi co “Nostalgia<br />
<strong>de</strong> la Luz”) <strong>de</strong>dicou à história<br />
do Chile (“El Caso Pinochet” e o<br />
monumental tríptico “La Batalla<br />
<strong>de</strong> Chile”).<br />
E ainda não chegámos ao<br />
terceiro vector, mais “hardcore”<br />
em termos cinematográfi cos<br />
e artísticos. Há uma secção<br />
paralela, Cinemart, que percorre<br />
as intersecções do cinema<br />
experimental e multimedia com<br />
obras dos artistas Lawrence<br />
Weiner e Douglas Gordon ou<br />
do fotógrafo Alberto García-<br />
Alix (todos presentes), e uma<br />
competição virada para o cinema<br />
<strong>de</strong> arte e ensaio mais tradicional.<br />
Que mostra a concurso dois dos<br />
mais importantes fi lmes europeus<br />
do ano - “Autobiography of Nicolae<br />
Ceausescu”, extraordinário<br />
documentário <strong>de</strong> Andrei Ujica,<br />
e “Aurora”, <strong>de</strong> Cristi Puiu” – e<br />
a estreia <strong>de</strong> João Nicolau, “A<br />
Espada e a Rosa” (<strong>de</strong>stinada<br />
a ser mais um dos momentos<br />
fracturantes do cinema português<br />
actual), mas pela sua própria<br />
condição difi cilmente atrairá o<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> público que as ve<strong>de</strong>tas<br />
convidadas arrastam atrás <strong>de</strong> si.<br />
Tudo isto apenas sublinha a<br />
urgência quase excessiva da<br />
calendarização do programa,<br />
compactando a riqueza da<br />
oferta em apenas oito dias <strong>de</strong> tal<br />
modo que se torna impossível<br />
abranger tudo o que aqui se<br />
passa. É verda<strong>de</strong> que essa é a<br />
regra <strong>de</strong> todos os festivais – cada<br />
espectador <strong>de</strong>senha o seu próprio<br />
percurso – mas o zigue-zague do<br />
Estoril Film Festival 2010 promete<br />
ser complicado <strong>de</strong> gerir.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 9
Um caso<br />
singular: uma<br />
mulher que<br />
filma<br />
universos<br />
masculinos (e<br />
tradicionalmente<br />
filmados por<br />
homens) e que<br />
o faz vinda <strong>de</strong><br />
um universo<br />
como a arte<br />
mo<strong>de</strong>rna<br />
“Estado <strong>de</strong><br />
Guerra”, Óscar<br />
do Melhor<br />
Filme<br />
É um dos momentos mais fortes<br />
do Estoril 2010: a retrospectiva<br />
integral <strong>de</strong> Kathryn Bigelow,<br />
a realizadora americana<br />
que venceu este ano o Óscar<br />
<strong>de</strong> Melhor Filme e Melhor<br />
Realizadora pelo pel magnífi co<br />
“Estado <strong>de</strong> Guer Guerra”.<br />
E é um dos mo momentos mais<br />
fortes porque é a primeira<br />
oportunida<strong>de</strong> que temos para<br />
po<strong>de</strong>r rea reavaliar na íntegra<br />
uma das cineastas c<br />
mais<br />
singulare<br />
singulares das últimas<br />
décadas, e<br />
uma cineasta<br />
cujo percurso perc parece<br />
ter sido pensado<br />
propositadamente propo<br />
para<br />
confundir conf críticos e<br />
observadores.<br />
obs<br />
Os O primeiros<br />
encontros en que<br />
tivemos ti com<br />
ela el – o “western<br />
vampiro” va “Depois<br />
do Anoitecer”, o<br />
policial pol “Aço Azul”<br />
e a aventura “Ruptura<br />
Explosiva” - sugeriam uma<br />
arrumação na n gaveta do<br />
género da sé série B que, com o<br />
tempo, se começou com a perceber<br />
ser errado. Bigelow Bi não é caso<br />
único – també também, por exemplo,<br />
realizadores hoje h reconhecidos<br />
como autores<br />
<strong>de</strong> corpo inteiro<br />
como David Cr Cronenberg ou<br />
10 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Uma<br />
mulher livre<br />
Retrospectiva integral <strong>de</strong> uma cineasta<br />
que sempre fez o que quis in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
do que os outros quiseram. Jorge Mourinha<br />
Joe Dante começaram por ser<br />
consi<strong>de</strong>rados tarefeiros <strong>de</strong><br />
série B. Mas Bigelow é um caso<br />
singular, <strong>de</strong>vido ao facto <strong>de</strong> ser<br />
uma mulher que fi lma universos<br />
ten<strong>de</strong>ncialmente masculinos (e<br />
tradicionalmente fi lmados por<br />
homens) e que o faz vinda <strong>de</strong><br />
um universo – a arte mo<strong>de</strong>rna,<br />
on<strong>de</strong> estudou, por exemplo, com<br />
Lawrence Weiner, que estará<br />
também presente no festival, e a<br />
<strong>de</strong>sconstrução e questionamento<br />
semióticos – que quase nunca<br />
mostra interesse na mecânica do<br />
cinema “popular”.<br />
Apesar <strong>de</strong> “Ruptura<br />
Explosiva”, glorioso momento<br />
<strong>de</strong> adrenalina pura recoberto<br />
<strong>de</strong> uma patine existencialista<br />
a meio caminho entre Hawks e<br />
o homoerotismo (e seu sucesso<br />
comercial mais signifi cativo), e<br />
“Estranhos Prazeres”, presciente<br />
fi cção científi ca imersiva em tom<br />
<strong>de</strong> profecia social, a realizadora<br />
esquivou-se sempre às gavetas<br />
em que Hollywood insiste<br />
em encerrar os realizadores.<br />
Demasiado conceptual para<br />
ser comercial, <strong>de</strong>masiado<br />
comercial para se sentir à<br />
vonta<strong>de</strong> nas convenções do que<br />
se convencionou chamar cinema<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, Bigelow trabalha<br />
num limbo constante <strong>de</strong> quem<br />
não pertence realmente a lugar<br />
nenhum. E, <strong>de</strong> certo modo, é<br />
essa in<strong>de</strong>pendência que lhe dá<br />
a sua <strong>gran<strong>de</strong></strong> mais-valia e a sua<br />
importância in<strong>de</strong>smentível,<br />
sobretudo num sistema <strong>de</strong><br />
produção contemporâneo on<strong>de</strong><br />
Hollywood se afadiga a limar<br />
arestas e conformar os projectos<br />
a ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> encargos<br />
específi cas. Bigelow é uma<br />
mulher livre que não transige<br />
em nada e prefere fazer os seus<br />
fi lmes fora do circuito a ter <strong>de</strong><br />
fazer concessões (é, aliás, por<br />
isso que nenhum dos seus oito<br />
fi lmes, em apenas trinta anos <strong>de</strong><br />
carreira, foram fi nanciados por<br />
um <strong>gran<strong>de</strong></strong> estúdio – e o único<br />
que o foi, “Estranhos Prazeres”,<br />
foi produzido pelo ex-marido,<br />
James Cameron, que a protegeu<br />
<strong>de</strong> intervenções externas.).<br />
É uma posição <strong>de</strong> peculiar e<br />
rara integrida<strong>de</strong> numa carreira<br />
que se fez aos zigzagues<br />
lentos, como quem diz que<br />
não se ven<strong>de</strong> nem por mais<br />
uma mas que nesse processo<br />
não larga nunca a exigência<br />
da acessibilida<strong>de</strong>. A cineasta<br />
não está interessada em ser<br />
panfl etária nem propagandista<br />
(“Estado <strong>de</strong> Guerra” é um fi lme<br />
singularmente apolítico, o que<br />
causou signifi cativa confusão<br />
nos observadores); nos seus<br />
fi lmes as coisas nunca são<br />
lineares, preto no branco, como<br />
Uma obra pautada<br />
pela noção <strong>de</strong> que<br />
as divisões entre<br />
“cinema <strong>de</strong> autor”<br />
e “cinema comercial”<br />
estão mais na cabeça<br />
<strong>de</strong> quem vê do<br />
que <strong>de</strong> quem faz<br />
Hollywood tanto gosta. Mas <strong>de</strong><br />
certo modo é exactamente isso<br />
que faz da realizadora a rarida<strong>de</strong><br />
que é: alguém que não toma o<br />
seu público por parvo nem por<br />
garantido, para quem o acto <strong>de</strong><br />
entreter uma audiência equivale<br />
a uma oportunida<strong>de</strong> única <strong>de</strong><br />
emocionar o espectador sem<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> exercitar a sua cabeça.<br />
É isso que vamos po<strong>de</strong>r<br />
compreen<strong>de</strong>r nesta integral <strong>de</strong><br />
uma obra <strong>de</strong> rara consistência,<br />
pautada pela noção <strong>de</strong><br />
que as divisões entre<br />
“cinema <strong>de</strong> autor” e<br />
“cinema comercial”<br />
estão mais na cabeça<br />
<strong>de</strong> quem vê do que <strong>de</strong><br />
quem faz. E se os Oscares<br />
<strong>de</strong> “Estado <strong>de</strong> Guerra” não<br />
tiverem servido para mais<br />
nada, pelo menos<br />
serviram para<br />
olharmos como <strong>de</strong>ve<br />
ser uma autora que<br />
merece maior atenção do que<br />
até agora estivemos dispostos<br />
a prestar.<br />
GABRIEL BOUYS/ AFP<br />
“Estranhos<br />
Prazeres”,<br />
“Ruptura<br />
Explosiva”<br />
e “Depois<br />
do Anoitecer”
es <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> comoção. As ruas<br />
tornam-se espaços coreografados:<br />
manchas coloridas on<strong>de</strong> se adivinham<br />
corpos humanos fazem e <strong>de</strong>sfazem<br />
formas geométricas, efeitos ópticos;<br />
as bancadas <strong>de</strong> um estádio são ocupadas<br />
não por espectadores, mas por<br />
um ecrã humano que gera imagens<br />
animadas através da manipulação <strong>de</strong><br />
ban<strong>de</strong>irinhas, cartões e lenços. Ceausescu<br />
assiste à narração ilustrada da<br />
história do seu próprio país. E <strong>de</strong>senha<br />
na sua imaginação influenciável,<br />
<strong>de</strong> criança tímida mas competitiva e<br />
finalmente temerária, o passo seguinte:<br />
também ele quer cerimónias abrilhantadas<br />
por impressionantes ecrãs<br />
humanos. Milhares <strong>de</strong> pessoas, durante<br />
meses, são <strong>de</strong>slocadas dos empregos<br />
durante meta<strong>de</strong> do dia para<br />
ensaiarem estas imagens animadas<br />
em que um ser humano correspon<strong>de</strong><br />
a um “pixel”.<br />
1977 é o ano do terramoto. A providência<br />
dá a mão ao “conducator”.<br />
A visão <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, futurista,<br />
sem a incómoda sombra da<br />
herança burguesa, que testemunhou<br />
em Pyongyang... mas não! Falso alarme!<br />
Bucareste fica parcialmente <strong>de</strong>struída<br />
(guarda <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então o aspecto<br />
<strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sengonçada, os seus<br />
edifícios parece que foram abanados<br />
As tristonhas<br />
avenidas que se<br />
suce<strong>de</strong>m pela cida<strong>de</strong>,<br />
como um pesa<strong>de</strong>lo<br />
aborrecido, servem<br />
<strong>de</strong> biombo a uma<br />
Bucareste alternativa<br />
em que se vive uma<br />
atmosfera <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia<br />
– e foram). Boa parte dos edifícios<br />
<strong>de</strong>struídos, no entanto, já haviam sido<br />
erguidos pelo comunismo. As casas<br />
com quintais mantêm-se teimosamente.<br />
Cerca <strong>de</strong> 30 mil habitações serão<br />
removidas para implementar a mastodôntica<br />
Casa da República. Com o<br />
fim do regime é rebaptizada Palácio<br />
do Parlamento, mas a população <strong>de</strong><br />
Bucareste no que respeita aos nomes<br />
oficiais é parecida com a lisboeta e<br />
toda a gente conhece o edifício como<br />
Casa Poporului (casa do povo).<br />
Há uma cena em “Autobiografia <strong>de</strong><br />
Nicolae Ceaucescu” que parece concebida<br />
numa parceria <strong>de</strong> Jacques Tati<br />
com Stanley Kubrick: Ceausescu<br />
visita a maqueta com os projectos <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong>. Apesar da<br />
escala, as dimensões são colossais e<br />
é instalada uma plataforma que <strong>de</strong>sliza<br />
por cima da maqueta. Anos <strong>de</strong>pois,<br />
as fundações da sua futura casa<br />
(nunca chegará a habitá-la) impressionam:<br />
“É muito maior do que na<br />
maqueta!”<br />
Ceausescu não se ficou pela sua<br />
casa. Toda a área foi redimensionada<br />
e construída <strong>de</strong> raiz. Impera o Boulevard<br />
Unirii, com as suas fontes a per<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> vista para lá da Piatza Unirii,<br />
uma série <strong>de</strong> edifícios oficiais que ficaram<br />
inacabados, fachadas grandiosas<br />
num pomposo estilo sem estilo.<br />
Fachadas: basta contornar as <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />
avenidas e eis que é revelada a encenação:<br />
não passam <strong>de</strong> prédios, banais<br />
blocos <strong>de</strong> betão construídos à pressa<br />
e que tapam a visão dos bairros limítrofes<br />
a Sul que foram poupados.<br />
As tristonhas avenidas cinzentoacastanhadas<br />
que se suce<strong>de</strong>m pelo<br />
resto da cida<strong>de</strong>, como um pesa<strong>de</strong>lo<br />
aborrecido, servem também <strong>de</strong> biombo<br />
a uma Bucareste alternativa em<br />
que se vive uma atmosfera <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia,<br />
fazendo lembrar que por trás da aparência<br />
urbana boa parte da população<br />
vem do campo. Os mercados que ain-<br />
BOGDAN CRISTEL/ REUTERS<br />
Em rigor, Ceausescu<br />
não é muito diferente<br />
da figura paternalista<br />
<strong>de</strong> um cacique <strong>de</strong><br />
província. A diferença<br />
está na escala,<br />
e nos meios<br />
à sua disposição<br />
da sobrevivem são disso um exemplo,<br />
com os camponeses a ven<strong>de</strong>rem legumes<br />
e fruta da época e os queijeiros<br />
<strong>de</strong> bata branca e chapéus ovais <strong>de</strong><br />
feltro, <strong>de</strong> faca empunhada com uma<br />
prova <strong>de</strong> queijo na ponta. A cena em<br />
que Ceausescu prova um pedaço <strong>de</strong><br />
“brânza proaspata” é um ritual comum<br />
a todos os clientes ainda hoje:<br />
só levar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> provar.<br />
Entre Pyongyang<br />
e Hollywood<br />
Em rigor, Ceausescu não é muito diferente<br />
da figura paternalista <strong>de</strong> um<br />
cacique <strong>de</strong> província. A diferença está<br />
na escala, e nos meios à sua disposição.<br />
A ele foi-lhe permitido sonhar<br />
e executar a visão do sonho. A Roménia<br />
dos anos 70 po<strong>de</strong>ria ser – e foi – o<br />
“missing link” entre Pyongyang e<br />
Hollywood. O episódio do XII Congresso<br />
do Partido Comunista Romeno<br />
(PCR), em que em que Constantin<br />
Parvulescu, membro fundador do<br />
PCR, o acusa <strong>de</strong> ter convocado o congresso<br />
para forçar a sua reeleição no<br />
comité central, pondo os interesses<br />
pessoais à frente dos do partido e do<br />
país, dava a enten<strong>de</strong>r o que vinha<br />
acontecendo. O culto da personalida<strong>de</strong><br />
gerara uma figura insubstancial,<br />
logo intocável. Tão perfeita como<br />
uma parada, a audiência na Sala Palatului<br />
levanta-se num só movimento<br />
e entoa “Ceausescu shi poporul”,<br />
num loop que se repete até afundar<br />
<strong>de</strong> regresso à insignificância o gesto<br />
individual <strong>de</strong> Parvulescu.<br />
Com o esfriar das relações externas<br />
e uma dívida apavorante (<strong>de</strong>z mil milhões<br />
<strong>de</strong> dólares aos EUA), os anos 80<br />
são os do isolamento da Roménia e<br />
<strong>de</strong> um projecto que <strong>de</strong> tão louco resultou:<br />
saldar a dívida numa década<br />
(Ceausescu foi morto antes <strong>de</strong> acabar<br />
a sua nova casa, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a Roménia<br />
pagar a totalida<strong>de</strong> da dívida).<br />
São os anos em que a produção interna<br />
se <strong>de</strong>stina à exportação. Ceausescu<br />
supervisiona o país com a energia <strong>de</strong><br />
um capataz: observa os efeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />
das cheias, intima os escritores<br />
a escreverem poesia social e revolucionária,<br />
e não apenas abstracções<br />
e poemas <strong>de</strong> amor; repara nas espigas<br />
ainda com grãos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>bulhadas<br />
e questiona o construtor da<br />
<strong>de</strong>bulhadora nova se não é possível<br />
construir uma máquina que evite o<br />
<strong>de</strong>sperdício; entra numa padaria,<br />
confere o peso do pão e chama à atenção<br />
para o facto <strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> do<br />
pão ser melhor no campo. Seria divertido<br />
se as lojas não fossem <strong>de</strong>coradas<br />
com produtos alimentares apenas<br />
para que o “conducator” pu<strong>de</strong>sse<br />
entrar nelas e filmar a sua cena.<br />
Mas há um mistério que “Autobiografia”<br />
não revela. Ceausescu foi o<br />
encenador e intérprete principal <strong>de</strong>sta<br />
farsa, ou, à semelhança <strong>de</strong> Salazar,<br />
passou os últimos anos da vida com<br />
a ilusão <strong>de</strong> governar um país, quando<br />
já não passava <strong>de</strong> um mero símbolo<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r? Marionetista ou marioneta?<br />
Faz parte da aura <strong>de</strong> um <strong>ditador</strong><br />
mandar construir e ver em seu redor<br />
um novo país a erguer-se. A Romé-<br />
Jorge Mourinha<br />
Comentário<br />
Avassalador<br />
Três horas (que passam<br />
a correr) <strong>de</strong> um trabalho<br />
alucinante <strong>de</strong> montagem<br />
e ilustração sonora que<br />
<strong>de</strong>senham a Roménia<br />
comunista como um “conto<br />
<strong>de</strong> fadas”: “A Autobiografi a<br />
<strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”.<br />
O<br />
título é todo um<br />
programa: “A<br />
Autobiografi a <strong>de</strong><br />
Nicolae Ceausescu”.<br />
Reconhecemos nele o<br />
humor escarninho e seco que<br />
apren<strong>de</strong>mos a i<strong>de</strong>ntifi car com a<br />
recente “nova vaga romena” - só<br />
que Andrei Ujica, o seu autor, não<br />
pertence a essa vaga, vivendo e<br />
trabalhando na Alemanha <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1981 (como professor <strong>de</strong> cinema) e<br />
fi lmando (nas áreas do<br />
documentário e da não-fi cção)<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992.<br />
Esta “Autobiografi a”, portanto,<br />
não é uma fi cção mas um<br />
documentário. E é um objecto<br />
avassalador: Ujica limitou-se a<br />
pegar em imagens <strong>de</strong> arquivo<br />
pesquisadas minuciosamente nos<br />
acervos da televisão e do serviço<br />
cinematográfi co estatal romenos, e<br />
montou-as cronologicamente para<br />
<strong>de</strong>senhar a ascensão e queda do<br />
lí<strong>de</strong>r comunista romeno Nicolae<br />
Ceausescu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte do seu<br />
antecessor Gheorghe Gheorghiu-<br />
Dej em 1965 até à sua prisão,<br />
julgamento sumário e execução em<br />
1989.<br />
São três horas (que passam a<br />
correr) <strong>de</strong> um trabalho alucinante<br />
<strong>de</strong> montagem e ilustração sonora<br />
(a cargo <strong>de</strong> Dana Bunescu) que<br />
<strong>de</strong>senham a Roménia comunista<br />
como um “conto <strong>de</strong> fadas”,<br />
reino mítico tão falso como a<br />
reconstituição <strong>de</strong> momentos<br />
históricos da nação a que<br />
Ceausescu assiste a certa altura<br />
do fi lme. Um país com o seu quê<br />
do fantasioso “melhor <strong>de</strong> todos os<br />
mundos possíveis” <strong>de</strong> Voltaire, no<br />
qual um “apparatchik” medíocre e<br />
provinciano como Ceausescu, sem<br />
fazer mais do que meter a cassete<br />
<strong>de</strong> meia-dúzia <strong>de</strong> lugares-comuns<br />
da retórica marxista, podia criar a<br />
fantasia ilusória <strong>de</strong> ser um <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
lí<strong>de</strong>r mundial.<br />
A verda<strong>de</strong>, contudo, estava<br />
bem à vista <strong>de</strong> quem olhava com<br />
atenção – e estes fi lmes que serviam<br />
<strong>de</strong> propaganda do regime revelam<br />
também as suas fragilida<strong>de</strong>s,<br />
da ilusão inocente daqueles<br />
que acreditavam realmente<br />
nos “amanhãs que cantam” à<br />
con<strong>de</strong>scendência com que os<br />
dignitários estrangeiros tratavam<br />
Ceausescu (exemplares são as<br />
imagens das visitas estatais à China<br />
e à Inglaterra).<br />
No limite, o triunfo <strong>de</strong><br />
“Autobiography of Nicolae<br />
Ceausescu” é o <strong>de</strong> pegar nestas<br />
imagens e, ao recontextualizá-las<br />
num outro momento histórico,<br />
mostrar-nos como uma imagem<br />
está longe <strong>de</strong> se esgotar no mero<br />
registo fotográfi co. O fi lme <strong>de</strong><br />
Andrei Ujica é uma lição superior<br />
sobre o po<strong>de</strong>r das imagens, uma<br />
verda<strong>de</strong>ira “master class” <strong>de</strong><br />
montagem e realização e uma<br />
aula <strong>de</strong> história a que é urgente<br />
assistir. Por on<strong>de</strong> quer que se<br />
veja, “Autobiography of Nicolae<br />
Ceausescu” é um monumento.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 11
12 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
nia foi a casa em obras <strong>de</strong> Ceausescu,<br />
mas o que acontece quando a<br />
casa, o lar, é <strong>de</strong>struído?<br />
Um fantasma da realida<strong>de</strong><br />
Se “Autobiografia...” nos mostra um<br />
<strong>ditador</strong> a encenar o seu país como<br />
quem dirige e protagoniza um filme,<br />
“Aurora”, <strong>de</strong> Christi Puiu (dia 9,<br />
21h30, Casino; dia 10, 15h, Centro <strong>de</strong><br />
Congressos – também em competição)<br />
mostra-nos um <strong>ditador</strong> no contexto<br />
familiar, perante os <strong>de</strong>stroços<br />
do seu casamento.<br />
Nascido em 1967, Christi Puiu é um<br />
filho da Época <strong>de</strong> Oiro. Nasceu na sequência<br />
do projecto <strong>de</strong> explosão da<br />
taxa <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> que em 1966 proibiu<br />
o aborto, com o objectivo <strong>de</strong> criar<br />
uma geração nascida do comunismo,<br />
liberta da memória do passado. Cinco<br />
anos <strong>de</strong>pois do multi-premiado “A<br />
Morte do Sr. Lazarescu”, para o seu<br />
novo filme Puiu fez audições durante<br />
três meses e acabou por escolher-se<br />
a si mesmo para a personagem principal.<br />
Ele é Viorel Ghenghea, o <strong>ditador</strong><br />
<strong>de</strong>stroçado por um casamento<br />
resolvido em tribunal, engenheiro<br />
metalúrgico que per<strong>de</strong> o lar e a família<br />
e vegeta pelas ruas e pela casa em<br />
obras sem outro po<strong>de</strong>r que não seja<br />
o <strong>de</strong> matar-se ou vingar-se.<br />
O filme resulta num exercício sobre<br />
o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirigir, com Puiu a dirigir<br />
o espectador no interior do plano:<br />
basta seguir-lhe o corpo, o olhar. Ele<br />
começa por ser um fantasma da realida<strong>de</strong>,<br />
em casa da amante a espiar<br />
uma vida doméstica que lhe não pertence<br />
e na rua on<strong>de</strong> mora a ex-mulher<br />
a espiar os filhos numa vida <strong>de</strong> que já<br />
não faz parte. O seu corpo está tolhido,<br />
<strong>de</strong>scentrado da realida<strong>de</strong>, há um<br />
“<strong>de</strong>lay” entre os olhos que vêem e o<br />
corpo que segue o olhar. E o seu corpo<br />
segue o que os olhos vêem, como<br />
se já não tivesse vida própria. O que<br />
parece uma <strong>de</strong>pressão profunda a<br />
preparar um suicídio revela-se uma<br />
<strong>de</strong>pressão profunda a encenar uma<br />
vingança. “Aurora” é um filme em que<br />
não se comunica: os diálogos são recriminações,<br />
chorar sobre leite <strong>de</strong>rramado.<br />
Qual é o po<strong>de</strong>r do indivíduo perante<br />
o real? E quando é que a lei <strong>de</strong>ve<br />
interferir com a vida dos indivíduos?<br />
Para Viorel Ghenghea essa intromissão<br />
já aconteceu: a sua vida são fragmentos<br />
<strong>de</strong> algo que se extinguiu. Resta-lhe<br />
uma mistura <strong>de</strong>solada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo<br />
com indiferença e ódio. “A justiça não<br />
po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong><br />
da relação que tinha com a minha mulher”,<br />
explicará em <strong>de</strong>poimento o sr.<br />
Ghenghea, enquanto o sr. Puiu acrescentará<br />
que “os problemas <strong>de</strong> comunicação<br />
alimentam a violência.”<br />
Se “Autobiografia...”<br />
nos mostra um<br />
<strong>ditador</strong> a encenar<br />
o seu país, “Aurora”,<br />
<strong>de</strong> Christi Puiu,<br />
mostra-nos um<br />
<strong>ditador</strong> no contexto<br />
familiar perante os<br />
<strong>de</strong>stroços do seu<br />
casamento<br />
É essa a pedra <strong>de</strong> toque. A doença<br />
mais profunda que tolhe a socieda<strong>de</strong><br />
romena (e que ainda soa familiar ao<br />
cidadão português) é a da incapacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> comunicar perante um problema.<br />
Por que é que não sabemos o que<br />
aconteceu entre Viorel e Amália, a sua<br />
ex-mulher? E por que é que os sogros,<br />
o notário e a sua acompanhante anónima<br />
<strong>de</strong>vem pagar pela miséria <strong>de</strong><br />
Viorel? A história romena e a cultura<br />
que a impregna é esta charada: as diferenças<br />
não se resolvem, amputamse<br />
ou ficam bem escondidas. É um<br />
país enredado na asfixia do seu charme,<br />
da sua tristeza, do seu isolamento,<br />
da sua vergonha. As histórias romenas<br />
escon<strong>de</strong>m sempre que tratam<br />
<strong>de</strong> uma traição. Os traidores são aqueles<br />
que permitiram o abuso.<br />
Qual é afinal o po<strong>de</strong>r do indivíduo<br />
perante o real? Regressemos a Pyongyang:<br />
Ceausescu e Kim Il Jung assistem<br />
da tribuna a uma coreografia<br />
colectiva cujos figurantes preenchem<br />
a totalida<strong>de</strong> do estádio, <strong>de</strong> fazer empali<strong>de</strong>cer<br />
a cerimónia <strong>de</strong> abertura dos<br />
Jogos Olímpicos <strong>de</strong> Moscovo. Todos<br />
fazem parte da encenação. Para admirá-la<br />
restam apenas dois espectadores.<br />
Na socieda<strong>de</strong> do espectáculo<br />
todos participam, mas só o <strong>ditador</strong><br />
tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirigir o olhar para o<br />
que está a acontecer: o real, a sua encenação.<br />
“Aurora”,<br />
<strong>de</strong> Christi<br />
Puiu:<br />
a Roménia<br />
como um<br />
fantasma
Chris Marker, o gato e os filmes<br />
Numa aparição rara, Marker virá ao Estoril apresentar a sua obra, num programa cuja cereja é a primeira apresentação<br />
mundial <strong>de</strong> “Ouvroir the Movie”, o último fi lme. Luís Miguel Oliveira<br />
Po<strong>de</strong> parecer uma coisa<br />
extraordinária, mas<br />
infelizmente é uma coisa<br />
corriqueira: nunca um fi lme<br />
<strong>de</strong> Chris Marker foi estreado<br />
comercialmente em salas<br />
portuguesas. E já lá vão<br />
mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
há fi lmes <strong>de</strong> Chris Marker.<br />
Demasiado “autor”, muito pouco<br />
“comercial”? Má resposta, até<br />
porque justamente é este tipo<br />
<strong>de</strong> raciocínio que, <strong>de</strong> facto, cria<br />
objectos “comerciais” e objectos<br />
<strong>de</strong> “autor”. Como Marker tem<br />
fi lmes que, noutros países, foram<br />
muito vistos e fi caram famosos,<br />
que esta constatação da<br />
histórica <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> do circuito<br />
comercial português sirva para<br />
reiterar uma verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>via<br />
ser ponto assente (mas não<br />
é): uma visão do cinema – do<br />
passado e do presente – fundada<br />
apenas no ramerrame semanal<br />
do que entra e sai das salas<br />
está con<strong>de</strong>nada a ser parcelar<br />
e largamente incompleta. E<br />
também por isto, a retrospectiva<br />
Marker (ainda que bastante<br />
incompleta) é capaz <strong>de</strong> ser o<br />
acontecimento mais importante<br />
<strong>de</strong>sta edição do Estoril Film<br />
Festival.<br />
Chris Marker (que nasceu<br />
em 1921 e reitera a tendência<br />
dos cineastas europeus para<br />
a longevida<strong>de</strong>: é preciso ser<br />
um osso duro <strong>de</strong> roer para se<br />
ser um “cineasta europeu”) é<br />
razoavelmente inqualifi cável.<br />
Já fez um pouco <strong>de</strong> tudo,<br />
se quisermos recorrer às<br />
tradicionais e redutoras<br />
categorias: “documentário”,<br />
“fi cção”, “ensaio”, por vezes<br />
tudo junto. Estimulou o diálogo<br />
entre o cinema classicamente<br />
entendido e as novas artes, e<br />
os novos suportes, da imagem<br />
(como Godard, acolheu o<br />
ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> braços abertos).<br />
Em termos pessoais, ganhou<br />
fama (por ele cultivada) <strong>de</strong><br />
secretismo. Totalmente avesso<br />
a mundanida<strong>de</strong>s, as suas<br />
aparições públicas são raras,<br />
as entrevistas também. Mas<br />
gosta <strong>de</strong> se fazer “representar”,<br />
normalmente por via dos seus<br />
animais preferidos, os gatos,<br />
“Level 5”<br />
e “Sans<br />
Soleil”<br />
“Sinto-me pouco<br />
‘cineasta’: o meu<br />
itinerário neste baixo<br />
mundo foi feito por<br />
etapas que na maior<br />
parte foram ocasião<br />
para um filme, mas<br />
on<strong>de</strong> o filme não<br />
era o elemento<br />
mais importante”<br />
Chris Marker<br />
que com frequência também<br />
aparecem nos seus fi lmes (os<br />
espectadores <strong>de</strong> “As Praias<br />
<strong>de</strong> Agnès”, <strong>de</strong> Varda, <strong>de</strong>vem<br />
lembrar-se do gato <strong>de</strong> Marker).<br />
Tentámos entrevistá-lo por<br />
e-mail – coisa sempre ingrata – e<br />
mandámos-lhe cinco perguntas<br />
mais ou menos esforçadas.<br />
Respon<strong>de</strong>u com um texto curto,<br />
muito <strong>de</strong>licado e muito bem<br />
escrito, a justifi car por que<br />
era incapaz <strong>de</strong> lhes respon<strong>de</strong>r.<br />
Transcrevemos uma passagem<br />
<strong>de</strong>sse texto, que nos servirá<br />
<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para ir um<br />
pouco mais além: “Sinto-me<br />
muito pouco ‘cineasta’, e por<br />
uma razão muito simples: o<br />
meu itinerário neste baixo<br />
mundo foi feito por etapas<br />
que na maior parte foram<br />
ocasião para um fi lme, mas<br />
on<strong>de</strong> o fi lme não era o elemento<br />
mais importante. A viagem,<br />
os encontros, as recordações,<br />
têm um lugar muito maior na<br />
minha bagagem memorial<br />
do que uma hora ou duas <strong>de</strong><br />
projecção cujos <strong>de</strong>talhes se<br />
esvaem com o tempo (não pensa<br />
certamente que eu revejo os<br />
meus fi lmes?...)”.<br />
As viagens, claro. Marker tem<br />
muito que o aproxime <strong>de</strong> Joris<br />
Ivens, recentemente evocado<br />
no Doc<strong>Lisboa</strong>, e como ele fi lmou<br />
em vários cantos do mundo,<br />
<strong>de</strong>ixando testemunho <strong>de</strong> não<br />
poucos momentos históricos.<br />
Os seus fi lmes “cubanos” (como<br />
“Le Fond <strong>de</strong> l’Air est Rouge”, <strong>de</strong><br />
1977, incluído na retrospectiva),<br />
por exemplo, à época atacados<br />
pelo seu “propagandismo”,<br />
mas que vistos hoje parecem<br />
ter um sentido mais complexo<br />
e linearmente in<strong>de</strong>cifrável,<br />
ou os seus fi lmes asiáticos,<br />
especialmente os “japoneses”<br />
(<strong>de</strong> que o festival vai mostrar<br />
três: “AK”, documento sobre<br />
Kurosawa na rodagem <strong>de</strong><br />
“Ran”; “Sans Soleil”, “retrato <strong>de</strong><br />
Tóquio” que é a obra-prima <strong>de</strong><br />
Marker; e “Level 5”, investigação<br />
sobre a relação das “novas<br />
tecnologias” com a História, a<br />
partir <strong>de</strong> um dado concreto, a<br />
batalha <strong>de</strong> Okinawa durante<br />
a II Guerra). Foi cúmplice da<br />
“nouvelle vague” e, digamos,<br />
reclamado por ela durante<br />
esses breves três/quatro<br />
anos em que, <strong>de</strong> facto, existiu<br />
uma “vaga nova”, mas os<br />
seus encontros anteriores (os<br />
fi lmes com Resnais nos anos<br />
50) e posteriores (o encontro<br />
com Godard, Resnais e, já<br />
agora, Joris Ivens, em “Loin<br />
du Vietnam”, fi lme colectivo)<br />
não são mais signifi cativos do<br />
que os momentos em que o seu<br />
percurso foi intrinsecamente<br />
pessoal. Não obstante (e vamos<br />
citar o nome Godard pela<br />
segunda vez), também Marker<br />
usou, sobretudo nos últimos<br />
anos, o cinema como forma <strong>de</strong><br />
contar – evocar, fazer – a história<br />
do cinema: já mencionámos o<br />
fi lme sobre Kurosawa (feito nos<br />
anos 80), <strong>de</strong>vemos mencionar<br />
também dois outros fi lmes<br />
sobre cineastas igualmente<br />
mostrados no festival, “Une<br />
Journée d’Andrei Arsenevitch”<br />
(<strong>de</strong> 1999, sobre Tarkovski),<br />
e sobretudo o fabuloso “Le<br />
Tombeau d’Alexandre” (1992),<br />
uma lembrança, e quase<br />
o reconhecimento <strong>de</strong> uma<br />
fi liação, do soviético Aleksandr<br />
Medvedkine. Por toda a<br />
saliência espectacular do seu<br />
gesto artístico (também uma<br />
refl exão sobre a fronteira entre<br />
o cinema e a fotografi a), o mais<br />
célebre fi lme <strong>de</strong> Marker, com<br />
culto aparentemente reavivado<br />
nos últimos anos e constante<br />
do programa do festival, é “La<br />
Jetée”, curta-metragem <strong>de</strong><br />
1962, inteiramente “composta”<br />
com fotografi as e voz “off ”<br />
(segundo as pobres categorias<br />
em vigor, “experimental”) para<br />
um relato <strong>de</strong> fi cção científi ca<br />
pós-apocalíptica que é em si<br />
mesmo um exercício narrativo a<br />
conjugar o passado e o futuro (e<br />
portanto a questionar o eterno<br />
“presente” que o cinema, em<br />
princípio, é). Numa aparição<br />
rara, Marker virá ao Estoril<br />
apresentar a sua obra, num<br />
programa que inclui ainda um<br />
<strong>de</strong>bate e uma “master class”<br />
com Bernard Eisenschitz, e cuja<br />
cereja é a primeira apresentação<br />
mundial <strong>de</strong> “Ouvroir the Movie”,<br />
o seu último fi lme.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 13
Os transportes públicos estavam parados,<br />
artérias cortadas, Paris estava<br />
nas ruas e Jason Charles Beck (nome<br />
artístico Gonzales), 38 anos, não estava<br />
satisfeito com as manifestações.<br />
“Fico sempre com a i<strong>de</strong>ia que os parisienses<br />
exageram quando vão para<br />
a rua. O seu lado mais aristocrático<br />
cai por terra” diz, recebendo-nos à<br />
porta <strong>de</strong> casa, um rés-do-chão com<br />
um pequeno jardim, em Pigalle.<br />
Ele tem novo álbum, o sexto, “Ivory<br />
Tower“, produzido por um dos jovens<br />
produtores mais cotados das electrónicas<br />
<strong>de</strong> dança, o alemão Boys Noize.<br />
E tem também uma longa-metragem<br />
com o mesmo nome, a sua primeira,<br />
com Peaches e Tiga como actores,<br />
para além do próprio Gonzales. A<br />
amiga Feist faz uma pequena aparição,<br />
Céline Sciamma e Adam Traynor<br />
ajudaram no argumento e realização.<br />
O filme estreou em Agosto, no festival<br />
<strong>de</strong> Locarno, on<strong>de</strong> recebeu uma menção<br />
especial.<br />
Nascido em Montreal, <strong>de</strong>sembarcou<br />
em Berlim no final dos anos 90,<br />
gravou vários álbuns, remisturou Daft<br />
Punk ou Björk e produziu gente tão<br />
diferente como Feist, Mocky, Charles<br />
Aznavour ou Jane Birkin. O ano passado<br />
bateu o recor<strong>de</strong> do Guiness da<br />
mais longa performance a solo, tocando<br />
ao piano 27 horas, 3 minutos e 44<br />
segundos, em Paris, enquanto o mundo<br />
o seguia. Em casa, olha-se em redor,<br />
e percebe-se que não precisa <strong>de</strong><br />
muito. “Podia viver apenas com um<br />
piano, um computador e alguns livros.”<br />
Talvez. Isso e uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> foto<br />
na pare<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> figuram Clinton e<br />
Bush, la<strong>de</strong>ados por um <strong>de</strong>sconhecido.<br />
Viveu seis anos em Berlim<br />
on<strong>de</strong> criou a sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
cumplicida<strong>de</strong>s – Feist, Peaches,<br />
Tiga, Mocky ou Jamie Li<strong>de</strong>ll.<br />
Está há sete em Paris. Segue-se<br />
Londres?<br />
Por enquanto a base é Paris, mas tenho<br />
estado cada vez mais tempo em<br />
Londres. Comecei a trabalhar aqui em<br />
produção, com Feist e Jane Birkin, e<br />
fui ficando. Senti que Paris era o passo<br />
seguinte, um passo aristocrático,<br />
como Londres po<strong>de</strong> ser o próximo.<br />
Queria estar num local mais profissional<br />
que Berlim. É uma cida<strong>de</strong> óptima<br />
mas não é muito profissional. Vou lá<br />
muitas vezes ver os meus amigos, mas<br />
não consigo viver lá.<br />
Há quatro anos, em entrevista,<br />
dizia-nos que a música era um<br />
universo restrito. Sempre se<br />
<strong>de</strong>finiu como um artista total.<br />
Este filme nasce <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo?<br />
Há muito que queria fazer um filme.<br />
A música é um universo limitado, no<br />
sentido em que as pessoas se agarram<br />
muito à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong>. A mim<br />
interessa-me a ilusão. No cinema existe<br />
isso. Por isso, foi apenas uma questão<br />
<strong>de</strong> superar as questões financeiras<br />
e criativas e arrancar. É uma <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
operação fazer um filme, uma verda<strong>de</strong>ira<br />
operação militar, em comparação<br />
com fazer um álbum. Temos que<br />
reunir as pessoas certas e não é fácil.<br />
Mas no cinema é tudo muito orientado,<br />
numa mistura <strong>de</strong> trabalhadores e<br />
i<strong>de</strong>alistas. É o meu mundo. Po<strong>de</strong>mos<br />
preparar tudo ao milímetro, mas <strong>de</strong>pois<br />
temos que nos adaptar. O plano<br />
14 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
A nunca funciona num filme, o que é<br />
óptimo. É um <strong>de</strong>safio constante criar<br />
soluções pragmáticas.<br />
O filme interroga as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><br />
fantasia e autenticida<strong>de</strong>, ou seja,<br />
é o conflito entre arte e comércio<br />
que está em jogo.<br />
São questões que me acompanham<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. Respeito os artistas que<br />
vivem na sua torre <strong>de</strong> marfim (“Ivory<br />
Tower”), que fazem o que lhe apetece,<br />
são puristas a sério, e que não querem<br />
saber do que as pessoas pensam <strong>de</strong>les.<br />
Também tenho alguma simpatia pelos<br />
que se assumem como “entertainers”,<br />
como eu. Mas não tenho paciência<br />
para os que se situam no meio e que<br />
são a maioria. São os que dizem “não<br />
faço isto para ninguém a não ser para<br />
mim próprio, mas se as pessoas gostarem<br />
do que faço é um bónus”. Fazem<br />
concertos e entrevistas, mas<br />
agem como se não quisessem nada<br />
com o sucesso. É falsa autenticida<strong>de</strong>.<br />
No cinema é diferente. Foi, por isso,<br />
interessante produzir e escolher as<br />
pessoas para o filme. A maior parte<br />
dizia-me “não po<strong>de</strong>s fazer um filme<br />
<strong>de</strong>ssa maneira”, o que me motivou<br />
ainda mais.<br />
Podia ter escolhido também<br />
criar a sua torre <strong>de</strong> marfim,<br />
porque é que optou por assumirse<br />
como “entertainer”?<br />
A torre <strong>de</strong> marfim é sedutora por natureza,<br />
mas parece-me que se per<strong>de</strong><br />
a interacção com as pessoas. E eu preciso<br />
disso.<br />
Os actores do filme, Peaches,<br />
Tiga, Feist, são a sua família. Não<br />
foi opção trabalhar com actores<br />
profissionais?<br />
Não. Escolhi pessoas que conheço<br />
bem. O facto <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong> nós ser<br />
actor contribuiu para que tivéssemos<br />
o mesmo tipo <strong>de</strong> aproximação ao filme,<br />
o que acabou por criar unida<strong>de</strong>.<br />
Eu e Tiga não temos uma relação boa<br />
com a câmara. Com uma multidão à<br />
frente, sim, mas apenas com uma câmara<br />
é diferente. Peaches, sim, sentese<br />
confortável. Mas no fim <strong>de</strong> contas<br />
diria que tivemos uma atitu<strong>de</strong> pragmática,<br />
porque estávamos a fazer<br />
qualquer coisa para a qual não tínhamos<br />
experiência. E quando assim é,<br />
prefiro estar acompanhado por aqueles<br />
que conheço. Não sou muito <strong>de</strong><br />
escapa<strong>de</strong>las. Sou mais do género poligâmico.<br />
Escreveu o argumento do filme<br />
já a pensar neles?<br />
Sim, embora a maior parte das i<strong>de</strong>ias<br />
já tenham sido exploradas nas minhas<br />
canções. Têm muito a ver com essa<br />
divisão entre ser-se artista e “entertainer”.<br />
Tem qualquer coisa <strong>de</strong> provocação,<br />
mas é uma proposta verda<strong>de</strong>ira.<br />
A imagem do artista, hoje, tem que<br />
ser reinventada. Há muitas pessoas a<br />
utilizarem-na como se fosse um estilo<br />
<strong>de</strong> vida. Da minha parte limito-me a<br />
seguir as regras do jogo. Sou pragmático.<br />
Esse pragmatismo, a consciência<br />
do lugar que ocupa, levou-o a<br />
procurar financiamento estatal<br />
para o seu filme?<br />
Não acredito em aceitar dinheiros governamentais.<br />
Acredito que po<strong>de</strong> haver<br />
pessoas que gostam do meu trabalho<br />
e que po<strong>de</strong>rei fazer dinheiro<br />
<strong>de</strong>ssa forma. Não quero que digam do<br />
meu trabalho “oh! Não é suficiente-<br />
Na<br />
torre<br />
<strong>de</strong><br />
marfi m<br />
<strong>de</strong> Gonzales<br />
Ele sempre disse que a música era apenas<br />
um dos universos que o interessavam.<br />
Agora, com “Ivory Tower”, o álbum que originou<br />
uma longa-metragem, Gonzales, na companhia<br />
<strong>de</strong> Peaches, Tiga e Feist, revela-se um homem<br />
do cinema. Ou seja, do espectáculo. Recebeu-nos<br />
em sua casa. Vítor Belanciano, em Paris<br />
Música
Em casa,<br />
em Pigalle,<br />
on<strong>de</strong> recebeu<br />
o Ípsilon<br />
mente bom, por isso vamos ajudarte!”<br />
Aceitar dinheiro governamental<br />
significa transigir e não fazer aquilo<br />
que se <strong>de</strong>seja mesmo fazer <strong>de</strong> uma<br />
forma artística.<br />
Mas também se po<strong>de</strong> estar refém<br />
do mercado, da popularida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> compromissos com alguém<br />
que é exterior.<br />
Claro que sim, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da forma como<br />
se utiliza o que temos à mão.<br />
Quando parto para um trabalho façoo<br />
a partir <strong>de</strong> um prisma artístico. O<br />
<strong>de</strong>safio é esse. Mas mais tar<strong>de</strong> começo<br />
a pensar na utilização pragmática daquilo<br />
que estou a fazer. Ou seja, aspiro<br />
a ser popular e tento criar oportunida<strong>de</strong>s<br />
para mim próprio, no sentido<br />
do meu trabalho ser comunicado. Faço<br />
imensa música que não edito porque<br />
sei que não terá qualquer valida<strong>de</strong><br />
em termos <strong>de</strong> mercado. O facto <strong>de</strong><br />
me divertir a fazê-la não significa que<br />
tenham que ouvi-la.<br />
O filme fará o circuito habitual<br />
das salas <strong>de</strong> cinema?<br />
Vai ser exibido das mais diversas formas,<br />
em circuitos <strong>de</strong> distribuição ou<br />
festivais. Até agora foi exibido em salas,<br />
em sessões especiais, em que as<br />
pessoas vêem e pagam o seu bilhete.<br />
Depois, normalmente, faço o meu<br />
“show” <strong>de</strong> piano. Nesse mo<strong>de</strong>lo já fiz<br />
em L.A., Nova Iorque, Montreal, Toronto,<br />
Tóquio, Londres, Paris.<br />
O filme acaba por ser<br />
consequência <strong>de</strong> um álbum on<strong>de</strong><br />
entregou a produção a Boys<br />
Noize, que nem sequer é alguém<br />
com afinida<strong>de</strong>s consigo.<br />
Des<strong>de</strong> que ele fez uma remistura <strong>de</strong><br />
“My moon my man”, que escrevi com<br />
Feist, que me apercebi que era alguém<br />
capaz <strong>de</strong> ir além da música <strong>de</strong> dança.<br />
E acertei. É um <strong>gran<strong>de</strong></strong> músico. A tonalida<strong>de</strong><br />
do álbum foi escolha <strong>de</strong>le, o<br />
que me <strong>de</strong>ixou livre para outras coisas.<br />
Foi tudo tão fácil que <strong>de</strong>cidi fazer<br />
o filme. Cheguei a um ponto em que<br />
comecei a interrogar-me: “porque é<br />
que isto está a ser tão fácil? Não era<br />
suposto!” No fim do processo, que<br />
costuma ser esgotante, tinha muita<br />
energia extra que não consumira e<br />
resolvi fazer o filme.<br />
Os seus álbuns são sempre<br />
muito diferentes. Não é comum<br />
acontecer na pop, on<strong>de</strong> existe<br />
uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Esse<br />
propósito <strong>de</strong> fazer diferente é<br />
<strong>de</strong>finido previamente ou só no<br />
final dá por isso?<br />
Cada álbum tem que ser um <strong>de</strong>safio.<br />
É uma <strong>de</strong>cisão consciente, mas não é<br />
um “statement”. Há <strong>de</strong>z anos diziamme<br />
que a minha música era muito diversificada<br />
e que isso era um problema.<br />
Não sabiam como me situar. A<br />
solução foi criar uma ligação entre<br />
todas essas músicas, que sou eu, a personalida<strong>de</strong><br />
Gonzales, a filosofia, as<br />
batalhas ao piano, o recor<strong>de</strong> do Gui-<br />
“Há certas condições<br />
em que um homem<br />
só, ao piano, po<strong>de</strong><br />
ser abatido, mas<br />
dou luta”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 15
ness, ou seja, a forma como faço as<br />
coisas. Essa é a forma que encontrei<br />
para me dar a conhecer junto das pessoas.<br />
Esse é o meu “statement”. São<br />
formas <strong>de</strong> dizer quem sou <strong>de</strong> forma<br />
clara. Gosto <strong>de</strong>ssa clareza na música.<br />
Os Bee Gees são claros, por exemplo.<br />
Quer dizer, se alguém gosta <strong>de</strong> letras<br />
poéticas vai ouvir Bob Dylan e não os<br />
Bee Gees, Prince ou Stevie Won<strong>de</strong>r,<br />
que não são génios das letras. A maior<br />
parte dos artistas que admiro são muito<br />
claros. Odiaria alguém como eu,<br />
mas só consigo ser assim.<br />
Apesar <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong>,<br />
ao vivo, pelo facto <strong>de</strong> ser um<br />
“performer” dotado, consegue<br />
atribuir unida<strong>de</strong> ao que faz,<br />
criando arranjos uniformes<br />
para as canções ou <strong>de</strong>tendo-se<br />
no essencial, no piano, e na sua<br />
personalida<strong>de</strong>.<br />
É por isso que nos discos me permito<br />
ser o que me apetece. E sim, todas as<br />
minhas canções po<strong>de</strong>m ser tocadas<br />
apenas ao piano. Não gosto <strong>de</strong> estar<br />
em estúdio, mas ao vivo é outra coisa.<br />
Posso estar a tocar apenas para uma<br />
pessoa, mas é um <strong>de</strong>safio conseguir<br />
comunicar com ela. Tenho que ter<br />
uma razão para tocar. É esse o problema<br />
quando estou a fazer um álbum:<br />
as pessoas que o vão ouvir não estão<br />
à minha frente... [risos].<br />
“Solo Piano”, o seu álbum mais<br />
16 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
“A música é um<br />
universo limitado,<br />
no sentido em que<br />
as pessoas se<br />
agarram muito<br />
à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
autenticida<strong>de</strong>.<br />
A mim interessa-me<br />
a ilusão. No cinema<br />
existe isso”<br />
solene, acabou por tornar-se no<br />
seu disco mais bem-sucedido,<br />
como é que explica isso?<br />
Foi uma surpresa. É o meu disco mais<br />
puro e directo. É encorajador para<br />
mim perceber que posso ir por aí, mas<br />
não me chega. A Feist, por exemplo,<br />
que admiro muito... quando olho para<br />
a sua carreira, parece-me aborrecida.<br />
Depois do êxito <strong>de</strong> “The Remin<strong>de</strong>r”<br />
toda a gente gosta <strong>de</strong>la e é apenas<br />
isso! On<strong>de</strong> está a luta? Quer dizer, sei<br />
o que lutou para chegar ali, mas não<br />
tem uma história para contar. Apenas<br />
canções. É por isso que gosto dos “rappers”.<br />
Esses têm histórias para contar,<br />
têm vida. Não é apenas música.<br />
Os “rappers” não têm medo do<br />
sucesso. Expõem-no, sem pudor.<br />
No rock há um falso sentimento<br />
<strong>de</strong> culpa com o êxito.<br />
Os “rappers” não têm receio <strong>de</strong> mostrar<br />
que fazem parte <strong>de</strong> uma indústria.<br />
É por isso que muitos <strong>de</strong>les estão interessados<br />
em oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negócio<br />
fora da música. A música é apenas<br />
uma parte <strong>de</strong> um projecto maior.<br />
São uma fantasia capitalista <strong>de</strong> vingança<br />
tornada realida<strong>de</strong>. O rap é isso.<br />
O meu pai tem isso. Teve <strong>de</strong> fugir dos<br />
nazis na Hungria, foi para o Canadá,<br />
e ergueu o seu pequeno império a<br />
partir do nada. Admiro o meu pai, tal<br />
como admiro muitos “rappers”, porque<br />
foram capazes <strong>de</strong> construir qualquer<br />
coisa a partir do nada.<br />
Em Maio do ano passado entrou<br />
para o livro dos recor<strong>de</strong>s do<br />
Guiness, por ter estado a tocar<br />
ao piano durante 27 horas, 3<br />
minutos e 44 segundos. Repetiu<br />
alguma música?<br />
Nem pensar... [risos]. Toquei tudo, <strong>de</strong><br />
Beethoven a Survivor, <strong>de</strong> Bach a Michael<br />
Jackson. Não tenho dúvidas que<br />
foi uma das melhores i<strong>de</strong>ias e uma das<br />
melhores <strong>de</strong>cisões da minha vida.<br />
Não receia ficar conhecido como<br />
o tipo do Guiness?<br />
Mas que bom ser o tipo do Guiness! O<br />
meu problema era ficar conhecido<br />
como o tipo que é bom ao piano e faz<br />
estranhos álbuns pop. Assim ficaram<br />
a saber que sou bom pianista e que<br />
sou competitivo, que é o que me diferencia<br />
<strong>de</strong> todos esses artistas pseudosonhadores.<br />
Foi um acontecimento ampliado<br />
pelas re<strong>de</strong>s sociais, através do<br />
Twitter e do Facebook, teve essa<br />
consciência?<br />
Totalmente. Foi também uma experiência<br />
<strong>de</strong> negócio interessante. A atenção<br />
que recaiu sobre mim naquelas<br />
72 horas foi maior do que qualquer<br />
álbum que já gravei. No Twitter foi a<br />
loucura. Pessoas <strong>de</strong> todo o mundo<br />
ouviram falar do meu feito e a verda<strong>de</strong><br />
é que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, não tenho parado<br />
<strong>de</strong> viajar. Quando vim para França<br />
comecei a ter um sucesso “mainstream”<br />
interessante e isso é<br />
confortável, mas não quero amolecer.<br />
O Guiness foi um <strong>de</strong>safio nesse sentido.<br />
Espicaçou-me. Fez-me ver que<br />
existem muitos outros lugares para<br />
conquistar. E, sim, sem as re<strong>de</strong>s sociais<br />
aquilo que fiz não teria obtido o<br />
mesmo impacto.<br />
Está no Twitter. Como é a sua<br />
relação com as re<strong>de</strong>s?<br />
A minha equipa gere a página do Facebook,<br />
mas o Twitter sou eu. É uma<br />
boa ferramenta para músicos como<br />
eu, que têm um grupo <strong>de</strong> admiradores<br />
muito <strong>de</strong>dicado. Gosto <strong>de</strong> comunicar<br />
com eles e é enriquecedor para mim.<br />
Neste momento estou a criar um álbum<br />
<strong>de</strong> rap orquestral que <strong>de</strong>verá sair<br />
no próximo Verão e comecei a pedir<br />
aos meus seguidores do Twitter que<br />
sugerissem títulos e a verda<strong>de</strong> é que<br />
recebi i<strong>de</strong>ias brilhantes. No fim <strong>de</strong><br />
contas ofereço a milhares <strong>de</strong> pessoas<br />
a ilusão <strong>de</strong> estarem próximas <strong>de</strong> algumas<br />
partes <strong>de</strong> mim que escolho expor.<br />
O Twitter funciona como o meu email<br />
pessoal aberto a todos.<br />
Em palco é o tipo <strong>de</strong><br />
“performer” que parece<br />
espontâneo na interacção com<br />
o público. Isso <strong>de</strong>ve dar-lhe<br />
imenso trabalho prévio ou não?<br />
É como no regime militar. Vai-se para<br />
a guerra bem preparado, mas mal chegamos<br />
à guerra todos os planos estudados<br />
vão pela janela fora. Preparo-<br />
me bem, mas mal chego ao palco esqueço<br />
o que preparei. É impossível<br />
prever tudo. Seria como dizer a mesma<br />
piada a todas as raparigas. Primeiro<br />
temos que olhar para ela, tentar<br />
perceber o que a po<strong>de</strong>rá excitar e só<br />
então aplicamos a piada. Claro, começa-se<br />
sempre com qualquer coisa que<br />
é estrutural, mas <strong>de</strong>pois tentamos<br />
conquistar, uma a uma, todas as raparigas<br />
da assistência. É um assunto<br />
pessoal.<br />
Nunca lhe acontece a meio<br />
olhar em redor, sentir que não<br />
há interacção e não saber o que<br />
fazer?<br />
Não gosto <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r... [risos]. Às vezes<br />
começa mal e consigo dar a volta. Outra<br />
vezes <strong>de</strong>mora tempo. Mas dou tudo<br />
para dar a volta à situação. Nem<br />
sempre resulta. Às vezes há problemas<br />
estruturais com o espectáculo<br />
que são difíceis <strong>de</strong> contornar, como<br />
tocar tar<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>pois pois <strong>de</strong> várias bandas<br />
rock ou DJs, já com toda a gente<br />
bêbada. Há certas condições em que<br />
um homem só, ao piano, po<strong>de</strong> ser<br />
abatido, mas dou luta. uta. Há pouco tempo,<br />
em L.A., foi <strong>de</strong>sastroso astroso e na noite<br />
seguinte, em Nova a Iorque, triunfal.<br />
Por norma tenho um m <strong>de</strong>sses espectáculos<br />
por ano, em que me sinto um<br />
músico falhado.<br />
Como produtor já á trabalhou com<br />
Feist a Jane Birkin n ou Charles<br />
Aznavour. Quais são as suas<br />
características como omo produtor?<br />
Em primeiro lugar, r, só trabalho<br />
com amigos, pessoas oas <strong>de</strong> quem<br />
gosto. Em segundo, ao contrário<br />
do que sou enquanto nto músico,<br />
o meu ego não interessa. ressa. É um<br />
alívio, porque passo so a maior<br />
parte do tempo em palco. Ir para<br />
estúdio com Feist t é fácil, sintome<br />
relaxado. Não estou certo que as<br />
minhas i<strong>de</strong>ias sejam m as mais acertadas<br />
para ela. Sei que são o as mais acertadas<br />
para mim e isso basta-me. sta-me. É por isso<br />
que me é fácil estar r no papel <strong>de</strong> produtor.<br />
Dou i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>pois epois aceitem-nas<br />
ou não. Nunca gostei i da canção “1234”<br />
<strong>de</strong> Feist, por exemplo. plo. Ela sentia-se<br />
estranha com essa canção, era difícil<br />
<strong>de</strong> gravar, nem sequer uer era composta<br />
por ela e aconselhei-a i-a a que não a incluísse<br />
no disco. Ela a optou por incluíla<br />
e foi um êxito enorme. orme. Ou seja, não<br />
sou Pharrell Williams. ams. Não sou um<br />
fazedor <strong>de</strong> êxitos. Sou apenas amigo<br />
dos amigos.<br />
Às vezes tem uma a forma curiosa<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a sua a música. Há<br />
pouco dizia que estava a compor<br />
um álbum <strong>de</strong> rap orquestral.<br />
O que é que isso significa<br />
exactamente?<br />
Po<strong>de</strong>mos ouvir uma a canção para perceber<br />
[liga o portátil átil e ouve-se um<br />
som grandioso, orquestral, uestral, com a voz<br />
<strong>de</strong> Gonzales num registo egisto rap por entre<br />
ritmos sincopados]. os]. É isto. O meu<br />
irmão, que compõe e música para filmes,<br />
e é também um excelente orquestrador,<br />
está a trabalhar rabalhar comigo<br />
nos arranjos <strong>de</strong>ste disco.<br />
Os esboços <strong>de</strong>ssas s canções fáfálas aqui, em casa? ?<br />
Sim, gravo muito aqui, ui, pelo menos<br />
as “<strong>de</strong>mos”.<br />
E praticar piano, faz parte<br />
da sua rotina?<br />
Toco muito, mas não ão todos os<br />
dias. Não sou um virtuoso. Estou lá<br />
próximo, às vezes. O que faço em palco<br />
faz-me parecer mais virtuoso do<br />
que sou, porque que escolho o que<br />
toco. Oriento a composição em função<br />
da minha técnica, o que cria uma falsa<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> virtuosismo. É como aqueles<br />
actores que são realizadores e escrevem<br />
as suas <strong>de</strong>ixas, como Woody<br />
Allen.<br />
Quem é que está naquela foto<br />
entre Clinton e Bush?<br />
O meu pai. É um homem <strong>de</strong> negócios<br />
bem-sucedido. Faz infra-estruturas,<br />
auto-estradas, aeroportos, esse tipo<br />
<strong>de</strong> coisas. E dá-se com algumas pessoas<br />
influentes. Cresceu em Budapeste,<br />
no nada, e agora ali está ele. Como<br />
já disse, é um <strong>gran<strong>de</strong></strong> “rapper”. Hoje<br />
em dia vemos Jay-Z com Obama. E<br />
aqui vemos John Beck com Clinton e<br />
Bush. É uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> inspiração para<br />
mim.<br />
Ver crítica <strong>de</strong><br />
discos págs.<br />
44 e segs.<br />
O ano passado<br />
bateu o<br />
recor<strong>de</strong><br />
do Guiness<br />
da mais longa<br />
performance<br />
a solo,<br />
tocando<br />
ao piano<br />
27 horas,<br />
3 minutos e<br />
44 segundos
2010 ATELIER MARTINO&JAÑA + NEBOJSA CVETKOVIC + ANA RITA GOULÃO
da civilização<br />
estão<br />
nós<br />
entre<br />
Nos anos 1970, levaram a arte<br />
e a música a níveis <strong>de</strong> violência extremos.<br />
Inventaram um género, a música industrial,<br />
mas permanecem únicos. Senhoras<br />
e senhores, os Throbbing Gristle estão hoje<br />
no Porto – com outro nome. Pedro Rios<br />
“Acho que posso afirmar que, como partidos, baixos e guitarras baratas<br />
acontece sempre com os Throbbing em doses industriais, vozes entre o<br />
Gristle, <strong>de</strong>vem esperar o inesperado”. sonambulismo e a violência militaris-<br />
O aviso, <strong>de</strong>stinado a quem for hoje à ta, tudo filtrado por um batalhão <strong>de</strong><br />
Casa da Música, é <strong>de</strong> Cosey Fanni Tut- efeitos, e letras inspiradas pelo lado<br />
ti, membro da banda que inventou mais bizarro e feio da humanida<strong>de</strong>.<br />
todo um novo género (mesmo que Uma música belíssima, ainda hoje in-<br />
eles não se revejam, e com razão, em classificável.<br />
99 por cento do que veio <strong>de</strong>pois): a Eram, ao mesmo tempo, música<br />
música industrial. Tutti tinha tanta pré ou anti-rock’n’roll (porque à mar-<br />
razão que, dias <strong>de</strong>pois da entrevista gem das convenções – P-Orridge <strong>de</strong>-<br />
ao Ípsilon, os Throbbing Gristle anunfinia-os frequentemente como “anticiaram<br />
que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir, “pemúsica”) e uma enorme experiência<br />
lo menos enquanto entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pal- rock (porque muito poucos tinham<br />
co”, <strong>de</strong>vido à saída <strong>de</strong> Genesis P-Or- levado o rock a níveis tão extremos).<br />
ridge.<br />
Uma pandilha influenciada pelo pri-<br />
Não há nada a temer: Fanni Tutti, mitivismo dos Fugs e dos Velvet Un-<br />
Peter Christopherson e Chris Carter <strong>de</strong>rground e, num plano não musical,<br />
actuam hoje no Porto, já não enquan- pela Fluxus, pelos dadaístas e “accioto<br />
Throbbing Gristle, mas sob a <strong>de</strong>signistas” <strong>de</strong> Viena (Hermann Nitsch,<br />
nação X-TG. O nome po<strong>de</strong> não ser o etc.). A semente <strong>de</strong> um novo género,<br />
mesmo, mas não muda a substância a música industrial, <strong>de</strong> fronteiras va-<br />
do evento: o “manager” do grupo gagas, que vai da violência absurda dos<br />
rantiu ao Ípsilon que o concerto será Whitehouse à dança cerebral e fria<br />
semelhante ao que os Gristle <strong>de</strong>ram dos Cabaret Voltaire.<br />
em Londres, no final <strong>de</strong> Outubro, com<br />
a excepção <strong>de</strong> duas canções, em<br />
que Tutti substituirá P-Orridge na<br />
voz.<br />
O gosto pelo extremo continuou<br />
Música Os <strong>de</strong>struidores<br />
Antimúsica<br />
Esta é a banda que um político conservador<br />
britânico classificou <strong>de</strong><br />
“<strong>de</strong>struidores da civilização”, quando,<br />
ainda enquanto COUM Transmissions<br />
(o grupo <strong>de</strong> música e arte<br />
que se transformaria nos Throbbing<br />
Gristle, em 1975), montou a<br />
exposição “Prostitution” com tampões<br />
usados, seringas e imagens da<br />
carreira <strong>de</strong> Fanni Tutti enquanto<br />
mo<strong>de</strong>lo porno. As performances<br />
COUM envolviam frequentemente<br />
sexo ao vivo ou actos bizarros como<br />
tentativas <strong>de</strong> masturbação com cabeças<br />
<strong>de</strong> galinha em cima do pénis.<br />
Esta é a banda que, enquanto a<br />
nação inglesa andava entretida com<br />
a glorificação dos três acor<strong>de</strong>s do<br />
punk, preferiu inventar uma outra<br />
forma <strong>de</strong> música, feita <strong>de</strong> “loops”<br />
<strong>de</strong> cassetes, ruído saído <strong>de</strong> violinos<br />
18 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
“Da forma que eu<br />
vejo, os Throbbing<br />
Gristle são ainda<br />
radicais, da mesma<br />
forma que éramos<br />
nos anos 1970. Ainda<br />
não nos conformamos<br />
com as <strong>de</strong>finições<br />
habituais <strong>de</strong> ‘música’”<br />
Cosey Fanni Tutti
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~1O<br />
8 A 13 NOV<br />
BLIND DATE<br />
OLGA RORIZ coreografia e interpretação<br />
CLÁUDIA VAREJÃO filme<br />
IRENE LIMA violoncelo<br />
JARDIM DE INVERNO<br />
CO-PRODUÇÃO DUPLA CENA<br />
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA A DEFINIR<br />
Genesis<br />
P-Orridge<br />
(à direita)<br />
abandonou<br />
o grupo, mas nos Throbbing Gristle, agente infiltra-<br />
não há nada do dos artistas num outro meio, mais<br />
a temer: Fanni distante das galerias <strong>de</strong> arte, mais...<br />
Tutti, Peter pop – Orridge estava encantado com<br />
Christopher a fama tal como Warhol a entendia.<br />
son e Chris Levaram com eles as mesmas fixações<br />
Carter actuam com a violência sobre todas as formas<br />
hoje no Porto (dominação sexual, “serial killers”,<br />
sob a<br />
pedofilia, imagens e referências na-<br />
<strong>de</strong>signação zis).<br />
X-TG Tácticas <strong>de</strong> choque? Não, respon<strong>de</strong><br />
Cosey Fanni Tutti, por e-mail: “Os<br />
Throbbing Gristle usaram esse material<br />
como fonte para vários projectos,<br />
mas <strong>de</strong> forma muito honesta e com<br />
fins humanitários. O lado feio da raça<br />
humana é tão importante como o belo.<br />
Enten<strong>de</strong>r o nosso uso <strong>de</strong>ssas imagens<br />
como tácticas <strong>de</strong> choque é um<br />
equívoco e po<strong>de</strong> ser visto como uma<br />
falta <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> para enfrentar<br />
as realida<strong>de</strong>s da nossa cruelda<strong>de</strong><br />
para os outros. Na altura, muito da II<br />
Guerra e outras atrocida<strong>de</strong>s foram<br />
varridas para <strong>de</strong>baixo do tapete. É<br />
importante não negar a história e a<br />
cruelda<strong>de</strong> inexplicável e apren<strong>de</strong>r<br />
com ela. Apren<strong>de</strong>r não é possível se<br />
a ignorarmos”.<br />
Psica<strong>de</strong>lia invertida<br />
O jornalista inglês Simon Reynolds<br />
BLIND<br />
e é, na maior parte dos casos, pouco<br />
<strong>de</strong>safiante, uma mera forma <strong>de</strong> rock<br />
com a qual os Gristle não se i<strong>de</strong>ntificam.<br />
“O tipo <strong>de</strong> música que as pessoas<br />
enten<strong>de</strong>m como ‘industrial’ não<br />
tem nada a ver com a forma como nós<br />
vemos a música industrial. Para nós,<br />
industrial não são sons maquinais duros<br />
metidos numa construção básica<br />
<strong>de</strong> rock’n’roll martelada numa audiência.<br />
Temos uma subtileza na nossa<br />
abordagem ao som que tem mais a<br />
ver com a construção <strong>de</strong> música clássica<br />
do que com o rock’n’roll”, acrescenta.<br />
DATE<br />
Segunda vida<br />
Em 1981, os Gristle anunciaram que a<br />
“missão estava acabada” e partiram<br />
para outros projectos, como os Psychic<br />
TV e os Coil. Em 2004, o longo silêncio<br />
foi interrompido, com “TG Now”, uma<br />
edição limitada. Em 2007, lançaram<br />
“Part T wo” e no ano seguinte voltaram<br />
aos concertos. E eis os outrora<br />
“<strong>de</strong>struidores da civilização”, com a<br />
aura <strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong> que os anos<br />
costumam dar, a serem convidados<br />
para tocar em instituições como o Institute<br />
of Contemporary Arts, <strong>de</strong> Londres,<br />
que 34 anos antes os tinha banido<br />
<strong>de</strong>vido ao escândalo “Prostitution”<br />
tem uma tese, que incluiu no livro<br />
essencial sobre o pós-punk “Rip It and<br />
Start Again”: “a música industrial do<br />
final dos anos 70 foi o segundo <strong>de</strong>sa-<br />
dos COUM Transmission.<br />
“Os Throbbing Gristle e eu sempre<br />
nos infiltramos no ‘establishment’ <strong>de</strong><br />
qualquer forma, estar envolvido com<br />
ensaios públicos apresentações finais<br />
8 A 1O NOV<br />
12 E 13 NOV<br />
SEGUNDA A QUARTA SEXTA E SÁBADO<br />
ÀS 21H00<br />
ÀS 23H30<br />
brochar <strong>de</strong> uma ‘psica<strong>de</strong>lia’ autênti- ele não é nada <strong>de</strong> novo. O que é novo<br />
ca”. “A <strong>gran<strong>de</strong></strong> diferença (e o que tor- é que eles agora aceitam a nossa conna<br />
o industrial uma ‘psica<strong>de</strong>lia’ ‘autêntica’<br />
e não um mero revivalismo)<br />
tribuição para a cultura, mesmo que<br />
retrospectivamente. Foi sempre isso<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640 www.teatrosaoluiz.pt<br />
BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />
TEL: 213 257 650<br />
BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
é que o industrial substituiu beijar o<br />
céu por fitar um abismo cósmico. O<br />
industrial é a ‘psica<strong>de</strong>lia’ invertida:<br />
uma longa ‘trip’ <strong>de</strong>primente”, escreveu.<br />
No “ethos” industrial, como os Gristle<br />
o concebiam, não cabia o domínio<br />
que aconteceu com trabalho <strong>de</strong>safiante.<br />
Não nos comprometemos, somos<br />
ainda os mesmos, as instituições é que<br />
mudaram, talvez haja novo sangue<br />
nas curadorias. Vemos tocar nesses<br />
sítios como uma oportunida<strong>de</strong> para<br />
disseminar as nossas i<strong>de</strong>ias, como<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~1O<br />
co-produção<br />
técnico. Trinta e cinco anos <strong>de</strong>pois, sempre fizemos. Não restringimos as<br />
ainda não sabem tocar nenhum ins- nossas plataformas operacionais”.<br />
trumento (pelo menos segundo os Os tempos duros da Inglaterra <strong>de</strong><br />
livros). É uma questão vital para o<br />
grupo continuar a ser <strong>de</strong>safiante, reflecte<br />
Tutti. “Liberta-te das formas<br />
estabelecidas <strong>de</strong> pensar e construir<br />
música. Conheço músicos que apren<strong>de</strong>ram<br />
música convencionalmente<br />
para quem é impossível improvisar.<br />
Margaret Thatcher que os Gristle encontraram<br />
quando puseram a cabeça<br />
<strong>de</strong> fora encontram “semelhanças”<br />
com a austerida<strong>de</strong> prometida por David<br />
Cameron, diz Tutti. “De certa forma<br />
há semelhanças entre a situação<br />
política que temos hoje no Reino Uni-<br />
se fores apanhado<br />
nos sonhos dos<br />
outros, estás feito.<br />
Quando não têm uma partitura agarram-se<br />
a acor<strong>de</strong>s que apren<strong>de</strong>rem e<br />
que estão metidos no seu subconsciente.<br />
Isso é incrivelmente restritivo<br />
do ponto <strong>de</strong> vista criativo. Gosto <strong>de</strong><br />
respon<strong>de</strong>r a um som na sua forma<br />
essencial, não da forma como foi categorizado”.<br />
Esta atitu<strong>de</strong> levou os Gristle a criar<br />
o seu equipamento, tornando-se pioneiros<br />
na utilização e manipulação <strong>de</strong><br />
sons pré-gravados em palco. A cave<br />
do grupo em Londres tornou-se um<br />
laboratório, no qual experimentavam<br />
com diferentes frequências sonoras,<br />
sempre com o volume a níveis brutais.<br />
“Não existia equipamento que produzisse<br />
os sons que ouvíamos nas<br />
do, que é volátil como era nos anos<br />
1970. Agora temos um governo conservador<br />
a meter a sua i<strong>de</strong>ologia pela<br />
garganta abaixo da <strong>gran<strong>de</strong></strong> maioria<br />
que não votou neles”, lamenta. “O<br />
lado positivo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> austerida<strong>de</strong><br />
política e social é que historicamente<br />
está provado ser um ambiente<br />
fértil para a inovação artística em todas<br />
as formas”.<br />
Para Tutti, há ainda um “lado <strong>de</strong><br />
lá”, o lado dos “outsi<strong>de</strong>rs”, como eles,<br />
“porque a natureza humana não se<br />
presta à homogeneida<strong>de</strong>”. “Da forma<br />
que eu vejo, os Throbbing Gristle são<br />
ainda radicais, da mesma forma que<br />
éramos nos anos 1970. Ainda não nos<br />
conformamos com as <strong>de</strong>finições ha-<br />
Encontros<br />
<strong>de</strong> Novas<br />
Dramaturgias<br />
Contemporâneas<br />
15 a 17 Novembro<br />
segunda a quarta a partir<br />
das 10h00 e pela noite <strong>de</strong>ntro<br />
nossas cabeças. Acontece o mesmo<br />
hoje. Temos equipamento que não<br />
está disponível comercialmente e usabituais<br />
<strong>de</strong> ‘música’”, diz. “Penso que<br />
o termo [“radical”] é ainda válido e<br />
provavelmente muito apto consi<strong>de</strong>-<br />
sala principal e jardim <strong>de</strong> inverno<br />
entrada livre m/12<br />
mos computadores e programas informáticos<br />
<strong>de</strong> formas que não é surando<br />
a situação mundial. Seria <strong>de</strong><br />
esperar que o radicalismo pusesse a<br />
programação em www.teatrosaoluiz.pt e http://colectivo84.blogspot.com<br />
posto fazer. Acontece o mesmo com cabeça fora do parapeito e <strong>de</strong>sse um<br />
qualquer equipamento, é a forma co- bom abanão a alguns dos loucos que<br />
mo usas que importa”, refere. exercem o po<strong>de</strong>r”.<br />
O exemplo dos Throbbing Gristle<br />
inspirou artistas a fazerem música<br />
Seja como Throbbing Gristle, X-TG<br />
ou outro nome, po<strong>de</strong>mos contar com<br />
apoios<br />
Projecto<br />
financiado<br />
com o apoio<br />
da Comissão<br />
Europeia<br />
O Colectivo 84<br />
é uma estrutura<br />
financiada por<br />
industrial. Contudo, o resultado era eles para isso.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 19
Música<br />
Já nos tinham falado dos Zombies e<br />
dos Crosby, Stills & Nash, dos Animal<br />
Collective e dos Fleet Foxes. A entrevista<br />
versava sobre “Twelve-Wired<br />
Bird Of Paradise”, o novo álbum dos<br />
Hipnótica, o quinto <strong>de</strong> uma carreira<br />
iniciada em 1994, e já passáramos pela<br />
necessida<strong>de</strong> contemporânea <strong>de</strong><br />
regresso à essência das coisas, já atropeláramos<br />
a tecnologia (anteriormente<br />
tão <strong>de</strong>cisiva, agora tratada como<br />
“bitch”) e chegáramos ao momento<br />
que originou a transformação dos<br />
Hipnótica em banda <strong>de</strong> bucolismo e<br />
psica<strong>de</strong>lismo retro-futurista. “A máquina<br />
falhou”, ri-se o teclista e guitarrista<br />
Bernard Sushi. A máquina falhou<br />
e, quando falhou, eles <strong>de</strong>pararam-se<br />
com um novo mundo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s.<br />
Abria-se o caminho para “Twelve-Wired<br />
Bird Of Paradise”, o primeiro<br />
álbum do resto da vida <strong>de</strong>les.<br />
Mas o que aconteceu exactamente?<br />
Os Hipnótica preparavam-se para dar<br />
um concerto da digressão <strong>de</strong> “New<br />
Communities For Better Days”, o penúltimo<br />
álbum, editado em 2007. No<br />
Musicbox, em <strong>Lisboa</strong>, afinavam os<br />
pormenores para levar a palco a música<br />
<strong>de</strong>nsa do disco, repleta <strong>de</strong> programações.<br />
De repente, “as máquinas<br />
pifaram e tivemos <strong>de</strong> dar um concerto<br />
à antiga”, recorda Sushi. O contratempo<br />
rapidamente se transformou<br />
em libertação: “Acabou por ser um<br />
dos concertos que nos <strong>de</strong>u mais gozo.<br />
Re<strong>de</strong>scobrimos o prazer <strong>de</strong>sse lado<br />
orgânico. A máquina falhou e, no final,<br />
sentimos que foi o melhor que<br />
nos podia ter acontecido”.<br />
Depois <strong>de</strong> uma temporada numa<br />
casa no Alentejo rural, os Hipnótica<br />
surgem perante nós transfigurados.<br />
Eles que, ao longo da sua carreira,<br />
problematizaram a forma como a evolução<br />
tecnológica po<strong>de</strong>ria transformar<br />
estéticas e comportamentos; eles<br />
cuja música parecia viver, alternadamente,<br />
entre os néons futuristas <strong>de</strong><br />
“Bla<strong>de</strong> Runner”, numa imaginária<br />
sessão <strong>de</strong> poesia “beat” <strong>de</strong>clamada<br />
entre o cimento urbano e exótico <strong>de</strong><br />
Tóquio, ou em “jam session” <strong>de</strong> jazz<br />
transportada para a Alemanha que,<br />
na década <strong>de</strong> 70, viu nascer o chamado<br />
“kraut-rock”, fartaram-se.<br />
À catanada<br />
Nem o mundo nem a “melomania inveterada”<br />
da banda, pegando na expressão<br />
do vocalista João Kyron, pediam<br />
que continuassem na mesma<br />
direcção. “Back to basics”, resume<br />
Kyron. “Sentimos que anda no ar música<br />
que funciona como um antídoto<br />
para os tempos que vivemos. No contexto<br />
português, isso ainda se sente<br />
mais. Temos a população completamente<br />
divorciada do sistema político,<br />
fala-se na palavra começada por ‘C’ e<br />
cai logo uma nuvem cinzenta. Não<br />
vale a pena insistir nela, temos <strong>de</strong> seguir<br />
em frente e encontrar contrapontos”.<br />
Alienação contra a crise? Nada<br />
disso. “Não existe um <strong>gran<strong>de</strong></strong> movimento<br />
contracultural, como nos anos<br />
60 nos Estados Unidos e em Inglaterra,<br />
nem estamos próximos <strong>de</strong>sse escapismo<br />
‘hippie’ em que as drogas<br />
tiveram um papel prepon<strong>de</strong>rante”.<br />
O que eles ouviram em Fleet Foxes,<br />
Grizzly Bear, nos Vampire Weekend<br />
ou em Micachu & The Shapes, o que<br />
os levou a viajar até às fontes, “aos<br />
Zombies, Kinks, Beach Boys, aos Heron<br />
[banda folk inglesa da década <strong>de</strong><br />
70] que gravavam discos ao ar livre ou<br />
à música do Congo e do Mali ”, diz<br />
João Kyron (mais os Simon & Garfunkel<br />
ou Crosby, Stills & Nash que<br />
Sushi achava “pindéricos há uns anos”<br />
e que agora adora) não foi escapismo,<br />
foi outra coisa. “Um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> celebração”,<br />
uma procura <strong>de</strong> formas mais<br />
simples, essenciais. O passado, visto<br />
agora, foi isto que nos diz João Kyron:<br />
“A malta andou à procura <strong>de</strong> respostas<br />
na tecnologia, como tábua <strong>de</strong> salvação.<br />
Procurou-se comodida<strong>de</strong> e facilitismo<br />
no acesso à informação, mas<br />
“Foi como se<br />
atravessássemos<br />
mato cerrado<br />
e a abrir caminho<br />
com uma catana.<br />
De repente, chegámos<br />
a uma clareira com<br />
relva, com o sol a<br />
brilhar sobre nós.<br />
Estamos nessa<br />
clareira”<br />
João Kyron, vocalista<br />
Para compor “Twelve-Wired<br />
Bird of Paradise”, os Hipnótica<br />
refugiaram-se no Alentejo rural<br />
a informação não traz nem sabedoria<br />
nem conforto. Quando <strong>de</strong>scobriram<br />
isso, as pessoas viraram-se para a essência<br />
das coisas”. De repente, os Hipnótica<br />
“não tinham vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vasculhar<br />
lixo tecnológico”. Estavam “fartos”:<br />
“Neste momento, a tecnologia é<br />
a nossa ‘bitch’. Usamo-la nesse sentido:<br />
‘diz que o nosso disco saiu, promove<br />
o nosso trabalho, aproxima-nos<br />
das pessoas”.<br />
Pegando no imaginário do álbum,<br />
Kyron ilustra a metamorfose. “Foi como<br />
se atravessássemos mato cerrado<br />
e a abrir caminho com uma catana.<br />
De repente, chegámos a uma clareira<br />
com relva, com o sol brilhar sobre<br />
nós. Estamos nessa clareira, a <strong>de</strong>sfrutar<br />
o momento”. À catanada, João<br />
Kyron, Bernard Sushi, Sergue (baixo<br />
e sintetizadores), JP Daniel (guitarras<br />
e ukelele) e António Watts (bateria e<br />
percussões) <strong>de</strong>puraram as canções,<br />
procuraram refrões, harmonizaram<br />
vozes e pegaram em guitarras acústicas,<br />
prepon<strong>de</strong>rantes em todo o álbum.<br />
Depois, Wolfgang Schloegl, dos<br />
Sofa Surfers, que assumiu novamente<br />
as funções <strong>de</strong> produtor da banda,<br />
aplicou nova catanada - “e a catana<br />
austríaca corta bem”, ri-se Kyron – até<br />
que o acústico, orgânico, ganhasse<br />
novas formas com os “<strong>de</strong>lays, reverbs<br />
e loops” pesquisados em Viena.<br />
O resultado é “Twelve-Wired Bird<br />
Of Paradise”, uns Hipnótica que <strong>de</strong>sconhecíamos.<br />
A culpa é da máquina.<br />
Ao falhar, originou a mais surpreen<strong>de</strong>nte<br />
refundação do ano discográfico<br />
português.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos na pág. 40 e segs.<br />
A máquina falhou e os Hipnótica<br />
renasceram<br />
É a transformação mais surpreen<strong>de</strong>nte do ano discográfi co português. Os Hipnótica<br />
refugiaram-se no campo, puseram-se a ouvir Zombies, Fleet Foxes, Micachu & The Shapes,<br />
Vampire Weekend ou Crosby Stills & Nash, e daí saiu uma nova banda. Mário Lopes<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 20
CHICO ARAGÃO<br />
A casa é a mesma e não se importou<br />
<strong>de</strong> esperar por ela cinco anos. Mísia<br />
reocupou-a com todos os objectos<br />
que levou para Paris, excepto o <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
armário que nunca daqui saiu, tão<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> é o seu porte. Quando lançou<br />
“Ruas”, a 27 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2009, a <strong>Lisboa</strong><br />
que cantava era vista <strong>de</strong> fora, <strong>de</strong><br />
um exílio voluntário. Mas o disco, que<br />
na verda<strong>de</strong> eram dois, dividia-se por<br />
“<strong>Lisboa</strong>rium” (on<strong>de</strong> havia Pessoa,<br />
Botto, Ary ou Graça Moura) e “& Tourists”<br />
(com Nine Inch Nails, Joy Division,<br />
Camaron <strong>de</strong> la Isla ou Dalida).<br />
Ruas <strong>de</strong> cá e lá, <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e do mundo.<br />
22 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
O disco, feito espectáculo, correu<br />
múltiplos palcos. Andou pela Europa,<br />
claro, mas também pela Colômbia,<br />
Brasil, Argentina, Líbano.<br />
A torrente <strong>de</strong>sagua a 17 <strong>de</strong> Dezembro,<br />
no Lux. “Acho bonita”, diz ela,<br />
“essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vir fechar aqui, sobretudo<br />
<strong>de</strong> vir fechar ao Lux. Porque se<br />
algum disco meu encaixa melhor<br />
com a energia do Lux, é este, sobretudo<br />
a segunda parte.” Porque “é um<br />
disco sem nenhuma espécie <strong>de</strong> fronteiras,<br />
constrangimentos ou medos,<br />
um disco pós-50 anos. Tem muito a<br />
ver com a <strong>gran<strong>de</strong></strong> liberda<strong>de</strong> que vivo<br />
neste momento e também com o acumular<br />
<strong>de</strong> tantas viagens.” No início,<br />
Mísia tinha receio da reacção da comunida<strong>de</strong><br />
portuguesa. “Quando foi<br />
apresentado no Casino <strong>de</strong> Paris, entrevistaram<br />
o público e foi o contrário:<br />
uma espécie <strong>de</strong> orgulho <strong>de</strong> terem<br />
uma cantora que cantava em tantas<br />
línguas. As coisas mudaram, na cabeça<br />
das pessoas. E como há na primeira<br />
parte uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong>dicação a<br />
<strong>Lisboa</strong> e ao fado, aos <strong>gran<strong>de</strong></strong>s autores,<br />
percebem o que vem a seguir.”<br />
Aqui, pela primeira vez, haverá<br />
mesmo duas partes. “Vamos imaginar<br />
Música<br />
<strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong> cá e lá<br />
Voltou à sua casa, aos seus amigos, à sua rua. Cinco anos em Paris<br />
e ei-la <strong>de</strong> novo em <strong>Lisboa</strong>, on<strong>de</strong> encerra a tournée <strong>de</strong> “Ruas” no dia 17 <strong>de</strong><br />
Dezembro, no Lux. Entrou num fi lme, está a acabar um disco e a escrever<br />
um livro. Mísia voltou, e repleta <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s. Nuno Pacheco<br />
que o Lux é uma ilha que está no meio<br />
do mar, porque o disco fala <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
vista <strong>de</strong> longe e precisamos <strong>de</strong> fazer<br />
um exercício <strong>de</strong> abstracção, já que<br />
estamos aqui.” Numa crescente tendência<br />
para a encenação, Mísia teatraliza:<br />
“Nas marchas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> vou<br />
buscar uma roupa do Storytaylors,<br />
pedi para me fazerem um chapéu,<br />
fizeram uma caravela, há uma cápsula<br />
<strong>de</strong> Nespresso que faz <strong>de</strong> vaso para<br />
o manjerico e eu explico aos estrangeiros<br />
que há uma coisa que é tão <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong> como o fado mas ao contrário:<br />
é rítmico, alegre. Depois digo que va-<br />
“Soube que iam atirar<br />
abaixo umas árvores<br />
do Príncipe Real.<br />
E isso funcionou<br />
como um impulso.<br />
É um dos sítios <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong> que adoro”<br />
mos sonhar as ruas do mundo, por<br />
on<strong>de</strong> todos andamos até à última esquina,<br />
é o meu sentido trágico, e aí já<br />
apareço vestida como turista, com<br />
uma mala, óculos escuros, máquina<br />
fotográfica, gabardina. Começo com<br />
um tema da Turquia e logo a seguir<br />
uma canção napolitana. E digo que<br />
entre <strong>Lisboa</strong>, Nápoles e Istambul há<br />
uma coisa em comum: os tremores<br />
<strong>de</strong> terra e os tremores <strong>de</strong> coração.”<br />
Foi assim, será assim.<br />
Aos músicos que a têm acompanhado,<br />
juntar-se-á no Lux Geoffrey Burton,<br />
na guitarra eléctrica, um dos<br />
músicos que toca com Iggy Pop. “Ele<br />
já tinha participado na gravação do<br />
disco e adora tocar connosco.” Anuncia-se<br />
uma imprevisível festa.<br />
Novo disco só <strong>de</strong> fados<br />
Nestes últimos tempos, foi convidada<br />
por John Turturro para entrar num<br />
filme que ele realizou, chamado “Passione”.<br />
“É como o Buena Vista Social<br />
Club mas sobre a música napolitana,<br />
um bocado como o Saura fez com o<br />
fado. Eu tinha no meu disco uma canção<br />
napolitana, ele ouviu, gostou, e<br />
foi por isso que me convidou.” Gravou<br />
duas canções e, com a experiência,<br />
ficou fascinada por Nápoles. E também<br />
pelo filme: “É lindíssimo”.<br />
Começou a escrever um livro (“sobre<br />
a minha mãe, a minha avó e eu”)<br />
e está a acabar <strong>de</strong> gravar um disco, o<br />
primeiro só <strong>de</strong> fados que faz nos últimos<br />
<strong>de</strong>z anos. Tem letras <strong>de</strong> Amélia<br />
Muge, Hélia Correia, Lídia Jorge, Aldina<br />
Duarte, Maria do Rosário Pedreira,<br />
Manuela <strong>de</strong> Freitas, Amália, Rosa<br />
Lobato Faria, Natália Correia, Florbela<br />
Espanca, Adriana Calcanhotto (“É<br />
a terceira vez que eu lhe peço, mas<br />
ela não se atrevia. Agora, fez um poema<br />
lindíssimo, on<strong>de</strong> há alguns brasileirismos<br />
que eu conservo.”). E uma<br />
<strong>de</strong>la. “Também escrevi um, eu, assim<br />
um bocado gótico, entre Florbela Espanca<br />
e António Nobre. Chama-se ‘O<br />
manto da rainha’.” O disco sairá na<br />
Primavera <strong>de</strong> 2011.<br />
Mísia voltou a <strong>Lisboa</strong> da mesma<br />
forma que partiu. “A minhas <strong>de</strong>cisões<br />
são impulsos afectivos e emocionais.<br />
Fui para Paris porque precisava <strong>de</strong><br />
me afastar, precisava <strong>de</strong> uma distância<br />
para redimensionar coisas minhas,<br />
em relação ao meu trabalho, ao meu<br />
país, à minha pessoa, razões sentimentais.<br />
Um dia, acho que foi numa<br />
conversa, soube que iam atirar abaixo<br />
umas árvores do Príncipe Real. E isso<br />
funcionou como um impulso. E eu,<br />
que nem sequer sou <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> [nasceu<br />
no Porto], percebi que me importavam<br />
imenso as árvores do Príncipe<br />
Real, um dos sítios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> que adoro.”<br />
E voltou para a casa on<strong>de</strong> vivia<br />
antes, <strong>de</strong> que nunca teve coragem <strong>de</strong><br />
se separar <strong>de</strong>finitivamente.<br />
“Esta distância <strong>de</strong>u-me para repensar<br />
muitas coisas. Voltei à minha casa,<br />
aos meus amigos, à minha rua, ao<br />
meu ninho (o ex-libris da minha casa<br />
é ter um ninho ali fora, naquela árvore).<br />
E tenho muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> me encontrar<br />
com os meus misianos.”
© josé pedro sousa<br />
YOUNG CHOON PARK<br />
PIANO<br />
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Young-Choon Park, natural da Coreia do Sul, iniciou os estudos <strong>de</strong> piano aos 4 anos e<br />
<strong>de</strong>u o seu primeiro recital com apenas 7. Depois <strong>de</strong> estudos avançados em Nova Iorque<br />
e Munique, percorreu o mundo inteiro para concertos nas principais cida<strong>de</strong>s europeias,<br />
norte-americanas e sul-africanas, on<strong>de</strong> tem tocado com as <strong>gran<strong>de</strong></strong>s orquestras.<br />
Mozart, Sonata in B-flat major, KV.333 | Beethoven, Sonata in F minor op.57<br />
“Appassionata”| Chopin, Sonata No.3 in B minor op.58<br />
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SALA PRINCIPAL<br />
M/12
As vozes interiores <strong>de</strong> M<br />
Uma modista, uma Espanha <strong>de</strong>scosida numa Europa rota, e um livro, “O Tempo entre Costuras”,<br />
quase sem tempo agora, nem para autógrafos. E tudo numa dúzia e tal <strong>de</strong> meses, um fenómeno.<br />
menos importante do que as pessoas <strong>de</strong>la, contada a quente, entre Tetuán, Madrid<br />
Livros<br />
Maria Dueñas é uma estreante<br />
na ficção: até escrever “O Tempo<br />
entre Costuras” e se<br />
transformar num sucesso<br />
transatlãntico (mais <strong>de</strong> meio<br />
milhão <strong>de</strong> livros vendidos em<br />
20 países e 12 línguas<br />
diferentes), era apenas uma<br />
filóloga da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Múrcia<br />
24 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Até há um ano e picos, Maria Dueñas<br />
era só uma filóloga da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Múrcia, virada para os livros dos<br />
outros. Foi em 2009. Agora tem milhares<br />
<strong>de</strong> pessoas viradas para o livro<br />
<strong>de</strong>la, uma história <strong>de</strong> aventuras e <strong>de</strong>sventuras<br />
e um fenómeno <strong>de</strong> vendas<br />
que gosta <strong>de</strong> ver como um golpe da<br />
“sorte”.<br />
“O Tempo entre Costuras” (Porto<br />
Editora), que obrigou a novíssima<br />
escritora espanhola a uma roda-viva<br />
<strong>de</strong> sessões <strong>de</strong> lançamento dos dois<br />
lados do Atlântico – uma <strong>de</strong>las há dias<br />
em <strong>Lisboa</strong>, quando conversou connosco<br />
–, é o reencontro com Tetuán,<br />
a antiga capital do Marrocos Espanhol,<br />
nome tão frequente nas conversas<br />
da família como esquecido nas<br />
memórias do seu país. Daí a i<strong>de</strong>ia.<br />
“Para mim ouvir o nome da cida<strong>de</strong><br />
era uma coisa natural. Mas a seguir<br />
<strong>de</strong>i-me conta <strong>de</strong> que para o resto das<br />
pessoas não era tão comum. Uma parte<br />
da nossa história está muito esquecida”,<br />
diz, sem ar <strong>de</strong> queixa, porque<br />
o que quis foi resgatar uma cida<strong>de</strong><br />
“on<strong>de</strong>, a meias com os militares, borbulhava<br />
também uma socieda<strong>de</strong> como<br />
qualquer outra”. Resultado: um<br />
“boom” <strong>de</strong> vendas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que uma<br />
editora (a Temas <strong>de</strong> Hoy) imprimiu<br />
timidamente uns 3.500 exemplares,<br />
para ver o que dava. O que <strong>de</strong>u já vai<br />
em mais <strong>de</strong> meio milhão <strong>de</strong> livros vendidos<br />
em 20 países e 12 traduções, e<br />
fez a autora <strong>de</strong>ixar por instantes a aca<strong>de</strong>mia<br />
e os livros dos outros.<br />
“Prefiro pensar que tudo isto foi<br />
um golpe <strong>de</strong> sorte”, diz, a sorrir, confrontada<br />
com o facto <strong>de</strong> estar a beliscar<br />
tiragens como as <strong>de</strong> Pérez-Reverte,<br />
que o “El País” consi<strong>de</strong>rou o escritor<br />
mais completo da língua<br />
castelhana.<br />
Um saltinho à história, que na edição<br />
portuguesa tem 628 páginas. Sira<br />
cresce num bairro pobre <strong>de</strong> Madrid,<br />
a costurar, a alinhavar, a pespontar,<br />
entre linhas, botões, e pachorrentos<br />
gatos ao sol, pois ainda não se ouve<br />
Primo <strong>de</strong> Rivera nem chegou 1936. Um<br />
dia troca um rapaz generoso por outro<br />
<strong>de</strong> brilhantina, que a <strong>de</strong>ixa, em Marrocos,<br />
abandonada, roubada e cravada<br />
<strong>de</strong> dívidas. E com um bebé que não<br />
nascerá. Refaz a vida em Tetuán, on<strong>de</strong><br />
se torna uma estilista <strong>de</strong> referência<br />
e amiga da inglesa Rosalinda,<br />
que a convence a voltar à capital<br />
espanhola e a espiar para os serviços<br />
secretos britânicos – acabara<br />
a guerra civil e começava a<br />
mundial, e era preciso evitar<br />
que a Espanha se voltasse para<br />
Hitler, a quem Franco, como<br />
se sabe, <strong>de</strong>via favores. A aventura<br />
também passa pelo antigo<br />
Hotel do Parque, no Estoril,<br />
nesse tempo cheio <strong>de</strong><br />
gente <strong>de</strong> gabardinas <strong>de</strong> golas<br />
levantadas. No fim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
escapar a um atentado congeminado<br />
por um português, o<br />
Silva, amigo do volfrâmio da<br />
Panasqueira e dos alemães, e <strong>de</strong>
Maria Dueñas<br />
, escrito por uma fi lóloga, Maria Dueñas,<br />
. Uma história on<strong>de</strong> a História é muito<br />
e o Estoril. Fernando Sousa<br />
provar o bacalhau à Brás, casa com<br />
um espião a sério, Marcus.<br />
Mulheres maiores<br />
num mundo menor<br />
Assim resumida, a obra parece uma<br />
ficção entre colchetes e Mata Haris,<br />
uma marroquinaria com incursões<br />
na política. Mas não: é uma história<br />
<strong>de</strong> pessoas à margem da História,<br />
uma história <strong>de</strong> sobrevivências, no<br />
feminino, no pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> duas<br />
guerras, servida por uma escrita vinda<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, sem mol<strong>de</strong>s, sem momentos<br />
lassos, sem engasgos, sem<br />
toleimas <strong>de</strong> estilo, e, é preciso dizer,<br />
sem rendilhados, que escorre e que<br />
se cola aos olhos.<br />
“As personagens vivem num momento<br />
histórico e num mundo tão<br />
hostil, tão duro, tão difícil, que têm <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolver entre eles uma certa empatia<br />
para po<strong>de</strong>rem ultrapassar essas<br />
condições; para po<strong>de</strong>rem sobreviver.<br />
E por isso vão-se apoiando umas às<br />
outras”, explica Maria Dueñas.<br />
“Para mim, ouvir<br />
o nome da cida<strong>de</strong><br />
[Tetuán, a antiga<br />
capital do Marrocos<br />
espanhol] era uma<br />
coisa natural.<br />
Mas <strong>de</strong>i-me conta<br />
<strong>de</strong> que para o resto<br />
das pessoas não era<br />
tão comum. Uma<br />
parte da nossa<br />
história está muito<br />
esquecida”<br />
Quer dizer, tudo o que se passa à<br />
volta é um “cenário”, um pano <strong>de</strong><br />
fundo <strong>de</strong> cinzas e Guernicas que <strong>de</strong>ixa<br />
em <strong>de</strong>staque o branco dos jaiques<br />
das mulheres, a alma colorida <strong>de</strong> Can<strong>de</strong>laria,<br />
a matrona da pensão <strong>de</strong> Tetuán,<br />
a alegria, o riso, o porte sedutor<br />
do monte <strong>de</strong> ossos que é Rosalinda,<br />
a amante <strong>de</strong> Juan Luis Beigbe<strong>de</strong>r, o<br />
alto-comissário do Protectorado que<br />
mais tar<strong>de</strong> se tornará uma das vítimas<br />
<strong>de</strong> Serrano Suñer, o Cunhadísimo do<br />
Generalíssimo, figuras menores, muito<br />
menores, <strong>de</strong> uma epopeia que levou<br />
“uns quatro meses a imaginar,<br />
um ano a escrever e mais uns meses,<br />
à procura <strong>de</strong> fios soltos, a burilar”.<br />
Como uma modista da prosa, não?<br />
Maria Dueñas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma blusa<br />
<strong>de</strong> gaze cinzenta, ri-se. “Mais ou menos.<br />
Sim, cosi, fiz pespontos, essas<br />
coisas. Mas o que fiz mais foi seguir<br />
as minhas vozes interiores, os meus<br />
palpites”.<br />
Não estamos portanto diante <strong>de</strong> um<br />
pretensão ensaística nem <strong>de</strong> uma trama<br />
complexa <strong>de</strong> interesses inconfessados.<br />
“Não sei nada <strong>de</strong> costura, tão<br />
presente aqui. Nunca pretendi escrever<br />
sobre História, porque não sou<br />
especialista. Nem sequer sobre espionagem,<br />
teria <strong>de</strong> me ter preparado <strong>de</strong><br />
outra maneira”. A única preocupação<br />
que teve foi que o cenário não esmagasse<br />
nem os sons nem os actores.<br />
Ouve-se Tetuán, o muezin a dizer o<br />
fayer, a oração da manhã; vêem-se<br />
mouras <strong>de</strong> jaiques e <strong>de</strong> babuchas, e<br />
mouros <strong>de</strong> cafetãs, as damas da elite<br />
estrangeira, ladys e Fraus, <strong>de</strong> veludos,<br />
chifons e organzas; sente-se o cheiro<br />
a suor e a açafrão dos bazares, o Nina<br />
Ricci das senhoras, o aroma do chá <strong>de</strong><br />
hortelã; quase trincamos os pinchitos<br />
e o tajine <strong>de</strong> borrego. Nenhum acontecimento<br />
político, nem a guerra na<br />
península, nem os roncos <strong>de</strong> canhões,<br />
nem mesmo o chato do comissário<br />
Claúdio Vásquez, bulem com a serena<br />
luta da inocente Sira ou com os expedientes<br />
da amiga Can<strong>de</strong>laria.<br />
Pressente-se até um certo ambiente<br />
<strong>de</strong> Casablanca, embora pareça que “só<br />
os jornalistas dão por isso”.<br />
“O que essencialmente procurei foi<br />
manter o equilíbrio, <strong>de</strong> maneira que<br />
a História não fosse até ao fim um lastro,<br />
uma coisa pesada, que não entorpecesse<br />
a ficção”, diz.<br />
Por tudo isto, “O Tempo entre Costuras”<br />
tornou-se um livro tão lido por<br />
mulheres como por homens. Por elas,<br />
pela força que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> das protagonistas,<br />
<strong>de</strong>terminadas; por eles,<br />
porque “gostam <strong>de</strong> entrar no mundo<br />
das mulheres, por coisas que não conhecem;<br />
abre-se-lhes uma janela, por<br />
exemplo sobre o que elas pensam e<br />
como se relacionam entre si”.<br />
E também pelos seus, agora, pares<br />
da literatura castelhana, como Reverte,<br />
um criador <strong>de</strong> heroínas [“A Rainha<br />
do Sul”, entre outros], que lhe mandou<br />
uma “tarjeta” <strong>de</strong> parabéns e fala do<br />
livro aos amigos e aos jornalistas, ou<br />
Matil<strong>de</strong> Asensi, a novelista <strong>de</strong> Alicante;<br />
e ainda pela crítica, que continua a<br />
esten<strong>de</strong>r-lhe tapetes vermelhos, vá<br />
on<strong>de</strong> vá, em Madrid, em Bogotá, no<br />
México, em São Paulo.<br />
O que vai ser da filóloga, da académica,<br />
natural da Mancha, como Dom<br />
Quixote? “Continuar a escrever. Pedi<br />
dois anos <strong>de</strong> licença na universida<strong>de</strong>.”<br />
Escrever o quê? “Propuseram-me que<br />
escrevesse uma segunda parte. Mas<br />
não, não vou fazer isso. Até porque os<br />
anos que se seguiram foram muito<br />
aborrecidos. Vai ser uma coisa totalmente<br />
diferente, uma ficção com distintos<br />
momentos das relações entre a<br />
Espanha e os Estados Unidos, outra<br />
área muito <strong>de</strong>sconhecida. Mas com<br />
menos História.”<br />
E em casa, a família <strong>de</strong>ixa-a escrever<br />
em sossego? “[Ri-se] Ai, não!... A<br />
Bárbara e o Jaime!... Mamã, <strong>de</strong>ixa esse<br />
livro e anda connosco…”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 25
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
Seduz-nos em discurso directo através<br />
da forma como o sentimos pensar tudo<br />
o que diz. Fala pausadamente com<br />
cada i<strong>de</strong>ia a quebrar silêncios <strong>de</strong> forma<br />
eficaz.<br />
Eduardo Sacheri (Buenos Aires,<br />
1967) é um céptico que ainda se incomoda<br />
com a atenção que lhe tem sido<br />
<strong>de</strong>dicada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que há pouco mais<br />
<strong>de</strong> um ano “O segredo dos seus olhos”<br />
se transformou num sucesso <strong>de</strong> vendas<br />
por causa da adaptação ao cinema<br />
do seu primeiro romance. O filme<br />
<strong>de</strong> Juan José Campanella, Óscar <strong>de</strong><br />
melhor filme estrangeiro <strong>de</strong>ste ano,<br />
para o qual Eduardo escreveu o argumento,<br />
mudou a vida <strong>de</strong> um antigo<br />
funcionário judicial e actual professor<br />
<strong>de</strong> história que nos tempos livres se<br />
<strong>de</strong>dicava sobretudo a escrever contos<br />
sobre o futebol.<br />
“O meu romance teve duas vidas.<br />
Uma discreta quando o livro saiu há<br />
cinco anos e uma muito mais intensa<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o filme se estreou. Ser professor<br />
dá-me um contacto duro com<br />
a realida<strong>de</strong>. Tenho duas profissões<br />
aparentemente <strong>de</strong>stinadas ao fracasso,<br />
a docência e a literatura. Embora<br />
ambas se guiem por uma procura da<br />
verda<strong>de</strong> e da beleza, algo em que vale<br />
a pena acreditar. Sem esquecer o<br />
tempo que trabalhei na justiça, estou<br />
<strong>de</strong>stinado e tenho tendência para me<br />
<strong>de</strong>dicar a causas perdidas.”<br />
Se calhar não é assim. Eduardo Sacheri<br />
viu o filme que também escreveu<br />
mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z vezes. Entretanto, o<br />
26 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
As duas vidas<br />
<strong>de</strong> um romance<br />
Por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> um bom fi lme está normalmente um bom livro?<br />
Se pensarmos em “O segredo dos seus olhos” a resposta é sim. Conversa com Eduardo<br />
Sacheri um segredo da literatura argentina a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> o ser. Rui Lagartinho<br />
segredo alastrava-se tornando-se no<br />
segundo filme mais visto na história<br />
do cinema argentino. “Escrever e ler<br />
são actos solitários. Foi um milagre<br />
ver as pessoas receberem algo <strong>de</strong><br />
mim. Escutar o riso, sentir a emoção<br />
e os sobressaltos dos espectadores,<br />
mergulhar no silêncio opressivo ou<br />
exclamações <strong>de</strong> espanto nos momentos<br />
tensos. Foi como estar no ombro<br />
do leitor no momento <strong>de</strong> ver a história.<br />
Foi uma aventura que me mobilizou<br />
em direcção ao <strong>de</strong>sconhecido.<br />
O meu esforço foi que as personagens<br />
fossem respeitadas. Ao passá-las para<br />
o cinema aprendi a conhecê-los melhor,<br />
<strong>de</strong> outra forma.”<br />
Arrumar a memória<br />
Utilizar o cinema e a literatura como<br />
purga <strong>de</strong> uma ditadura é prática comum<br />
e a Argentina fez o trabalho <strong>de</strong><br />
casa com a ditadura em que mergulhou<br />
entre os anos <strong>de</strong> 1976 e 1983.<br />
Eduardo Sacheri trouxe com o seu<br />
romance a discussão para a semente<br />
do mal: “Tinha sete anos em 1974 e<br />
recordo-me <strong>de</strong> um país <strong>de</strong> gente crispada,<br />
<strong>de</strong> gente sempre a gritar e on<strong>de</strong><br />
se sentia a intolerância nos actos <strong>de</strong><br />
todos os dias. Foi este o terreno fértil<br />
que permitiu o triunfo da ditadura. A<br />
<strong>de</strong>mocracia cobriu este período com<br />
um manto <strong>de</strong> silêncio. Que só agora<br />
se começa a <strong>de</strong>stapar. Mas eu não quis<br />
escrever um romance histórico sobre<br />
esta época, nem um romance <strong>de</strong> tese<br />
com um olhar abstracto a pairar sobre<br />
a socieda<strong>de</strong> da época. Tentei que a<br />
<strong>de</strong>scoberta se fizesse <strong>de</strong> cima para<br />
baixo. As histórias pessoais permitem<br />
uma maior verosimilhança.”<br />
Todo o livro gira em torno <strong>de</strong>ste<br />
arrumar da memória pessoal. No seu<br />
coração está um homem. Benjamin<br />
Chaparro escreve um livro que vai<br />
encerrar a investigação sobre um crime.<br />
Deixou a justiça on<strong>de</strong> trabalhou<br />
como oficial <strong>de</strong> diligências, vai estrear-se<br />
na ficção. A verda<strong>de</strong> aí exposta<br />
funcionará como uma última peça <strong>de</strong><br />
um puzzle que se encaixa e que permitirá<br />
virar páginas <strong>de</strong> vida. Arrumase<br />
a casa, <strong>de</strong>scansa-se a consciência,<br />
transferem-se responsabilida<strong>de</strong>s:<br />
“Chaparro interroga-se se as vidas dos<br />
seres humanos, uma vez extintas, não<br />
se prolongarão na vida dos outros,<br />
dos que ainda vivem e relembram.”<br />
(página 303).<br />
Percebe-se que este escritor protagonista<br />
recebeu uma procuração clara<br />
do outro que o inventou na sombra:<br />
“Há uma mobilização interior e<br />
uma aprendizagem que lhe vai abrindo<br />
o futuro. É para isso que serve a<br />
memória: a memória do que nos suce<strong>de</strong>u<br />
po<strong>de</strong> ser como uma pedra ou<br />
uma rocha que nos esmaga. Mas se<br />
formos capazes <strong>de</strong> a domesticar, <strong>de</strong><br />
a dominar, po<strong>de</strong> ser uma pedra sobre<br />
a qual no sentamos e pensamos em<br />
que direcção seguir.”<br />
Afastam-se os fantasmas do romance<br />
que simplesmente autopsia a história<br />
recente. Evitam-se as armadilhas<br />
“Ser professor<br />
dá-me um contacto<br />
duro com a realida<strong>de</strong>.<br />
Tenho duas profissões<br />
aparentemente<br />
<strong>de</strong>stinadas ao<br />
fracasso, a docência<br />
e a literatura”<br />
do policial embora seja um crime não<br />
explicado a acendalha do romance,<br />
a tela momentos antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ser branca: “Trabalhei cinco anos<br />
num juízo criminal. Não escrevi um<br />
romance policial clássico. A meio do<br />
livro já se sabe quem foi o assassino,<br />
como cometeu o crime. Já confessou,<br />
está preso. O enredo policial acaba<br />
aí. Mas é então que entra a Argentina:<br />
os nossos turbulentos anos 70 que<br />
levam a que o assassino seja libertado.<br />
Segue-se a tragédia <strong>de</strong> quem confiou<br />
na justiça e resolve vingar-se lentamente<br />
e com isso chego on<strong>de</strong> queria<br />
chegar: a uma enorme reflexão sobre<br />
o castigo.”<br />
Entretanto já nos colámos à pele<br />
do <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> Sandoval, colega <strong>de</strong><br />
Livros<br />
“O segredo<br />
dos seus<br />
olhos”, filme<br />
para o qual<br />
Eduardo<br />
escreveu o<br />
argumento,<br />
mudou a vida<br />
<strong>de</strong> um exfuncionário<br />
judicial e<br />
actual<br />
professor <strong>de</strong><br />
história que<br />
nos tempos<br />
livres se<br />
<strong>de</strong>dicava a<br />
escrever<br />
contos sobre<br />
futebol<br />
Benjamin Chaparro, que bebe para<br />
tudo esquecer: “Agora apareciam menos<br />
cadáveres nos <strong>de</strong>scampados. Evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
os assassinos tinham<br />
aperfeiçoado o seu estilo.” (pá. 224).<br />
Eduardo Sacheri misturou o bobo e<br />
um coro trágico numa só personagem:<br />
“Sandoval é um homem muito<br />
sensível e intuitivo. O álcool é um escape<br />
à percepção da dor. Não tolera<br />
a sua própria clarividência. Para ele<br />
é claro que a Argentina caminha para<br />
um túnel <strong>de</strong> trevas e <strong>de</strong> morte. Não<br />
como algo cíclico mas como uma crescente<br />
obscurida<strong>de</strong>. Sandoval percebe<br />
que faltam poucos centímetros para<br />
entrar no túnel.”<br />
Aqui chegados apetece respirar fundo.<br />
Vamos conseguir porque há um<br />
segredo que se transporta em arco<br />
por cima <strong>de</strong> tudo o que é policial e<br />
político e aparece fresco, renovado,<br />
no final do livro. Faz correr um Benjamín<br />
Chaparro que julgávamos<br />
exausto: “Avança a traços largos pelo<br />
corredor <strong>de</strong> ladrilhos brancos e pretos<br />
dispostos em losango. Pela primeira<br />
vez sabe que hoje sim, sem falta e sem<br />
<strong>de</strong>mora, tem <strong>de</strong> ir bater-lhe à porta<br />
do gabinete; ouvir a voz <strong>de</strong>la a dizerlhe<br />
que entre.” (pág. 307).<br />
É um segredo que não se vai <strong>de</strong>svendar,<br />
o pulmão ver<strong>de</strong> do romance:<br />
“Um dia <strong>de</strong>scobri que Chaparro tinha<br />
<strong>de</strong> estar apaixonado. É uma luz que<br />
o vai iluminando gradualmente. A luz<br />
ao fundo do túnel, os olhos que procuram<br />
o futuro noutros olhos.”
Lucia Riff Os <strong>de</strong>safi os <strong>de</strong> u<br />
Transferência <strong>de</strong> autores, leilões<br />
para a compra e venda <strong>de</strong> direitos,<br />
negociações para “e-books” e ainda<br />
o acordo ortográfi co.<br />
A brasileira Lucia Riff conta-nos<br />
como é o seu trabalho.<br />
Isabel Coutinho, em Frankfurt<br />
Pense em Rubem Fonseca, Carlos<br />
Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Lygia Fagun<strong>de</strong>s<br />
Telles, Adélia Prado, Zuenir Ventura,<br />
Erico e o seu filho, Luis Fernando<br />
Veríssimo, Ariano Suassuana, Rachel<br />
<strong>de</strong> Queiroz, Lya Luft e Mário<br />
Quintana. E saiba que as suas obras<br />
estão nas mãos <strong>de</strong> Lucia Riff, a principal<br />
agente literária brasileira, com<br />
uma agência com mais <strong>de</strong> 15 anos sediada<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que divi<strong>de</strong><br />
agora com os filhos, Laura e João Paulo,<br />
e representa 55 autores brasileiros<br />
ou seus her<strong>de</strong>iros.<br />
Foi entre reuniões, na agitação frenética<br />
do Literary Agents & Scouts<br />
Centre (LitAg), o espaço on<strong>de</strong> os agentes<br />
literários e os editores <strong>de</strong> todo o<br />
mundo se encontram para conversar<br />
e negociar, que Lucia Riff conversou<br />
com o Ípsilon, na Feira do Livro <strong>de</strong><br />
Frankfurt. Pousados em cima da mesa<br />
estão o novo Tony Bellotto, “No<br />
Buraco”, comprado pela editora Quetzal;<br />
e também “Método prático da<br />
guerrilha”, <strong>de</strong> Marcelo Ferroni (primeiro<br />
romance do editor da Alfaguara<br />
brasileira), adquirido pela Dom<br />
Quixote. Não parece, mas “exportar<br />
autores brasileiros sempre foi difícil<br />
e vai continuar sendo”, confessa Lucia<br />
Riff. Mesmo com o Brasil a ser país<br />
convidado da Feira do Livro <strong>de</strong><br />
Frankfurt em 2013? “Vai melhorar.<br />
Mas, mais do que ter vários livros vendidos<br />
[cerca <strong>de</strong> 2000 exemplares,<br />
com adiantamentos pequenos], precisamos<br />
é <strong>de</strong> um sucesso.”<br />
A Agência Riff negoceia para Portugal<br />
autores brasileiros e também<br />
estrangeiros. “Boa parte dos nossos<br />
clientes representamos apenas para<br />
o Brasil. Mas 30 por cento da nossa<br />
lista é para a língua portuguesa. Esses<br />
negociamos com as editoras portuguesas”,<br />
explica a agente, que representa<br />
Margarida Rebelo Pinto e Leonor<br />
Xavier. “Já fizemos outras vendas<br />
<strong>de</strong> autores portugueses, mas são pontuais.<br />
Quando eu represento um autor<br />
brasileiro, represento-o no mundo<br />
todo e ainda para cinema, teatro, publicida<strong>de</strong><br />
e palestras.”<br />
Acordo à vista<br />
Como vai ser agora por causa do<br />
novo acordo ortográfico? “Não vai<br />
mudar nada. Há muitos anos era comum<br />
que as editoras - portuguesas<br />
ou brasileiras - comprassem direitos<br />
para toda a língua portuguesa. Acontecia<br />
mais no Brasil. Exportavam-se<br />
100, 200 livros para Portugal, ou viceversa,<br />
e acabava. O livro não viajava<br />
mais do que algumas centenas <strong>de</strong><br />
exemplares através <strong>de</strong> um distribui-<br />
28 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
dor qualquer”. Depois o mercado foise<br />
profissionalizando. No início da<br />
Agência Riff, Lucia só não fazia mais<br />
vendas para toda a língua portuguesa<br />
porque as suas representações eram<br />
só para o Brasil. “Até que <strong>de</strong>i conta<br />
que isso era um erro gravíssimo. O<br />
editor brasileiro não estava ven<strong>de</strong>ndo<br />
absolutamente nada em Portugal. Nós<br />
estávamos matando o mercado, matando<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o livro ser<br />
mais bem explorado e vice-versa. Em<br />
Portugal estavam fazendo o mesmo,<br />
matando livros que po<strong>de</strong>riam estar<br />
saindo no Brasil.” Então ficou <strong>de</strong>finido:<br />
“Se vendo para o Brasil, é para<br />
uma editora brasileira que vai imprimir<br />
e ven<strong>de</strong>r lá. Para Portugal, a mesma<br />
coisa. O acordo ortográfico po<strong>de</strong><br />
ter <strong>de</strong>finido on<strong>de</strong> é que entram ou<br />
saem os acentos - nunca mais vou saber<br />
escrever português! [risos] -, mas<br />
a maneira <strong>de</strong> escrever, vocabulário,<br />
sensibilida<strong>de</strong>, isso você não transfere<br />
por nenhum acordo ortográfico.”<br />
Aponta para o policial <strong>de</strong> Tony<br />
Bellotto, em cima da mesa, e diz que,<br />
se no livro existirem palavras que têm<br />
um sentido completamente diferente<br />
em Portugal, o editor português vai<br />
ter <strong>de</strong> acrescentar notas <strong>de</strong> rodapé.<br />
“Tem palavras que vocês usam que<br />
significam outras coisas para nós. Nisso<br />
o acordo não interfere. Quanto ao<br />
mercado editorial, não me parece que<br />
venha a ser afectado.”<br />
Agente por acaso<br />
Ser agente literária aconteceu a Lucia<br />
Riff por acaso. Psicóloga, recém-formada,<br />
com duas crianças pequenas,<br />
conheceu através <strong>de</strong> um amigo comum,<br />
o filho <strong>de</strong> Clarice Lispector, a<br />
famosa agente literária Carmen Balcells.<br />
A catalã procurava alguém para<br />
a ajudar na agência que tinha aberto<br />
no Brasil com uma sócia. Pedia só que<br />
essa pessoa tivesse paixão pelos livros<br />
e bom inglês. Apesar <strong>de</strong> não saber<br />
nada sobre o negócio editorial, Lucia<br />
aventurou-se. “Ela disse-me que<br />
apren<strong>de</strong>r o ofício era fácil e quando<br />
comecei foi amor à primeira vista.<br />
Adorei o trabalho <strong>de</strong> agente - negociar,<br />
conversar, saber tudo com antecedência!”,<br />
conta. Depois <strong>de</strong>ssa primeira<br />
experiência, foi contratada<br />
pela editora Nova Fronteira, on<strong>de</strong> ficou<br />
muitos anos, e esteve também na<br />
editora José Olympio, on<strong>de</strong> integrava<br />
a equipa encarregada do Dicionário<br />
Houaiss. No final <strong>de</strong> 1989, Carmen<br />
Balcells telefonou-lhe <strong>de</strong> novo. Tinha<br />
rompido com a sócia brasileira e queria<br />
fechar a agência no Brasil. “Foi<br />
nesse processo que acabei formando<br />
GABRIEL ANDRADE
uma agente literária<br />
Lucia Riff tornou-se agente<br />
literária por acaso, como<br />
colaboradora da mítica<br />
Carmen Balcells<br />
Livros<br />
a minha agência. Em 1990, um ano<br />
brasileiro <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo, do plano<br />
Collor, com uma inflação louca, trabalhei<br />
para a Carmen fechando o negócio<br />
<strong>de</strong>la.” Des<strong>de</strong> o início que a espanhola<br />
foi muito clara e lhe disse:<br />
“Lucia, fecha tudo e manda o que resta<br />
para Barcelona. Ou, se você quiser,<br />
me apresenta uma proposta para continuar<br />
no Brasil. Mas aí será a sua<br />
agência.”<br />
Chegaram a um mo<strong>de</strong>lo, que na<br />
altura acharam ser o certo, e foram<br />
sócias durante mais <strong>de</strong> uma década<br />
na nova agência <strong>de</strong> Riff. Quando Carmen<br />
Balcells se aposentou da agência<br />
em Barcelona, em 2003, os filhos <strong>de</strong><br />
Lucia Riff, ambos advogados, já trabalhavam<br />
com a mãe e Lucia pediulhe<br />
para ela lhe ven<strong>de</strong>r a quota <strong>de</strong>la<br />
(um terço) para passar a ter uma socieda<strong>de</strong><br />
com os filhos. “Nunca consegui<br />
ser pequena porque comecei já<br />
herdando todo um passado, que não<br />
me rendia absolutamente nada, mas<br />
que eu tinha <strong>de</strong> carregar.”<br />
No ano passado, a Agência Riff esteve<br />
envolvida nas transferências do<br />
escritor Rubem Fonseca, da Companhia<br />
das Letras para a Agir, e da escritora<br />
Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles, da Rocco<br />
para a Companhia das Letras. “No<br />
Brasil, por sorte os contratos não são<br />
como os ingleses: terminam. Quando<br />
isso acontece, é o momento <strong>de</strong> as pessoas<br />
avaliarem. No caso da Lígia, foi<br />
bem isso. Era um contrato longo com<br />
a Rocco, que chegou a ser renovado,<br />
e havia um relacionamento bom. Mas<br />
ela estava querendo mudar. É um direito<br />
do autor, como é do editor, não<br />
querer renovar. O facto <strong>de</strong> um autor<br />
sair <strong>de</strong> uma editora só significa que,<br />
naquele momento, estão buscando<br />
coisas diferentes. São momentos muito<br />
duros para mim e <strong>de</strong> muito sofrimento.<br />
É muito duro você chegar<br />
para um editor e dizer que não vamos<br />
renovar o contrato.”<br />
No caso do Rubem Fonseca, houve<br />
primeiro um comunicado da Companhia<br />
das Letras a dizer que o autor<br />
estava a sair da editora por razões que<br />
nunca foram explicadas publicamente.<br />
“A seguir, houve um leilão e essa<br />
foi para mim a parte mais complicada.”<br />
Nem sempre os leilões <strong>de</strong> direitos<br />
autorais se resumem a ver quem dá<br />
mais. Existem outras maneiras <strong>de</strong> negociar<br />
e esse foi o caso <strong>de</strong> Rubem Fonseca.<br />
As propostas que estavam na<br />
mesa tiveram <strong>de</strong> ser analisadas “como<br />
um todo” e isso incluiu não só a avaliação<br />
da editora mas também <strong>de</strong> todo<br />
o trabalho que ela se propunha fazer<br />
com o autor. “Não foi o caso, mas po-<br />
“O acordo ortográfico<br />
po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>finido<br />
on<strong>de</strong> é que entram<br />
ou saem os acentos,<br />
mas a maneira <strong>de</strong><br />
escrever, vocabulário,<br />
sensibilida<strong>de</strong>, isso<br />
você não transfere<br />
por nenhum acordo<br />
ortográfico”<br />
dia até ganhar uma oferta menor. Você<br />
não está negociando um ‘best-seller’,<br />
um Dan Brown que daqui a três<br />
ninguém vai saber quem é. Está a negociar<br />
o catálogo <strong>de</strong> Rubem Fonseca,<br />
que daqui a 50 anos, ou para sempre,<br />
todo o mundo vai saber quem é.”<br />
Do papel para o digital<br />
Quando em 2009 foi publicado no<br />
Brasil o último romance <strong>de</strong> Rubem<br />
Fonseca, “O Seminarista”, a editora<br />
Agir também colocou à venda a versão<br />
digital. Quando um agente faz um<br />
contrato <strong>de</strong> um livro novo, estrangeiro<br />
ou brasileiro, inclui também os<br />
direitos para a versão digital da obra,<br />
a não ser que a editora não tenha o<br />
menor interesse em ter um programa<br />
<strong>de</strong> “e-books”.<br />
Enquanto a percentagem <strong>de</strong> direitos<br />
<strong>de</strong> autor pagos no livro impresso<br />
é <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento para cima, no caso<br />
do “e-book” houve um acordo geral<br />
no mercado, e ficou estabelecido que<br />
nos próximos dois anos (2011/2012)<br />
se paga 25 por cento da receita líquida<br />
do editor. “É uma espécie <strong>de</strong> trégua,<br />
sendo possível que <strong>de</strong>pois aumente<br />
para 30 ou até chegue aos 50<br />
por cento (meta<strong>de</strong> para o autor e meta<strong>de</strong><br />
para a editora). Neste momento<br />
as vendas são muito pequenas e a <strong>de</strong>spesa<br />
inicial para o editor é muito alta.<br />
Tem <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o sistema, preparar,<br />
comprar os programas. É caro isso,<br />
não é pegar no PDF do livro e jogar<br />
na Internet.”<br />
Alguns autores têm publicado obras<br />
em formato digital em editoras diferentes<br />
daquelas em que publicam os<br />
livros em papel. Lucia Riff acha que<br />
é preciso analisar caso a caso. E dá o<br />
exemplo: “Você está numa editora<br />
que te está trabalhando muito bem,<br />
contrato válido, pagamentos em dia,<br />
e essa editora monta um programa<br />
<strong>de</strong> ‘e-book’. Você pega teu livro e bota<br />
na mão <strong>de</strong> um concorrente? Uma<br />
editora <strong>de</strong> ‘e-books’ que não tem catálogo<br />
nenhum, não tem ‘backlist’,<br />
não tem nenhum compromisso com<br />
você, não fez nada teu, só porque ele<br />
te vai dar uma comissão um pouco<br />
maior?”<br />
Por experiência, a agente literária<br />
sabe que neste negócio tem <strong>de</strong> se pensar<br />
a longo prazo e com calma. Avaliar<br />
as coisas com serenida<strong>de</strong>. “Se não vira<br />
uma selva. Eu não quero trabalhar<br />
num mercado em que você possa usar<br />
a palavra carnificina levianamente”,<br />
conclui Lucia Riff.<br />
O agente literário tem <strong>de</strong> proteger<br />
o autor até contra ele mesmo, se for<br />
o caso.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 29
Arquitectura<br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
Sou Fujimoto<br />
é um<br />
entusiasta<br />
das formas<br />
primitivas da<br />
arquitectura,<br />
mas também<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos<br />
projectos <strong>de</strong><br />
Le Corbusier,<br />
como a Villa<br />
Savoye, e das<br />
catedrais<br />
góticas<br />
O arquitecto está aqui para nos falar<br />
da floresta.<br />
À frente <strong>de</strong>le esten<strong>de</strong>-se o caos –<br />
bom, um certo caos. Na sala do Museu<br />
do Oriente não param <strong>de</strong> entrar pessoas<br />
transportando <strong>de</strong>baixo dos braços<br />
ca<strong>de</strong>iras dobradas, que <strong>de</strong>pois<br />
abrem e tentam encaixar nos poucos<br />
espaços livres. Alguns ajeitam-se,<br />
chegam-se para o lado para arranjar<br />
lugar para os recém-chegados, outros<br />
simplesmente já <strong>de</strong>sistiram e ficam<br />
encostados à pare<strong>de</strong>.<br />
Sou Fujimoto, o arquitecto japonês,<br />
elegantíssimo na sua camisa negra,<br />
tem um ar impassível. No entanto,<br />
muito discretamente, parece transparecer<br />
no seu rosto uma certa estupefacção<br />
pelo entusiasmo que a sua<br />
conferência está a gerar em Portugal<br />
(on<strong>de</strong> esteve no dia 22 <strong>de</strong> Outubro,<br />
para a inauguração da exposição “Novas<br />
Tendências da Arquitectura na<br />
Europa e Ásia-Pacífico 2008/2010”,<br />
no Museu do Oriente).<br />
É preciso esperar ainda algum tempo<br />
para que a assistência consiga ocupar<br />
o espaço <strong>de</strong> uma forma mais ou<br />
menos razoável (muitos não conseguirão<br />
entrar na sala) e se acalme para<br />
ouvir Fujimoto. O arquitecto está,<br />
provavelmente, a achar a experiência<br />
interessante, porque correspon<strong>de</strong><br />
exactamente ao que ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>. “Po<strong>de</strong><br />
ser excitante misturar coisas muito<br />
or<strong>de</strong>nadas e algum caos. O comportamento<br />
natural das pessoas é<br />
caótico e eu gosto <strong>de</strong> enfatizar isso”,<br />
há-<strong>de</strong> explicar mais tar<strong>de</strong> ao Ípsilon.<br />
Fujimoto gosta <strong>de</strong> falar das “possibilida<strong>de</strong>s<br />
da floresta como arquitectura”.<br />
E gosta <strong>de</strong> comparar o espaço<br />
construído pelo homem ao “ninho”<br />
– pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conforto, pela<br />
adaptação do meio que nos ro<strong>de</strong>ia às<br />
nossas necessida<strong>de</strong>s. Mas o que ele<br />
propõe é diferente: é um “regresso à<br />
caverna”. Aí, ao contrário do ninho,<br />
não é o espaço que se adapta às necessida<strong>de</strong>s<br />
dos homens, mas o contrário.<br />
A caverna, diz Sou Fujimoto,<br />
“inspira p as ppessoas a comportarem-se<br />
p<br />
com maior liberda<strong>de</strong>.”<br />
E, para nos explicar exactamente<br />
o que quer dizer – um conceito que<br />
baptizou como “futuro primitivo” –<br />
conduz-nos até à “caverna”. Ele chamou-lhe<br />
Woo<strong>de</strong>n House e o que temos<br />
é uma construção feita com blocos<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> 35 centímetros,<br />
que “entram” para o espaço interior<br />
da casa, sobre a qual há um telhado<br />
<strong>de</strong> vidro. Na prática as pessoas têm<br />
que se encaixar entre estes blocos,<br />
sendo que nenhum <strong>de</strong>les tem uma<br />
função específica, e assim uns po<strong>de</strong>m<br />
ser usados como <strong>de</strong>graus, outros como<br />
mesas, outros para nos <strong>de</strong>itarmos<br />
ou para nos pormos <strong>de</strong> pé e espreitarmos<br />
o céu. Sem funções pré-<strong>de</strong>finidas,<br />
acredita Fujimoto, as pessoas<br />
tornam-se mais criativas.<br />
“O ninho é um espaço bem preparado<br />
para as pessoas. A caverna é um<br />
espaço não preparado para as pessoas,<br />
mas no qual gradualmente vamos<br />
encontrando o nosso local confortável<br />
para nos sentarmos, vamos <strong>de</strong>scobrindo<br />
as possibilida<strong>de</strong>s do espaço.”<br />
Acha que as pessoas hoje lidam<br />
com o espaço <strong>de</strong> uma forma muito<br />
limitada? “É isso exactamente. De<br />
certa forma a arquitectura muito preocupada<br />
com a função limita os usos<br />
e os comportamentos. Eu gosto <strong>de</strong><br />
libertar esse potencial das pessoas.”<br />
O futuro primitivo<br />
As primeiras experiências <strong>de</strong> Sou Fujimoto<br />
são completamente conceptu-<br />
“Não quero negar<br />
a história<br />
da arquitectura.<br />
O que gosto é <strong>de</strong> voltar<br />
atrás para<br />
compreen<strong>de</strong>r como<br />
é que as coisas<br />
se passavam.<br />
Não <strong>de</strong>fendo<br />
o regresso à natureza<br />
ou à montanha,<br />
mas seria agradável<br />
recuperar algumas<br />
sensações que<br />
se per<strong>de</strong>ram”<br />
ais. Uma maqueta da sua Primitive<br />
Future House mostra uma espécie <strong>de</strong><br />
nuvem difusa <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus, com pequenas<br />
figurinhas que os vão ocupando<br />
da forma que lhes apetece. A Woo<strong>de</strong>n<br />
House aproxima-se mais <strong>de</strong> um espaço<br />
habitável mas não chega a ser um.<br />
E, no entanto, a arquitectura <strong>de</strong> Fujimoto<br />
é habitável.<br />
É ainda a floresta que o leva a pensar<br />
na relação entre o interior e o exterior<br />
dos espaços que habitamos.<br />
“Nasci em Hokkaido [a segunda<br />
maior ilha do arquipélago japonês],<br />
on<strong>de</strong> faz muito frio lá fora e <strong>de</strong>ntro<br />
das casas está quente. Quando mu<strong>de</strong>i<br />
para Tóquio encontrei uma cida<strong>de</strong><br />
em que as casas são muito pequenas<br />
Os habitantes da Woo<strong>de</strong>n House têm que se encaixar<br />
entre os blocos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira - como estes não têm função<br />
<strong>de</strong>finida, po<strong>de</strong>m ser o que cada um quiser<br />
Sou Fujimoto,<br />
o arquitecto<br />
O fu futuro, diz Sou Fujimoto, é <strong>de</strong> novo a caverna: seríamos mais c<br />
e um u quarto é um quarto. Ainda po<strong>de</strong>mos recuperar o tempo p<br />
n
A Biblioteca Universitária <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em<br />
Tóquio: uma floresta, para que os utilizadores se<br />
possam per<strong>de</strong>r<br />
e as ruas muito estranhas, o que cria<br />
uma continuida<strong>de</strong> interessante entre<br />
o interior e o exterior. De certa forma<br />
estamos protegidos”, explica na conferência.<br />
Diz muitas vezes que esse<br />
carácter orgânico <strong>de</strong> Tóquio, em que<br />
a rua parece um prolongamento da<br />
casa, lhe serviu <strong>de</strong> inspiração. “No<br />
fundo, penso que a sensação <strong>de</strong> brincar<br />
na floresta é muito semelhante à<br />
sensação <strong>de</strong> viver em Tóquio”, explicou<br />
numa entrevista à ArteCapital em<br />
2009.<br />
Foi essa sensação que o inspirou a<br />
criar a House N, uma casa em Oita<br />
feita <strong>de</strong> “três caixas, uma caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>,<br />
uma média e uma pequena – caixa<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa”.<br />
Criam-se assim diferentes espaços <strong>de</strong><br />
privacida<strong>de</strong> – maior na caixa pequena<br />
e menor nas outras. A “caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>”<br />
é uma estrutura com aberturas<br />
rectangulares em cima e nos lados<br />
que “cobre” o resto da casa, <strong>de</strong>ixando<br />
entrar o exterior, mas não completamente.<br />
“Não é só um objecto<br />
sólido no meio <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. É uma<br />
casa que às vezes inclui o céu, às vezes<br />
inclui os vizinhos.”<br />
As aberturas rectangulares fazem<br />
lembrar os espaços vazios <strong>de</strong>ixados<br />
on<strong>de</strong> antes tinham estado janelas nas<br />
fachadas <strong>de</strong> edifícios em ruínas. “Gosto<br />
<strong>de</strong> ruínas”, diz Fujimoto. “São geralmente<br />
o fim da arquitectura. Mas<br />
se quisermos [como na House N] po<strong>de</strong>m<br />
ser também o princípio.”<br />
Fujimoto aplicou o mesmo conceito<br />
<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> fronteiras claras na<br />
House Before House, um projecto<br />
construído na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utsunomiya,<br />
no qual os espaços interiores e exteriores,<br />
ligados entre si por escadas,<br />
se confun<strong>de</strong>m, com árvores e pequenos<br />
pedaços <strong>de</strong> terreno a surgirem<br />
no meio da estrutura <strong>de</strong> espaços interiores.<br />
Havia, contudo, alguma curiosida<strong>de</strong><br />
sobre como é que estas i<strong>de</strong>ias sobre<br />
a relação entre os corpos e o espaço<br />
se iriam traduzir quando Fujimoto<br />
se visse confrontado com um<br />
projecto <strong>de</strong> maiores dimensões. A<br />
sua visão acaba <strong>de</strong> ser testada com a<br />
recém-terminada Biblioteca Universitária<br />
<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em Tóquio.<br />
Com o número <strong>de</strong> estudantes<br />
universitários em queda no Japão <strong>de</strong>vido<br />
ao envelhecimento da população<br />
e às elevadas propinas, explica a<br />
“Architectural Review”, as universida<strong>de</strong>s<br />
tentam <strong>de</strong> várias formas atrair<br />
estudantes. Criar uma biblioteca com<br />
uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong>ssa<br />
estratégia. Foi aberto um concurso e<br />
Fujimoto fez a sua proposta – uma<br />
floresta <strong>de</strong> livros.<br />
O edifício é inteiramente dominado<br />
por enormes prateleiras, criando<br />
uma sensação <strong>de</strong> floresta, e, segundo<br />
explicou o arquitecto, dando às pessoas<br />
a sensação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m vaguear<br />
pelo espaço e, eventualmente,<br />
per<strong>de</strong>r-se nele. Mas, explica a “Architectural<br />
Review”, a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong><br />
Fujimoto teve <strong>de</strong> ser adaptada a algumas<br />
exigências <strong>de</strong> uso – uma necessida<strong>de</strong><br />
que não perturbou o arquitecto,<br />
que terá percebido as críticas<br />
dos que diziam que o carácter mais<br />
caótico do seu <strong>de</strong>senho inicial tornava<br />
o sistema numérico <strong>de</strong> classificação<br />
dos livros uma confusão, levando<br />
muitos estudiosos a per<strong>de</strong>rem-se verda<strong>de</strong>iramente.<br />
E por muito que Fujimoto queira<br />
introduzir alguns elementos <strong>de</strong> caos,<br />
não quer que a sua arquitectura-floresta<br />
se torne um labirinto do qual as<br />
pessoas não consigam sair. O que ele<br />
procura é que as pessoas recuperem<br />
uma relação mais intuitiva entre o<br />
corpo e o espaço. Algo que, acredita,<br />
se terá perdido ao longo dos tempos.<br />
Quando exactamente? A partir do<br />
momento em que o homem começou<br />
a construir espaços para habitar?<br />
Em todas as épocas houve diferentes<br />
formas <strong>de</strong> viver os espaços construídos,<br />
diz. “Parece que falo <strong>de</strong> Le<br />
Corbusier como um inimigo”, ri Fujimoto,<br />
“mas ele, ao mesmo tempo<br />
que falava da arquitectura funcionalista<br />
fazia também uma arquitectura<br />
com maior abertura <strong>de</strong> espírito. Gosto<br />
muito da Villa Savoye, por exemplo.<br />
Claro que é funcionalista, mas ao<br />
mesmo tempo <strong>de</strong>ixa as pessoas livres<br />
para encontrarem o seu espaço escondido<br />
e as funções da casa. Tem<br />
um potencial <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>.”<br />
Tal como outro tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />
<strong>de</strong> que Fujimoto gosta particularmente:<br />
a das catedrais góticas. “São<br />
espaços muito fortes. Numa catedral<br />
gótica há várias escalas <strong>de</strong> espaço diferentes.<br />
Os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s espaços são dominantes,<br />
claro, mas <strong>de</strong>pois há espaços<br />
laterais, com escalas mais pequenas,<br />
a zona do claustro... parece<br />
caótico mas é um espaço com diferentes<br />
qualida<strong>de</strong>s.”<br />
Sou Fujimoto não é dogmático. Não<br />
diz que o racionalismo e o funcionalismo<br />
nos fizeram per<strong>de</strong>r coisas. “Per-<br />
<strong>de</strong>mos algumas, mas ganhámos também.<br />
Não quero negar a história da<br />
arquitectura. É muito importante,<br />
essas camadas da história – umas vezes<br />
per<strong>de</strong>mos, outras transformamos.<br />
O que eu gosto é <strong>de</strong> voltar atrás para<br />
compreen<strong>de</strong>r como é que as coisas<br />
se passavam há muito tempo.”<br />
Não se pense que é um arquitecto<br />
que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-arquitectura. Nada<br />
disso. “Não <strong>de</strong>fendo o regresso à natureza<br />
ou à montanha, mas acho que<br />
seria agradável recuperar algumas<br />
sensações que se per<strong>de</strong>ram nesta socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea.”<br />
É isto o “futuro primitivo”.<br />
que constrói fl orestas<br />
s criativos se não estivéssemos limitados por esta arquitectura em que uma cozinha é uma cozinha<br />
perdido, e reconstruir uma relação intuitiva com o espaço. É isso que ele tem andado a fazer<br />
no Japão. Alexandra Prado Coelho<br />
IWAN BAAN<br />
IWAN BAAN<br />
A House N, em Oita, “é uma casa que às vezes inclui o<br />
céu, às vezes inclui os vizinhos”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 31
A Biblioteca Universitária <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em<br />
Tóquio: uma floresta, para que os utilizadores se<br />
possam per<strong>de</strong>r<br />
e as ruas muito estranhas, o que cria<br />
uma continuida<strong>de</strong> interessante entre<br />
o interior e o exterior. De certa forma<br />
estamos protegidos”, explica na conferência.<br />
Diz muitas vezes que esse<br />
carácter orgânico <strong>de</strong> Tóquio, em que<br />
a rua parece um prolongamento da<br />
casa, lhe serviu <strong>de</strong> inspiração. “No<br />
fundo, penso que a sensação <strong>de</strong> brincar<br />
na floresta é muito semelhante à<br />
sensação <strong>de</strong> viver em Tóquio”, explicou<br />
numa entrevista à ArteCapital em<br />
2009.<br />
Foi essa sensação que o inspirou a<br />
criar a House N, uma casa em Oita<br />
feita <strong>de</strong> “três caixas, uma caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>,<br />
uma média e uma pequena – caixa<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa”.<br />
Criam-se assim diferentes espaços <strong>de</strong><br />
privacida<strong>de</strong> – maior na caixa pequena<br />
e menor nas outras. A “caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>”<br />
é uma estrutura com aberturas<br />
rectangulares em cima e nos lados<br />
que “cobre” o resto da casa, <strong>de</strong>ixando<br />
entrar o exterior, mas não completamente.<br />
“Não é só um objecto<br />
sólido no meio <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. É uma<br />
casa que às vezes inclui o céu, às vezes<br />
inclui os vizinhos.”<br />
As aberturas rectangulares fazem<br />
lembrar os espaços vazios <strong>de</strong>ixados<br />
on<strong>de</strong> antes tinham estado janelas nas<br />
fachadas <strong>de</strong> edifícios em ruínas. “Gosto<br />
<strong>de</strong> ruínas”, diz Fujimoto. “São geralmente<br />
o fim da arquitectura. Mas<br />
se quisermos [como na House N] po<strong>de</strong>m<br />
ser também o princípio.”<br />
Fujimoto aplicou o mesmo conceito<br />
<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> fronteiras claras na<br />
House Before House, um projecto<br />
construído na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utsunomiya,<br />
no qual os espaços interiores e exteriores,<br />
ligados entre si por escadas,<br />
se confun<strong>de</strong>m, com árvores e pequenos<br />
pedaços <strong>de</strong> terreno a surgirem<br />
no meio da estrutura <strong>de</strong> espaços interiores.<br />
Havia, contudo, alguma curiosida<strong>de</strong><br />
sobre como é que estas i<strong>de</strong>ias sobre<br />
a relação entre os corpos e o espaço<br />
se iriam traduzir quando Fujimoto<br />
se visse confrontado com um<br />
projecto <strong>de</strong> maiores dimensões. A<br />
sua visão acaba <strong>de</strong> ser testada com a<br />
recém-terminada Biblioteca Universitária<br />
<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em Tóquio.<br />
Com o número <strong>de</strong> estudantes<br />
universitários em queda no Japão <strong>de</strong>vido<br />
ao envelhecimento da população<br />
e às elevadas propinas, explica a<br />
“Architectural Review”, as universida<strong>de</strong>s<br />
tentam <strong>de</strong> várias formas atrair<br />
estudantes. Criar uma biblioteca com<br />
uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong>ssa<br />
estratégia. Foi aberto um concurso e<br />
Fujimoto fez a sua proposta – uma<br />
floresta <strong>de</strong> livros.<br />
O edifício é inteiramente dominado<br />
por enormes prateleiras, criando<br />
uma sensação <strong>de</strong> floresta, e, segundo<br />
explicou o arquitecto, dando às pessoas<br />
a sensação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m vaguear<br />
pelo espaço e, eventualmente,<br />
per<strong>de</strong>r-se nele. Mas, explica a “Architectural<br />
Review”, a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong><br />
Fujimoto teve <strong>de</strong> ser adaptada a algumas<br />
exigências <strong>de</strong> uso – uma necessida<strong>de</strong><br />
que não perturbou o arquitecto,<br />
que terá percebido as críticas<br />
dos que diziam que o carácter mais<br />
caótico do seu <strong>de</strong>senho inicial tornava<br />
o sistema numérico <strong>de</strong> classificação<br />
dos livros uma confusão, levando<br />
muitos estudiosos a per<strong>de</strong>rem-se verda<strong>de</strong>iramente.<br />
E por muito que Fujimoto queira<br />
introduzir alguns elementos <strong>de</strong> caos,<br />
não quer que a sua arquitectura-floresta<br />
se torne um labirinto do qual as<br />
pessoas não consigam sair. O que ele<br />
procura é que as pessoas recuperem<br />
uma relação mais intuitiva entre o<br />
corpo e o espaço. Algo que, acredita,<br />
se terá perdido ao longo dos tempos.<br />
Quando exactamente? A partir do<br />
momento em que o homem começou<br />
a construir espaços para habitar?<br />
Em todas as épocas houve diferentes<br />
formas <strong>de</strong> viver os espaços construídos,<br />
diz. “Parece que falo <strong>de</strong> Le<br />
Corbusier como um inimigo”, ri Fujimoto,<br />
“mas ele, ao mesmo tempo<br />
que falava da arquitectura funcionalista<br />
fazia também uma arquitectura<br />
com maior abertura <strong>de</strong> espírito. Gosto<br />
muito da Villa Savoye, por exemplo.<br />
Claro que é funcionalista, mas ao<br />
mesmo tempo <strong>de</strong>ixa as pessoas livres<br />
para encontrarem o seu espaço escondido<br />
e as funções da casa. Tem<br />
um potencial <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>.”<br />
Tal como outro tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />
<strong>de</strong> que Fujimoto gosta particularmente:<br />
a das catedrais góticas. “São<br />
espaços muito fortes. Numa catedral<br />
gótica há várias escalas <strong>de</strong> espaço diferentes.<br />
Os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s espaços são dominantes,<br />
claro, mas <strong>de</strong>pois há espaços<br />
laterais, com escalas mais pequenas,<br />
a zona do claustro... parece<br />
caótico mas é um espaço com diferentes<br />
qualida<strong>de</strong>s.”<br />
Sou Fujimoto não é dogmático. Não<br />
diz que o racionalismo e o funcionalismo<br />
nos fizeram per<strong>de</strong>r coisas. “Per-<br />
<strong>de</strong>mos algumas, mas ganhámos também.<br />
Não quero negar a história da<br />
arquitectura. É muito importante,<br />
essas camadas da história – umas vezes<br />
per<strong>de</strong>mos, outras transformamos.<br />
O que eu gosto é <strong>de</strong> voltar atrás para<br />
compreen<strong>de</strong>r como é que as coisas<br />
se passavam há muito tempo.”<br />
Não se pense que é um arquitecto<br />
que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-arquitectura. Nada<br />
disso. “Não <strong>de</strong>fendo o regresso à natureza<br />
ou à montanha, mas acho que<br />
seria agradável recuperar algumas<br />
sensações que se per<strong>de</strong>ram nesta socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea.”<br />
É isto o “futuro primitivo”.<br />
que constrói fl orestas<br />
s criativos se não estivéssemos limitados por esta arquitectura em que uma cozinha é uma cozinha<br />
perdido, e reconstruir uma relação intuitiva com o espaço. É isso que ele tem andado a fazer<br />
no Japão. Alexandra Prado Coelho<br />
IWAN BAAN<br />
IWAN BAAN<br />
A House N, em Oita, “é uma casa que às vezes inclui o<br />
céu, às vezes inclui os vizinhos”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 31
Teatro<br />
O tempo<br />
que o tempo tem<br />
Clara<br />
An<strong>de</strong>rmatt e<br />
Marco Martins<br />
foram buscar<br />
os intérpretes<br />
à dança e ao<br />
teatro: aqui<br />
não se sabe<br />
bem on<strong>de</strong><br />
acaba um e<br />
começa o<br />
outro<br />
Clara An<strong>de</strong>rmatt, coreógrafa, e Marco Martins, cineasta e encenador,<br />
fi zeram do tempo a matéria-prima <strong>de</strong> uma aventura coreográfi ca e teatral, “Durações<br />
<strong>de</strong> um Minuto”, que se estreia hoje no São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>. Até 28 <strong>de</strong> Novembro, eles<br />
<strong>de</strong>scobrem, juntos, o que po<strong>de</strong>m fazer enquanto esperam. Tiago Bartolomeu Costa<br />
No princípio era o tempo, como na<br />
lengalenga infantil em que o tempo<br />
pergunta ao tempo quanto tempo o<br />
tempo tem. O que o tempo lhe respon<strong>de</strong><br />
é uma forma <strong>de</strong> nos perguntarmos<br />
o que fazemos com ele, e<br />
aquilo a que se propuseram Clara An<strong>de</strong>rmatt,<br />
coreógrafa, e Marco Martins,<br />
cineasta e encenador, respon<strong>de</strong>ndo<br />
ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> Jorge Salavisa,<br />
na altura director artístico do São<br />
Luiz – Teatro <strong>Municipal</strong>, para criarem<br />
uma peça a dois. Chamaram-lhe “Durações<br />
<strong>de</strong> Um Minuto” não porque<br />
seja sobre o tempo, mas porque (e<br />
dizer isto não é dizer tudo) é sobre<br />
nós.<br />
Não se conheciam, apesar <strong>de</strong> Marco<br />
já ter seguido Clara. Já se tinha interessado<br />
por aquele corpo, aquela<br />
forma “particular” <strong>de</strong> movimento que<br />
nela se traduz por uma manipulação<br />
<strong>de</strong>sconcertante dos modos <strong>de</strong> existir<br />
num espaço. Numa das cenas <strong>de</strong> “Ali-<br />
33 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
ce”, o filme que o revelou, Nuno Lopes,<br />
o pai que per<strong>de</strong>u a filha, segue<br />
uma mãe que leva uma criança pelo<br />
braço. Essa mãe é Clara. Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
seguir alguém está nesta peça, mas<br />
Clara não está em palco, nem Marco<br />
a segue. Agora estão lado a lado, testando<br />
as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um no outro, procurando<br />
“ajustar-se a essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
trabalhar em conjunto”. “É mais fácil,<br />
não sei se é mais fácil”, diz Clara. “Ficas<br />
a pensar no que disseste e tens<br />
que saber <strong>de</strong>fendê-lo”, contrapõe<br />
Marco.<br />
A peça partiu <strong>de</strong> um dado geofísico,<br />
não isento <strong>de</strong> polémica: por efeito do<br />
terramoto que em Fevereiro abalou<br />
o Chile, o eixo da Terra <strong>de</strong>slocou-se<br />
e, por isso, os dias ficaram 1,26 microssegundos<br />
mais pequenos. Já tinha<br />
acontecido antes: estudos indicam<br />
que o terramoto que provocou o tsunami<br />
<strong>de</strong> 2004 no Su<strong>de</strong>ste Asiático<br />
diminuiu os dias em 2,62 microsse-<br />
gundos. Mas o que é isso em, digamos,<br />
tempo real?<br />
Para os dois autores, foi a oportunida<strong>de</strong><br />
para relançar questões sobre<br />
o nosso comportamento em socieda<strong>de</strong>:<br />
sobre o modo como nos relacionamos<br />
com o outro, como o nosso<br />
corpo é afectado, como reagimos à<br />
sua presença, como é que saímos daqui.<br />
O que apresentam a partir <strong>de</strong><br />
hoje, e até 28 <strong>de</strong> Novembro, no São<br />
Luiz não é necessariamente um mo<strong>de</strong>lo<br />
social, mas aproxima-se <strong>de</strong> uma<br />
hipótese <strong>de</strong> representação da socieda<strong>de</strong>.<br />
“Não tivemos qualquer intenção<br />
<strong>de</strong> caracterizar ou <strong>de</strong>finir este<br />
ambiente, e as pessoas que nele vivem”,<br />
nota Clara. “Pelo contrário, o<br />
nosso trabalho foi retirar e limpar referências”,<br />
acrescenta Marco.<br />
Criada <strong>de</strong> raiz – “era muito mais fácil<br />
se não fosse assim”, confirmam os<br />
dois –, a peça parte <strong>de</strong> textos já publicados<br />
ou inéditos, e escritos proposi-<br />
“Durações <strong>de</strong> Um<br />
Minuto” parte <strong>de</strong><br />
um dado geofísico:<br />
por efeito do<br />
terramoto <strong>de</strong><br />
Fevereiro no Chile,<br />
os dias ficaram<br />
1,26 microssegundos<br />
mais pequenos<br />
tadamente, por Gonçalo M. Tavares,<br />
um dos autores <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> Marco<br />
Martins. “Tínhamos em vista quatro<br />
ou cinco nomes, mas, <strong>de</strong>pois, tornouse<br />
evi<strong>de</strong>nte que seriam do Gonçalo as<br />
palavras a caber aqui”. Reconhecemos<br />
nos diálogos o “pessimismo antropológico<br />
e cultural” que caracteriza a<br />
escrita <strong>de</strong> Tavares, conforme sublinhava<br />
Pedro Mexia na última edição do<br />
Ípsilon (29 Outubro). “A brutalida<strong>de</strong><br />
dos acontecimentos do século XX exige,<br />
a qualquer escritor, um pessimismo<br />
antropológico firme. É uma responsabilida<strong>de</strong><br />
moral e literária”, explicava<br />
o escritor nessa entrevista. “O<br />
espaço da literatura po<strong>de</strong> ser tudo e<br />
mais alguma coisa, mas antes <strong>de</strong> mais<br />
é um espaço <strong>de</strong> vigilância à distância,<br />
<strong>de</strong> uma atenção constante. É um pouco<br />
como estar a repetir constantemente:<br />
atenção!, não te esqueças do século<br />
XX, não te esqueças do século XX”,<br />
acrescentava ainda.<br />
PEDRO CUNHA
34 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Quem conhecer os textos <strong>de</strong> Gonçalo<br />
M. Tavares saberá que não vai<br />
encontrar em “Durações <strong>de</strong> Um Minuto”<br />
uma narrativa, mas percursos<br />
narrativos. O autor escreveu no programa<br />
que seria possível imaginar<br />
“uma pessoa colocada diante do espelho,<br />
com um cronómetro ao seu<br />
lado, a observar o seu rosto, <strong>de</strong> minuto<br />
a minuto, tentando testemunhar as<br />
suas próprias alterações intelectuais.<br />
Po<strong>de</strong>remos, levando o absurdo até ao<br />
fim, pensar em alguém que abandonasse<br />
por completo a vida e as suas<br />
experiências, e que canalizasse toda<br />
a sua energia para a observação do<br />
processo no qual ela se torna uma<br />
pessoa mais inteligente. Ou, então,<br />
alguém que acompanha a leitura <strong>de</strong><br />
um livro <strong>de</strong>nso dirigindo-se, <strong>de</strong> hora<br />
a hora, ao espelho para confirmar a<br />
boa evolução da sua inteligência”.<br />
Uma caverna intemporal<br />
Os textos <strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares configuram<br />
uma espécie <strong>de</strong> terreno-padrão<br />
que permite o cruzamento, e<br />
não a justaposição, dos universos <strong>de</strong><br />
Marco Martins e <strong>de</strong> Clara An<strong>de</strong>rmatt.<br />
Ele a criar paisagens on<strong>de</strong> a errância<br />
parece ser um estado mental, ela a<br />
buscar na ligação ao chão uma forma<br />
<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o lugar do indivíduo. Um<br />
e outro apostados em criar um território<br />
partilhável, que sugira em vez<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar e que pergunte não<br />
apenas que futuro há mas como é que<br />
chegámos aqui.<br />
Neste território, é difícil dizer on<strong>de</strong><br />
acaba a dança e começa o teatro. Marco<br />
e Clara “evitaram o retalho”. Preocupou-os<br />
encontrar um olhar conjunto<br />
que não fosse menos do que o<br />
olhar individual, “mas o modo como<br />
as coisas foram apareceram não foi<br />
premeditada”, explica Marco. “Foi<br />
instintiva”, acrescenta Clara. “Improvisámos<br />
imenso”, continua a coreógrafa,<br />
“e as coisas foram encontrando<br />
o seu lugar”.<br />
“Durações <strong>de</strong> Um Minuto” é um<br />
percurso no tempo <strong>de</strong> vários corpos<br />
<strong>de</strong>slocados que se encontram, por<br />
acaso ou premeditação, no mesmo<br />
espaço, ao mesmo tempo, durante<br />
um período in<strong>de</strong>terminado. Os dois<br />
criadores escolheram um elenco <strong>de</strong><br />
“intérpretes-criativos” que pu<strong>de</strong>ssem<br />
“respon<strong>de</strong>r, até, a dúvidas” <strong>de</strong>les. Pelo<br />
palco do São Luiz, transformado<br />
numa alegórica caverna intemporal,<br />
passam bailarinos (Sam Louwyck, São<br />
Castro e a dupla Vítor Roriz e Sofia<br />
Dias, aqui para algo completamente<br />
diferente daquilo a que nos habituaram:<br />
um movimento mais interno,<br />
mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do outro), actores<br />
(Ivo Canelas, Romeu Costa, Nuno Lopes<br />
e Carla Maciel) e as figuras etéreas,<br />
observadoras experientes, <strong>de</strong> Luna<br />
An<strong>de</strong>rmatt, mãe <strong>de</strong> Clara e figura<br />
tutelar da dança portuguesa, e Ana<br />
Diaz, que, tendo atravessado <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
parte do século XX, tem um percurso<br />
<strong>de</strong> resistência à guerra.<br />
Cruzam-se aqui também outros<br />
cúmplices, <strong>de</strong> parte a parte. João Lucas,<br />
do lado <strong>de</strong> Clara, responsável por<br />
um <strong>de</strong>senho sonoro que reestrutura<br />
os fragmentos narrativos. Artur Pinheiro,<br />
do lado <strong>de</strong> Marco, a assinar<br />
uma espantosa cenografia que explora<br />
a estrutura interior do palco do São<br />
Luiz, forrando uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> colunas<br />
sonoras que Lucas potencia, e<br />
“que se funcionassem todas provocavam<br />
cá um barulho”, diz uma das<br />
personagens. E há ainda o <strong>de</strong>senho<br />
<strong>de</strong> luz <strong>de</strong> Nuno Meira, insistindo nos<br />
castanhos, como se fossem uma recorrência<br />
(ou uma coincidência) das<br />
peças <strong>de</strong> teatro que partem do universo<br />
<strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares (“Sobreviver”,<br />
encenação <strong>de</strong> Lúcia Sigalho,<br />
São Luiz, 2006; “Jerusalém”, encenação<br />
<strong>de</strong> João Brites, Centro Cultural <strong>de</strong><br />
Belém, 2008).<br />
Os corpos <strong>de</strong> “Durações <strong>de</strong> Um<br />
Minuto” reagem fisicamente,<br />
como se a <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> energia<br />
fosse o antídoto para a<br />
sobrevivência<br />
Os textos <strong>de</strong> Gonçalo<br />
M. Tavares permitem<br />
o cruzamento dos<br />
universos <strong>de</strong> Marco<br />
Martins e <strong>de</strong> Clara<br />
An<strong>de</strong>rmatt, ele a criar<br />
paisagens on<strong>de</strong><br />
a errância parece<br />
ser um estado mental,<br />
ela a buscar na<br />
ligação ao chão uma<br />
forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />
o lugar do indivíduo<br />
Dentro da caverna, as personagens<br />
que sobreviveram ao “processo <strong>de</strong><br />
limpeza que se foi fazendo ao longo<br />
do trabalho”. Chamam-se Luna e Ana,<br />
como Luna An<strong>de</strong>rmatt e Ana Diaz, e,<br />
embora cheguem mesmo a usar a sua<br />
própria história, não são criaturas<br />
autobiográficas. Mas ver Luna An<strong>de</strong>rmatt<br />
explicar, autobiograficamente,<br />
como dançou “Pássaro <strong>de</strong> Fogo”, <strong>de</strong><br />
Mikhail Fokin, e dizer que há duas<br />
coisas que ama na vida, “a arte e o<br />
sangue”, e que, por elas, “<strong>de</strong>itava os<br />
‘grands jetés’ [passo do bailado clássico]<br />
para trás e não para a frente”, é<br />
mágico.<br />
Por terminar<br />
Há uma velocida<strong>de</strong> na peça que surge<br />
da urgência do movimento <strong>de</strong><br />
Clara An<strong>de</strong>rmatt, da construção elíptica<br />
das palavras <strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares<br />
e do modo como Marco Martins<br />
fixa os corpos, sem espaço e<br />
materialida<strong>de</strong>. São vectores fundamentais<br />
para uma peça que se constrói<br />
a partir <strong>de</strong> dados, <strong>de</strong> datas, <strong>de</strong><br />
factos, <strong>de</strong> acções que caracterizam<br />
as personagens – “que as materializam”,<br />
diz Marco.<br />
Surgem datas como se fossem argumentos<br />
<strong>de</strong>finitivos, e memórias<br />
que servem <strong>de</strong> alerta. Há momentos<br />
nos quais os corpos caem numa letargia,<br />
como se materializassem a<br />
errância, e outros em que reagem<br />
intuitivamente, quase sempre fisicamente,<br />
como se a <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> energia<br />
fosse o antídoto para a sobrevivência.<br />
Há momentos em que o tempo<br />
os controla, como quando uma<br />
voz inicia uma contagem <strong>de</strong>crescente<br />
que parece cavar ainda mais fundo<br />
no interior daquela caverna. “Estão<br />
presos ali, uns aos outros”, <strong>de</strong>screvem<br />
os dois encenadores. E, nesse<br />
reconhecimento, a evidência leva<br />
“supostamente” à or<strong>de</strong>m, figurada<br />
num círculo que os coloca em posições<br />
iguais.<br />
Presos, manietados, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
uns dos outros (e do modo como, individualmente,<br />
vão escolher “sobreviver”),<br />
são personagens que os dois<br />
autores não dão por terminadas. “Todos<br />
os dias <strong>de</strong>scobrimos outras camadas<br />
para algo que achávamos já conhecer”,<br />
admitem.<br />
E é por isso que também os encenadores<br />
estão presos àqueles corpos,<br />
procurando encontrar formas <strong>de</strong> organização<br />
que <strong>de</strong>ixem abertas possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> interpretação. Tal como<br />
o tempo, também eles, quando tiveram<br />
<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r quanto tempo o<br />
tempo tinha, respon<strong>de</strong>ram ao tempo<br />
que o tempo tem tanto tempo quanto<br />
tempo o tempo tem.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos na pág. 45<br />
e segs.<br />
PEDRO CUNHA
www.casino-lisboa.pt<br />
David Fray<br />
Um rapaz-prodígio<br />
na Gulbenkian.<br />
Pág. 39<br />
Denis Johnson<br />
Todos os fantasmas<br />
da América num livro.<br />
Pág. 46<br />
Leonard Cohen<br />
Ao vivo num disco,<br />
para memória futura.<br />
Pág. 40<br />
“A Re<strong>de</strong> Social”<br />
Tudo (ou nada) sobre<br />
o Facebook.<br />
Pág. 50<br />
Vampire Weekend<br />
Uma jukebox infalível ao vivo em <strong>Lisboa</strong> e no Porto, na semana <strong>de</strong> todos os concertos. Pág. 36<br />
2010<br />
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Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt<br />
36 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Pop<br />
A jukebox<br />
infalível<br />
dos Vampire<br />
Weekend<br />
Depois dos festivais, a banda<br />
britânica chega fi nalmente a<br />
Portugal em nome próprio.<br />
Mário Lopes<br />
Vampire Weekend<br />
<strong>Lisboa</strong>. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />
Pequeno. 4ª, 10, às 21h. Tel.: 217820575. 24€ a 35€.<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 5ª, 11, às 21h.<br />
Tel.: 223394947. 25€ a 35€<br />
Chegados a este ponto, a conversa<br />
que agitou a imprensa “cámone”<br />
entre a estreia homónima e “Contra”,<br />
o segundo álbum dos Vampire<br />
Weekend, é tema profundamente<br />
<strong>de</strong>sinteressante. Relembre-se: os<br />
Vampire Weekend foram acusados <strong>de</strong><br />
serem “betinhos” <strong>de</strong> famílias<br />
privilegiadas que nunca po<strong>de</strong>riam ter<br />
impolutas cre<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>pendência punk – terá Joe<br />
Strummer, o filho <strong>de</strong> diplomata que<br />
fundou os Clash, ouvido do mesmo?<br />
Foram acusados, <strong>de</strong>pois disso, <strong>de</strong> não<br />
passarem <strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntais a pilhar<br />
<strong>de</strong>scaradamente música africana <strong>de</strong><br />
olhos postos no pérfido lucro que os<br />
“pobres” africanos pilhados nunca<br />
conseguiram obter – algo a que os<br />
“pobres” africanos que os Vampire<br />
Weekend conheceram ao longo dos<br />
anos foram respon<strong>de</strong>ndo com o<br />
elogio à música híbrida da<br />
“ladroagem”.<br />
Abordar tal temática, hoje ou<br />
ontem, é profundamente<br />
<strong>de</strong>sinteressante e diz-nos mais sobre<br />
os preconceitos do lado acusador do<br />
que sobre a música dos Vampire<br />
Weekend. E essa, como não<br />
conseguimos comprovar no Optimus<br />
Alive <strong>de</strong> 2008, quando a tenda on<strong>de</strong><br />
tocaram sobrelotou, e como<br />
comprovámos no Super Bock Super<br />
Rock no Meco em Julho último, não<br />
está para per<strong>de</strong>r tempo com<br />
“mesquinhices”.<br />
Os Vampire Weekend encontraram<br />
um ponto <strong>de</strong> equilíbrio que irradia<br />
alegria, euforia e celebração à sua<br />
volta. Mestres no cruzamento das<br />
histórias da pop, reinventam a roda<br />
com riffs ondulantes que saltitam<br />
entre Áfricas adaptadas <strong>de</strong> Paul<br />
Simon e Talking Heads, em “flirts”<br />
com o ska (apenas o estritamente<br />
recomendável), com a reciclagem <strong>de</strong><br />
Feelies ou Devo coberta <strong>de</strong><br />
orquestrações <strong>de</strong> salão sumptuoso ou<br />
<strong>de</strong> sintetizadores gingões. O<br />
resultado, a que é obrigatório juntar<br />
as letras repletas <strong>de</strong> referências<br />
inesperadas (recuperam orchatas<br />
SOREN SOLKAER STARBIRD<br />
antigas ou imaginam um Soweto no<br />
Upper West Si<strong>de</strong> nova-iorquino), tem<br />
uma luci<strong>de</strong>z musical <strong>de</strong>sarmante e<br />
uma energia cristalina, saltitante,<br />
irresistível.<br />
Há uns meses, no Super Bock<br />
Super Rock, foram uma máquina <strong>de</strong><br />
dança admirável, qual jukebox tão<br />
recheada <strong>de</strong> “hits” que nenhuma<br />
outra opção nos <strong>de</strong>ixava além do<br />
ofertar <strong>de</strong> moedas e mais moedas<br />
imaginárias à ranhura para que a<br />
música não parasse. Depois do<br />
festival e quando o Verão já se foi, os<br />
Vampire Weekend regressam para,<br />
pela primeira vez, tocar em Portugal<br />
como nome exclusivo do cartaz. Três<br />
meses são muito tempo. Bem-vindo<br />
reencontro - quarta-feira, no Campo<br />
Pequeno, no dia seguinte no Coliseu<br />
do Porto. Bem-vinda jukebox, das<br />
melhores com que fomos agraciados<br />
em tempos recentes.<br />
O baixo como<br />
intenção<br />
Os !!! trazem o novo álbum,<br />
“Strange Weather, Isn’t It?”,<br />
a <strong>Lisboa</strong> e Porto. Melhor<br />
nem no ginásio. Pedro Rios s<br />
!!!<br />
10 anos os<br />
<strong>de</strong> ZDB B<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -<br />
Armazém A. 3ª, 9, às 22h. Tel.: 218820890. 25€.<br />
Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira,<br />
108. 4ª, 10, às 21h30. Tel.: 222003595. 25€.<br />
“Jamie, My Intentions Are Bass”. O<br />
recado para Jamie, metido no título<br />
<strong>de</strong> uma canção <strong>de</strong> “Strange Weather, r,<br />
Isn’t It?”, o novo e quarto álbum dos s<br />
!!!, serve para todos os que se<br />
<strong>de</strong>slocarem na terça-feira ao Lux, em m<br />
<strong>Lisboa</strong>, e no dia seguinte ao Teatro Sá á<br />
Não N<br />
vem<br />
com com laç laço,<br />
mas é o<br />
maior prese presente<br />
<strong>de</strong> aniversá<br />
aniversário<br />
da ZDB: meses me<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter estado eem<br />
Aveiro, no Festival Curvo,<br />
a apresentar o último<br />
álbum, Scout Niblett<br />
está <strong>de</strong> volta a Portugal,<br />
agora para festejar os<br />
<strong>de</strong>z anos da Zé dos Bois.<br />
É já logo à noite, às 22h, e<br />
além <strong>de</strong>la também há Sun<br />
Araw (ex-Pocahaunted<br />
e Magic Lantern),<br />
da Ban<strong>de</strong>ira, no Porto: as intenções<br />
dos californianos são claras, perigosas<br />
e resumem-se na palavra “groove”.<br />
Para armar a festa, convocam<br />
linhas <strong>de</strong> baixo <strong>de</strong>vedoras do punk<br />
funk como as ESG e os Liquid Liquid<br />
o ensinaram, vozes femininas<br />
sacadas ao compêndio da melhor<br />
pista <strong>de</strong> dança, guitarras a flutuar no<br />
espaço e um vocalista que parece<br />
constantemente “dopado” (ou então<br />
somos nós que precisamos <strong>de</strong><br />
ginásio).<br />
Quando a sua banda punk acabou,<br />
Nic Offer, o vocalista dos !!!, andava<br />
a ouvir Chic, Bohannon, James<br />
Brown (ou seja, a nata do baixo) e<br />
Sonic Youth. Nessa mesma noite, foi<br />
ver um concerto <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong><br />
James Chance and the Contortions,<br />
clássicos do cruzamento do punk<br />
com o jazz e o funk, e pensou:<br />
“Po<strong>de</strong>mos fazer isto muito melhor”.<br />
Dito e feito, nasceram os !!!.<br />
Ao quarto álbum, gravado em<br />
Berlim, Nova Iorque e Sacramento,<br />
os !!!, uns dos poucos sobreviventes<br />
com boa saú<strong>de</strong> da vaga punk funk do<br />
início do milénio, mostram-se<br />
<strong>de</strong>cididamente mais voltados para para<br />
os “clubs”. “Há algo algo<br />
O “groove” dos !!! já nos <strong>de</strong>ixou<br />
KO algumas vezes; agora volta<br />
a <strong>de</strong>ixar-nos KO em <strong>Lisboa</strong><br />
e no Porto<br />
californiano cuja música<br />
o “Los Angeles Times”<br />
<strong>de</strong>screveu como mistura<br />
<strong>de</strong> “visões <strong>de</strong> bestas<br />
quiméricas” com “o duro<br />
batimento cardíaco do sol<br />
<strong>de</strong> Los Angeles”, e, vindo<br />
<strong>de</strong> Chicago, o projecto U.S.<br />
Girls, <strong>de</strong> Megan Remy.<br />
De África ao Upper West Si<strong>de</strong><br />
nova-iorquino, os Vampire<br />
Weekend reinventam a história<br />
(e as histórias) da pop<br />
a acontecer lá que não acontece em<br />
Nova Iorque e que é totalmente<br />
excitante”, disse Offer à “Fact”.<br />
“Não é como se a banda estivesse<br />
sempre metida nos ‘clubs’, mas<br />
houve membros que apostaram<br />
nisso. E foi incrível. Tentámos<br />
absorver isso. É algo que espero que<br />
venha a acontecer aqui [nos EUA].<br />
(…) Se tentássemos começar a tentar<br />
apanhar o que lá se passa seria uma<br />
revolução musical… Este é a nossa<br />
tentativa <strong>de</strong> a começar”.<br />
Entregues a essa<br />
coisa do rock’n’roll<br />
Black Rebel Motorcycle Club<br />
<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>. 2ª, 8, às<br />
21h. Tel.: 217967624. 26€ a 33€.<br />
Porto. Hard Club. Praça do Infante, 95 - Mercado<br />
Ferreira Borges. 3ª, 9, às 21h. 26€.<br />
A pergunta fundadora já não tem o<br />
impacto <strong>de</strong> há uma década, mas<br />
mantém-se, inabalável, como “o”<br />
manifesto dos Black Rebel Motorcycle<br />
Club. “Whatever happened to my
ock’n’roll?”, gritavam zangados e<br />
acusadores, ro<strong>de</strong>ados que estavam<br />
nesse distante 2000 por coisas<br />
inenarráveis – Papa Roachs e<br />
Drowning Pools e Disturbeds e Limp<br />
Bizkits – há muito atiradas para o<br />
rodapé dos rodapés da história.<br />
Depois, todos sabem o que<br />
aconteceu. Apareceram os Strokes e<br />
explodiram os White Stripes, os<br />
Mooney Suzuki adaptaram a “rave<br />
up” dos Yardbirds a uma nova era e<br />
os Black Rebel Motorcycle Club, em<br />
volume altíssimo, com a guitarra a<br />
<strong>de</strong>sdobrar-se numa massa sonora<br />
feita <strong>de</strong> ácido blues e reverberação<br />
constante, com o baixo a provocar<br />
danos consi<strong>de</strong>ráveis ao esqueleto (só<br />
lhe faz bem ser chocalhado daquela<br />
maneira), atacaram-nos com<br />
estrondo, aglomerando a escola Brian<br />
Jonestown Massacre, o balanço Jesus<br />
& Mary Chain e a iconografia marginal<br />
do rock’n’roll (o bom cabedal dos<br />
Velvet a <strong>de</strong>stacar-se) num power-trio<br />
voraz, todo ele urgência e abandono a<br />
essa coisa do rock’n’roll que eles não<br />
sabiam on<strong>de</strong> raio se tinha metido.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o homónimo<br />
álbum <strong>de</strong> estreia, editado em 2001,<br />
não mais seria superado pela banda<br />
<strong>de</strong> São Francisco, lógico seria falar em<br />
seguida <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cadência<br />
prolongada, <strong>de</strong> como é impossível<br />
voltar ao lugar on<strong>de</strong> se foi feliz, etc,<br />
etc. Mas os Black Rebel Motorcycle<br />
Club, que mantêm a rota<br />
Broken Social Scene: muitos<br />
em palco para a <strong>gran<strong>de</strong></strong> festa<br />
Dez anos <strong>de</strong>pois, os Black Rebel<br />
Motorcycle Club ainda não<br />
per<strong>de</strong>ram a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos<br />
transportar para o “wild si<strong>de</strong>”<br />
do rock’n’roll<br />
praticamente inalterada,<br />
exceptuando a viragem acústica <strong>de</strong><br />
“Howl” – folk rock e blues tratados<br />
com o tom bombástico <strong>de</strong> um John<br />
Bonham -, nunca entraram realmente<br />
em <strong>de</strong>cadência. Foi-se o<br />
“momentum” e, contra isso, nada<br />
po<strong>de</strong>m. Contudo, ao vê-los em<br />
concerto no DVD que acompanha<br />
“Live”, editado no ano passado,<br />
sente-se que ainda pen<strong>de</strong> sobre eles<br />
uma salvadora con<strong>de</strong>nação: o tal grito<br />
fundador continua a ser aquilo que os<br />
mantém <strong>de</strong> pé, escondidos sob luz<br />
negra, procurando hipnose colectiva<br />
sobre uma torrente <strong>de</strong> flashes.<br />
Há um álbum editado este ano,<br />
“Beat The Devil’s Tattoo”, e também<br />
uma nova baterista, Leah Shapiro,<br />
no lugar do fundador Nick Jago (o<br />
homem da drogaria, que saiu por<br />
não controlar a drogaria), mas isso<br />
dos álbuns é, neste contexto,<br />
pormenor secundário. Interessa a<br />
experiência do concerto, a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a banda nos<br />
transportar para um qualquer “wild<br />
si<strong>de</strong>” que ainda faça sentido em<br />
2010, <strong>de</strong>z anos passados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
os ouvimos pela primeira vez.<br />
Depois <strong>de</strong>, em 2002, terem<br />
actuado no festival Sudoeste, os<br />
Black Rebel Motorcycle Club<br />
regressam a Portugal. Segunda-feira,<br />
sentados na Aula Magna, vamos vê-<br />
los em <strong>Lisboa</strong>. Em pé, no<br />
regressado, regressado, renovado renov e<br />
“relocalizado” Ha Hard Club, lá os<br />
receberemos receberem terça no<br />
Porto. M.L.<br />
A festa<br />
indie in<br />
São tudo menos uma banda “indie”<br />
normal, a começar na geometria<br />
variável da sua formação e a acabar<br />
na regularida<strong>de</strong> com que lançam<br />
novos discos. Demoraram cinco<br />
anos a lançar um novo álbum <strong>de</strong><br />
originais, mas a espera valeu a pena:<br />
“Forgiveness Rock Record”, o disco<br />
dos canadianos Broken Social Scene<br />
<strong>de</strong>ste ano, é uma feliz colecção <strong>de</strong><br />
canções, com um corrupio <strong>de</strong><br />
vocalistas, guitarras na melhor<br />
tradição indie, euforia movida a<br />
trompetes, pop sem mácula (“All to<br />
all”) e momentos que cabiam no<br />
cancioneiro Pavement (“Water in<br />
hell”).<br />
Ao vivo, como comparávamos em<br />
Maio, em Barcelona, no festival<br />
Primavera Sound, e po<strong>de</strong>remos<br />
repetir na Aula Magna e na Casa da<br />
Música, as mil e uma possibilida<strong>de</strong>s<br />
da música dos Broken Social Scene<br />
são matéria para uma festa que<br />
lembra, no método, os compatriotas<br />
Arca<strong>de</strong> Fire, mas sem a tendência<br />
para fazer canções maiores do que a<br />
vida. É nessa discrição, aliás, que<br />
resi<strong>de</strong> a beleza das suas canções.<br />
Explicou Andrew Whiteman, um<br />
<strong>de</strong>les, ao Ípsilon: “Somos como [o<br />
pintor] Jackson Pollock: atiramos<br />
tudo o que temos e <strong>de</strong>pois<br />
organizamos, <strong>de</strong> maneira que faça<br />
sentido. Pelo menos para nós”. Não<br />
só para eles, dizemos nós: há uma<br />
imensa minoria à espera <strong>de</strong>les em<br />
Portugal. P.R.<br />
Clássica<br />
Jordi Savall<br />
e a ciência<br />
da música<br />
Jordi Savall leva à Casa da<br />
Música e à Gulbenkian o<br />
programa “Istambul”, que<br />
associa a música do Império<br />
Otomano do século XVII<br />
ao repertório tradicional<br />
sefardita e arménio. Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s<br />
Hespèrion XXI<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Jordi Savall.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque. Amanhã, às 18h. Tel.: 220120220.<br />
20€.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Dom., 7,<br />
às 19h. Tel.: 217823700. 20€ a 45€.<br />
Broken Br Social<br />
Sc Scene<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lisbo Aula Magna. Alam.<br />
Universida<strong>de</strong>. Univ Dom., 7, às 21h.<br />
Tel.: 2217967624.<br />
23€ a 30€.<br />
Istambul 1710.<br />
O diálogo entre culturas diferentes e<br />
a combinação das tradições musicais<br />
populares e eruditas são<br />
componentes essenciais do percurso<br />
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç.<br />
Mouzinho Mouzi <strong>de</strong> Albuquerque. 2ª, 8,<br />
artístico <strong>de</strong> Jordi Savall, que se têm<br />
multiplicado em diversos projectos<br />
às 22h.<br />
Tel.: 220120220. 23€. discográficos nos últimos anos.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 37
Concertos<br />
Agenda<br />
Sexta 5<br />
Throbbing Gristle + Ulver +<br />
Burnt Friedman e Jaki Liebezeit<br />
+ Bloom Performers<br />
I-Performers<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 23h. Tel.: 220120220. 7,5€ a 18€.<br />
Clubbing.<br />
Ver texto na pág. 18 e segs.<br />
Scout Niblett<br />
+ Sun Araw + U.S. Girls<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />
22h. Tel.: 213430205. 10€.<br />
Elysian Fields<br />
Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes. Jardim dos<br />
Centenários, às 22h30. Tel.: 258520520. 5€.<br />
Chicks On Speed<br />
<strong>Lisboa</strong>. Clube Ferroviário. R. <strong>de</strong> Santa Apolónia,<br />
59, às 0h. Tel.: 218153196.<br />
Wim Mertens<br />
Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. R. Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.:<br />
233407200. 5€ a 20€.<br />
Rita Redshoes & Convidados<br />
+ Anna Ihlis<br />
Rita Redshoes<br />
Porto. Hard Club. Pç. do Infante, 95, às 21h30. 15€.<br />
Rodrigo Leão & Cinema<br />
Ensemble<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />
96, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 40€.<br />
Marc Berhens + Paulo Raposo<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210, às 22h. Tel.: 226156500. 5€.<br />
Tributo a J. G. Ballard.<br />
Pinto Ferreira<br />
Beja. Galeria do Desassossego. R. Casa Pia, 26/28,<br />
às 22h. Tel.: 966278887.<br />
Tiago Bettencourt<br />
& Mantha<br />
Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e<br />
Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h.<br />
Tel.: 253547028.<br />
Foge Foge Bandido<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Pç. da Republica, 39, às 21h30. Tel.:<br />
245307498. 12€.<br />
El Fad (José Peixoto)<br />
Loulé. Cine-Teatro Louletano. Av. José da Costa<br />
Mealha, às 20h. Tel.: 289414604.<br />
Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />
Seixal. Fábrica Mun<strong>de</strong>t - Espaço Cultural. Lg. 1º <strong>de</strong><br />
Maio, às 23h e 0h. Tel.: 212226413. Entrada<br />
gratuita.<br />
André Fernan<strong>de</strong>s + Bernardo<br />
Sassetti<br />
Porto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às<br />
22h. Tel.: 222058351.<br />
38 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Maggie Cole e Orquestra<br />
Sinfónica do Porto Casa da<br />
Música<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Yves Abel.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho o<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.<br />
Marina Pacheco e Orquestra<br />
Clássica <strong>de</strong> Espinho<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Pedro Neves.<br />
Espinho. Auditório. R. 34, 884, às 21h30. Tel.:<br />
227340469. 7€.<br />
Lisbon Film Orchestra<br />
<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30. 0.<br />
Tel.: 217967624. 20€ a 30€.<br />
Nabucco<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> José Ferreira<br />
Lobo. Encenação <strong>de</strong> Giulio Ciabatti.<br />
Com Andrij Shkurhan (barítono),<br />
José Manuel Araújo (tenor), Fernanda<br />
Costa (soprano) e Orquestra do<br />
Norte, entre outros.<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />
223394947. 10€ a 35€.<br />
Sábado 6<br />
Os These New<br />
Puritans no<br />
Musicbox,<br />
em <strong>Lisboa</strong><br />
Wim Mertens<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 15€ a 38€.<br />
Scout Niblett<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Café-<br />
Concerto. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.:<br />
253424700. 4€.<br />
Elysian Fields<br />
Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos. R.<br />
Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.: 233407200. 5€ a 10€.<br />
Lena D’Água + Dapunksportif<br />
<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h15.<br />
Tel.: 213574362. Entrada gratuita.<br />
Pop Up <strong>Lisboa</strong> 2010.<br />
Camané<br />
Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Alam. Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 15€.<br />
Rita Redshoes<br />
Castro Ver<strong>de</strong>. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Castro<br />
Ver<strong>de</strong>. R. Alexandre Herculano, às 21h30. Tel.:<br />
286328193. 5€.<br />
Nuno Prata<br />
Aveiro. Mercado Negro. R. João Mendonça, 17, às<br />
22h30. Tel.: 234100052.<br />
Pinto Ferreira<br />
Faro. Os Artistas. R. Montepio, 10, às 22h. Tel.:<br />
289822988.<br />
The Atrocity Exhibition #1<br />
Porto. Auditório <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210, às 22h. Tel.: 226156500. 5€.<br />
Tributo a J. G. Ballard.<br />
Debashish Bhattacharya<br />
Sines. Centro <strong>de</strong> Artes <strong>de</strong> Sines. R. Cândido dos Reis,<br />
às 22h. Tel.: 269860080. 5€.<br />
Síntese - Grupo <strong>de</strong> Música<br />
Contemporânea<br />
Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda - Pequeno<br />
Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.:<br />
271205241. 5€.<br />
Os Drums <strong>de</strong> volta:<br />
quinta-feira, no Lux<br />
Elysian Fields: Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez,<br />
Figueira da Foz e Espinho<br />
Síntese<br />
- Ciclo <strong>de</strong> Música<br />
Contemporânea â dda Guarda. d<br />
Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />
Seixal. Fábrica Mun<strong>de</strong>t - Espaço Cultural. Lg. 1º <strong>de</strong><br />
Maio, às 23h e 0h. Tel.: 212226413. Entrada gratuita.<br />
Lisbon Film Orchestra<br />
<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />
Tel.: 217967624. 20€ a 30€.<br />
Nabucco<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> José Ferreira<br />
Lobo. Encenação <strong>de</strong> Giulio Ciabatti.<br />
Com Andrij Shkurhan (barítono),<br />
José Manuel Araújo (tenor), Fernanda<br />
Costa (soprano) e Orquestra do<br />
Norte, entre outros.<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />
223394947. 10€ a 35€.<br />
António Rosado<br />
Cascais. Centro Cultural <strong>de</strong> Cascais. Av. Rei<br />
Humberto II <strong>de</strong> Itália, às 21h. Tel.: 214848900.<br />
Entrada gratuita.<br />
Ciclo Chopin e Pa<strong>de</strong>rewski.<br />
Domingo 7<br />
Debashish Bhattacharya<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque. Dom. às 22h. Tel.: 220120220. 15€.<br />
Rui Veloso & Os Optimistas<br />
Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. Dom. às 21h30.<br />
Tel.: 223394947. 18€ a 50€.<br />
Pavlov’s Dog<br />
<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />
Santiago, 19, às 22h. Tel.: 218884503. 25€.<br />
Elysian Fields<br />
Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. R. 34, 884, às 21h30.<br />
Tel.: 227340469. 14€.<br />
Orquestra Sinfónica do Porto<br />
Casa da Música<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Yves Abel.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque. Dom. às 12h. Tel.: 220120220. 5€.<br />
Festival À Volta do Barroco. Obras <strong>de</strong><br />
Ravel.<br />
Drumming - Grupo <strong>de</strong> Percussão<br />
+ Pedrinhas <strong>de</strong> Arronches<br />
Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç.<br />
República, às 18h. Tel.: 234400922. 5€.<br />
Festivais <strong>de</strong> Outono - Aveiro’10.<br />
Orquestra Sinfónica da Escola<br />
Superior <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Vasco Pearce <strong>de</strong><br />
Azevedo.<br />
Almada. Alm Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala<br />
Principal. Pr Av. Prof. Egas Moniz,<br />
às 16h. Tel.: 212739360. 12€.<br />
Obras O <strong>de</strong> Schubert e<br />
Mozart.<br />
Terça 9<br />
Dave Douglas &<br />
Keystone<br />
Porto. P Casa da Música - Sala<br />
Su Suggia. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Alb Albuquerque, às 22h. Tel.:<br />
2201 220120220. 25€.<br />
Ciclo Cicl Jazz Galp.<br />
Solistas Solis da Orquestra Barroca<br />
Casa da Música<br />
Porto. Casa C da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, Albuque às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />
À Volta<br />
do Barroco. Música <strong>de</strong><br />
câmara - obras <strong>de</strong> J. S. Bach e C. P.<br />
E. Bach. Bach<br />
Rumours Rumou of Fleetwood Mac<br />
Porto. Colis Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />
223394947.<br />
223394947. 20€ a 35€.<br />
Quarta Quar 10<br />
Carlos ddo<br />
Carmo & Count Basie<br />
Orchestra<br />
<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico. Pq. das Nações, às 21h30.<br />
Tel.: 218918409. 10€ a 60€.<br />
Carlos do Carmo canta Frank Sinatra.<br />
The Original Glenn Miller<br />
Orchestra<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 21h30.<br />
Tel.: 213572025. 36€ a 50€.<br />
Orquestra Barroca da União<br />
Europeia<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Christina Pluhar.<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Festival À Volta do Barroco.<br />
Rumours of Fleetwood Mac<br />
<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h15.<br />
Tel.: 217967624. 29€ a 40€.<br />
Casa <strong>de</strong> Villa<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />
21h. Tel.: 213612400. 15€.<br />
Quinta 11<br />
M.F. Production’s Celebration of<br />
Lionel Hampton<br />
Com Jason Marsalis (vibrafone),<br />
Roberta Gambarini (voz), Jacey Falk<br />
(voz), An<strong>de</strong>rs Bergcrantz (trompete),<br />
Ronald Baker (trompete), Claus<br />
Reichstaller (trompete), Jesse Davis<br />
(saxofone), Red Holloway (saxofone),<br />
Lothar van Staa (saxofone), Markus<br />
Bartelt (saxofone), Curtis Fuller<br />
(trombone), Sharp Radway (piano),<br />
Martin Gjakonovski (contrabaixo),<br />
Bill W. Ketzer (bateria).<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 22h. Tel.:<br />
253424700. 20€ (dia) a 90€ (passe).<br />
Guimarães Jazz 2010.<br />
The Drums + Seth Troxler<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, às 22h.<br />
Tel.: 218820890. 22€.<br />
These New Puritans<br />
<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às<br />
23h30. Tel.: 213430107. 6€.<br />
Michael Barenboim e Orquestra<br />
Gulbenkian<br />
Direcção Musical <strong>de</strong> Lawrence Foster.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 21h. Tel.:<br />
217823700. 10€ a 20€.<br />
Obras <strong>de</strong> Strauss, Schönberg e<br />
Beethoven.<br />
Camané<br />
Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong><br />
Gil Vicente. Pç. República, epública, às<br />
21h30. Tel.: 239855636. 55636. 15€ a<br />
17,5€.<br />
Dead Combo bo<br />
Coimbra. Oficina<br />
<strong>Municipal</strong> do<br />
Teatro. R. Pedro<br />
Nunes, às 21h30.<br />
Tel.: 239714013.<br />
12€.<br />
Dave Douglas na Casa da Música<br />
Entre os mais recentes conta-se o<br />
CD “Istambul”, cujo programa<br />
po<strong>de</strong>rá ser ouvido ao vivo amanhã<br />
no Porto, no âmbito do Festival À<br />
Volta do Barroco promovido pela<br />
Casa da Música, e no dia seguinte,<br />
domingo, em <strong>Lisboa</strong>, na Fundação<br />
Gulbenkian.<br />
Com o seu agrupamento<br />
Hespérion XXI e músicos convidados<br />
oriundos da Turquia, da Arménia,<br />
da Grécia e <strong>de</strong> Marrocos, Savall<br />
propõe um interessante cruzamento<br />
entre a música praticada no Império<br />
Otomano do século XVII com a<br />
música tradicional sefardita (dos<br />
ju<strong>de</strong>us oriundos <strong>de</strong> Espanha e<br />
Portugal) e arménia, populações<br />
representadas entre os músicos da<br />
corte <strong>de</strong> Istambul. O projecto tem<br />
como ponto <strong>de</strong> partida o “Livro da<br />
Ciência da Música”, antologia<br />
reunida por Dimitrie Cantemir (1673-<br />
1723), príncipe da Moldávia, que<br />
chegou a Istambul em 1693. Nesta<br />
cida<strong>de</strong> viveu cerca <strong>de</strong> duas décadas,<br />
primeiro como penhor da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
do seu pai ao sultão, <strong>de</strong>pois como<br />
representante diplomático do pai e<br />
do irmão enquanto governadores da<br />
Moldávia. Cantemir era um<br />
apaixonado pela história, pelo<br />
estudo das religiões, pela filosofia,<br />
pelas artes e pela música e conta-se<br />
que era um excelente intérprete <strong>de</strong><br />
tanbur, instrumento <strong>de</strong> cordas<br />
<strong>de</strong>dilhadas da família do alaú<strong>de</strong>. No<br />
“Livro da Ciência da Música” reuniu<br />
355 composições (nove das quais<br />
compostas por ele próprio),<br />
formando assim a mais importante<br />
colecção conhecida <strong>de</strong> música<br />
instrumental otomana dos séculos<br />
XVI e XVII. As peças seleccionadas<br />
para o concerto serão intercaladas<br />
por improvisações, contribuindo<br />
para um mosaico multicolor <strong>de</strong><br />
melodias, modos, ritmos e<br />
sonorida<strong>de</strong>s exóticas.
Jordi Savall recria<br />
ao vivo aquilo que<br />
a corte otomomana ouvia<br />
no século XVII<br />
A energia<br />
contagiante <strong>de</strong> David<br />
Fray<br />
David Fray<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª, 8, às<br />
19h. Tel.: 217823700. 12,5€ a 30€.<br />
Obras <strong>de</strong> Mozart e Beethoven.<br />
Consi<strong>de</strong>rado Revelação do Ano 2008<br />
pela “BBC Music Magazine” e<br />
vencedor, na categoria <strong>de</strong> solista, do<br />
prémio Victoires <strong>de</strong> la Musique <strong>de</strong><br />
2010, o jovem pianista francês David<br />
Fray é uma das últimas sensações do<br />
panorama musical internacional<br />
<strong>de</strong>vido à sua peculiar sensibilida<strong>de</strong><br />
musical e ao seu forte po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
comunicação. No próximo dia 8, às<br />
19h, faz a sua estreia em Portugal<br />
com um recital na Gulbenkian<br />
preenchido com a Fantasia K. 475 e<br />
Sonata K. 311, <strong>de</strong> Mozart, e as<br />
Sonatas op. 28 (“Pastoral”) e op. 53<br />
(“Waldstein”), <strong>de</strong> Beethoven.<br />
Nascido em 1981, em Tarbes,<br />
David Fray começou a estudar piano<br />
aos quatro anos e formou-se no<br />
Conservatório <strong>de</strong> Paris na<br />
classe <strong>de</strong> Jacques<br />
Rouvier. O pai é<br />
professor <strong>de</strong><br />
filosofia e a mãe<br />
professora <strong>de</strong><br />
alemão, o que<br />
terá contribuído para a sua paixão<br />
pela cultura germânica, bem patente<br />
num repertório centrado em Bach,<br />
Mozart, Schubert, Haydn, Brahms e<br />
Schumann. A sua notorieda<strong>de</strong><br />
começou em 2006, quando<br />
substituiu à última hora Hélène<br />
Grimaud num recital no Teatro do<br />
Châtelet e fez sensação. Foi na<br />
sequência <strong>de</strong>ssa apresentação que<br />
assinou um contrato <strong>de</strong><br />
exclusivida<strong>de</strong> com a Virgin Classics,<br />
on<strong>de</strong> começou por gravar um CD<br />
<strong>de</strong>dicado a Bach e a Boulez (2007).<br />
Seguiram-se os Concertos para<br />
Teclado <strong>de</strong> Bach (2008) e os<br />
“Impromptus e Momentos<br />
Musicais”, <strong>de</strong> Schubert (2009).<br />
A uma abordagem interpretativa<br />
<strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong> clareza, elegante e<br />
poética, David Fray une um forte<br />
carisma ao entusiasmo que se po<strong>de</strong><br />
observar nas sessões <strong>de</strong> gravação<br />
dos Concertos <strong>de</strong> Bach com a<br />
Deutsche Kammerphilharmonie<br />
Bremen filmadas em 2008 por<br />
Bruno Monsaingeon (o realizador<br />
que nos legou filmes memoráveis<br />
sobre Glenn Gould G ou Sviatoslav<br />
Richter) num<br />
documentário<br />
realizado re r alizad para o canal ARTE e<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> d po editado em DVD com<br />
o tí título “Swing, Sing &<br />
Think”. Th É o retrato <strong>de</strong> um<br />
músico m aparentemente<br />
intuitivo, in mas que<br />
também ta t reflecte sobre<br />
as a obras e sabe explicar<br />
<strong>de</strong>talhadamente d<br />
o que<br />
preten<strong>de</strong>. pr O seu Bach<br />
caracteriza-se ca<br />
pela<br />
transparência tra<br />
polifónica,<br />
pela vitalida<strong>de</strong> vitalidad e por uma energia<br />
rítmica contagiante. conta Veremos que<br />
surpresas nos no reserva em Mozart e<br />
Beethoven qquando<br />
pisar o palco da<br />
Gulbenkian na n segunda-feira. C.F.<br />
Bach tem “swing”, <strong>de</strong>monstrará David Fray segunda-feira na Gulbenkian<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
QUA 10 NOV<br />
19:30 SALA SUGGIA | € 10<br />
ORQUESTRA BARROCA<br />
DA UNIÃO EUROPEIA<br />
Christina Pluhar direcção musical<br />
Tuomo Suni concertino<br />
Hannah Morrison soprano<br />
Luciana Mancini meio-soprano<br />
Vincenzo Capezzuto contraltino e bailarino<br />
Reinoud van Mechelen tenor<br />
Yannis François barítono e bailarino<br />
Excertos <strong>de</strong> óperas <strong>de</strong> G.B. Buonamente,<br />
C. Wylche, T. Merula, E. Gragnaniello,<br />
F. Cavalli, L. Rossi, G. Legrenzi,<br />
A. Caldara, A. Sartorio, L. Pozzi,<br />
P.A. Giramo, G.A. Bontempi e C. Caresana<br />
Histórias <strong>de</strong> Deuses, heróis e simples mortais<br />
contadas através da música <strong>de</strong> Caldara, Cavalli,<br />
Rossi, Bontempi, Lully e outros mestres do<br />
Barroco, num programa dirigido por Christina<br />
Pluhar (maestrina do agrupamento L’Arpeggiata).<br />
A Orquestra Barroca da União Europeia acompanha<br />
cantores e bailarinos nestas óperas semi-encenadas,<br />
on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svendam cenas <strong>de</strong> Ercole Amante escritas<br />
para o casamento <strong>de</strong> Louis XIV.<br />
JANTAR + CONCERTO € 25<br />
ORQUESTRA<br />
BARROCA<br />
DA UNIÃO<br />
EUROPEIA<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />
PARA ESTE EVENTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 39
Discos<br />
40 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Pop<br />
Hallelujah!<br />
Cohen ao vivo e em estado<br />
<strong>de</strong> graça. Luís Maio<br />
Leonard Cohen<br />
Songs From The Road<br />
Columbia, distri. Sony Music<br />
mmmmn<br />
Que um artista <strong>de</strong><br />
70 e tal anos<br />
engate numa<br />
tournée mundial<br />
<strong>de</strong> 195<br />
espectáculos na<br />
Europa, EUA e<br />
Oceânia, sempre ou quase com salas<br />
cheias e um coro <strong>de</strong> aplausos, já é<br />
obra. Que para mais venha daí a tirar<br />
material para um álbum ao vivo que<br />
faz plena justiça e empresta até novo<br />
fôlego ao seu fundo <strong>de</strong> catálogo, isso<br />
então é extraordinário. Claro que<br />
não se esperam, nem se encontram,<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong>s reviravoltas nesta dúzia <strong>de</strong><br />
versões, o que é tanto mais natural<br />
quando a maior parte dos registos<br />
originais <strong>de</strong> estúdio <strong>de</strong> Cohen são<br />
em si mesmo imbatíveis. De resto, já<br />
gravou antes uma série <strong>de</strong> outros<br />
álbuns ao vivo, a que haverá <strong>de</strong><br />
acrescentar crescentar mais uma colecção <strong>de</strong><br />
discos scos <strong>de</strong> versões e tributos<br />
rubricados ubricados por outras vozes.<br />
A compensação para essa carência<br />
<strong>de</strong> e surpresas, o que “Songs From<br />
The he Road” tem <strong>de</strong> excepcional, é ao<br />
mesmo esmo tempo fácil <strong>de</strong> dizer e difícil<br />
<strong>de</strong> e explicar. Digamos que é uma<br />
conjugação onjugação <strong>de</strong> rigor, enlevo místico<br />
e comunhão realmente só possíveis<br />
<strong>de</strong> e consubstanciar em espectáculo.<br />
Sobre o rigor: numa selecção<br />
que ue toca quatro décadas <strong>de</strong><br />
canções anções não há <strong>de</strong>slizes <strong>de</strong><br />
tom m ou <strong>de</strong> estilo, nada que se<br />
aproxime proxime das adulterações que<br />
antes ntes se verificaram noutros discos<br />
ao o vivo. Aqui e ali há solos <strong>de</strong> cordas<br />
mediterrânicas, editerrânicas, sopros jazzísticos,<br />
órgão rgão hammond hammond a cortejar o gospel,<br />
teclas clas New Orleans e harmónica<br />
blues, ues, mas funcionam sempre como<br />
variações ariações elegantes, que refrescam<br />
sem em <strong>de</strong>svirtuar os originais.<br />
Mas o essencial não está aí, nos<br />
solos olos ou nos arranjos. Está na<br />
mística ística e na comunhão, no<br />
momento omento <strong>de</strong>cisivo on<strong>de</strong> a<br />
chama hama se acen<strong>de</strong> e<br />
ilumina umina a voz, as<br />
canção anção e a<br />
audiência. udiência.<br />
Essa ssa sempre<br />
foi i a intenção<br />
e foi possível<br />
captá-la aptá-la com<br />
30 0 ou mais<br />
takes kes seguidos<br />
em m estúdio,<br />
outras utras<br />
vezes ezes<br />
nem tanta repetição chegou para lhe<br />
comunicar essa bênção e são várias<br />
canções <strong>de</strong> Cohen que soam melhor<br />
no papel que em disco. Já em “Songs<br />
From The Road” Cohen consegue<br />
sempre ou quase chegar a esse<br />
estado <strong>de</strong> graça e o alinhamento<br />
inclui versões tão boas ou melhores<br />
<strong>de</strong> títulos tão exigentes como<br />
“Avalanche” ou “That don’t make it<br />
junk”, mas todo o resto da selecção<br />
é igualmente brilhante.<br />
A edição faz acompanhar o CD <strong>de</strong><br />
um DVD com o registo das mesmas<br />
canções mais filmagens <strong>de</strong><br />
bastidores e um belíssimo texto<br />
sobre “A Arte da Vagabundagem” da<br />
autoria <strong>de</strong> Leon Wieseltier, editor da<br />
“Nova República”.<br />
E para rematar uma nota <strong>de</strong> roda<br />
pé, num registo estritamente<br />
pessoal. Leonard Cohen ensinou-me<br />
algum inglês, muita poesia e várias<br />
estratégias <strong>de</strong> sedução, que me<br />
guiaram na adolescência. Regressou<br />
como minha banda sonora favorita<br />
nas temporadas <strong>de</strong> folia, copofonia e<br />
alguma libertinagem à entrada da<br />
casa dos 30. Serviu-me <strong>de</strong><br />
conselheiro e sobretudo <strong>de</strong> consolo<br />
na época das dúvidas existenciais e<br />
dos tombos dos 40. Agora nenhum<br />
outro cantor é para mim mais<br />
familiar e me dá tanto prazer ouvir.<br />
Cruzei-o há semanas, na Avenida da<br />
Liberda<strong>de</strong>, e era capaz <strong>de</strong> jurar que<br />
nesse dia ele era o homem mais<br />
elegante <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />
MARIO ANZUONI/ ANZUONI/ RE REUTERS<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Elogio<br />
da loucura<br />
A<strong>de</strong>us (ou quase) à bela da<br />
lamechice, olá à ambição<br />
<strong>de</strong>smedida. Um glorioso<br />
suicídio? Sufjan Stevens<br />
não parece preocupado.<br />
Respeito. Pedro Rios<br />
Sufjan Stevens<br />
The Age of Adz<br />
Asthmatic Kitty, distri. Popstock<br />
mmmnn<br />
Ah, Sufjan<br />
Stevens, outrora<br />
rei da fofice, do<br />
lamechas tornado<br />
obra <strong>de</strong> primeira<br />
qualida<strong>de</strong> (ouçam<br />
“Illinois”, <strong>de</strong> 2005, o último álbum<br />
<strong>de</strong> pleno direito <strong>de</strong> Sufjan e atrevamse<br />
a dizer o contrário), o que é que<br />
tu andaste a tomar?<br />
A pergunta assalta-nos em vários<br />
momentos <strong>de</strong> “The Age of Adz”.<br />
Como explicar, <strong>de</strong> outra forma,<br />
“Impossible soul”, épico <strong>de</strong> 25<br />
minutos que vai a todas (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a voz<br />
<strong>de</strong> Sufjan transfigurada pelo autotune,<br />
qual Kanye West <strong>de</strong> “808s &<br />
Heartbreak”, a sopros<br />
rocambolescos, dignos <strong>de</strong> Broadway,<br />
à bulha com electrónica avariada)?<br />
Está tudo bem contigo, Sufjan? Por<br />
que é que tu, outrora menino<br />
angélico, cantas “I’m not fucking<br />
around” em “I want to be well”?<br />
Não é a primeira vez que Sufjan<br />
brinca com a electrónica (basta<br />
lembrar “Enjoy Your<br />
Rabbit”) ou foge à<br />
gaveta <strong>de</strong> cantautor.<br />
Mas nunca pareceu tão<br />
excitado com as<br />
possibilida<strong>de</strong>s do estúdio.<br />
Se a ambição está no ponto<br />
certo, as canções dão sinais<br />
contraditórios.<br />
“Now “Now that I’m ol<strong>de</strong>r”, com<br />
vozes operáticas operáticas em<br />
segundo plano, é um quase<br />
insuportável insuportável dramalhão<br />
orquestral orquestral e “Bad<br />
communication” não tem<br />
fio condutor. Por outro<br />
lado, “I walked” e<br />
“Vesuvius” mostramse<br />
ao<br />
elegante <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Heartbreak”, a sopros<br />
A edição faz acompanhar<br />
o CD <strong>de</strong> um DVD com o registo<br />
das mesmas canções mais<br />
fi lmagens <strong>de</strong> bastidores e um<br />
belíssimo texto sobre “A Arte<br />
da Vagabundagem” da autoria<br />
<strong>de</strong> Leon Wieseltier, editor<br />
da “Nova República”<br />
Na sua<br />
loucura e nos<br />
seus excessos,<br />
Sufjan<br />
<strong>de</strong>svia-se<br />
da canção<br />
e isso tem<br />
custos<br />
nível do bom velho Sufjan - as duas<br />
canções encaixam na pop fofinha<br />
clássica do rapaz, apesar do<br />
duvidoso “botox” <strong>de</strong> electrónica que<br />
inteligentemente recusamos ouvir.<br />
Na sua loucura e nos seus excessos<br />
(há <strong>de</strong>masiadas i<strong>de</strong>ias por tema, há<br />
<strong>de</strong>masiados minutos num só disco),<br />
Sufjan <strong>de</strong>svia-se da canção e isso tem<br />
custos. Mas, ao mesmo tempo, é<br />
entusiasmante vê-lo tão à vonta<strong>de</strong><br />
em múltiplos géneros,<br />
completamente nas tintas para o que<br />
a sua legião <strong>de</strong> fãs quer ouvir.<br />
Merece respeito.<br />
Vai a todas<br />
Mais um<br />
claro triunfo do<br />
engenho engenh sobre a substância.<br />
Luís Maio Ma<br />
Plan B<br />
The Defamation Defam Of Strickland Banks<br />
Atlantic, distri. d Universal<br />
mmmnn mmmn<br />
É uma história <strong>de</strong><br />
reviravoltas e <strong>de</strong><br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong>s canções<br />
radiofónicas. O<br />
londrino Ben<br />
Drew, agora com<br />
26 anos, estreou-se e há quatro anos<br />
com com um álbum á <strong>de</strong> rap irado, soando<br />
como um uma versão inglesa <strong>de</strong><br />
Eminem.<br />
Já este segundo é um<br />
disco conceptual con sobre as<br />
<strong>de</strong>sventu <strong>de</strong>sventuras do “soul boy”<br />
Stricklan Strickland Banks, que acaba atrás<br />
das gra<strong>de</strong>s gra<strong>de</strong> por um crime que não<br />
comete cometeu. A mudança é da<br />
avalan avalanche discursiva para o<br />
enre enredo ficcionado, mas<br />
sobretudo sob <strong>de</strong> casaca musical,<br />
agora ago tecida segundo os<br />
mol<strong>de</strong>s mo do revivalismo soul<br />
em voga, apenas com alguns<br />
apontamentos apon rap/hip hop a<br />
servir <strong>de</strong> pespontos.<br />
A colagem c à vaga retro soul<br />
lançada lança por Amy Winehouse é<br />
<strong>de</strong>clarada <strong>de</strong>cl e inclusive assumida
nas letras, o rótulo <strong>de</strong> “conceptual”<br />
é sobretudo um artifício <strong>de</strong><br />
marketing, as intenções <strong>de</strong> toda a<br />
campanha são mais do que<br />
suspeitas. “The Defamation Of<br />
Strickland Banks” aparece assim<br />
como um ensaio <strong>de</strong>clarado para<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai ser seu.<br />
Que fi lme, peça <strong>de</strong> teatro,<br />
livro, exposição, disco,<br />
álbum, canção, concerto,<br />
DVD viu e gostou tanto<br />
que lhe apeteceu escrever<br />
sobre ele, concordando ou<br />
conquistar as rádios e os tops, mas o<br />
que lhe falta em alma sobra-lhe nas<br />
largas doses <strong>de</strong> engenho e <strong>de</strong><br />
artifício. Ben aperfeiçoou a técnica<br />
do “crooning” granulado-acetinado<br />
ao ponto <strong>de</strong> soar como uma perfeita<br />
réplica <strong>de</strong> Smokey Robinson, as<br />
combinações <strong>de</strong> malhas funk com<br />
violinos e coros femininos resultam<br />
num impressionante concentrado<br />
das fórmulas clássicas da Motown, as<br />
ladainhas <strong>de</strong> rap confessional pelo<br />
meio oferecem uma variação eficaz<br />
ao estrito revivalismo. Lembra um<br />
bocadinho James Li<strong>de</strong>ll, lembra um<br />
bocadinho The Streets, mas as<br />
comparações acabam por ser<br />
redundantes – tal como as suspeitas<br />
<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> substância – na eminência<br />
da mão cheia <strong>de</strong> canções<br />
contagiosas - <strong>de</strong>ssas que ainda vão a<br />
meio e já parece que se ouviram a<br />
vida inteira.<br />
Muita da pop consagrada no<br />
último meio século ven<strong>de</strong>u<br />
autenticida<strong>de</strong>, consistência e mais<br />
valores politicamente correctos.<br />
Tudo coisas que ficam no tinteiro <strong>de</strong><br />
“The Defamation Of Strickland<br />
Banks”, um disco <strong>de</strong> canções<br />
brilhantemente construídas para<br />
encantarem ouvidos formatados.<br />
Gonzales<br />
Ivory Tower<br />
GentleThreat, distri. Let’s Start a Fire<br />
mmmmn<br />
não concordando com o<br />
que escrevemos? Envienos<br />
uma nota até 500<br />
caracteres para ipsilon@<br />
publico.pt. E nós <strong>de</strong>pois<br />
publicamos.<br />
A cada novo<br />
álbum, Gonzales<br />
surpreen<strong>de</strong>. Na<br />
música popular, o<br />
comum é as<br />
rupturas serem<br />
pausadas. Afinal, há uma carreira<br />
para gerir. Com o canadiano, a viver<br />
há doze anos na Europa, cada álbum<br />
constituiu uma surpresa,<br />
diferenciando-se do anterior. Já foi<br />
“rapper” extrovertido (“Gonzales<br />
Ubber Alles”, 2000), mestre do<br />
entretenimento electro com doses<br />
reforçadas <strong>de</strong> rímel (“The<br />
Entertainist”, 2000, e “The<br />
Presi<strong>de</strong>ntial Suite”, 2002), um<br />
solene pianista impressionista (“Solo<br />
Piano”, 2004) ou artista <strong>de</strong><br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 41
Discos<br />
varieda<strong>de</strong>s dos anos 70 e 80 (“Soft<br />
Power”, 2008).<br />
Agora regressa com “Ivory<br />
Tower”, o álbum que é também<br />
filme on<strong>de</strong> <strong>de</strong>legou as funções <strong>de</strong><br />
produtor nas mãos do alemão Alex<br />
Ridha, ou seja Boys Noize, o jovem<br />
alemão conhecido por pegar rastilho<br />
em qualquer pista <strong>de</strong> dança com<br />
doses imparáveis <strong>de</strong> adrenalina,<br />
através <strong>de</strong> uma electrónica<br />
selvagem.<br />
É uma colaboração improvável,<br />
mas que resulta, facto tanto mais <strong>de</strong><br />
assinalar porque é discernível, em<br />
cada um dos temas, o que pertence<br />
a cada um. As pianadas, as melodias<br />
acetinadas, as vocalizações, os<br />
arranjos esvoaçantes são da colheita<br />
<strong>de</strong> Gonzales. Os sons comprimidos,<br />
o dinamismo electrónico, o sentido<br />
rítmico, a produção rigorosa, os<br />
pequenos elementos sonoros<br />
distorcidos são da safra <strong>de</strong> Boys<br />
Noize.<br />
É um álbum total, diverso, <strong>de</strong><br />
canções pop electrónicas (“Knight<br />
moves” e “I am Europe”), <strong>de</strong> baladas<br />
para piano e electrónicas<br />
(“Bittersuite”, “Final fantasy”), <strong>de</strong><br />
recriações ações funk digitalizado como o<br />
melhor hor Prince do final dos anos<br />
80 (“You “You can dance”) ou <strong>de</strong><br />
cantilenas ilenas que parecem<br />
promover mover um encontro<br />
entre e o minimalismo <strong>de</strong><br />
Steve e Reich, através do<br />
piano, o, e a electrónica<br />
que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>senvolve por<br />
camadas adas <strong>de</strong> Noize<br />
(“Smothered mothered mate” ou<br />
“Never ver stop”). Muito bom.<br />
Ou, como diria Gonzales,<br />
excelso. lso.<br />
Vítor r Belanciano<br />
Muito bom<br />
- ou, como<br />
diria<br />
Gonzales,<br />
excelso<br />
42 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Hipnotica<br />
Twelve-Wired Bird Of Paradise<br />
Metropolitana; distri. iPlay<br />
mmmnn<br />
O tempo dos<br />
Hipnótica recua<br />
até bem lá trás, à<br />
sua formação em<br />
meados da década<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1990. Passada<br />
década e meia,<br />
chegamos a<br />
“Twelve-<br />
Wi WWired red Bird Of<br />
Paradise” e,<br />
apesar <strong>de</strong><br />
conhecermos a<br />
história da<br />
banda, somos<br />
surpreendidos. Os<br />
Hipnótica<br />
continuam a ser<br />
justos justos reflectores<br />
do seu tempo,<br />
mas<br />
Gran<strong>de</strong><br />
nova-velha<br />
banda, estes<br />
Hipnótica<br />
fazem-no agora com uma liberda<strong>de</strong> e<br />
uma felicida<strong>de</strong> inesperadas.<br />
Embrenharam-se no campo e <strong>de</strong> lá<br />
vieram com harmonias vocais<br />
resgatadas a proveniências diversas<br />
(Zombies, Beach Boys, Fleet Foxes),<br />
com violas acústicas chocalhando<br />
com a reverberação <strong>de</strong> teclados<br />
“vintage”, com uma renovada visão<br />
musical em que memórias do<br />
tropicalismo se cruzam com o gingar<br />
dos d Vampire Weekend e em que a<br />
electrónica el é utilizada em pincelada<br />
rápida rá e discreta (serve para dar<br />
corpo co à estrutura das canções).<br />
Acolhem-nos A<br />
no seu “Playground”<br />
imaginário im (a primeira canção,<br />
introdução in perfeita a este novo<br />
mundo m da banda), reinterpretam as<br />
sinfonias si pop dos Love <strong>de</strong> “Forever<br />
Changes” C à luz da sua escola jazzy<br />
divagante d e, cantam, cantam muito,<br />
cantam ca sempre, radiantes na sua<br />
nova n pele. Gran<strong>de</strong> nova-velha banda,<br />
estes es Hipnótica. Mário Lopes<br />
AAntony<br />
and the Johnsons<br />
Sw Swanlights<br />
RRough<br />
Tra<strong>de</strong>, distri. PopStock<br />
mmmnn m<br />
Gera sensações<br />
contraditórias, o<br />
novo álbum <strong>de</strong><br />
Antony. É<br />
provavelmente o<br />
seu disco mais<br />
aarriscado,<br />
mas sem a surpresa<br />
pporque<br />
já lhe conhecemos a<br />
eessência.<br />
A singularida<strong>de</strong><br />
in interpretativa e a expressivida<strong>de</strong><br />
eemocional<br />
continuam intactas, mas<br />
a<br />
elegância e a justeza dos outros<br />
ttrês<br />
discos encontra-se diluída. Esta<br />
é<br />
uma obra mais dispersa.<br />
EEnquanto<br />
conjunto <strong>de</strong> canções será<br />
mmenos<br />
inspirado. Mas não é mau.<br />
LLonge<br />
disso.<br />
Ao longo da última década<br />
AAntony<br />
afirmou-se com uma<br />
llinguagem<br />
particular, assente na<br />
vvoz,<br />
no piano e na sumptuosida<strong>de</strong><br />
ddos<br />
arranjos que nunca abafavam a<br />
fr fragilida<strong>de</strong> emocional do conjunto.<br />
A<br />
voz respira tanto melhor quanto<br />
mmais<br />
esquelético é o edifício sónico<br />
qque<br />
a envolve. Em “Swanlights” essa<br />
oopção<br />
mantém-se, embora mu<strong>de</strong>m<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Enquanto<br />
colecção<br />
<strong>de</strong> canções,<br />
“Swanlights”<br />
é a obra menos<br />
conseguida<br />
<strong>de</strong> Antony<br />
alguns elementos instrumentais que<br />
dão corpo às canções. Há guitarras<br />
acústicas em “The great white<br />
ocean”, algum dinamismo rítmico<br />
em “I’m in love” ou “Thank you for<br />
your love” e texturas electrónicas <strong>de</strong><br />
forma mais visível em algumas das<br />
canções. Mas é nos temas menos<br />
adornados – em especial, “Flétta”,<br />
magnífico dueto com a islan<strong>de</strong>sa<br />
Björk, com acompanhamento ao<br />
piano, ou “Ghost” e “Christina’s<br />
farm”, apenas com o americano na<br />
voz e no piano – que o melhor<br />
Antony acaba por vir ao <strong>de</strong> cima.<br />
Mas não há propriamente momentos<br />
dispensáveis. Dir-se-ia apenas que,<br />
enquanto colecção <strong>de</strong> canções,<br />
“Swanlights” revela-se a obra menos<br />
conseguida <strong>de</strong> Antony. V.B.<br />
Lloyd Cole<br />
Broken Record<br />
Tapete Records<br />
mmmmn<br />
Onze boas<br />
canções novas<br />
<strong>de</strong> Lloyd Cole<br />
que não vão<br />
convencer<br />
ninguém<br />
que já não<br />
gostasse <strong>de</strong>le<br />
Lloyd Cole está<br />
mesmo a pedi-las:<br />
chamar ao disco<br />
“Broken Record”,<br />
“disco riscado”, é<br />
convidar os<br />
cínicos a dizer que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo<br />
dos Commotions e <strong>de</strong> “Rattlesnakes”<br />
que anda a fazer o mesmo com<br />
retornos progressivamente menores.<br />
Isso implica, contudo, que os cínicos<br />
não têm andado a prestar atenção à<br />
carreira <strong>de</strong> um cantor/compositor<br />
com as influências certas no lugar<br />
certo, e que passou parte substancial<br />
da sua discografia a travar uma<br />
batalha perdida <strong>de</strong> antemão consigo<br />
próprio. A partir do momento em<br />
que aceitou que outro “Rattlesnakes”<br />
era improvável e que não era a tentar<br />
reinventar-se sem sentido que a coisa<br />
ia ao sítio, problema resolvido. Sem<br />
ter <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a exigências<br />
editoriais, subsistindo nas margens<br />
do “mainstream”, Cole tem vindo a<br />
somar discretamente um acervo <strong>de</strong><br />
discos sólidos, quase artesanais,<br />
on<strong>de</strong> a ironia das suas letras tem sido<br />
colorida pela experiência da vida<br />
com amargura, irrisão e uma pontual<br />
melancolia outonal. “Broken Record”<br />
são, então, mais onze canções “fora<br />
<strong>de</strong> tempo” que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />
gravadas durante a renascença<br />
“eighties” do rock <strong>de</strong> guitarras <strong>de</strong><br />
influência americana-facção-Byrds,<br />
talvez até mesmo durante os<br />
primeiros tempos dos cruzamentos<br />
country-rock <strong>de</strong> meados da década<br />
<strong>de</strong> 1960. É o primeiro Cole com<br />
banda em muitos anos, tem meiadúzia<br />
<strong>de</strong> clássicos instantâneos a que<br />
só a <strong>de</strong>satenção permitirá passar ao<br />
lado (“Writers Retreat!” podia ser<br />
Commotions “vintage”,<br />
“Rhinestones”, “Why in the World”<br />
ou “Like a Broken Record” sugerem<br />
até on<strong>de</strong> a banda podia ter ido se não<br />
se tivesse separado em 1989). E,<br />
graças a Deus, não traz<br />
absolutamente nada <strong>de</strong> novo, não<br />
persegue a moda do momento, não<br />
quer ser mais do que aquilo que é,<br />
que têm absoluta consciência do que<br />
ele sabe fazer, do que ele faz bem e<br />
do que nós gostamos <strong>de</strong> o ouvir fazer.<br />
São onze boas canções novas <strong>de</strong><br />
Lloyd Cole que não vão convencer<br />
ninguém que já não gostasse <strong>de</strong>le.<br />
“Disco riscado”? Ora bem. Ainda<br />
bem. Jorge Mourinha<br />
ENRIC VIVES-RUBIO
Discos<br />
varieda<strong>de</strong>s dos anos 70 e 80 (“Soft<br />
Power”, 2008).<br />
Agora regressa com “Ivory<br />
Tower”, o álbum que é também<br />
filme on<strong>de</strong> <strong>de</strong>legou as funções <strong>de</strong><br />
produtor nas mãos do alemão Alex<br />
Ridha, ou seja Boys Noize, o jovem<br />
alemão conhecido por pegar rastilho<br />
em qualquer pista <strong>de</strong> dança com<br />
doses imparáveis <strong>de</strong> adrenalina,<br />
através <strong>de</strong> uma electrónica<br />
selvagem.<br />
É uma colaboração improvável,<br />
mas que resulta, facto tanto mais <strong>de</strong><br />
assinalar porque é discernível, em<br />
cada um dos temas, o que pertence<br />
a cada um. As pianadas, as melodias<br />
acetinadas, as vocalizações, os<br />
arranjos esvoaçantes são da colheita<br />
<strong>de</strong> Gonzales. Os sons comprimidos,<br />
o dinamismo electrónico, o sentido<br />
rítmico, a produção rigorosa, os<br />
pequenos elementos sonoros<br />
distorcidos são da safra <strong>de</strong> Boys<br />
Noize.<br />
É um álbum total, diverso, <strong>de</strong><br />
canções pop electrónicas (“Knight<br />
moves” e “I am Europe”), <strong>de</strong> baladas<br />
para piano e electrónicas<br />
(“Bittersuite”, “Final fantasy”), <strong>de</strong><br />
recriações ações funk digitalizado como o<br />
melhor hor Prince do final dos anos<br />
80 (“You “You can dance”) ou <strong>de</strong><br />
cantilenas ilenas que parecem<br />
promover mover um encontro<br />
entre e o minimalismo <strong>de</strong><br />
Steve e Reich, através do<br />
piano, o, e a electrónica<br />
que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>senvolve por<br />
camadas adas <strong>de</strong> Noize<br />
(“Smothered mothered mate” ou<br />
“Never ver stop”). Muito bom.<br />
Ou, como diria Gonzales,<br />
excelso. lso.<br />
Vítor r Belanciano<br />
Muito bom<br />
- ou, como<br />
diria<br />
Gonzales,<br />
excelso<br />
42 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Hipnotica<br />
Twelve-Wired Bird Of Paradise<br />
Metropolitana; distri. iPlay<br />
mmmnn<br />
O tempo dos<br />
Hipnótica recua<br />
até bem lá trás, à<br />
sua formação em<br />
meados da década<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1990. Passada<br />
década e meia,<br />
chegamos a<br />
“Twelve-<br />
Wi WWired red Bird Of<br />
Paradise” e,<br />
apesar <strong>de</strong><br />
conhecermos a<br />
história da<br />
banda, somos<br />
surpreendidos. Os<br />
Hipnótica<br />
continuam a ser<br />
justos justos reflectores<br />
do seu tempo,<br />
mas<br />
Gran<strong>de</strong><br />
nova-velha<br />
banda, estes<br />
Hipnótica<br />
fazem-no agora com uma liberda<strong>de</strong> e<br />
uma felicida<strong>de</strong> inesperadas.<br />
Embrenharam-se no campo e <strong>de</strong> lá<br />
vieram com harmonias vocais<br />
resgatadas a proveniências diversas<br />
(Zombies, Beach Boys, Fleet Foxes),<br />
com violas acústicas chocalhando<br />
com a reverberação <strong>de</strong> teclados<br />
“vintage”, com uma renovada visão<br />
musical em que memórias do<br />
tropicalismo se cruzam com o gingar<br />
dos d Vampire Weekend e em que a<br />
electrónica el é utilizada em pincelada<br />
rápida rá e discreta (serve para dar<br />
corpo co à estrutura das canções).<br />
Acolhem-nos A<br />
no seu “Playground”<br />
imaginário im (a primeira canção,<br />
introdução in perfeita a este novo<br />
mundo m da banda), reinterpretam as<br />
sinfonias si pop dos Love <strong>de</strong> “Forever<br />
Changes” C à luz da sua escola jazzy<br />
divagante d e, cantam, cantam muito,<br />
cantam ca sempre, radiantes na sua<br />
nova n pele. Gran<strong>de</strong> nova-velha banda,<br />
estes es Hipnótica. Mário Lopes<br />
AAntony<br />
and the Johnsons<br />
Sw Swanlights<br />
RRough<br />
Tra<strong>de</strong>, distri. PopStock<br />
mmmnn m<br />
Gera sensações<br />
contraditórias, o<br />
novo álbum <strong>de</strong><br />
Antony. É<br />
provavelmente o<br />
seu disco mais<br />
aarriscado,<br />
mas sem a surpresa<br />
pporque<br />
já lhe conhecemos a<br />
eessência.<br />
A singularida<strong>de</strong><br />
in interpretativa e a expressivida<strong>de</strong><br />
eemocional<br />
continuam intactas, mas<br />
a<br />
elegância e a justeza dos outros<br />
ttrês<br />
discos encontra-se diluída. Esta<br />
é<br />
uma obra mais dispersa.<br />
EEnquanto<br />
conjunto <strong>de</strong> canções será<br />
mmenos<br />
inspirado. Mas não é mau.<br />
LLonge<br />
disso.<br />
Ao longo da última década<br />
AAntony<br />
afirmou-se com uma<br />
llinguagem<br />
particular, assente na<br />
vvoz,<br />
no piano e na sumptuosida<strong>de</strong><br />
ddos<br />
arranjos que nunca abafavam a<br />
fr fragilida<strong>de</strong> emocional do conjunto.<br />
A<br />
voz respira tanto melhor quanto<br />
mmais<br />
esquelético é o edifício sónico<br />
qque<br />
a envolve. Em “Swanlights” essa<br />
oopção<br />
mantém-se, embora mu<strong>de</strong>m<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Enquanto<br />
colecção<br />
<strong>de</strong> canções,<br />
“Swanlights”<br />
é a obra menos<br />
conseguida<br />
<strong>de</strong> Antony<br />
alguns elementos instrumentais que<br />
dão corpo às canções. Há guitarras<br />
acústicas em “The great white<br />
ocean”, algum dinamismo rítmico<br />
em “I’m in love” ou “Thank you for<br />
your love” e texturas electrónicas <strong>de</strong><br />
forma mais visível em algumas das<br />
canções. Mas é nos temas menos<br />
adornados – em especial, “Flétta”,<br />
magnífico dueto com a islan<strong>de</strong>sa<br />
Björk, com acompanhamento ao<br />
piano, ou “Ghost” e “Christina’s<br />
farm”, apenas com o americano na<br />
voz e no piano – que o melhor<br />
Antony acaba por vir ao <strong>de</strong> cima.<br />
Mas não há propriamente momentos<br />
dispensáveis. Dir-se-ia apenas que,<br />
enquanto colecção <strong>de</strong> canções,<br />
“Swanlights” revela-se a obra menos<br />
conseguida <strong>de</strong> Antony. V.B.<br />
Lloyd Cole<br />
Broken Record<br />
Tapete Records<br />
mmmmn<br />
Onze boas<br />
canções novas<br />
<strong>de</strong> Lloyd Cole<br />
que não vão<br />
convencer<br />
ninguém<br />
que já não<br />
gostasse <strong>de</strong>le<br />
Lloyd Cole está<br />
mesmo a pedi-las:<br />
chamar ao disco<br />
“Broken Record”,<br />
“disco riscado”, é<br />
convidar os<br />
cínicos a dizer que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo<br />
dos Commotions e <strong>de</strong> “Rattlesnakes”<br />
que anda a fazer o mesmo com<br />
retornos progressivamente menores.<br />
Isso implica, contudo, que os cínicos<br />
não têm andado a prestar atenção à<br />
carreira <strong>de</strong> um cantor/compositor<br />
com as influências certas no lugar<br />
certo, e que passou parte substancial<br />
da sua discografia a travar uma<br />
batalha perdida <strong>de</strong> antemão consigo<br />
próprio. A partir do momento em<br />
que aceitou que outro “Rattlesnakes”<br />
era improvável e que não era a tentar<br />
reinventar-se sem sentido que a coisa<br />
ia ao sítio, problema resolvido. Sem<br />
ter <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a exigências<br />
editoriais, subsistindo nas margens<br />
do “mainstream”, Cole tem vindo a<br />
somar discretamente um acervo <strong>de</strong><br />
discos sólidos, quase artesanais,<br />
on<strong>de</strong> a ironia das suas letras tem sido<br />
colorida pela experiência da vida<br />
com amargura, irrisão e uma pontual<br />
melancolia outonal. “Broken Record”<br />
são, então, mais onze canções “fora<br />
<strong>de</strong> tempo” que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />
gravadas durante a renascença<br />
“eighties” do rock <strong>de</strong> guitarras <strong>de</strong><br />
influência americana-facção-Byrds,<br />
talvez até mesmo durante os<br />
primeiros tempos dos cruzamentos<br />
country-rock <strong>de</strong> meados da década<br />
<strong>de</strong> 1960. É o primeiro Cole com<br />
banda em muitos anos, tem meiadúzia<br />
<strong>de</strong> clássicos instantâneos a que<br />
só a <strong>de</strong>satenção permitirá passar ao<br />
lado (“Writers Retreat!” podia ser<br />
Commotions “vintage”,<br />
“Rhinestones”, “Why in the World”<br />
ou “Like a Broken Record” sugerem<br />
até on<strong>de</strong> a banda podia ter ido se não<br />
se tivesse separado em 1989). E,<br />
graças a Deus, não traz<br />
absolutamente nada <strong>de</strong> novo, não<br />
persegue a moda do momento, não<br />
quer ser mais do que aquilo que é,<br />
que têm absoluta consciência do que<br />
ele sabe fazer, do que ele faz bem e<br />
do que nós gostamos <strong>de</strong> o ouvir fazer.<br />
São onze boas canções novas <strong>de</strong><br />
Lloyd Cole que não vão convencer<br />
ninguém que já não gostasse <strong>de</strong>le.<br />
“Disco riscado”? Ora bem. Ainda<br />
bem. Jorge Mourinha<br />
ENRIC VIVES-RUBIO
Discos<br />
Jazz<br />
Não pára,<br />
não pára...<br />
Jon Irabagon, saxofonista<br />
estrela da nova geração,<br />
constrói um po<strong>de</strong>roso<br />
manifesto pela energia<br />
e perseverança no jazz.<br />
Rodrigo Amado<br />
Jon Irabagon<br />
Foxy<br />
Hot Cup<br />
mmmmn n<br />
No final do tema<br />
non-stop que<br />
compõe “Foxy”,<br />
artificialmente<br />
dividido em 12<br />
partes, com<br />
nomes tão disparatados como<br />
“Chicken poxy” oxy” ou “Tsetse”, é bem<br />
provável que ue o ouvinte esteja um<br />
pouco cansado, sado, ou pelo menos<br />
“dormente”, ”, pela energia<br />
avassaladora ra <strong>de</strong>stilada por Jon<br />
Irabagon, saxofonista tenor<br />
norte-americano ricano que tem<br />
vindo a causar usar sensação, a<br />
solo ou integrado egrado nos<br />
jazz-terrorists ists Mostly<br />
Other People ple Do The<br />
Killing. Irabagon bagon<br />
entra a matar, tar, com<br />
a energia no o<br />
máximo, num um<br />
registo free-bop e-bop<br />
ciclónico, dando<br />
voltas e<br />
contravoltas as<br />
on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sconstrói i e<br />
torna a<br />
construir<br />
(apenas<br />
para voltar<br />
a<br />
pulverizar)<br />
malhas<br />
harmónicas s<br />
com as<br />
mais<br />
diversas<br />
origens<br />
inequivocamente<br />
jazz. zz. E quando<br />
julgamos que ue não é<br />
possível ir mais longe<br />
na intensida<strong>de</strong> da<strong>de</strong> insana<br />
da música, Irabagon<br />
roda o botão ão e sobe<br />
para um novo ovo nível<br />
sónico, libertando ertando<br />
ondas melódicas ódicas e<br />
harmónicas s que<br />
começam a formar<br />
figuras que e não existem<br />
verda<strong>de</strong>iramente mente (como<br />
nas miragens ns no <strong>de</strong>serto,<br />
estão a ver?). ?).<br />
44 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Em “Foxy”, Irabagon e os seus<br />
dois parceiros – Peter Brendler no<br />
contrabaixo e o ilustre Barry Altschul<br />
na bateria - lançam aquilo que mais<br />
se assemelha a uma pura energia<br />
jazz, algo que po<strong>de</strong>ria ser<br />
engarrafado e vendido nas escolas a<br />
muitos dos improvisadores anémicos<br />
que andam por aí. No entanto, por<br />
trás <strong>de</strong> toda esta aparente loucura,<br />
que se reflecte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo no kitsch<br />
da capa, está um trio em intensa e<br />
telepática comunicação musical e<br />
inúmeros <strong>de</strong>talhes musicais a<br />
<strong>de</strong>scobrir por aqueles que se<br />
aventurarem nesta viagem. “Foxy” é<br />
um surpreen<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>sarmante<br />
registo por um dos mais<br />
interessantes, inovadores e<br />
po<strong>de</strong>rosos saxofonistas da nova<br />
geraçã geração. ção. o<br />
Irabagon<br />
e os seus dois<br />
parceiros –<br />
Peter Brendler<br />
e Barry<br />
Altschul -<br />
lançam aquilo<br />
que mais se<br />
assemelha<br />
a uma pura<br />
energia jazz<br />
Ma<strong>de</strong> in<br />
Portugal<br />
A mais jovem editora<br />
portuguesa <strong>de</strong> jazz e dois<br />
registos nacionais.<br />
Nuno Catarino<br />
El Fad<br />
Lunar<br />
JACC Records<br />
mmmnn<br />
Paula Sousa<br />
Nirvanix<br />
JACC Records<br />
mmmmn<br />
Fruto da iniciativa<br />
do JACC - Jazz Ao<br />
Centro Clube, surge surg no mercado<br />
português uma nova no editora<br />
<strong>de</strong>dicada ao jazz. O objectivo da JACC<br />
Records será possi possibilitar a edição <strong>de</strong><br />
mais projectos projectos <strong>de</strong><br />
jazz português,<br />
indo on<strong>de</strong> as editoras edito existentes -<br />
Clean Feed e Tone of a Pitch - não<br />
conseguem dar resposta. re As duas<br />
primeiras edições<br />
<strong>de</strong>svendam novos<br />
trabalhos <strong>de</strong> músic músicos nacionais já<br />
bem experientes.<br />
Os El Fad, li<strong>de</strong>rados li<strong>de</strong>ra pelo<br />
guitarrista José Jo Peixoto, têm<br />
aqui o se seu segundo disco.<br />
Combinando Comb a<br />
flexibilida<strong>de</strong><br />
flexib<br />
instrumental instr do jazz<br />
com ambientes “folk”<br />
mediterrânicos, med<br />
este<br />
quinteto quin propõe uma<br />
fusão fusã das tradições<br />
ibérica ibér e arábica. Além<br />
da guitarra g <strong>de</strong> Peixoto,<br />
o El E Fad é constituído<br />
pelo pel violino <strong>de</strong> Carlos<br />
Zíngaro, Zín a bateria <strong>de</strong><br />
José Jos Salgueiro e dois<br />
contrabaixos: con Miguel<br />
Leiria Lei Pereira e<br />
António Ant Quintino. As<br />
cordas cord unem-se em<br />
efusivas efusi celebrações, o<br />
<strong>de</strong>dilhar <strong>de</strong>dilh <strong>de</strong> Peixoto<br />
<strong>de</strong>staca-se, <strong>de</strong>staca- o violino <strong>de</strong><br />
Zíngaro assume as formas<br />
clássicas como com poucas vezes lhe<br />
vimos, os contrabaixos con <strong>de</strong><br />
Quintino e Pereira Pe acrescentam<br />
outras tonalid tonalida<strong>de</strong>s, sem se<br />
atropelarem, intercalando<br />
diferentes ab abordagens. Por<br />
vezes surgem espaços para<br />
improvisações improvisaçõ mais abertas,<br />
com os músi músicos a aproveitarem<br />
essas abertas aberta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para<br />
a inclusão d<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>talhes pessoais.<br />
Outras veze vezes os músicos<br />
seguem as formas f rígidas pré<strong>de</strong>terminadas,<br />
<strong>de</strong>terminad respeitando a<br />
disciplina, fazendo a música<br />
crescer nesse nes sentido<br />
colectivo.<br />
A pianista pianis Paula Sousa<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
apresenta em “Nirvanix” o seu<br />
segundo disco em nome próprio,<br />
apesar da acumulada experiência.<br />
Contando com o apoio <strong>de</strong> uma<br />
secção rítmica estável, Demian<br />
Cabaud no contrabaixo e Luís<br />
Can<strong>de</strong>ias na bateria, tem também a<br />
colaboração <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
nomes fortes da cena jazz lusa, que<br />
acrescentam os seus serviços<br />
pontualmente em algumas faixas:<br />
Sara Serpa (voz), André Matos<br />
(guitarra), Afonso Pais (guitarra),<br />
Jorge Reis (saxofones alto e soprano)<br />
e João Paulo (acor<strong>de</strong>ão). Este disco<br />
representa uma evolução<br />
comparativamente ao anterior “Valsa<br />
para a Terri” (2008), mais sólido,<br />
mais diversificado. O título <strong>de</strong>ste<br />
trabalho combina a banda <strong>de</strong> Kurt<br />
Cobain com Astérix, mas a música<br />
não anda próxima do rock sujo ou <strong>de</strong><br />
um imaginário juvenil. “Nirvanix” é<br />
um jazz maduro que envereda por<br />
múltiplas direcções. O mérito é <strong>de</strong><br />
Sousa, que assina quase todas as<br />
composições, mas não só. Cada<br />
convidado acrescenta <strong>de</strong>talhes<br />
importantes, e o resultado acaba por<br />
ser positivo, num disco e cheio <strong>de</strong><br />
cor.<br />
Clássica<br />
O fi m<br />
<strong>de</strong> uma era<br />
Música coral com a<br />
sonorida<strong>de</strong> única do coro<br />
Accentus e a sua maestrina<br />
Laurence Equilbay.<br />
Rui Pereira<br />
Rachmaninoff<br />
Obras corais sacras<br />
Laurence Equilbey, direcção<br />
Accentus<br />
Eric Ericson Chamber Choir<br />
Naive V5239<br />
mmmmn<br />
A maestrina<br />
Laurence<br />
Equilbay<br />
Os primeiros<br />
segundos <strong>de</strong>ste<br />
CD i<strong>de</strong>ntificam a<br />
sonorida<strong>de</strong><br />
inconfundível<br />
do coro francês<br />
Accentus. É surpreen<strong>de</strong>nte<br />
como o agrupamento da<br />
maestrina Laurence Equilbey tem<br />
esta “voz” única, <strong>de</strong> timbre coeso<br />
e com um controlo dinâmico<br />
miraculoso. O repertório é mais<br />
uma estreia para o agrupamento,<br />
ao qual se junta o coro sueco<br />
<strong>de</strong> Eric Ericson, fundado<br />
em 1945, que muitos melómanos<br />
conhecem das célebres gravações<br />
com a Filarmónica <strong>de</strong> Berlim<br />
(“Quatro Peças Sacras” <strong>de</strong><br />
Verdi ou o “Requiem” <strong>de</strong> Mozart),<br />
entre outras. As obras sacras <strong>de</strong><br />
Rachmaninoff escolhidas por<br />
Equilbey ilustram o fim <strong>de</strong> uma era<br />
para a música religiosa na Rússia.<br />
Foi há cem anos que Rachmaninoff<br />
escreveu a “Liturgia <strong>de</strong> São<br />
João Crisóstomo”. As “Vésperas”<br />
seguiram-se cinco anos <strong>de</strong>pois,<br />
em 1915, e ambas as obras tiveram<br />
uma óptima recepção por parte do<br />
público. Foram escritas na<br />
tradição da música vocal<br />
ortodoxa, com sonorida<strong>de</strong>s que<br />
convidam ao recolhimento<br />
espiritual mas que alcançam,<br />
simultaneamente, <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
expressivida<strong>de</strong>. Num período em<br />
que as celebrações da religião<br />
ortodoxa tinham um esplendor<br />
magnífico, consi<strong>de</strong>ra-se<br />
que Rachmaninoff soube<br />
fazer a mais <strong>de</strong>purada síntese<br />
das Escolas <strong>de</strong> Moscovo e <strong>de</strong> São<br />
Petersburgo nestas composições<br />
consi<strong>de</strong>radas obras-primas<br />
mas que, após a revolução<br />
bolchevique, estiveram largas<br />
décadas sem se ouvir.<br />
Pela própria data da sua composição<br />
e pelos acontecimentos que se<br />
seguiram em 1917, representam o fim<br />
<strong>de</strong> uma era.<br />
Com excelente qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
gravação, este é um registo digno<br />
para conhecer as obras. Se não as<br />
apreciar nesta interpretação,<br />
dificilmente encontrará melhor<br />
opção no mercado.
Teatro<br />
Operários contra patrões:<br />
a crise vista da “Rua Gagarin”,<br />
até domingo no Espaço Ofi cina,<br />
em Guimarães<br />
Livro<br />
O fi m do<br />
mundo no<br />
Vale do Ave<br />
Coor<strong>de</strong>nado pelo crítico<br />
e investigador Daniel<br />
Tércio, “Dançar para a<br />
República” (Caminho)<br />
reúne reún textos <strong>de</strong><br />
esp especialistas<br />
nacionais na na área<br />
da d dança sobre<br />
“ “não apenas<br />
a prática<br />
artística, a mas<br />
também t a<br />
vivência v<br />
dos<br />
“Rua Gagarin” passa-se<br />
em Fife, na Escócia, mas<br />
podia ser em Guimarães:<br />
daqui vê-se muito bem<br />
para o mundo em ruínas<br />
da indústria têxtil nacional.<br />
Inês Nadais<br />
Rua Gagarin<br />
De Gregory Burke. Pelo Teatro<br />
Oficina. Encenação <strong>de</strong> Marcos<br />
Barbosa. Com André Teixeira,<br />
António Jorge, Emílio Gomes e Tiago<br />
Correia.<br />
Guimarães. Espaço Oficina. Av. D. João IV, 1213,<br />
Cave. Até 7/11. 4ª a Sáb. às 22h; Dom. às 17h. 5€ a 7,5€.<br />
A não <strong>de</strong>masiados quilómetros da<br />
sala on<strong>de</strong> o Teatro Oficina ensaia<br />
diariamente, há um mundo que está<br />
acabar. De nenhum lugar se vê tão<br />
bem esse mundo como a partir<br />
daqui, <strong>de</strong> Guimarães, on<strong>de</strong> nas<br />
últimas décadas sucessivos<br />
espectadores (operários,<br />
corpos em Portugal<br />
(...) no tempo da<br />
República”. Temas<br />
como a nu<strong>de</strong>z artística<br />
e os receios moralistas<br />
da viragem do século<br />
são vistos à luz <strong>de</strong> um<br />
quadro mais alargado,<br />
que inscreve a dança<br />
num contexto social em<br />
transformação. O livro<br />
foi lançado ontem e já<br />
está à venda.<br />
administrativos, patrões) assistiram<br />
sem po<strong>de</strong>r fazer <strong>gran<strong>de</strong></strong> coisa a este<br />
<strong>de</strong>senlace em que a indústria têxtil<br />
também se abate e não vale a pena<br />
bater palmas, porque é tudo (as<br />
fábricas abandonadas, o<br />
<strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> longa duração, e o<br />
que resta <strong>de</strong> alguns Ferraris)<br />
<strong>de</strong>masiado mau até para ser ficção,<br />
quanto mais realida<strong>de</strong>.<br />
Apesar da distância, também se vê<br />
bem esse mundo a partir <strong>de</strong> Fife, na<br />
Escócia, on<strong>de</strong> Gregory Burke situou<br />
a fábrica obsoleta <strong>de</strong>ste “Rua<br />
Gagarin” que o Teatro Oficina<br />
estreou anteontem e continua a<br />
apresentar até domingo. “Des<strong>de</strong> que<br />
cheguei a Guimarães para dirigir a<br />
companhia, tentei convencer os<br />
escritores e os dramaturgos com<br />
quem temos colaborado a trabalhar<br />
sobre o mundo da indústria têxtil e a<br />
reflectir sobre este fim <strong>de</strong> época e<br />
este fim <strong>de</strong> tempo que aqui à volta<br />
parece ser tão evi<strong>de</strong>nte”, explica ao<br />
Ípsilon Marcos Barbosa, director<br />
artístico da Oficina e encenador do<br />
espectáculo. Nunca chegou a<br />
acontecer (o argentino Lautaro Vilo,<br />
que escreveu “A Fábrica” por<br />
encomenda da companhia, pegou<br />
na i<strong>de</strong>ia e levou-a para uma fábrica<br />
<strong>de</strong> chocolates na Patagónia), mas<br />
entretanto aterrou nas mãos <strong>de</strong><br />
Marcos Barbosa “um texto perfeito”:<br />
“‘Rua Gagarin’ é uma comédia negra<br />
sobre um grupo <strong>de</strong> operários que<br />
sequestram um patrão para<br />
preecher o vazio, e ilustra bem este<br />
ambiente <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ciclo e o<br />
<strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> um quotidiano que<br />
não funciona. Talvez há cinco anos<br />
eu dissesse a mesma coisa, que era o<br />
momento exacto para se fazer este<br />
texto, mas agora é mesmo”,<br />
sublinha.<br />
Em Fife, como em Guimarães, há<br />
um passado industrial fantasma - um<br />
passado que está ali mesmo à espera<br />
<strong>de</strong> ser transformado, quanto mais<br />
não seja em memória colectiva.<br />
Marcos Barbosa fez finalmente<br />
teatro com isso, embora não<br />
exactamente nesses esqueletos <strong>de</strong><br />
fábricas que abundam nas<br />
redon<strong>de</strong>zas, “espaços incríveis,<br />
enormes, mesmo <strong>de</strong> outros tempos”<br />
com que um visionário como Peter<br />
Brook faria coisas extraordinárias.<br />
O que acontece em “Rua Gagarin”,<br />
na cave do Espaço Oficina, não é<br />
propriamente a re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong>sse<br />
tempo em vias <strong>de</strong> extinção. Mas pelo<br />
menos é uma comédia, e Marcos<br />
Barbosa acredita que <strong>de</strong> tão negra<br />
esta história é optimista: “Não<br />
interessa nada sermos catastróficos.<br />
Estamos no fim <strong>de</strong> um ciclo, haverá<br />
outros”. Vista <strong>de</strong>sta cave, esta<br />
Europa <strong>de</strong> serviços, “em que<br />
ninguém parece produzir nada”,<br />
apenas comprar e ven<strong>de</strong>r, não tem<br />
ar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r durar muito. Mas<br />
enquanto durar, o Teatro Oficina<br />
falará <strong>de</strong>la. Até na linguagem nua e<br />
crua <strong>de</strong> todos os dias se po<strong>de</strong> ir à lua<br />
e voltar - ou pelo menos tentar,<br />
como o cosmonauta Gagarin.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“Way Out”<br />
no Temps<br />
d’Images<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
Durações <strong>de</strong> Um Minuto<br />
De Clara An<strong>de</strong>rmatt, Marco Martins.<br />
Com Luna An<strong>de</strong>rmatt, Ana Diaz,<br />
Carla Maciel, Ivo Canelas, Nuno<br />
Lopes, Romeu Costa, Sam Louwyck,<br />
São Castro, Sofia Dias, Vítor Roriz<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal. R.<br />
Antº Maria Cardoso, 38-58. De 05/11 a 28/11. 5ª a Sáb.<br />
às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />
Ver texto na pág. 37 e segs.<br />
Continuam<br />
Inferno<br />
“Dura Dita Dura” em Torres Novas<br />
A partir <strong>de</strong> Strindberg. Encenação <strong>de</strong><br />
Mónica Calle. Com Ana Ribeiro,<br />
Mónica Calle, Mónica Garnel, Rita Só,<br />
entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />
Até 08/11. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h.<br />
Tel.: 217905155. 5€ a 12€.<br />
Cartas Postais e Telegramas<br />
De Maria Gil. Pelo Teatro do Silêncio.<br />
Com Gisella Mendonza, Monika<br />
Frycova, Maria Gil.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Negócio. R. <strong>de</strong> O Século, 9, Porta 5. Até 12/11.<br />
4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213430502. 5€ a 7,5€.<br />
A Gaivota<br />
De Anton Tchékhov. Encenação <strong>de</strong><br />
Nuno Cardoso. Com João Pedro Vaz,<br />
Lígia Roque, Luís Araújo, Maria do<br />
Céu Ribeiro, entre outros.<br />
Aveiro. Teatro Aveirense. Pç. República. Dia 06/11.<br />
Sáb. às 21h30. Tel.: 234400922. 10€ a 12€.<br />
Peça Felicida<strong>de</strong><br />
De Jacinto Lucas Pires. Encenação <strong>de</strong><br />
Francisco Salgado. Com Custódia<br />
Gallego, José Mateus, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />
Até 28/11. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.:<br />
213420000.<br />
Way Out<br />
De Cláudia Clemente. Encenação <strong>de</strong><br />
Cláudia Clemente. Com Margarida<br />
Car<strong>de</strong>al.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B. Até<br />
05/11. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 213574362.<br />
Temps d’Images 2010.<br />
A Cabeça do Baptista<br />
De Ramón <strong>de</strong>l Valle Inclan. Pela<br />
Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Braga.<br />
Encenação <strong>de</strong> Manuel Gue<strong>de</strong> Oliva.<br />
Com Solange Sá, Wal<strong>de</strong>mar Sousa,<br />
Rui Ma<strong>de</strong>ira, entre outros.<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Até 06/11.<br />
3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 5€ a 10€.<br />
Dura Dita Dura<br />
De e com Igor Gandra. Pelo Teatro <strong>de</strong><br />
Ferro.<br />
Torres Novas. Teatro Virgínia. Lg. São José Lopes<br />
dos Santos. De 05/11 a 06/11. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
249839309.<br />
Óscar e a Senhora Cor-<strong>de</strong>-Rosa<br />
De Eric-Emmanuel Schmidt.<br />
Encenação <strong>de</strong> Marcia Haufrecht. Com<br />
Lídia Franco.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A.<br />
Até 07/11. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213542249.<br />
Cabeças Falantes - Festival <strong>de</strong><br />
Monólogos.<br />
“A Cabeça<br />
do Baptista”<br />
em Braga<br />
Natureza Morta<br />
De e com Dinis Machado.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Taborda. Costa do Castelo, 75. Até<br />
07/11. 6ª a Dom. às 21h30. Tel.: 218854190.<br />
Temps d’Images 2010.<br />
A Lenda <strong>de</strong> Gaia<br />
De José Carretas. Pela Panmixia.<br />
Encenação <strong>de</strong> José Carretas. Com André<br />
Brito, Linda Rodrigues, Pedro Fiuza.<br />
Porto. CACE Cultural. R. do Freixo, 1071. Até 30/11.<br />
3ª a Sáb. às 22h. Dom. às 16h. Tel.: 225191600. 8€.<br />
Um Precipício no Mar<br />
De Simon Stephens. Pelos Artistas<br />
Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />
Melo. Com João Meireles.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Soc. <strong>de</strong> Instrução Guilherme Cossoul. Av.<br />
D.Carlos I, 61 - 1º. Até 07/11. 5ª a Sáb. às 21h30.<br />
Dom. às 17h. Tel.: 213973471<br />
O Senhor Puntila e o Seu Criado<br />
Matti<br />
De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong> João<br />
Lourenço. Com Miguel Guilherme,<br />
Sérgio Praia, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até<br />
31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213880089. 7,5€ a 15€.<br />
O Guardião do Rio<br />
De Ricardo Alves. Pelo Teatro da<br />
Palmilha Dentada. Encenação <strong>de</strong><br />
Ricardo Alves. Com Ivo Bastos.<br />
Porto. Hard Club - Sala 2. Pç. Infante, 95. Até 03/12.<br />
Dom. a 3ª às 21h46. 10€.<br />
República/s<br />
De Jorge Louraço Figueira. Pelo<br />
Teatrão. Encenação <strong>de</strong> Marco<br />
António Rodrigues. Com Cláudia<br />
Carvalho, Helena Freitas, Inês<br />
Mourão, entre outros.<br />
Coimbra. Oficina <strong>Municipal</strong> do Teatro. R. Pedro<br />
Nunes. Até 07/11. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 19h.<br />
Tel.: 239714013.<br />
O Homem Elefante<br />
De Bernard Pomerance. Encenação<br />
<strong>de</strong> Sandra Faleiro. Com António<br />
Fonseca,José Airosa, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV.<br />
Até 07/11. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.:<br />
213250835. 12€.<br />
A Neve<br />
A partir <strong>de</strong> Vergílio Ferreira.<br />
Encenação <strong>de</strong> José Carretas. Com<br />
Fernando Lan<strong>de</strong>ira, entre outros.<br />
Covilhã. Teatro das Beiras. Tv. Trapa, 2. Dia 06/11.<br />
Sáb. às 21h30. Tel.: 275336163. 3€ a 6€.<br />
Festival <strong>de</strong> Teatro da Covilhã.<br />
Um Mundo Muito Próprio -<br />
Tributo a Buster Keaton<br />
De Alan Richardson. Com Daniel<br />
Pinto.<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç. Império. De 06/11 a 08/11. 2ª às 11h.<br />
Sáb. às 21h. Dom. às 12h30. Tel.: 213612400.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Sólo siento<br />
De e com Arkadi Zai<strong>de</strong>s.<br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Sala <strong>de</strong> Ensaios. Pç. do Império. De<br />
05/11 a 06/10. 3ª e 4ª às 19h. Tel.: 213612400. 6€.<br />
Temps d’Images 2010.<br />
Continuam<br />
Untitled, Still Life<br />
De Ana Borralho, João Galante, Rui<br />
Catalão.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala <strong>de</strong><br />
Ensaios. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 8/11. 4ª<br />
a Dom. às 21h30. 2ª às 18h. Tel.: 218438801. 6€ a<br />
12€.<br />
Temps d’Images 2010.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 45
Livros<br />
46 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Ficção<br />
Apocalypse<br />
now<br />
Uma missiva alucinada<br />
em que a trivialida<strong>de</strong> do<br />
conforto <strong>de</strong> uma América <strong>de</strong><br />
electrodomésticos contrasta<br />
com a carnificina nos ver<strong>de</strong>s<br />
campos asiáticos.<br />
Helena Vasconcelos<br />
Coluna <strong>de</strong> Fumo<br />
Denis Johnson<br />
(trad.Maria João Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />
Ed. Casa das Letras<br />
mmmmn<br />
Quem é Denis<br />
Johnson? Um<br />
americano pouco<br />
tranquilo que foge<br />
da exposição<br />
mediática, autor<br />
<strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong><br />
teatro, seis<br />
romances, uma<br />
colecção <strong>de</strong><br />
contos (“Jesus’ Son” <strong>de</strong> 1992, é uma<br />
obra “<strong>de</strong> culto”), três volumes <strong>de</strong><br />
poesia e um <strong>de</strong> textos jornalísticos,<br />
finalmente elevado à categoria <strong>de</strong><br />
“<strong>gran<strong>de</strong></strong> escritor” quando ganhou o<br />
National Book Award com “Coluna<br />
<strong>de</strong> Fumo” (2007), um livro explosivo<br />
que <strong>de</strong>senterra alguns dos fantasmas<br />
mais profundamente enraizados na<br />
psique americana: o assassinato do<br />
Presi<strong>de</strong>nte Kennedy, a Guerra do<br />
Vietname e o sinistro papel<br />
<strong>de</strong>sempenhado pela C.I.A.,<br />
principalmente no Sudoeste asiático.<br />
A acção esten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> 1963 a 1970<br />
– com um capítulo final passado em<br />
1983 – e trata das acções e<br />
<strong>de</strong>ambulações <strong>de</strong> várias<br />
personagens, algumas das quais<br />
fazem, apenas, aparições relâmpago<br />
numa narrativa fragmentada,<br />
estilhaçada e construída como uma<br />
montagem aleatória <strong>de</strong> quadros que<br />
se vão interligando penosamente,<br />
num reflexo da dificulda<strong>de</strong> em<br />
encontrar algum sentido em longas<br />
contendas – pensa-se no Iraque e no<br />
Afeganistão - que perduram como<br />
assombrações elucidativas da<br />
incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
potência para <strong>de</strong>rrotar inimigos<br />
esquivos, resistentes e bem<br />
preparados psicologicamente.<br />
Numa atmosfera sufocante <strong>de</strong><br />
fumo, cinzas, calor, ruído e perigo<br />
iminente – recriação perfeita do<br />
universo psicadélico <strong>de</strong> cogumelos<br />
alucinogéneos e da música dos<br />
Doors, Jefferson Airplane e,<br />
ocasionalmente dos Moody Blues<br />
(citados no livro) – que reflecte um<br />
sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorientação e<br />
medo passível <strong>de</strong> ser encontrado em<br />
Colóquio<br />
O Colóquio Internacional<br />
Sophia <strong>de</strong> Mello Breyner<br />
Andresen, que se vai<br />
realizar 27 e 28 <strong>de</strong> Janeiro<br />
na Fundação Gulbenkian,<br />
em <strong>Lisboa</strong>, promovido por<br />
Maria Andresen <strong>de</strong> Sousa<br />
autores como Don DeLillo, Robert<br />
Stone ou J.G. Ballard, Johnson coloca<br />
personagens alienadas e<br />
potencialmente perigosas: os irmãos<br />
Houston, Bill, que já tinha feito a sua<br />
aparição no romance “Angels”<br />
(1983), e James, ambos <strong>de</strong> volta a<br />
casa num Arizona alienado e vazio<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem cumprido o serviço<br />
militar; dois vietnamitas, um do<br />
Norte e outro do Sul que trocam <strong>de</strong><br />
campos <strong>de</strong> uma forma furtiva e<br />
mimética, o que talvez sirva para<br />
<strong>de</strong>monstrar tanto a incapacida<strong>de</strong><br />
dos oci<strong>de</strong>ntais para individualizar<br />
pessoas <strong>de</strong> outras raças, como para<br />
sublinhar a resistência <strong>de</strong> um povo<br />
habituado às dificulda<strong>de</strong>s e que se<br />
rege por normas diferentes; Storm,<br />
um agente da C.I.A. com tendências<br />
evangelizadoras que arrasta tudo à<br />
sua passagem, como o seu próprio<br />
nome indica; Kathy, uma viúva<br />
canadiana, apanhada no vórtice da<br />
contenda, a única pessoa<br />
compassiva que faz ecoar os seus<br />
lamentos como uma carpi<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
tragédia grega; e “Skip” Sands, um<br />
operacional da C.I.A., especialista<br />
em Acções Psicológicas contra os<br />
Vietcong, a braços com missões<br />
absurdas – como compilações <strong>de</strong><br />
enciclopédias a partir <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
700 volumes <strong>de</strong> literatura vietnamita<br />
–, um ser sem alma <strong>de</strong>stinado a um<br />
fim violento e inglório, um homem<br />
cuja personalida<strong>de</strong> é moldada à<br />
semelhança da do tio, coronel<br />
Francis Xavier Sands, venerado por<br />
todos, figura maior do que a vida,<br />
mas patética e solitária, obviamente<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Tavares e realizado com<br />
a colaboração do Centro<br />
Nacional <strong>de</strong> Cultura, já<br />
tem “site” na Internet.<br />
Ali se po<strong>de</strong> consultar o<br />
programa, a biografi a<br />
dos participantes<br />
Denis<br />
Johnson, um<br />
americano<br />
pouco<br />
tranquilo<br />
uma colagem <strong>de</strong> Kurtz, o sinistro<br />
contrabandista <strong>de</strong> “Coração das<br />
Trevas” <strong>de</strong> Joseph Conrad.<br />
Com tudo isto e muito mais,<br />
“Coluna <strong>de</strong> Fumo” tanto po<strong>de</strong> ser<br />
um hino patriótico <strong>de</strong> revolta – a<br />
ban<strong>de</strong>ira maculada e os dilectos<br />
filhos da América sacrificados na<br />
fogueira da insanida<strong>de</strong> política –<br />
como um tremendo libelo contra a<br />
cruelda<strong>de</strong>, inutilida<strong>de</strong> e absurdo da<br />
Guerra ou, ainda, como uma<br />
epopeia dantesca, na qual os seres<br />
humanos, joguetes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us<br />
<strong>de</strong>mente e vingativo se encontram<br />
numa espécie <strong>de</strong> transe religioso, à<br />
mercê <strong>de</strong> forças po<strong>de</strong>rosas que os<br />
transcen<strong>de</strong>m.<br />
Tanto no Vietname como nas<br />
Filipinas, no Havai ou na própria<br />
América profunda, a Natureza<br />
investe com iras <strong>de</strong> proporções<br />
bíblicas, na forma <strong>de</strong> cataclismos e<br />
pragas, com condições atmosféricas<br />
adversas – calor, chuvas torrenciais,<br />
tufões – em cenários apocalípticos<br />
on<strong>de</strong> homens e mulheres são<br />
apanhados na voragem, e se<br />
ajoelham na poeira, pedindo perdão<br />
pelos seus pecados.<br />
Numa das cenas mais pungentes<br />
do livro, Skip, no inferno <strong>de</strong> Saigão,<br />
lê uma carta da mãe viúva on<strong>de</strong> esta<br />
escreve, “... obrigada pelo dinheiro.<br />
Comprei uma secadora nova...<br />
Tenho-a neste momento cheia <strong>de</strong><br />
roupa e a andar às voltas. Mas com<br />
um tempo tão bom como este gosto<br />
<strong>de</strong> pôr as coisas <strong>gran<strong>de</strong></strong>s como os<br />
lençóis e cobertores no estendal a<br />
secá-los ao mundo...” e continua<br />
e os resumos das<br />
comunicações. A<br />
morada é http://www.<br />
coloquiointerna<br />
cionalsophia<strong>de</strong>m<br />
ellobreynerandresen.com/<br />
falando <strong>de</strong> um antigo amante e da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cortar a relva.<br />
É uma missiva alucinada e<br />
<strong>de</strong>sligada da realida<strong>de</strong> do mundo,<br />
um relato em que a trivialida<strong>de</strong> do<br />
conforto <strong>de</strong> uma América <strong>de</strong><br />
electrodomésticos e <strong>de</strong> tarefas<br />
rotineiras contrasta com a carnificina<br />
nos ver<strong>de</strong>s campos asiáticos, um<br />
retrato que contém, no seu âmago,<br />
os terríveis sinais da <strong>gran<strong>de</strong></strong> tragédia<br />
americana <strong>de</strong>pois do colapso <strong>de</strong> um<br />
optimismo “inocente”<br />
repetidamente perdido, tanto em<br />
Pearl Harbour como na Flandres, no<br />
Vietname ou no centro <strong>de</strong><br />
Manhattan, num belo dia <strong>de</strong><br />
Setembro <strong>de</strong> 2001.<br />
Numa das poucas entrevistas<br />
dadas por Denis Johnson – a Gary<br />
Kamiya director da revista on-line<br />
Salon.com – o autor corroborou a<br />
informação <strong>de</strong> que “Coluna <strong>de</strong><br />
Fumo” começou a ser escrito em<br />
1982. Depois, foram <strong>de</strong>z longos anos<br />
a elaborar este romance<br />
mastodôntico, irregular e<br />
peripatético, em que toda a acção<br />
– dispersa, sonâmbula, perigosa,<br />
ziguezagueante – convém<br />
magistralmente aos sentimentos <strong>de</strong><br />
culpa, vergonha, confusão e<br />
frustração que constituiu o legado<br />
<strong>de</strong> um país que se entrega<br />
cegamente aos rituais do crime e da<br />
re<strong>de</strong>nção.<br />
Perdão<br />
e reconciliação<br />
O autor <strong>de</strong> “O Leitor” retoma<br />
o seu tema favorito, <strong>de</strong>sta<br />
vez num drama que convoca<br />
o passado terrorista da<br />
esquerda radical alemã.<br />
José Riço Direitinho<br />
O Fim <strong>de</strong> Semana<br />
Bernhard Schlink<br />
(trad. <strong>de</strong> Fátima Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />
Edições ASA<br />
mmmnn<br />
No Verão <strong>de</strong> 2007,<br />
Horst Köhler,<br />
então Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República da<br />
Alemanha,<br />
recusou um<br />
pedido <strong>de</strong> indulto<br />
apresentado por<br />
Christian Klar,<br />
con<strong>de</strong>nado a<br />
prisão perpétua, em 1982, por vários<br />
assassinatos enquanto operacional<br />
do grupo terrorista alemão <strong>de</strong><br />
extrema-esquerda RAF (Rote Armee<br />
Fraktion – ficou também conhecido<br />
como Baa<strong>de</strong>r-Meinhof ), que esteve<br />
activo sobretudo nas décadas <strong>de</strong> 70
e 80. A opinião pública alemã<br />
discutiu, por vezes acaloradamente,<br />
este pedido <strong>de</strong> clemência. Numa<br />
reacção rara em escritores da<br />
dimensão <strong>de</strong> Bernhard Schlink (n.<br />
1944) – o autor <strong>de</strong> “O Leitor” – ele<br />
escreveu quase <strong>de</strong> imediato uma<br />
história sobre o assunto, a libertação<br />
<strong>de</strong> um terrorista da RAF cuja<br />
biografia em muito se assemelhava à<br />
<strong>de</strong> Klar. (Curiosamente, em<br />
Dezembro <strong>de</strong> 2008, pouco meses<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o romance original ter<br />
sido publicado, o Presi<strong>de</strong>nte Köhler<br />
acabaria por conce<strong>de</strong>r o indulto.)<br />
Um pouco à semelhança do que<br />
fez nos seus livros anteriores sobre o<br />
passado alemão recente, Bernhard<br />
Schlink – que é juiz do Tribunal<br />
Constitucional da Renânia e<br />
professor <strong>de</strong> Filosofia do Direito em<br />
Berlim – interroga-se mais uma vez<br />
(ou melhor, interroga-nos) sobre<br />
assuntos como a culpa, o perdão e a<br />
reconciliação, a natureza da justiça,<br />
a moral e o <strong>de</strong>vir histórico; isto tudo<br />
apresentado numa linguagem<br />
elegante e num estilo coloquial que<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fora maneirismos<br />
académicos e tentadoras (para ele)<br />
divagações filosóficas mais ou<br />
menos herméticas.<br />
Se me for permitido o uso <strong>de</strong><br />
terminologia musical, “O Fim <strong>de</strong><br />
Semana” é uma espécie <strong>de</strong> romance<br />
“<strong>de</strong> câmara”, uma festa privada<br />
on<strong>de</strong> aos poucos vão sendo<br />
revelados segredos mais ou menos<br />
sombrios, e em que os fantasmas <strong>de</strong><br />
culpas nunca confessadas, vão à vez<br />
subindo ao palco em arremedos <strong>de</strong><br />
tragédia. Este é um “romance <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ias” em que toda a acção <strong>de</strong>corre<br />
em pouco mais <strong>de</strong> 48 horas numa<br />
quinta meio arruinada na região <strong>de</strong><br />
Bran<strong>de</strong>burgo. Nela se vão reunindo<br />
os antigos companheiros dos dias<br />
radicais cais <strong>de</strong> Jörg, o terrorista que<br />
acaba ba <strong>de</strong> ser indultado (ao fim <strong>de</strong> 24<br />
anos s <strong>de</strong> encarceramento) encarceramento) e que a<br />
irmã ã foi buscar à prisão. Os carros<br />
Merce<strong>de</strong>s ce<strong>de</strong>s e Volvo vão chegando. São<br />
todos os burgueses que estão “bem na<br />
vida”: a”: jornalistas e advogados<br />
famosos, osos, uma pastora com um alto<br />
cargo go na hierarquia religiosa, um<br />
homem mem <strong>de</strong> negócios dono <strong>de</strong> vários<br />
laboratórios oratórios protésicos, uma<br />
professora fessora que escreve ficção...<br />
Schlink chlink constrói em poucas<br />
páginas inas um idílio melancólico<br />
(versão são kitsch) a que não faltam<br />
alguns uns passeios matinais pisando a<br />
erva a húmida por entre as árvores <strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fruto o e também as recordações mais<br />
ou menos amorosas<br />
acompanhadas pelo piar alegre dos<br />
pássaros. Mas tudo isto passa para<br />
segundo plano com a chegada <strong>de</strong><br />
Jörg (que <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong><br />
outra todos acusam) – e ainda mais<br />
tar<strong>de</strong> com a entrada em cena <strong>de</strong><br />
duas personagens não convidadas<br />
para a festa: uma é Marko, um jovem<br />
activista político radical que quer<br />
recuperar a imagem <strong>de</strong> Jörg para o<br />
seu sonho revolucionário, ao qual<br />
preten<strong>de</strong> juntar talvez os<br />
“camaradas muçulmanos”. Marko,<br />
que convenceu Jörg a escrever da<br />
prisão uma mensagem para “um<br />
obscuro congresso <strong>de</strong> esquerda<br />
sobre violência” (facto que lhe ia<br />
custando o indulto), mostra-lhe a<br />
sua admiração: “Os outros tipos da<br />
RAF <strong>de</strong>sistiram humilhantemente e<br />
choraram e lamentaram o que<br />
fizeram e pediram <strong>de</strong>sculpa, tu não.<br />
Não fazes i<strong>de</strong>ia da autorida<strong>de</strong> que<br />
tens.” (pág. 48) A outra personagem<br />
é Ferdinand, o filho <strong>de</strong> Jörg que<br />
ninguém reconhece e com quem ele<br />
não teve contacto algum durante<br />
anos – o jovem introduz-se na festa<br />
como sendo um estudante que está<br />
em passeio aci<strong>de</strong>ntal pelos<br />
arredores.<br />
É com o discurso do filho ao pai<br />
que Bernhard Schlink traz mais uma<br />
vez à literatura o pensamento<br />
central <strong>de</strong> toda a sua obra: a “culpa<br />
colectiva” no passado alemão, a<br />
passagem <strong>de</strong>ssa “culpa mítica” dos<br />
pais para os filhos, como uma<br />
mácula que se herda à laia <strong>de</strong><br />
“pecado original” paganizado. Por<br />
isso o filho (que fala também em<br />
nome dos filhos das vítimas) tem que<br />
dizer ao pai: “Tu és incapaz <strong>de</strong> dizer<br />
a verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sentir dor como os<br />
nazis o eram. Não és nem um<br />
bocadinho melhor do que eles, nem<br />
quando mataste pessoas que não te<br />
tinham feito mal nenhum, nem<br />
Bernhard<br />
Schlink:<br />
a culpa<br />
colectiva<br />
no passado<br />
alemão<br />
quando, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o fazeres, não<br />
conseguiste compreen<strong>de</strong>r aquilo<br />
que tinhas feito. Vocês irritavam-se<br />
com a geração dos vossos pais, a<br />
geração dos assassinos, mas vocês<br />
tornaram-se precisamente iguais a<br />
eles. Tu <strong>de</strong>vias saber o que significa<br />
ser filho <strong>de</strong> um assassino, e tu<br />
tornaste-te um pai assassino, o meu<br />
pai assassino.” (pág. 136)<br />
Só as vítimas po<strong>de</strong>m perdoar,<br />
parece ser o que Schlink nos quer<br />
dizer, sem fazer julgamentos. Ao<br />
Estado e aos outros afectados pelo<br />
acto criminoso, restam<br />
respectivamente o esquecimento e a<br />
reconciliação; e esta última mais não<br />
é do que o aligeirar da culpa daquele<br />
que cometeu o crime (sem<br />
justificações nem compreensões)<br />
mas só até ao ponto em que já não<br />
impossibilita a vida em conjunto.<br />
“O Fim <strong>de</strong> Semana” é um romance<br />
admirável em termos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong><br />
construção narrativa, pena é que as<br />
personagens sejam apresentadas<br />
todas <strong>de</strong> uma maneira tão<br />
superficial.<br />
A burguesia<br />
inestética<br />
Do autor <strong>de</strong> “As cida<strong>de</strong>s<br />
invisíveis”, um conto<br />
moral sobre a febre <strong>de</strong> má<br />
construção que assolou a<br />
Riviera, nos anos 50.<br />
Rui Catalão<br />
A especulação imobiliária<br />
Italo Calvino<br />
(Trad. José Colaço Barreiros)<br />
Teorema<br />
mmmnn<br />
Escrito entre 5 <strong>de</strong><br />
Abril <strong>de</strong> 1956 e 12<br />
<strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1957 (é<br />
com esta datação<br />
precisa que<br />
termina o livro),<br />
“A especulação<br />
imobiliária” é o<br />
terceiro livro <strong>de</strong><br />
Italo Calvino (1923-1985). Foi<br />
publicado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “O barão<br />
trepador” e antes <strong>de</strong> “O cavaleiro<br />
inexistente”, com o qual terminou a<br />
trilogia fantástica iniciada em “O<br />
viscon<strong>de</strong> cortado ao meio”. De<br />
acordo com o autor (cito a<br />
introdução montada pelo tradutor, a<br />
partir <strong>de</strong> três <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />
Calvino) é “a história <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>rrota<br />
(um intelectual que se obriga a<br />
armar-se em homem <strong>de</strong> negócios,<br />
contra todas as suas inclinações mais<br />
espontâneas) contei-a (ligando-a<br />
muito a uma época bem precisa, à<br />
Itália dos últimos anos) para dar o<br />
sentido <strong>de</strong> uma época <strong>de</strong> maré-baixa<br />
moral. O protagonista não<br />
ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
MÚSICA<br />
MAZGANI<br />
CENÁRIO<br />
ANTÓNIO CASIMIRO<br />
JOÃO LOURENÇO<br />
BERTOLT BRECHT<br />
ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />
FIGURINOS<br />
BERNARDO MONTEIRO<br />
COREOGRAFIA<br />
CLÁUDIA NÓVOA<br />
SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />
AURÉLIO VASQUES<br />
LUZ<br />
MELIM TEIXEIRA<br />
[ m/12 ]<br />
QUARTA A SÁBADO 21H30 DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />
VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />
COM<br />
ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />
CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />
FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />
LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />
MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />
MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />
PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />
SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />
SOFIA DE PORTUGAL<br />
VASCO SOUSA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 47
Livros<br />
encontra outro modo <strong>de</strong> dar<br />
largas à sua oposição aos tempos<br />
que uma raivosa mimetização do<br />
espírito dos próprios tempos”.<br />
Esta história <strong>de</strong> uma “época bem<br />
precisa” sobre “a febre do cimento”<br />
<strong>de</strong>u-se nos anos 50 na Riviera...<br />
enfim também podia ter acontecido<br />
nos anos 80 no Algarve, ou num<br />
subúrbio da capital, ou até<br />
mesmonos anos 90... Pensando<br />
bem, esta história po<strong>de</strong> muito bem<br />
estar a acontecer algures agora,<br />
on<strong>de</strong> houver uma casinha com um<br />
quintal simpático e um monstro <strong>de</strong><br />
betão a tapar-lhe a linha do<br />
horizonte e a produzir mais uma<br />
família <strong>de</strong>primida.<br />
O que Italo Calvino acompanha<br />
são as motivações (sim, o dinheiro;<br />
sim, as dívidas; sim, o fisco) que<br />
levam uma viúva simpática e bem<br />
formada, acompanhada dos seus<br />
dois filhos intelectuais e bem<br />
pensantes, a ven<strong>de</strong>rem um terreno a<br />
um pato-bravo aldrabão.<br />
Num conto moral em que a<br />
corrupção é vista à escala dos<br />
indivíduos e da família, um filho da<br />
burguesia (Quinto), com um<br />
entusiasmo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> pelo<br />
comunismo e uma sólida formação<br />
marxista, está sempre <strong>de</strong>stinado a<br />
cair mais alto do que um pobre<br />
montanhês (Caisotti), iludido com as<br />
oportunida<strong>de</strong>s oferecidas pela<br />
explosão turística e ignorante do<br />
labirinto legal-burocrático que<br />
antece<strong>de</strong> o sucesso empresarial.<br />
Quinto, o jovem intelectual<br />
burguês, hesita sobre o que pensar<br />
do seu construtor <strong>de</strong> má fama.<br />
Simpatiza com a sua bochecha<br />
esquerda, “pouco acima dos limites<br />
da granulosa superfície da barba,<br />
quase por baixo do olho” on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobre um arranhão provocado<br />
por uma roseira no jardim da sua<br />
mãe. “Este pormenor parecia<br />
insinuar, naquele curtido rosto <strong>de</strong><br />
homem maduro, uma espécie <strong>de</strong><br />
fragilida<strong>de</strong> infantil”, em oposição à<br />
“ameaça do tubarão, ou do enorme<br />
crustáceo, do caranguejo, que qu era o<br />
48 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
que ele parecia com as grossas mãos<br />
abandonadas sobre os braços do<br />
maple.”<br />
Durante a assinatura do contrato,<br />
no notário, ficamos a saber que o<br />
tubarão, ou caranguejo, não sabe<br />
nadar: “com toda aquela gente<br />
instruída a pôr tudo preto no<br />
branco, Caisotti lançou à sua volta<br />
um olhar como <strong>de</strong> animal que se vê<br />
numa jaula e faz menção <strong>de</strong> recuar<br />
mas sabe que agora é inútil”. Quinto<br />
vê nele um Daniel na cova dos leões<br />
burgueses, mas “ao chegarem à<br />
‘escritura privada’, Caisotti<br />
<strong>de</strong>monstrou-se [sic] pronto a<br />
favorecer os Anfossi em tudo e por<br />
tudo: aliás foi ele mesmo que propôs<br />
alguns truques para que as finanças<br />
não tivessem nada a dizer. E fazia<br />
tudo isto com risadinhas <strong>de</strong><br />
esperteza e pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho,<br />
erguendo à sua volta um pântano <strong>de</strong><br />
cumplicida<strong>de</strong>s”.<br />
Quinto, o jovem intelectual<br />
burguês, à semelhança do seu autor,<br />
já vive fora da Riviera da sua<br />
juventu<strong>de</strong>, por troca com uma<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong> cida<strong>de</strong> do norte. Encontra-se<br />
a fazer uma transição dos anos<br />
i<strong>de</strong>alistas para a nova “realida<strong>de</strong> dos<br />
tempos”. A nova (e confusa) batalha<br />
que combate na sua consciência é<br />
pela burguesia, mas ainda assim<br />
contra os burgueses: “sentia-se <strong>de</strong><br />
novo a fazer parte da velha<br />
burguesia da sua terra, solidário na<br />
<strong>de</strong>fesa dos mo<strong>de</strong>stos interesses<br />
instalados, e ao mesmo tempo<br />
percebia que todos os seus<br />
movimentos não faziam senão<br />
favorecer a ascensão <strong>de</strong> Caisotti,<br />
uma equívoca e antiestética<br />
burguesia <strong>de</strong> nova cunhagem, como<br />
antiestética e imoral era a verda<strong>de</strong>ira<br />
face dos tempos que corriam.”<br />
Enfim, Caisotti é antiestético, mas<br />
a imoralida<strong>de</strong> vai toda para o jovem<br />
intelectual burguês – e ambos<br />
pertenceram à resistência! “Dois<br />
partisans, um al<strong>de</strong>ão e um<br />
estudante, dois que se haviam<br />
rebelado ao mesmo tempo, com a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Itália estava toda por<br />
refazer a partir do zero; e agora ei-<br />
los ali, o que se tornaram, dois<br />
que<br />
aceitam o mundo tal como está está, que<br />
só só pensam no dinheiro (...) doi dois<br />
patos-bravos da construção civ civil (...)<br />
e naturalmente tentam esmaga esmagar-se<br />
um ao outro. Contudo – observ observou<br />
Quinto Quinto – o al<strong>de</strong>ão tinha tinha mantido mantid<br />
aquela atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar co como<br />
lutas sociais todas as dificuldad dificulda<strong>de</strong>s<br />
que se lhe apresentavam.”<br />
A injustiça social resi<strong>de</strong> resid no<br />
facto dos proprietári proprietários já<br />
não terem uma gen genuína<br />
relação com a terra: terr<br />
vivem vivem nas <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />
cida<strong>de</strong>s e o dinhe dinheiro<br />
que preten<strong>de</strong>m fa fazer<br />
que era o i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Itália estava toda<br />
Ítalo Calvino haveria <strong>de</strong><br />
subir a outras e maiores<br />
alturas, mas este é capaz<br />
<strong>de</strong> ter sido mesmo o livro<br />
em que “disse mais coisas”<br />
com a especulação imobiliária é<br />
menos influenciado pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar impostos do<br />
que pela expectativa <strong>de</strong> um lucro<br />
sem esforço; opostamente, os<br />
arrivistas são <strong>de</strong>masiado<br />
<strong>de</strong>squalificados para se<br />
aperceberem que a sua forma <strong>de</strong><br />
avançarem com os negócios está a<br />
gerar o cenário que acabará por<br />
<strong>de</strong>struir as suas ambições <strong>de</strong><br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong>za.<br />
A repulsa é o sentimento<br />
dominante. Neste saco <strong>de</strong> gatos, em<br />
que todos merecem ser escaldados<br />
(inclusivamente a consciência<br />
analítica do autor disfarçado por trás<br />
da personagem principal) o<br />
momento <strong>de</strong> consciência trágica<br />
dá-se com Caisotti, quando se<br />
apercebe que traiu e humilhou e<br />
abandonou o seu mais fiel<br />
trabalhador. Está ao volante <strong>de</strong> uma<br />
motocicleta, e arranca aos<br />
solavancos, cego pelas lágrimas e<br />
com um lenço ensanguentado a<br />
tapar-lhe meta<strong>de</strong> dos olhos.<br />
Ítalo Calvino haveria <strong>de</strong> subir a<br />
outras e maiores alturas, mas este é<br />
capaz <strong>de</strong> ter sido mesmo o livro em<br />
que “disse mais coisas”.<br />
Vidas imaginadas<br />
A Boneca <strong>de</strong> Kokoschka<br />
Afonso Cruz<br />
Quetzal<br />
mmmnn<br />
A boneca que dá<br />
título a este<br />
romance foi<br />
mandada<br />
construir pelo<br />
artista austríaco<br />
Oskar Kokoschka<br />
(1886-1980)<br />
<strong>de</strong>pois do fim da<br />
sua relação com<br />
Alma Mahler. Era uma cópia<br />
minuciosa da mulher amada, em<br />
tamanho real, e que ele tratava<br />
como se fosse uma pessoa viva,<br />
numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pigmalião<br />
amargurado. Um dia, enfureceu-se e<br />
<strong>de</strong>struiu-a. Esse episódio verda<strong>de</strong>iro<br />
surge aqui como manifesto em favor<br />
das vidas inventadas, como aquelas<br />
que Afonso Cruz esboçou nos seus<br />
livros anteriores, nomeadamente em<br />
“Enciclopédia da Estória Universal”<br />
(2009), que ganhou o Gran<strong>de</strong><br />
Prémio <strong>de</strong> Conto Camilo Castelo<br />
Branco.<br />
Embora “Enciclopédia” não fosse<br />
exactamente um livro <strong>de</strong> contos, a<br />
sua brevida<strong>de</strong> e inventivida<strong>de</strong> podia<br />
ser aproximada ao conto; mas “A<br />
Boneca <strong>de</strong> Kokoschka” adapta-se<br />
mal ao formato romance, embora<br />
mantenha intactas as virtu<strong>de</strong>s da<br />
“Enciclopédia”. Afonso Cruz é<br />
realizador <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> animação,<br />
ilustrador, músico, agricultor, e os<br />
seus textos seguem sempre pelas<br />
mais diversas direcções. Neste livro,<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
De há uns meses para cá eles são a minha malta<br />
preferida. Cinco homens e uma mulher, os seis<br />
cronistas do Blog da Companhia, todos <strong>de</strong> alguma<br />
forma ligados à editora brasileira Companhia das<br />
Letras. já não consigo conceber a minha vida sem<br />
os seus escritos e quando as vielas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> se enchem <strong>de</strong><br />
água, só penso em chegar a casa, e com pés quentinhos<br />
mergulhar nas crónicas daquela galera (a maneira, no Brasil,<br />
para dizer “malta”). Assim se começa bem uma noite, em<br />
agradável companhia. Nunca sei qual é o dia que pertence a<br />
cada um, mas não me importo, é sempre mais agradável<br />
quando há surpresas.<br />
Com o escritor Tony Bellotto, compositor e guitarrista da<br />
banda <strong>de</strong> rock brasileira Titãs, aprendi rapidamente que “vida<br />
<strong>de</strong> guitarrista escritor não é pudim”. Lá me imagino a andar<br />
<strong>de</strong> bicicleta entre Ipanema e o Leblon, no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
e por mim passam, tal como passam por Tony, escritores<br />
cariocas “quase nunca nascidos no Rio”, como Rubem<br />
Fonseca, mineiro <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, ou o baiano João Ubaldo.<br />
numa das suas crónicas Tony conta o que lhe disse uma vez<br />
Alberto Renault, outro escritor carioca – “o difícil é fi car em<br />
casa escrevendo com essa cida<strong>de</strong> pulsando do lado <strong>de</strong> fora”.<br />
sei bem o quanto isso é verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> não estar lá.<br />
Com as crónicas <strong>de</strong> Luiz Schwarcz, editor da Companhia<br />
das Letras e autor do livro <strong>de</strong> contos “Linguagem <strong>de</strong> sinais”<br />
(cujas histórias também passam<br />
De há uns meses para<br />
cá eles são a minha<br />
malta preferida. Cinco<br />
homens e uma mulher,<br />
os seis cronistas do<br />
Blog da Companhia<br />
Blog da Companhiahttp://www.blogdacompanhia.<br />
com.br/<br />
University Blog<br />
http://universitydiary.wordpress.com/<br />
Viva a malta<br />
da Companhia!<br />
por Portugal), emociono-me<br />
sempre. Ele vai recordando<br />
episódios da amiza<strong>de</strong> que<br />
mantém com os escritores que<br />
publica, lembra o legado do o<br />
pai e do avô e conta episódios dios<br />
da “petite histoire” do mundo ndo<br />
editorial (por lá passam as feiras feiras<br />
<strong>de</strong> Frankfurt, a festa literária ria<br />
<strong>de</strong> Paraty, etc). Em alguns<br />
momentos faz-me rir: como o<br />
s<br />
es <strong>de</strong><br />
ra<br />
no caso das memórias da viagem que fez com escritores<br />
brasileiros ao festival Hay on Wye ou com as atribulações <strong>de</strong><br />
John Updike, no Brasil, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter viajado em primeira<br />
classe. Revela-nos parte da carta que enviou a Rubem<br />
Fonseca, quando este ainda não tinha entrado no catálogo ogo<br />
da sua editora, para o convencer a ser seu autor: “a Carmen men<br />
[Ballcels, agente literária] não acha que estou à altura <strong>de</strong> e sua<br />
obra, mas só posso dizer que ninguém gosta mais <strong>de</strong> seus us<br />
livros do que eu. Talvez isso me qualifi que para um dia ser<br />
seu editor”.<br />
Como se isto não fosse sufi ciente, ainda escrevem no Blog<br />
da Companhia o escritor Joca Reiners Terron, a editora <strong>de</strong><br />
literatura infantil Júlia Moritz Schwarcz, o <strong>de</strong>signer gráfi co<br />
Fabio Uehara e por fi m o surpreen<strong>de</strong>nte crítico <strong>de</strong> BD Erico rico<br />
Assis, que sabe que o livro em papel não vai acabar e a culpa<br />
é <strong>de</strong>le. “Estou longe <strong>de</strong> ser ‘luddita’. Leio bastante no iPad ad<br />
(como já comentei em outra coluna) e tem alguns anos que<br />
quadrinhos e literatura chegam aos meus olhos pela tela a do<br />
computador. Mas sofro <strong>de</strong> uma compulsão por comprar r<br />
tudo que li na tela — ou tudo aquilo que gostei quando li i na<br />
tela — na versão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Em papel. Na prateleira, com om<br />
as lombadas viradas para mim”, confessa Assis.<br />
O Blog da Companhia é “um espaço <strong>de</strong>dicado à cultura ra<br />
do livro” e conta com a colaboração <strong>de</strong> todos os leitores. .<br />
Perguntem à “chefa do blog”, Juliana Vettore, como o<br />
po<strong>de</strong>m fazer.<br />
Nota: Vou <strong>de</strong> férias, regresso em Dezembro.<br />
con jec tu rar pro jec tos, proi bir<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)
tanto invoca Pitágoras como parodia<br />
Chandler ou cita o Talmu<strong>de</strong>. Mas a<br />
erudição vem sempre aliada a uma<br />
multiplicação <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong><br />
vida. Mesmo que sejam vidas<br />
imaginadas.<br />
A princípio, o romance parece<br />
razoavelmente “realista”, a história<br />
<strong>de</strong> um homem que tem uma loja <strong>de</strong><br />
pássaros, Bonifaz Vogel, <strong>de</strong> um<br />
rapaz ju<strong>de</strong>u que se escon<strong>de</strong> na cave<br />
do comerciante, Isaac Dresner, e <strong>de</strong><br />
uma judia com chagas que se junta<br />
àquela família improvisada, Tsilia<br />
Kacev. A acção passa-se em Dres<strong>de</strong>n,<br />
arrasada pela aviação dos Aliados<br />
em Fevereiro <strong>de</strong> 1945.<br />
Rapidamente percebemos, no<br />
entanto, que não haverá “acção”, e<br />
que mesmo o tema “Dres<strong>de</strong>n” serve<br />
apenas como ícone da existência do<br />
mal no mundo. A verda<strong>de</strong> é que a<br />
narrativa avança, quase sempre em<br />
capítulos curtos, e já estamos com<br />
Mathias Popa, um escritor sem<br />
sucesso que um dia roubou um<br />
manuscrito a Thomas Mann e o<br />
publicou como se fosse seu. Seguese,<br />
paginado quase como um livro<br />
<strong>de</strong>ntro do livro, uma obra <strong>de</strong> Popa,<br />
acerca <strong>de</strong> família chamada Varga. E<br />
o último terço <strong>de</strong> “A Boneca <strong>de</strong><br />
Kokoschka” é precisamente sobre a<br />
família Varga.<br />
As personagens procuram-se<br />
umas às outras, e tudo acaba sempre<br />
nalguma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro. Às<br />
vezes não é claro o que é real ou<br />
ficcionado, porque surgem várias<br />
profissões <strong>de</strong> fé na ficção como<br />
melhor amiga do homem. Nalguns<br />
casos, isso funciona, <strong>de</strong>ntro da<br />
narrativa, como estratégia literária,<br />
igual à daquele editor que<br />
encomenda biografia imaginárias,<br />
<strong>de</strong>pois encomenda livros fictícios<br />
dos biografados e até encomenda<br />
biografias dos biógrafos. Cruz faz a<br />
apologia da escrita labiríntica, em<br />
que realida<strong>de</strong> e ficção se<br />
confun<strong>de</strong>m; mas também nos diz<br />
que a visão do mundo é uma<br />
acumulação <strong>de</strong> visões parciais<br />
sobrepostas. E algumas <strong>de</strong>las<br />
imaginadas.<br />
O livro lê-se pois como uma<br />
sucessão <strong>de</strong> invenções ficcionais e<br />
ficcionadas, em registo geralmente<br />
poético ou irónico. È às vezes<br />
frustrante seguir os percursos<br />
cruzados ou interrompidos das<br />
personagens, tanto há<br />
caracterização psicológica como<br />
falta <strong>de</strong>la, mas nunca escasseiam<br />
boas i<strong>de</strong>ias e observações insólitas.<br />
Há pessoas classificadas como notas<br />
musicais, a morte que é uma<br />
máquina que lê códigos <strong>de</strong> barras,<br />
uma prostituta que faz <strong>de</strong>scontos a<br />
homens <strong>de</strong> esquerda. E perguntas.<br />
Quem sepultará o último homem?<br />
Porque não crescem árvores <strong>de</strong>ntro<br />
dos pássaros? Porque é que uma<br />
frágil folha só se dobra no máxim máximo<br />
quatro vezes?<br />
“A Boneca <strong>de</strong> Kokoschka” é uma um<br />
espécie <strong>de</strong> livro-jogo, recomendável<br />
recomendá<br />
pela sua feição imaginativa e lúdi lúdica,<br />
não obstante a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
paixões tristes que conta. Talvez seja<br />
um romance falhado, mas sobretudo sobret<br />
revela alguma inaptidão do género géne<br />
romanesco para este tipo <strong>de</strong><br />
ficção borgesiana. Borges, já j se<br />
sabe, nunca escreveu<br />
romances.<br />
Pedro Mexia<br />
umas às outras, e tudo acaba sempre Porque não crescem árvores <strong>de</strong>n<br />
Afonso Cruz<br />
é realizador<br />
<strong>de</strong> fi lmes <strong>de</strong><br />
animação,<br />
ilustrador,<br />
músico,<br />
agricultor,<br />
e os seus<br />
textos seguem<br />
sempre pelas<br />
mais diversas<br />
direcções<br />
21:00 SALA SUGGIA<br />
Emilio Pomàrico direcção musical<br />
Noa Frenkel contralto<br />
Jonathan Ayerst piano<br />
Obras <strong>de</strong> Wolfram Schurig,<br />
Mark André, Emmanuel Nunes<br />
e Franco Donatoni<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 49
Cinema<br />
Sexta,<br />
5 Novembro,<br />
EMIR<br />
KUSTURICA<br />
por mais 1,95€.<br />
<br />
50 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
“A Re<strong>de</strong> Social: um fi lme sobre o po<strong>de</strong>r e a ambição<br />
Estreiam<br />
A verda<strong>de</strong>ira<br />
re<strong>de</strong> social<br />
não está<br />
online<br />
O filme <strong>de</strong> Fincher não é<br />
tanto um filme mo<strong>de</strong>rno<br />
sobre o Facebook como um<br />
filme clássico sobre o po<strong>de</strong>r.<br />
Jorge Mourinha<br />
A Re<strong>de</strong> Social<br />
The Social Network<br />
De David Fincher,<br />
com Jesse Eisenberg, Andrew Garfield,<br />
Justin Timberlake, Armie Hammer,<br />
Max Minghella, Josh Pence. M/12<br />
MMMMn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />
21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h30 6ª 15h20, 18h10, 21h30,<br />
00h10 Sábado 12h50, 15h20, 18h10, 21h30, 00h10<br />
Domingo 12h50, 15h20, 18h10, 21h30; Castello<br />
Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h,<br />
21h30, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala<br />
6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />
18h40, 21h30, 00h05; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 21h40, 24h; CinemaCity Alegro<br />
Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h05,<br />
18h20 Sábado Domingo 11h35, 13h50, 16h05,<br />
18h20; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª<br />
6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h20, 21h35, 23h50<br />
Sábado Domingo 11h30, 13h45, 16h, 18h20, 21h35,<br />
23h50; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10,<br />
18h40, 21h30, 23h50 Sábado Domingo 11h35,<br />
13h50, 16h10, 18h40, 21h30, 23h50; CinemaCity<br />
Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h55, 16h10, 18h30, 21h30 6ª Sábado 13h55,<br />
Projecto?<br />
Dream team, Al Pacino,<br />
Robert DeNiro e Joe<br />
Pesci num fi lme <strong>de</strong><br />
Martin Scorsese? “The<br />
Irishman”, futuro projecto<br />
do realizador norteamericano,<br />
está a trazer<br />
para a imprensa esse<br />
16h10, 18h30, 21h30, 23h50; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas<br />
- El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 14h, 16h30, 19h10,<br />
21h35, 00h20 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />
19h10, 21h55, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h30,<br />
19h10, 21h55, 00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 3:<br />
5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h20, 21h50 6ª<br />
Sábado 14h, 16h35, 19h20, 21h50, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h50, 00h30; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h40, 21h30,<br />
00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h40, 18h30, 21h30,<br />
00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado<br />
15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20<br />
6ª 15h40, 18h30, 21h20, 00h15 Sábado 12h50,<br />
15h40, 18h30, 21h20, 00h15 Domingo 12h50,<br />
15h40, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h40, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo<br />
Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h30, 00h20 ; Castello<br />
Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
18h10, 21h30 6ª 15h30, 18h10, 21h30, 00h10<br />
Sábado 13h, 15h30, 18h10, 21h30, 00h10 Domingo<br />
13h, 15h30, 18h10, 21h30; Castello Lopes - Fórum<br />
Barreiro: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h30<br />
6ª 15h50, 18h30, 21h30, 24h Sábado 13h10, 15h50,<br />
18h30, 21h30, 24h Domingo 13h10, 15h50, 18h30,<br />
21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª<br />
6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h30, 24h Sábado<br />
Domingo 13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 24h; UCI<br />
Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h25, 21h30<br />
6ª 15h40, 18h25, 21h30, 00h05 Sábado 13h25,<br />
15h40, 18h25, 21h30, 00h05 Domingo 13h25,<br />
15h40, 18h25, 21h30; ZON Lusomundo Almada<br />
Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55,<br />
15h40, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h40, 18h40, 21h30, 00h10;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h, 21h40, 00h25 3ª<br />
4ª 16h25, 19h, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
15h50, 18h30, 21h50 6ª Sábado 15h50, 18h30,<br />
21h50, 00h25; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40 6ª<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h20; ZON<br />
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h40, 21h30,<br />
00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50,<br />
21h45, 00h35; ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30,<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
rumor. Seria, também,<br />
o reencontro <strong>de</strong> Pesci sci<br />
e DeNiro <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
“Casino” (1995). História: stória:<br />
a vida <strong>de</strong> Frank Sheeran, eeran,<br />
presumível assassino ino <strong>de</strong><br />
Jimmy Hoff a.<br />
18h40, 21h40, 00h30; Castello Lopes - 8ª<br />
Avenida: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30<br />
6ª 15h50, 18h40, 21h30, 24h Sábado 13h20, 15h50,<br />
18h40, 21h30, 24h Domingo 13h20, 15h50, 18h40,<br />
21h30; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h35, 21h10,<br />
00h15;<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> tudo o que<br />
possam ter lido, ouvido ou mesmo<br />
antecipado, sobre “A Re<strong>de</strong> Social”,<br />
este não é um filme sobre o<br />
Facebook. Nem sobre a internet,<br />
sobre a tecnologia, sobre o modo<br />
como ela nos mudou a vida (mesmo<br />
que isso esteja lá, nas entrelinhas).<br />
“A Re<strong>de</strong> Social” é um filme sobre<br />
um assunto muito menos tópico e<br />
muito mais clássico do que parece:<br />
o po<strong>de</strong>r e a ambição – e nesse<br />
aspecto tanto podia ser sobre o<br />
Facebook como sobre o Google, a<br />
Starbucks ou o BCP. Nesse aspecto,<br />
aliás, é também um filme que<br />
remete para uma Hollywood<br />
clássica que já não faz filmes sobre<br />
as lutas do po<strong>de</strong>r corporativo há<br />
uns largos anitos por não serem<br />
suficientemente emocionantes para<br />
a audiência <strong>de</strong> adolescentes que a<br />
mantém viva. “A Re<strong>de</strong> Social” é,<br />
paradoxalmente, um filme sobre a<br />
adolescência. Ou, melhor, sobre o<br />
modo como a transportamos<br />
connosco para a ida<strong>de</strong> adulta, e<br />
como ela fica menos para trás do<br />
que qualquer um <strong>de</strong> nós acha à<br />
partida. Os processos judiciais que<br />
servem <strong>de</strong> âncora narrativa não são<br />
mais do que versões sérias,<br />
“adultas”, das partidas e das praxes<br />
universitárias; tudo se reduz às<br />
rivalida<strong>de</strong>s petulantes, quase <strong>de</strong><br />
adolescente que se quer impôr, <strong>de</strong><br />
quem tem mais dinheiro, o carro<br />
mais espalhafatoso, a moto mais<br />
potente, a namorada mais<br />
estonteante.No guião do<br />
dramaturgo e argumentista Aaron<br />
Sorkin (“Uma Questão <strong>de</strong> Honra”,<br />
“Os Homens do Presi<strong>de</strong>nte”),<br />
inspirado no controverso livro <strong>de</strong><br />
Ben Mezrich, o Facebook é um<br />
mero arquétipo, usado para<br />
<strong>de</strong>smontar a singularida<strong>de</strong> da<br />
empresa — apresentada como uma<br />
mera extensão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
validação social que todos temos<br />
— e para revelar a sua<br />
universalida<strong>de</strong> — reproduzindo os<br />
lugares-comuns clássicos das lutas<br />
pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos<br />
imemoriais. Mark Zuckerberg<br />
(espantosa criação <strong>de</strong> Jesse<br />
Eisenberg) po<strong>de</strong> ser o mais jovem<br />
milionário do mundo, mas como<br />
disse (e bem) David Fincher ao “Le<br />
Mon<strong>de</strong>”, ser-se milionário aos<br />
<strong>de</strong>zanove anos não é pêra doce.<br />
E é numa das melhores frases <strong>de</strong><br />
um guião notável que se <strong>de</strong>ve<br />
encontrar a chave <strong>de</strong> “A Re<strong>de</strong><br />
Social”: “todos os mitos <strong>de</strong> criação<br />
“O Último Verão da Boyita”:<br />
a entdada na ida<strong>de</strong> adulta
As estrelas do público<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Uma Família Mo<strong>de</strong>rna mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
A Cida<strong>de</strong> mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Deixa-me entrar mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Gainsbourg: Vida Heróica mmmnn mmnnn mmnnn mmmnn<br />
Lola mmmmn nnnnn mmmmn mmmmm<br />
Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> mmmnn mmmnn mmmmm mmmnn<br />
36 Vistas do Monte Saint-Loup mmmnn mmmmn mmmmn mmmnn<br />
A Re<strong>de</strong> Social mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
O Refúgio mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
O Último Verão da Boyita mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />
precisam <strong>de</strong> um <strong>de</strong>mónio”. É por<br />
isso que não há computadores nem<br />
virtualida<strong>de</strong>s naquele que é o<br />
menos virtual e mais real filme <strong>de</strong><br />
Fincher até ao momento: este não é<br />
um filme sobre um site internet<br />
nem sobre o modo como ele mudou<br />
o mundo, é um filme sobre pessoas<br />
e sobre o modo como as relações<br />
virtuais não substituem as relações<br />
verda<strong>de</strong>iras do mundo real.<br />
É também por isso que não vale a<br />
pena procurar aqui um qualquer<br />
relato fiel e fi<strong>de</strong>digno da “verda<strong>de</strong>”<br />
do Facebook (e, para que conste,<br />
ninguém se sai a rir <strong>de</strong>ste retrato –<br />
nem Zuckerberg, nem o sócio<br />
fundador Eduardo Saverin, nem os<br />
gémeos Winklevoss que terão dado<br />
a i<strong>de</strong>ia original a Zuckerberg, não<br />
há santos nem pecadores). Não era<br />
isso que interessava nem a Sorkin<br />
nem a Fincher. A verda<strong>de</strong>ira re<strong>de</strong><br />
social não está online, e é essa a<br />
chave do guião (que <strong>de</strong>ve aliás bater<br />
um qualquer recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> débito <strong>de</strong> diálogos): por trás da<br />
internet estão apenas as mesmas<br />
velhas questões <strong>de</strong> sempre que<br />
fazem <strong>de</strong> nós quem somos. Dirão<br />
que isso faz <strong>de</strong> “A Re<strong>de</strong> Social”<br />
menos um filme do que uma peça?<br />
Ah, mas é aí que entra a mãozinha<br />
mágica <strong>de</strong> Fincher, que se limita a<br />
sustentar, com <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e<br />
inteligência, a estrutura <strong>de</strong> Sorkin,<br />
mas que o faz sem cair na armadilha<br />
<strong>de</strong> filmar à velocida<strong>de</strong> da internet<br />
ou <strong>de</strong> dirigir uma peça filmada. É<br />
mais difícil do que parece, e a<br />
mestria <strong>de</strong> Fincher é a <strong>de</strong> estar à<br />
altura do argumento que lhe coube<br />
filmar.<br />
“A Re<strong>de</strong> Social” é um <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />
filme. E é um <strong>gran<strong>de</strong></strong> filme sobre<br />
coisas muito mais universais do que<br />
o Facebook.<br />
Continuam<br />
O Último Verão da Boyita<br />
El Último Verano <strong>de</strong> la Boyita<br />
De Julia Solomonoff,<br />
com Guadalupe Alonso, Nicolás Treise,<br />
Mirella Pascual, Gabo Correa. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h,<br />
20h, 22h, 24h;<br />
A “Boyita” do título é uma caravana<br />
flutuante que seduziu os campistas<br />
argentinos nos anos 1970 e 1980,<br />
mas tem pouca ou nenhuma<br />
relevância narrativa para o que se<br />
conta no belo segundo filme <strong>de</strong> Julia<br />
Solomonoff – o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> dois<br />
adolescentes para o seu próprio<br />
corpo, num longínquo Verão<br />
campestre dos anos 1980. A<br />
relevância da “Boyita” é como um<br />
símbolo <strong>de</strong>sse passado que se <strong>de</strong>ixa<br />
para trás quando se percebe que,<br />
quase sem dar por isso, começamos<br />
a ser adultos. E a realizadora<br />
argentina encena esses momentoschave<br />
com a atenção e a elegância<br />
<strong>de</strong> quem sabe como são<br />
importantes mesmo que na altura<br />
não o pareçam, ou que só o<br />
percebamos à posteriori. O que<br />
resulta daqui é um filme inteligente<br />
que aborda a entrada na ida<strong>de</strong><br />
adulta por um ângulo invulgar,<br />
seduzindo-nos lentamente com a<br />
justeza do tom, dos actores, da<br />
encenação. É mais uma bela estreia<br />
para juntar à vitalida<strong>de</strong><br />
aparentemente inesgotável do novo<br />
cinema argentino. J. M.<br />
Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
De Raoul Ruiz<br />
com Adriano Luz, Maria João<br />
Bastos, Ricardo Pereira, Clotil<strong>de</strong><br />
Hesme, Afonso Pimentel, João Luís<br />
Arrais, Albano Jerónimo, João<br />
Baptista. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 20h30; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 11h, 16h, 21h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h30, 19h30; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 20h30; ZON<br />
“Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”:<br />
cada personagem<br />
como um abismo<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 21h;<br />
Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h;<br />
Súmula “ruiziana”, po<strong>de</strong> ser,<br />
sobretudo aquela experiência <strong>de</strong><br />
que cada personagem, cada vida, é<br />
um abismo. Em “Mistérios <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>” progredimos, então, <strong>de</strong><br />
queda em queda. É uma vertigem<br />
em câmara lenta. Não pela duração<br />
(cerca <strong>de</strong> quatro horas e meia <strong>de</strong><br />
filme) mas porque Ruiz contém o<br />
seu corte e colagem surrealizante – o<br />
espectador po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar-se cair sem<br />
ser distraído com <strong>de</strong>masiados<br />
acontecimentos. A primeira hora <strong>de</strong><br />
filme, então, é surpreen<strong>de</strong>nte:<br />
quando reparamos estamos já<br />
envolvidos pela loucura que dorme<br />
neste filme. Mas acontece que a<br />
queda vai sendo aparada ao longo<br />
das quatro horas, o mecanismo<br />
torna a coisa reconhecível. Deixa <strong>de</strong><br />
ser nítida a autonomia do folhetim<br />
em relação à televisão - problema do<br />
espectador, que se <strong>de</strong>ixou<br />
anestesiar, po<strong>de</strong> ser, problema<br />
também <strong>de</strong> “reconhecimento” dos<br />
actores, rostos que todos os dias nos<br />
aparecem na televisão; problema,<br />
enfim, do realizador, que às tantas<br />
entra em piloto automático. E vale a<br />
pena, claro Vasco Câmara<br />
36 Vistas do Monte Saint-Loup<br />
36 Vues du pic Saint-Loup<br />
De Jacques Rivette,<br />
com Sergio Castellito, Jane Birkin ,<br />
André Marcon, Jacques Bonnaffé,<br />
Julie-Marie Parmentier. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h35, 18h20,<br />
20h05, 22h05 Sábado Domingo 12h, 14h15, 16h35,<br />
18h20, 20h05, 22h05;<br />
Esta história <strong>de</strong> um diletante italiano<br />
que, intrigado por uma mulher, se<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a seduzi-la e no processo a<br />
encontrar a paz consigo mesma<br />
partilha o mesmo ADN <strong>de</strong> boulevard<br />
teatral, comédia <strong>de</strong> enganos<br />
estilizada, <strong>de</strong> obras mais recentes<br />
Cine-teatro S. Pedro<br />
Largo S. Pedro - Abrantes<br />
Estômago<br />
De Marcos Jorge, 2007, M/16<br />
10/11, 21:30h<br />
Cinema Teixeira <strong>de</strong><br />
Pascoaes<br />
Centro Comercial Santa Luzia - Amarante<br />
O Escritor Fantasma<br />
De Roman Polanski, 2009, M/12<br />
05/11, 21:30h<br />
Se<strong>de</strong> do Cine Clube do<br />
Barreiro<br />
Rua Almirante Reis, nº. 111, Barreiro<br />
Ruínas<br />
De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />
05/11, 21:30h<br />
4 Copas<br />
De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />
06/11, 17:00h<br />
Casa das Artes <strong>de</strong> Vila<br />
Nova <strong>de</strong> Famalicão<br />
Parque <strong>de</strong> Sinçães – Famalicão (CC <strong>de</strong> Joane)<br />
Conto De Inverno<br />
De Eric Rohmer, 1991, M/12 Q<br />
09/11, 21:30h<br />
Presente De Morte<br />
De Richard Kelly, ly, 2009,<br />
M/12<br />
11/11, 21:30h<br />
Auditório o IPJ<br />
Rua da PSP, Faro<br />
Histórias Da<br />
Ida<strong>de</strong> De<br />
Ouro<br />
De Ioana<br />
Uricaru, “Whisky”<br />
Projecto Pr P oje Uma campanha<br />
eleitoral – que outra<br />
coisa po<strong>de</strong>ria ser? –<br />
está em pano <strong>de</strong> fundo<br />
na próxima realização <strong>de</strong><br />
George Clooney, “Farragut<br />
North”. Entre os intérpretes:<br />
Philip Seymour Hoff man e<br />
Paul Giamatti.<br />
Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt<br />
“Vão-Me Buscar Alecrim”, dos irmãos Safdie, em Vila do Con<strong>de</strong><br />
Hanno Höffer, Rãzvan Mãrculescu,<br />
2010, M/12<br />
08/11, 21:30h<br />
Cinemas Ria Shoping<br />
– Sala 3<br />
Estrada Nacional 125, 100 – Olhão<br />
Irene<br />
De Alain Cavalier, 2009, M/12<br />
09/11, 21:30h<br />
Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />
Vila do Con<strong>de</strong><br />
Av. João Canavarro –Vila do Con<strong>de</strong><br />
Vão-me Buscar Alecrim<br />
De Ben Safdie e Joshua Safdie, 2009,<br />
M/12<br />
07/11, 16:00h/21:45h<br />
Cine-teatro António<br />
Pinheiro<br />
R. Guilherme Gomes Fernan<strong>de</strong>s, 5 - Tavira<br />
John Rabe - O Negociador<br />
De Florian Gallenberger, 2009, M/12<br />
07/11, 21:30h<br />
<strong>Lisboa</strong> Domiciliária<br />
De Marta Pessoa, 2010, M/12<br />
11/11, 21:30h<br />
Teatro Virgínia<br />
Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas<br />
Lyubav 2.1. (curta-metragem)<br />
De Casimir Nikodim, 2009, M/16<br />
Sem Nome<br />
De Cary Fukunaga, 2009, M/16<br />
10/11, 21:30h<br />
Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />
Vila do Con<strong>de</strong><br />
Av. João Canavarro - Vila do Con<strong>de</strong><br />
Vão-Me Vão Me Buscar Alecrim A<br />
De Ben Safdie e Jo Joshua Safdie,<br />
M/12, 2009<br />
07/11, 16:00h e 21:45h<br />
Auditório IPJ<br />
R. Dr. Aresti<strong>de</strong>s <strong>de</strong> So Sousa Men<strong>de</strong>s, 33 - Viseu<br />
Whisky W<br />
De Juan Pablo<br />
Rebella e Pablo<br />
Stoll, 2004, M/12<br />
09/11, 21:00h<br />
Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 51
Cinema<br />
Sexta, 05<br />
O Prazer<br />
Le Plaisir<br />
De Max Ophüls. Com Jean Gabin,<br />
Ma<strong>de</strong>leine Renaud, Danielle<br />
Darrieux. 97 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Regresso <strong>de</strong> Frank James<br />
The Return of Frank James<br />
De Fritz Lang. Com Henry Fonda,<br />
Gene Tierney, John Carradine. 92<br />
min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Encontro<br />
Ren<strong>de</strong>z-Vous<br />
De André Téchiné. Com Juliette<br />
Binoche, Lambert Wilson, Wa<strong>de</strong>ck<br />
Stanczak. 87 min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
O Sargento Negro<br />
Sergeant Rutledge<br />
De John Ford. Com Billie Burke,<br />
Constance Towers, Jeffrey Hunter,<br />
Woody Stro<strong>de</strong>. 109 min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
A Culpa dos Inocentes<br />
Les Innocents<br />
De André Téchiné. Com Jean-Clau<strong>de</strong><br />
Brialy, Simon <strong>de</strong> La Brosse, Sandrine<br />
Bonnaire. 96 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Sábado, 06<br />
Silvestre<br />
De João César Monteiro. Com Luís<br />
Miguel Cintra, Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros,<br />
Teresa Madruga. 110 min. M12.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
A Marquesa <strong>de</strong> O<br />
Die Marquise von O.<br />
De Eric Rohmer. Com Bruno Ganz,<br />
Edda Seippel, Edith Clever, Peter eter<br />
Lühr. 107 min. M12.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Point of Or<strong>de</strong>r + L’’aff aire<br />
Dreyfus<br />
Point of Or<strong>de</strong>r<br />
De Emile <strong>de</strong> Antonio. 92 min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Anatomia <strong>de</strong> um Crime<br />
Anatomy of a Mur<strong>de</strong>r<br />
De Otto Preminger. Com Ben<br />
Gazzara, James Stewart, Lee<br />
Remick. 161 min. M12.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Regresso <strong>de</strong> Frank James s<br />
The Return of Frank James s<br />
De Fritz Lang. Com Henry<br />
Fonda, Gene Tierney, John<br />
Carradine. 92 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />
52 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Segunda, 08<br />
Friendly Enemies<br />
De Allan Dwan. Com Charles<br />
Winninger, Charles Ruggles, James<br />
Craig. 95 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Corneille-Brecht + O somma Luce<br />
De Cornelia Geiser, Jean-Marie<br />
Straub. 29 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Não Dou Beijos<br />
J’embrasse Pas<br />
De André Téchiné. Com Emmanuelle<br />
Béart, Hélène Vincent, Manuel Blanc,<br />
Philippe Noiret. 115 min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Dites-Moi Quelque Chose<br />
De Philippe Lafosse. 94 min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Pássaros <strong>de</strong> Asas Cortadas<br />
De Artur Ramos. Com Lucia Amram,<br />
Júlia Buisel, Ruy <strong>de</strong> Carvalho. 91 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Terça, 09<br />
Imitação da Vida<br />
Imitation of Life<br />
De Douglas Sirk. Com Jonh Gavin,<br />
Juanita Moore, Lana Turner. 124 min.<br />
M12.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Os Juncos Silvestres<br />
Les Roseaux Sauvages<br />
De André Téchiné. Com Élodie<br />
Bouchez, Gaël Morel, Stéphane<br />
Ri<strong>de</strong>au. 110 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Uma Noite na Ópera + The<br />
Playhouse<br />
A Night at the Opera<br />
De Sam Wood. Com Chico Marx,<br />
Groucho Marx, Harpo Marx, Kitty<br />
Carlisle, Morrie Ryskind. 92 min. M12.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Polícia Violento<br />
Sono otoko, kyôbô ni tsuki<br />
De Takeshi Kitano. Com Beat Takeshi,<br />
Maiko Kawakami, Makoto Asikawa,<br />
Shiro Sano. 103 min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Takeshi Kitano<br />
na Cinemateca<br />
Rodagem<br />
Céline et Julie vont en Bateau<br />
De Jacques Rivette. Com Juliet Berto,<br />
Dominique Labourier, Bulle Ogier.<br />
185 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quarta, 10<br />
História <strong>de</strong> um Detective<br />
Detective Story<br />
De William Wyler. Com Kirk Douglas,<br />
Eleanor Parker, William Bendix. 103<br />
min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Komal Gandhar<br />
De Ritwik Ghatak. Com Abinash<br />
Bannerjee, Satindra Bhattacharya,<br />
Bijon Bhattacharya.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Estás-te a Safar?<br />
Minnâ-yatteruka!<br />
De Takeshi Kitano. Com Dankan. 108<br />
min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Vertiges<br />
De Christine Laurent. Com Magali<br />
Noël, Krystyna Janda, Paulo Autran.<br />
110 min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Os Juncos Silvestres<br />
Les Roseaux Sauvages<br />
De André Téchiné. Com Élodie<br />
Bouchez, Gaël Morel, Stéphane<br />
Ri<strong>de</strong>au. 110 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quinta, 11<br />
David Fincher, cher, r<br />
<strong>de</strong> quem se e<br />
estreia esta a<br />
semana<br />
“The Social al<br />
Network”,<br />
escolheu<br />
Rooney Mara ara<br />
Cega Paixão<br />
On Dangerous Ground<br />
De Nicholas Ray. Com Ida Lupino,<br />
Robert Ryan, Ward Bond. 85 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Ponto <strong>de</strong> Ebulição<br />
3-4 x jûgatsu<br />
De Takeshi Kitano. Com Takeshi<br />
Kitano, Yûrei Yanagi, Yuriko Ishida,<br />
Gadarukanaru Taka. 96 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Les Yeux Sans Visage<br />
De Georges Franju. Com Pierre<br />
Brasseur, Edith Scob, Alida Valli. 91<br />
min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Xi meng ren sheng<br />
De Hsiao-hsien Hou. Com TTianlu<br />
Li,<br />
Giong Lim, Ming Hwa Bai. 1142<br />
min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Os Rapazes<br />
Regressam<br />
Regr<br />
Kidzu Ki<br />
Ritan Ri R<br />
De Takeshi<br />
Kita Kitano. Com<br />
Hatsu Hatsuo<br />
Yamaya, KKen<br />
Kaneko, Leo Mo Morimoto,<br />
Masanobu Ando. 107 min min. M12.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
do seu realizador como “Sabe-se<br />
Lá!”. Mas, ambientada no universo<br />
<strong>de</strong> um pequeno circo ambulante em<br />
crise após a morte do seu fundador,<br />
transporta também um perfume<br />
melancólico, <strong>de</strong> requiem por algo<br />
(talvez um modo <strong>de</strong> pensar ou <strong>de</strong><br />
fazer o cinema?) em vias <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparecimento. “36 Vistas do<br />
Monte Saint-Loup” transforma-se<br />
então numa <strong>de</strong>smontagem metódica<br />
da arte da comédia cruzada <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstração do difícil que é fazer<br />
rir, mas essa elegância (e a presença<br />
sublime <strong>de</strong> Sergio Castellitto) não<br />
evitam alguma ari<strong>de</strong>z, alguma<br />
secura, uma sensação ora <strong>de</strong> piloto<br />
automático ora <strong>de</strong> filme em perda.<br />
Não é vergonha nenhuma para<br />
mestre Rivette dizer que esta<br />
comédia discreta e pacata é uma<br />
entrada menor no corpo da sua<br />
obra, sobretudo <strong>de</strong>pois do sublime<br />
“Não Toquem no Machado” — o que<br />
é vergonha é que essa obra-prima<br />
tenha ficado por estrear em sala<br />
entre nós e tenha saído directamente<br />
para DVD... J.M.<br />
Gainsbourg: Vida Heróica<br />
Gainsbourg (Vie Héroïque)<br />
De Joann Sfar,<br />
com Éric Elmosnino, Lucy Gordon,<br />
Laetitia Casta, Doug Jones, Anna<br />
Mouglalis, Sara Forestier, Mylène<br />
Jampanoï, Yolan<strong>de</strong> Moreau, Kacey<br />
Mottet Klein. M/12<br />
MMMnn<br />
para interpretar<br />
Lisbeth San<strong>de</strong>r<br />
em “The<br />
Girl with the<br />
Dragon Tatoo”,<br />
aadaptação<br />
do<br />
pprimeiro<br />
volume<br />
da<br />
trilogia<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª<br />
Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />
Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 22h, 00h30;<br />
As intenções <strong>de</strong> Joann Sfar (ler<br />
entrevista no Ípsilon <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong><br />
Outubro) <strong>de</strong> resgatar o seu filme a um<br />
paradigma “realista” do cinema<br />
francês encontram matéria à altura<br />
em “Gainsbourg, Vida Heróica”. Mas<br />
isso - e é o mais interessante -<br />
também não empurra<br />
automaticamente o filme para a<br />
gaveta on<strong>de</strong> está a herança da contracorrente<br />
artificiosa que se<br />
<strong>de</strong>senvolveu na indústria francesa<br />
nos anos 80 - <strong>de</strong>vedora <strong>de</strong> um “chic”<br />
publicitário, com nomes como Jean<br />
Jacques Beineix, Luc Besson ou (na<br />
“Gainsbourg: Vida Heróica”<br />
“Millenium”. Mara está<br />
também no elenco <strong>de</strong> “The<br />
Social Network”. Fincher<br />
roda o fi lme na Suécia,<br />
e é Daniel Craig quem<br />
interpreta a personagem<br />
do jornalista Mikael<br />
Blomkvist.<br />
altura) a dupla Jeunet e Caro. Se<br />
quisermos encontrar filiação, vamos<br />
encontrá-la, por exemplo, na<br />
afectação neurasténica <strong>de</strong> Spike<br />
Jonze ou Wes An<strong>de</strong>rson. Dito isto,<br />
Sfar não aguenta sempre<br />
“Gainsbourg (vie héroïque)” nas<br />
alturas – nas alturas, por exemplo, do<br />
encontro entre Gainsbourg, Gréco,<br />
Bardot e Jane Birkin ou nas alturas da<br />
abrasiva dança do homem com o seu<br />
duplo. Está em todo o projecto, aliás<br />
– mesmo que isso possa casar com a<br />
“<strong>de</strong>cadência” da figura – um certo<br />
sentimento <strong>de</strong> lassidão. Mas o filme<br />
faz-se notar. V. C.<br />
Deixa-me Entrar<br />
Let Me In<br />
De Matt Reeves,<br />
com Chloë Grace Moretz, Kodi<br />
Smit-McPhee, Elias Koteas, Cara<br />
Buono, Sasha Barrese, Richard<br />
Jenkins. M/16<br />
MMMNN<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45 6ª Sábado 21h45, 00h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h35 3ª 4ª 16h30,<br />
19h05, 21h45, 00h35<br />
“Deixa-me Entrar” é, paradoxo dos<br />
paradoxos, um óptimo filme inútil. A<br />
“remake” americana do excelente<br />
filme homónimo do sueco Tomas<br />
Alfredson sobre a amiza<strong>de</strong> entre um<br />
miúdo solitário e uma menina<br />
vampira é um objecto feito com<br />
gosto, cuidado, inteligência e enorme<br />
respeito pelo original. É, coisa<br />
raramente vista, uma “remake” que<br />
não trai, distorce ou <strong>de</strong>turpa – antes<br />
pelo contrário, Matt Reeves<br />
(cúmplice <strong>de</strong> J. J. Abrams e autor <strong>de</strong><br />
“Nome <strong>de</strong> Código: Cloverfield”)<br />
traduz na perfeição o ambiente <strong>de</strong><br />
fábula negra sobre a iniciação ao<br />
mundo real, o onirismo inquieto e<br />
amplificado. Mais do que uma<br />
adaptação, é uma verda<strong>de</strong>ira<br />
tradução do original sueco para<br />
inglês, feita com cuidado e atenção.<br />
Mas há uma diferença entre traduzir<br />
um livro e traduzir um filme – e se o<br />
livro precisa <strong>de</strong> tradução para viajar,<br />
um filme não. E o <strong>gran<strong>de</strong></strong> problema<br />
<strong>de</strong>sta “remake” é que nada adianta<br />
nem inventa relativamente ao filme<br />
<strong>de</strong> Tomas Alfredson: é
“O Refúgio”: um pequeno Ozon<br />
uma segunda encenação do mesmo<br />
texto que não traz uma leitura<br />
diferente, apenas reencena o original<br />
para benefício <strong>de</strong> um público a quem<br />
um filme sueco não convenceria.<br />
Mas, por mais respeitoso e impecável<br />
que o exercício seja – e é – a sua<br />
futilida<strong>de</strong> torna-se <strong>de</strong>pressa óbvia: <strong>de</strong><br />
que serve refazer um bom filme<br />
quando não se consegue fazer<br />
melhor que o original? J. M.<br />
O Refúgio<br />
Le Refuge<br />
De François Ozon,<br />
com Isabelle Carré, Louis-Ronan<br />
Choisy, Pierre Louis-Callixte, Melvil<br />
Poupaud. M/12<br />
MMNNN<br />
<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h50, 19h25, 21h35, 00h05<br />
Domingo 11h30, 14h25, 16h50, 19h25, 21h35, 00h05<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h, 21h30 3ª 4ª 16h45,<br />
19h, 21h30<br />
François Ozon oscila, muitas vezes,<br />
entre a completu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
perfeição inacabada e o risco<br />
assumido <strong>de</strong> olhar para as muitas<br />
faces do vazio, sempre com o mundo<br />
feminino no centro da<br />
representação. “O Refúgio” está<br />
longe dos fulgores <strong>de</strong> “Sous le Sable”<br />
ou mesmo <strong>de</strong> “Oito Mulheres”, mas<br />
possui a coerência mínima<br />
necessária para reconhecermos o<br />
toque <strong>de</strong> um “autor”. O problema<br />
principal resi<strong>de</strong> na dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
unificar uma narrativa fragmentária<br />
e algo <strong>de</strong>scosida, sem o <strong>de</strong>lírio que a<br />
matéria <strong>de</strong> partida parecia exigir.<br />
Persiste uma frieza cirúrgica que se<br />
preocupa mais com o pormenor que<br />
com o todo. E, no entanto, só para<br />
ver o modo como Ozon transfigura<br />
uma história que lhe interessa pouco<br />
e o rosto <strong>de</strong> Isabelle Carré já justifica<br />
o esforço. Um pequeno Ozon já é<br />
alguma coisa, nos tempos que vão<br />
correndo. Mário Jorge Torres<br />
Uma Família Mo<strong>de</strong>rna<br />
Mine Vaganti<br />
De Ferzan Ozpetek,<br />
com Riccardo Scamarcio, Nicole<br />
Grimaudo, Alessandro Preziosi. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 16h, 18h40, 21h 6ª 16h, 18h40, 21h, 23h50<br />
Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h, 23h50 Domingo<br />
“36 Vistas do Monte<br />
Saint-Loup”: <strong>de</strong>smontagem<br />
metódica da arte<br />
da comédia<br />
13h20, 16h, 18h40, 21h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h15,<br />
17h25, 19h35, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10,<br />
16h40, 19h10, 21h40, 00h10 Domingo 11h30, 14h10,<br />
16h40, 19h10, 21h40, 00h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h25, 18h55, 21h30, 00h15 3ª<br />
4ª 16h25, 18h55, 21h30, 00h15<br />
O problema principal <strong>de</strong> “Uma<br />
Família Mo<strong>de</strong>rna” não passa pelo<br />
argumento que, sem inovar<br />
<strong>gran<strong>de</strong></strong>mente, nem a nível das<br />
situações, nem a nível da consistência<br />
visual, parece encaixar-se com<br />
alguma elegância na “comédia à<br />
italiana” dos tempos áureos, algures<br />
entre a crónica familiar e o “gag”<br />
acumulativo e algo estereotipado. O<br />
problema, dizíamos, resi<strong>de</strong> no facto<br />
<strong>de</strong> Ferzan Oztepek, um tarefeiro bem<br />
intencionado, não possuir os dotes<br />
necessários para articular as<br />
peripécias anedóticas que acumula:<br />
não é Dino Risi ou Mario Monicelli<br />
quem quer e o realizador, embora<br />
revelando uma razoável capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> “mise-en-scène”, fica-se muitas<br />
vezes pelo lado mais superficial da<br />
história do filho homossexual que<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> “sair do armário”, sem<br />
conseguir construir personagens<br />
credíveis. Dito isto, no panorama<br />
triste do cinema italiano<br />
contemporâneo, “Uma Família<br />
Mo<strong>de</strong>rna” não faz má figura e não<br />
insulta ninguém, nem mesmo os<br />
clássicos que preten<strong>de</strong>r revisitar.<br />
M.J.T.<br />
La Pivellina<br />
De Tizza Covi, Rainer Frimmel,<br />
com Tairo Caroli, Asia Crippa,<br />
Patrizia Gerardi. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h10<br />
Há dois trunfos na primeira ficção da<br />
dupla italo-austríaca Tizza Covi/<br />
Rainer Frimmel. Primeiro: a recusa<br />
<strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> modo con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />
para aqueles que vivem “à margem”<br />
da socieda<strong>de</strong> “tradicional”, no caso<br />
uma comunida<strong>de</strong> italiana <strong>de</strong> artistas<br />
<strong>de</strong> circo que vive <strong>de</strong> expedientes<br />
num arrabal<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma. Segundo: o<br />
modo como “La a Pivellina”<br />
se inscreve na actual ctual<br />
exploração <strong>de</strong> formas ormas<br />
cinematográficas as<br />
híbridas, utilizando ndo<br />
técnicas e marcas as<br />
formais do<br />
documentário para<br />
contar uma ficção ão<br />
- improvisada pelo elo<br />
elenco (actores<br />
não<br />
profissionais,<br />
oriundos<br />
efectivamente<br />
da comunida<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> tudo se<br />
passa) a partir <strong>de</strong><br />
situações e fios<br />
narrativos<br />
fornecidos “La Pivellina”<br />
“Tamara Drewe”: divertido mas inconsequente<br />
pelos realizadores, mas ficção ainda<br />
assim. O problema é que isso não<br />
basta para sustentar uma longametragem:<br />
a história <strong>de</strong> uma menina<br />
abandonada recolhida por um casal<br />
<strong>de</strong> artistas, tem o mérito <strong>de</strong> não<br />
tombar no rodriguinho<br />
melodramático do neo-realismo<br />
clássico (e seria tão fácil), mas é frágil<br />
enquanto ficção e nunca consegue<br />
evitar a banalida<strong>de</strong> do melodrama da<br />
maternida<strong>de</strong> reencontrada. Fica a<br />
sensação <strong>de</strong> que Covi e Frimmel, que<br />
vêm do documentário (on<strong>de</strong><br />
trabalharam precisamente com esta<br />
comunida<strong>de</strong> em filmes como<br />
“Babooska”, apresentado no<br />
Doc<strong>Lisboa</strong> 2006), estão mais<br />
interessados no dispositivo que na<br />
narrativa, no processo mais que no<br />
resultado, no modo como a estética<br />
do documentário po<strong>de</strong> ser<br />
manipulada como uma ferramenta<br />
narrativa – mas fazem-no <strong>de</strong> um<br />
modo razoavelmente convencional,<br />
numa altura em que outros cineastas<br />
já a levaram muito mais longe do que<br />
isto. A experiência não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />
interessante, mesmo que algo<br />
estéril. J. M.<br />
Tamara Drewe<br />
De Stephen Frears,<br />
com Gemma Arterton, Roger Allam,<br />
Bill Camp, Dominic Cooper. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 21h40, 00h10<br />
Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 21h40, 00h10<br />
“Tamara Drewe” faz a ponte com os<br />
dois anteriores filmes <strong>de</strong> Stephen<br />
Frears, “A Rainha” e “Cheri”, no<br />
olhar ácido e <strong>de</strong>sapaixonado sobre<br />
um microcosmos e o modo como<br />
uma mulher procura escapar-lhe<br />
para se re<strong>de</strong>finir enquanto pessoa –<br />
e a Tamara <strong>de</strong> Gemma Arterton,<br />
jornalista que regressa <strong>de</strong> Londres à<br />
sua al<strong>de</strong>ia natal para refazer a vida, é<br />
tão cortesã como era a Cheri <strong>de</strong><br />
Michelle Pfeiffer, mesmo que <strong>de</strong><br />
modos diferentes. Frears aproveita<br />
ao máximo as oportunida<strong>de</strong>s que o<br />
guião lhe propõe para <strong>de</strong>smontar a<br />
aparência ap apar pacata dos<br />
retiros re r t bucólicos e<br />
fazer fa uma sátira<br />
<strong>de</strong>vastadora d<br />
aos<br />
costumes co c britânicos,<br />
mas m a dispersão <strong>de</strong><br />
tramas tram e personagens<br />
resulta resul num filme mole<br />
e sem ritmo, on<strong>de</strong> a<br />
verda<strong>de</strong>ira v estrela<br />
não é a<br />
convenientemente<br />
plástica Arterton<br />
mas a<br />
esplendorosa<br />
Tamsin T Greig como<br />
a esposa frustrada<br />
<strong>de</strong> um romancista<br />
pedante. pedant Divertido mas<br />
inconsequente, inconse é um<br />
filme menor m na obra do<br />
cineasta cinea britânico. J. M.<br />
Patrícia Portela &<br />
Cláudia Jardim<br />
Jogo das Perguntas<br />
© Worldmapper.org<br />
4 a 7 Novembro<br />
semana 10h00 | sábado 16h00 | domingo 11h00<br />
Criança 2,50€ | Adulto 5€<br />
apresentações no âmbito da re<strong>de</strong> co-financiado por<br />
teatro | a partir dos 8 anos<br />
Inserido no Festival Temps d’Images<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
teatro<br />
mala voadora &<br />
Third Angel<br />
What I Heard<br />
About The World<br />
12 a 20 Novembro (excepto dia 16)<br />
segunda a sábado 21h30 | domingo 18h00 | 12€ /
Expos<br />
A refl exão<br />
<strong>de</strong> Francisco<br />
Tropa acerca<br />
da naturezamorta<br />
culmina<br />
com uma<br />
natureza<br />
literalmente<br />
morta: uma<br />
mosca enorme<br />
projectada<br />
contra uma<br />
pare<strong>de</strong><br />
54 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />
Um lance<br />
<strong>de</strong> dados<br />
Paisagem e natureza-morta<br />
em “Scripta”, <strong>de</strong> Francisco<br />
Tropa. Óscar Faria<br />
Scripta<br />
De Francisco Tropa.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Quadrado Azul. Largo dos Stephens,<br />
4. Tel.: 213476280. Até 27/11. 3ª a Sáb. das 13h<br />
às 20h.<br />
Escultura, Outros.<br />
mmmmm<br />
“Illicit<br />
Thoughts”, <strong>de</strong><br />
Ana Cardoso,<br />
na João Lagoa<br />
“Alea iacta est” ou “alea jacta est”<br />
(em português “os dados estão<br />
lançados”) é uma frase latina<br />
atribuída pelo historiador Suetónio a<br />
Júlio César, quando, em 49 a.C., o<br />
estadista romano <strong>de</strong>cidiu cruzar o<br />
rio Rubicão, entrando assim em<br />
Itália, vindo da Gália Cisalpina: na<br />
época, este era consi<strong>de</strong>rado um acto<br />
<strong>de</strong> guerra – “atravessar o Rubicão” é<br />
uma expressão idiomática que<br />
significa “passar um ponto sem<br />
retorno”.<br />
Sinónima <strong>de</strong> sorte,<br />
risco e acaso, a palavra “alea” servia<br />
para nomear não só o dado, o<br />
objecto, mas também o acto <strong>de</strong><br />
participar num jogo <strong>de</strong> azar. O poeta<br />
romano Juvenal, conhecido pelas<br />
suas máximas – uma das mais<br />
célebre comenta o facto <strong>de</strong> o comum<br />
dos cidadãos apenas se interessar<br />
por “pão e circo” (“panem et<br />
circenses”), em vez <strong>de</strong> lutar pela sua<br />
liberda<strong>de</strong> –, con<strong>de</strong>nava assim os<br />
jogadores: “Não é já acompanhado<br />
<strong>de</strong> bolsas que se tenta a sorte na<br />
mesa <strong>de</strong> jogo; traz-se a caixa e jogase.<br />
Que combates são estes? É<br />
simplesmente o furor <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r cem<br />
mil sestércios e <strong>de</strong> não dar uma<br />
túnica a um escravo que morre <strong>de</strong><br />
frio.”<br />
Séculos mais tar<strong>de</strong>, em 1897,<br />
Stéphane Mallarmé escreve o poema<br />
tipográfico “Um lance <strong>de</strong> dados<br />
jamais abolirá o acaso” – o texto será<br />
reduzido à sua estrutura por Marcel<br />
Broodthaers, num livro <strong>de</strong> artista<br />
publicado em 1969, em Antuérpia.<br />
No texto oitocentista, o autor francês<br />
afirma a potência criativa contida no<br />
imprevisto. Na introdução à sua<br />
obra, editada na revista<br />
“Cosmopolis”, Mallarmé sublinha a<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> situar o poema num<br />
“estado” que não cortava <strong>de</strong> todo<br />
com a tradição. E consi<strong>de</strong>ra que o<br />
seu breve prefácio não <strong>de</strong>veria<br />
“ofuscar ninguém”, <strong>de</strong>veria apenas<br />
conter a informação “suficiente,<br />
para abrir os olhos”. Nota o poeta:<br />
“Hoje ou sem presumir acerca do<br />
futuro que daqui sairá, nada ou<br />
quase uma arte, reconhecemos<br />
facilmente que a tentativa participa,<br />
inesperadamente, <strong>de</strong> investigações<br />
particulares e caras ao nosso tempo,<br />
o verso livre e o poema em prosa”.<br />
Em “Scripta”, Francisco Tropa<br />
joga com as palavras e com os<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
Seek And Hi<strong>de</strong><br />
De Luis Melo.<br />
Porto. Galeria Artes Solar Sto. António. Rua do<br />
Rosário, 84. Tel.: 222013009. De 06/11 a 04/12. 3ª a<br />
6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 11h às 20h.<br />
Inaugura 6/11 às 16h.<br />
Pintura.<br />
Illicit Thoughts<br />
De Ana Cardoso.<br />
Porto. Galeria João Lagoa. R. Miguel Bombarda<br />
408. De 06/11 a 11/12. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.<br />
Inaugura 6/11 às 16h.<br />
Pintura.<br />
Conforme o Dia<br />
De José Lourenço.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea.<br />
Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831.<br />
De 10/11 a 30/12. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb.<br />
das 12h às 19h30. Inaugura 10/11 às 21h30.<br />
Pintura, Desenho, Ví<strong>de</strong>o.<br />
António Barreto: Fotografi as,<br />
1967/2010<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Corrente d’Arte. Avenida Dom<br />
Carlos I, 109. Tel.: 213941722. De 11/11 a 30/12. 2ª<br />
a Sáb. das 14h às 19h. Inaugura 11/11 às 19h.<br />
Fotografia.<br />
Po<strong>de</strong>ngo<br />
De Brígida Machado.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“Uma”,<br />
<strong>de</strong> Cristina<br />
Lamas, na<br />
Giefarte<br />
objectos. Esse exercício tanto po<strong>de</strong><br />
tomar como referência um jogo <strong>de</strong><br />
mesa romano intitulado “ludus<br />
duo<strong>de</strong>cim scriptorum” ou “XII<br />
Scripta”, o qual se jogava com dois<br />
ou três dados, como as marcas que<br />
se inscrevem num muro, tal como<br />
suce<strong>de</strong>u em Pompeia, no instante da<br />
erupção do vulcão. Há também o<br />
facto <strong>de</strong> “scripta” dar origem às<br />
palavras “escrita” e “escritor”: a<br />
exposição po<strong>de</strong> ser assim lida como<br />
uma frase ou um conjunto <strong>de</strong> frases,<br />
que, no fim, acabam por se sobrepor<br />
numa pare<strong>de</strong>.<br />
“Scripta” é percorrida pelos temas<br />
habituais do trabalho do artista:<br />
paisagem e natureza-morta. Estamos<br />
na antecâmara <strong>de</strong> um trabalho em<br />
processo. Os dados estão lançados e<br />
não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno.<br />
Esta é também uma exposição<br />
“rousseliana” – imagine-se lê-la<br />
como um parêntesis entre outro<br />
parêntesis. Uma infinita “mise-enabyme”<br />
da qual apenas se vêem as<br />
primeiras incisões: águas-fortes nas<br />
pare<strong>de</strong>s, bronzes no chão, originais<br />
e cópias sobre mesas. Há uma<br />
espécie <strong>de</strong> arqueologia das palavras<br />
e das coisas que trouxe estas formas<br />
à superfície.<br />
Nas esculturas, gravuras e<br />
projecções <strong>de</strong> Francisco Tropa é<br />
possível <strong>de</strong>scobrir relações com<br />
obras e autores que vêm da<br />
antiguida<strong>de</strong> clássica até ao presente.<br />
A exposição inicia-se com uma<br />
janela, ou antes a moldura <strong>de</strong> uma<br />
janela, passada a bronze, pousada<br />
no chão e encostada à pare<strong>de</strong>.<br />
Olhada <strong>de</strong> perto, a textura do<br />
material forma ela própria uma<br />
paisagem – é possível imaginar uma<br />
cordilheira a partir das elevações<br />
que resultam do processo <strong>de</strong><br />
fundição da peça. Passe-se <strong>de</strong>pois às<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Trema. Rua do Jasmim, 30. Tel.:<br />
218130523. De 11/11 a 11/12. 3ª a 6ª das 13h às 19h30.<br />
Sáb. das 12h às 19h.<br />
Pintura.<br />
Helga Stüber-Nicolas<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Trema. Rua do Jasmim, 30. Tel.:<br />
218130523. De 11/11 a 11/12. 3ª a 6ª das 13h às 19h30.<br />
Sáb. das 12h às 19h.<br />
Escultura.<br />
Trabalhos Recentes<br />
De Helena Lapas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Ratton. Rua da Aca<strong>de</strong>mia das<br />
Ciências, 2C. Tel.: 213460948. De 04/11 a 30/12. 2ª a<br />
6ª das 10h às 19h30. Inaugura 4/11 às 21h30.<br />
Outros.<br />
Continuam<br />
“X Y Z”, <strong>de</strong><br />
Marco Pires,<br />
na Pedro<br />
Oliveira<br />
X Y Z<br />
De Marco Pires.<br />
Porto. Galeria Pedro Oliveira. Calçada <strong>de</strong><br />
Monchique, 3. Tel.: 222007131. Até 11/12. 3ª a Sáb. das<br />
15h às 20h.<br />
Pintura, Desenho, Outros.<br />
Os Professores<br />
De Álvaro Lapa, Ângela Ferreira,<br />
Eduardo Batarda, entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474 . Até 02/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Pintura, Escultura, Outros.<br />
águas-fortes e po<strong>de</strong>m nelas<br />
<strong>de</strong>scobrir-se cascatas, montanhas,<br />
cristalizações, tempesta<strong>de</strong>s, um céu<br />
estrelado e outras figuras. É como se<br />
a partir <strong>de</strong> superfícies<br />
aparentemente abstractas emergisse<br />
um imaginário ligado à realida<strong>de</strong><br />
– Brassaï, Gerhard Richter e Henri<br />
Michaux são alguns dos nomes que<br />
po<strong>de</strong>m ser convocados para a leitura<br />
<strong>de</strong>stes trabalhos.<br />
Pedras, paus, garrafas, um frasco<br />
e uma caixa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira passados a<br />
bronze constituem o núcleo<br />
escultórico da exposição. Por vezes,<br />
originais e cópias convivem lado a<br />
lado, noutras, essa coexistência é<br />
cortada literalmente a meio. Há<br />
ainda situações <strong>de</strong> engano: aquilo<br />
que parece não é. Estamos aqui<br />
perante uma reflexão acerca <strong>de</strong> um<br />
género, a natureza-morta, com<br />
origem em Roma – Morandi é um<br />
nome que surge como evidência<br />
neste capítulo; há ainda a<br />
omnipresença <strong>de</strong> Duchamp em toda<br />
a exposição, sendo que o artista<br />
francês tinha entre os seus autores<br />
<strong>de</strong> eleição quer Mallarmé, quer<br />
Roussel.<br />
No fim, uma natureza literalmente<br />
morta, uma mosca, e uma teia <strong>de</strong><br />
aranha são projectadas – no caso do<br />
insecto po<strong>de</strong> dizer-se esmagado –<br />
contra uma pare<strong>de</strong>. A escala é<br />
imensa, como se aquelas figuras<br />
adquirissem a forma <strong>de</strong> um sonho. A<br />
luz do projector inci<strong>de</strong> sobre os<br />
objectos colocados em cima <strong>de</strong> duas<br />
mesas. Um mundo <strong>de</strong> sombras<br />
forma-se no muro da galeria:<br />
original e cópia são<br />
<strong>de</strong>smaterializados, tornam-se<br />
imagem. Há a pose e o instante,<br />
componentes da fotografia. Um<br />
tempo em suspensão.<br />
Os dados estão lançados.<br />
Res Publica - 1910<br />
e 2010 Face a Face<br />
De Ângela Ferreira, Bruce Nauman,<br />
entre outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 16/01.<br />
3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Pintura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />
Wall Piece<br />
De Gary Hill.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto,<br />
4. Tel.: 213432148. Até 21/11. 3ª a Dom. das 10h às<br />
18h.<br />
Temps d’ Images 2010. Instalação.<br />
Silvae<br />
De João Queiroz<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 09/01. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.<br />
Pintura, Desenho.<br />
Uma<br />
De Cristina Lamas.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. Rua Arrábida, 54B. Tel.:<br />
213880381. Até 19/11. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />
Pintura.<br />
Bayonets Replacing Toothpicks<br />
De André Lemos.<br />
Porto. Dama Aflita. R. da Picaria, 84. Tel.:<br />
927203858. Até 27/11. 2ª a Sáb. das 15h às 19h.<br />
Ilustração.
artista convidado<br />
apresentam<br />
COULEURS SUR PARIS<br />
Um concerto com clássicos e temas inéditos do novo álbum da banda<br />
que conta com a participação <strong>de</strong> Rui Pregal da Cunha.<br />
// 17 DE NOVEMBRO_CONCERTO | 21H30<br />
/// ENTRADA LIVRE LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA<br />
/// HORÁRIO DE ABERTURA DE PORTAS | 20H00<br />
// MORADA<br />
Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal<br />
nº3, 1250-161 <strong>Lisboa</strong><br />
// TELEFONE<br />
21 359 73 58<br />
// HORÁRIO<br />
Segunda a Sexta<br />
das 9h às 21h<br />
// EMAIL<br />
besarte.financa@bes.pt