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O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Sexta-feira<br />

5 Novembro 2010<br />

www.ipsilon.pt<br />

Estoril Film Festival<br />

O <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>ditador</strong><br />

Avassalador documentário:<br />

“Autobiografi a <strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”<br />

Kathryn Bigelow<br />

Retrospectiva <strong>de</strong> uma cineasta<br />

que sempre fez o que quis<br />

Chris Marker<br />

Inqualifi cável: documentário,<br />

fi cção, ensaio, e por vezes<br />

tudo junto<br />

GonzalesTrobbing Gristle Eduardo SacheriClara An<strong>de</strong>rmatt Sou Fujimoto Hipnótica<br />

BERNARD BISSON/ SYGMA/ CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7519 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE


Flash<br />

Sumário<br />

Estoril Film Festival 6<br />

A ascensão e a queda <strong>de</strong><br />

Nicolaeu Ceausescu - e ainda<br />

Kathryn Bigelow, Chris<br />

Marker e Roman Polanski<br />

Gonzalez 14<br />

Um homem do espectáculo<br />

em chinelos e roupão<br />

Throbbing Gristle 18<br />

Os Throbbing Gristle<br />

morreram, vivam os X-TG<br />

Eduardo Sacheri 26<br />

Um segredo da literatura<br />

argentina<br />

Sou Fujimoto 30<br />

O futuro é o regresso<br />

à caverna<br />

Clara An<strong>de</strong>rmatt<br />

e Marco Martins 33<br />

Encontro imediato no São<br />

Luiz<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

É assim o<br />

Tintin <strong>de</strong><br />

Spielberg<br />

(mais só<br />

no Natal<br />

<strong>de</strong> 2011)<br />

“The Adventures of Tintin:<br />

The Secret of the Unicorn”,<br />

<strong>de</strong> Steven Spielberg, vai ser<br />

muito provavelmente o<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> sucesso <strong>de</strong> bilheteira<br />

do Natal <strong>de</strong> 2011. O filme<br />

<strong>de</strong>verá chegar às salas a 28<br />

<strong>de</strong> Dezembro do próximo<br />

ano e será o primeiro <strong>de</strong> uma<br />

trilogia que está a ser<br />

cozinhada por Spielberg e<br />

Peter Jackson, o realizador<br />

<strong>de</strong> “O Senhor dos Anéis”. A<br />

revista inglesa “Empire”<br />

revelou no início <strong>de</strong>sta<br />

semana, em exclusivo, as<br />

primeiras imagens reais do<br />

filme, que tornam mais<br />

palpável o que Spielberg quis<br />

dizer quando explicou que o<br />

seu objectivo era “alcançar<br />

uma espécie <strong>de</strong> hiperrealida<strong>de</strong><br />

que integrasse a<br />

linha clara <strong>de</strong> Hergé”. Não<br />

<strong>de</strong>sfigurar o estilo do<br />

<strong>de</strong>senhador belga é, para<br />

Spielberg, um ponto <strong>de</strong><br />

honra: “Assumo-me como<br />

garante <strong>de</strong> que a trilogia que<br />

estou a preparar com Peter<br />

Jackson será fiel à arte <strong>de</strong><br />

Hergé”.<br />

Filmado em 3D e recorrendo<br />

à técnica utilizada por James<br />

Cameron em “Avatar”, que<br />

permite transpor<br />

movimentos e expressões<br />

faciais <strong>de</strong> actores para<br />

personagens <strong>de</strong> animação, o<br />

Ei-los que voltam:<br />

Belle Chase Hotel<br />

em mini-digressão<br />

Vários anos e muita especulação<br />

<strong>de</strong>pois – “Voltam? Não voltam? Para<br />

concertos? Para gravar um disco?<br />

Para um espectáculo <strong>de</strong><br />

vau<strong>de</strong>ville?” -, eis que nos chegam<br />

novida<strong>de</strong>s fiáveis,<br />

confirmadíssimas, do campo Belle<br />

Chase Hotel. A banda que nos <strong>de</strong>u<br />

“Fossanova” e que nos alegrou o<br />

fim do século passado com uma<br />

euforia pare<strong>de</strong>s meias com<br />

“Tintin” <strong>de</strong> Spielberg vai<br />

custar 135 milhões <strong>de</strong> dólares<br />

(quase cem milhões <strong>de</strong><br />

euros), numa produção que<br />

envolve, além da<br />

DreamWorks <strong>de</strong> Spielberg, a<br />

Sony e a Paramount.<br />

O realizador anunciou este<br />

projecto há dois anos, no<br />

festival <strong>de</strong> Cannes, mas a<br />

intenção vem <strong>de</strong> longe. “No<br />

funeral <strong>de</strong> Hergé, em 1983,<br />

lembro-me <strong>de</strong> ter dito à sua<br />

viúva, Fanny, que queria<br />

muito adaptar as aventuras<br />

<strong>de</strong> Tintin ao <strong>gran<strong>de</strong></strong> ecrã,<br />

mas que respeitaria a obra<br />

do seu marido”.<br />

Embora a produção esteja a<br />

<strong>de</strong>correr sob rigoroso<br />

<strong>de</strong>sencanto, um bigo<strong>de</strong> icónico e<br />

um carrossel musical on<strong>de</strong> cabiam<br />

chanson, tango, samba, cabaré,<br />

soul revista por Burt Bacharach e<br />

swing pós-mo<strong>de</strong>rno, reuniu-se e<br />

<strong>de</strong>sta vez é a sério.<br />

JP Simões, Pedro Renato, Sérgio<br />

Costa, Raquel Ralha, Luís Pedro<br />

Ma<strong>de</strong>ira e restante trupe iniciarão<br />

uma mini-digressão na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

tudo começou, Coimbra. Na<br />

próxima sexta-feira, dia 12, no<br />

Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente, a<br />

banda <strong>de</strong> “Sunset Boulevard” sobe a<br />

palco pela primeira vez em sete<br />

anos e, naturalmente, a noite será<br />

segredo e se conheçam<br />

poucos <strong>de</strong>talhes do filme, boa<br />

parte do elenco foi já<br />

divulgada: o actor britânico<br />

Jamie Clegg será Tintin, Andy<br />

Serkis, o Gollum <strong>de</strong> “O Senhor<br />

dos Anéis”, interpretará o<br />

irascível Capitão Haddock, os<br />

polícias gémeos Dupond e<br />

Dupont ficam a cargo <strong>de</strong><br />

Simon Pegg e Nick Frost, e<br />

Daniel Craig foi escolhido<br />

para o papel <strong>de</strong> Rackham o<br />

Vermelho. É certo que<br />

Spielberg já levantou um<br />

bocadinho o véu, mas o pouco<br />

que disse, soando bastante<br />

prometedor, dificilmente<br />

permitirá formar uma<br />

imagem aproximada do que o<br />

<strong>de</strong> celebração (12 euros, , um<br />

bilhete e a porta aberta para a<br />

eternida<strong>de</strong>). Em breve serão<br />

anunciadas as datas que e<br />

completarão a<br />

digressão agora<br />

anunciada: <strong>Lisboa</strong> e<br />

Porto estão na calha.<br />

Os Belle Chase Hotel<br />

nasceram em 1995 e<br />

editaram o seu álbum<br />

<strong>de</strong> estreia,<br />

“Fossanova”, três<br />

anos <strong>de</strong>pois. “La<br />

Toilette <strong>de</strong>s Etóiles”<br />

foi o segundo e<br />

As primeiras imagens do Tintin<br />

<strong>de</strong> Spielberg, divulgadas em<br />

exclusivo pela “Empire”: um<br />

compromisso entre a<br />

hiper-realida<strong>de</strong> tornada<br />

possível pelo 3D e a linha<br />

clara <strong>de</strong> Hergé<br />

filme possa vir a ser: “Deve<br />

muito não apenas ao ‘film<br />

noir’, mas também a todo o<br />

teatro brechtiano”, diz o<br />

realizador, acrescentando<br />

que, “ao mesmo tempo, é<br />

uma aventura infernal”.<br />

Para abrir esta trilogia,<br />

Spielberg e Jackson<br />

escolheram uma história que<br />

se esten<strong>de</strong> por dois álbuns <strong>de</strong><br />

Tintin (o 11º e o 12º)<br />

originalmente publicados na<br />

primeira meta<strong>de</strong> dos anos<br />

40: “O Segredo do Licorne” e<br />

“O Tesouro <strong>de</strong> Rackham o<br />

Terrível”. E Peter Jackson,<br />

que dirigirá o próximo filme,<br />

já adiantou que está a pensar<br />

adaptar “As Sete Bolas <strong>de</strong><br />

Cristal”. Mas não garante.<br />

“Também gosto muito dos<br />

que se passam nos Balcãs,<br />

como ‘O Ceptro <strong>de</strong> Ottokar’,<br />

que daria um óptimo<br />

thriller”.<br />

Luís Miguel Queirós<br />

É ofi cial: eles vão voltar, pelo menos<br />

para alguns concertos<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 3


Flash<br />

último longa-duração <strong>de</strong> uma<br />

carreira meteórica. Do fim do grupo<br />

resultaram os Azembla’s Quartet,<br />

li<strong>de</strong>rados por Pedro Renato e on<strong>de</strong><br />

encontramos Luís Pedro Ma<strong>de</strong>ira e<br />

Raquel Ralha (que se tornaria<br />

também vocalista dos Wray Gunn),<br />

e os Quinteto Tati, que reuniram JP<br />

Simões e Sérgio Costa em “Exílio”,<br />

álbum <strong>de</strong> 2004, antes <strong>de</strong> o primeiro<br />

se lançar numa carreira a solo <strong>de</strong><br />

que resultou, em 2007, o celebrado<br />

“1970”.<br />

A África lusófona no<br />

cinema, em Londres<br />

O pretexto é a passagem dos 35 anos<br />

sobre a <strong>de</strong>scolonização dos países<br />

africanos sob dominação<br />

portuguesa, data que vai ser<br />

assinalada em Londres, no cinema<br />

Alfred Hitchcock da Queen Mary<br />

University, com um ciclo <strong>de</strong> filmes<br />

<strong>de</strong> realizadores <strong>de</strong> expressão lusa.<br />

Entre 9 e 13 <strong>de</strong>ste mês, o<br />

Departamento <strong>de</strong> Língua<br />

Portuguesa daquela universida<strong>de</strong>,<br />

com o apoio do Instituto Camões,<br />

promove um ciclo <strong>de</strong> filmes e <strong>de</strong><br />

encontros, distribuídos em jornadas<br />

focadas em cada um dos PALOP.<br />

Abre com a Guiné-Bissau e com três<br />

filmes <strong>de</strong> Flora Gomes (“Mortu<br />

Nega”, “Os Olhos Azuis <strong>de</strong> Yonta” e<br />

“Nha Fala”). Seguem-se, no dia 10,<br />

São Tomé e Príncipe (“Mionga Ki<br />

ôbo – Mar e Selva”, <strong>de</strong> Ângelo<br />

Torres) e Cabo Ver<strong>de</strong>, que será<br />

visitado através do olhar <strong>de</strong><br />

Francisco Manso, realizador que aí<br />

rodou “O Testamento do Senhor<br />

Napumoceno” e “A Ilha dos<br />

Escravos” e que estará presente na<br />

sessão para um encontro com os<br />

espectadores. O cinema angolano<br />

estará representado, no dia<br />

seguinte, pelos filmes “Na Cida<strong>de</strong><br />

Vazia”, <strong>de</strong> Maria João Ganga, e “O<br />

Herói”, <strong>de</strong> Zézé Gamboa. Caberá a<br />

Moçambique a atenção maior do<br />

programa. Os realizadores<br />

Margarida Cardoso e Joaquim Leitão<br />

apresentarão os seus filmes: “Natal<br />

71”, “A Costa dos Murmúrios” e<br />

“Kuxa Kanema, o Nascimento do<br />

Cinema”, no caso da primeira;<br />

“20,13: Purgatório”, no caso <strong>de</strong><br />

4 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Leitão. O em e novos projectos os<br />

programa encerra <strong>de</strong> d novos nomes da<br />

com adaptações ao <strong>gran<strong>de</strong></strong> ecrã <strong>de</strong> cena brasileira e<br />

livros <strong>de</strong> Mia Couto: “Tatana”, que revelando aqueles s<br />

João Ribeiro e Gonçalo Galvão Teles que po<strong>de</strong>m muito o<br />

realizaram sobre argumento <strong>de</strong>ste bem vir a ser os<br />

último e do escritor; e “Terra<br />

Sonâmbula”, <strong>de</strong> Teresa Prata.<br />

próximos notáveis. s.<br />

O Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

volta a dançar,<br />

até 21 <strong>de</strong> Novembro<br />

Em vésperas <strong>de</strong> comemorar 20<br />

anos, o mais importante festival <strong>de</strong><br />

dança da América do Sul, o<br />

Panorama Rio Dança, apresenta a<br />

sua mais ambiciosa e extensa<br />

programação. De 5 a 21 <strong>de</strong><br />

Novembro vários teatros do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro recebem obras da norte<br />

americana Trisha Brown (com um<br />

programa que já esteve em<br />

Serralves em 2007), do alemão<br />

Raimund Hoghe (com duas peças,<br />

uma das quais, “L’Aprés Midi”, foi<br />

apresentada em 2009 no festival<br />

Materiais Diversos), do francês<br />

Rachid Ouramdane, do holandês<br />

Emio Greco, do moçambicano<br />

Panaibra Gabriel (que já por duas<br />

vezes esteve em Portugal) e <strong>de</strong> um<br />

vasto elenco <strong>de</strong> nomes brasileiros.<br />

Entre eles está Lia Rodrigues,<br />

fundadora do festival e<br />

homenageada da edição <strong>de</strong>ste ano,<br />

com uma retrospectiva que inclui,<br />

entre outros espectáculos,<br />

“Pororoca”, visto em Abril na<br />

Culturgest e em Serralves. Dizem os<br />

programadores, Nayse Lopez e<br />

Eduardo Bonito, que “são muitos os<br />

percursos possíveis [nesta edição]:<br />

o ontem e o hoje <strong>de</strong> um artista, a<br />

política, os cruzamentos entre<br />

danças populares e composição<br />

contemporânea”. No total, são 33<br />

peças que ocupam a cida<strong>de</strong>, dos<br />

parques ao metropolitano, dos<br />

teatros à favela, tentando respon<strong>de</strong>r<br />

à pergunta “que dança po<strong>de</strong> falar<br />

do nosso tempo?”.<br />

Ao longo dos anos, o festival tem<br />

sido uma plataforma para a dança<br />

brasileira e esta 19ª edição do<br />

Panorama volta a tomar o pulso à<br />

criação contemporânea, focando-se<br />

“Nha Fala”, <strong>de</strong><br />

Flora Gomes,<br />

é um dos fi lmes<br />

que vão passar<br />

pelo cinema Alfred<br />

Hitchcock<br />

da Queen Mary<br />

University<br />

“Pororoca”, <strong>de</strong> Lia Rodrigues:<br />

a a coreógrafa brasileira<br />

bras<br />

é a homenageada<br />

<strong>de</strong>sta edição<br />

do Panorama Rio<br />

Dança<br />

David<br />

Hockney,<br />

iPintor em<br />

Paris<br />

No final <strong>de</strong> 2008,<br />

David Hockney (n.<br />

1937) comprou um m<br />

iPhone e começou u<br />

a mandar flores<br />

frescas aos amigos<br />

todas as manhãs.<br />

“As minhas flores<br />

duram. Com o iPhone, one, não só<br />

posso <strong>de</strong>senhá-las como também<br />

possso enviá-las a 15 ou 20 pessoas<br />

que <strong>de</strong>pois as recebem assim que<br />

acordam”, explicou ao jornalista do<br />

“Telegraph” Martin Gayford, que<br />

bruscamente no Verão passado<br />

também recebeu um SMS do artista<br />

britânico (“Mando-te o amanhecer<br />

<strong>de</strong> hoje esta tar<strong>de</strong>; frase absurda,<br />

bem sei, mas perceberás o que<br />

quero dizer”), seguido, horas mais<br />

tar<strong>de</strong>, da respectiva iPintura das<br />

primeiras horas do dia filtradas<br />

pelas nuvens malva da costa do<br />

Yorkshire.<br />

Nos últimos dois anos, Hockney<br />

produziu centenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong><br />

flores e <strong>de</strong> paisagens no iPhone<br />

(entretanto também comprou um<br />

iPad) que traz sempre no bolso<br />

interior direito do seu blazer<br />

Príncipe <strong>de</strong> Gales. Parte <strong>de</strong>sses<br />

<strong>de</strong>senhos integra agora a exposição<br />

“Fleurs Fraîches”, que po<strong>de</strong> ser<br />

vista até 30 <strong>de</strong> Janeiro na Fondation<br />

Pierre Bergé - Yves Saint-Laurent.<br />

Aqui, já não estamos perante os<br />

po<strong>de</strong>rosos <strong>gran<strong>de</strong></strong>s formatos em<br />

que Hockney fez a crónica da bela<br />

vida californiana; é das pequenas<br />

coisas (plantas, naturezas mortas,<br />

auto-retratos) que “o último dandy<br />

da arte do pós-guerra”, como lhe<br />

chamava o “Figaro” esta semana, se<br />

ocupa agora.<br />

Além das intermináveis<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> difusão criadas<br />

pelo iPhone (<strong>de</strong> resto<br />

profundamente disruptoras <strong>de</strong> um<br />

mercado que gira em torno da<br />

assinatura e do original), Hockney<br />

está particularmente entusiasmado<br />

com a maneira como o ecrã<br />

luminoso revoluciona a qualida<strong>de</strong><br />

do <strong>de</strong>senho: “Nunca teria<br />

<strong>de</strong>senhado a aurora se só tivesse um<br />

lápis e uma folha <strong>de</strong> papel. Foi a<br />

luminosida<strong>de</strong> do ecrã que me<br />

incitou”, explica no texto do<br />

catálogo. A cenografia da exposição,<br />

concebida pelo arquitecto novaiorquino<br />

Ali Tayar, recria em parte<br />

o estúdio do artista no Yorkshire,<br />

permitindo ao espectador ver (em<br />

Des<strong>de</strong> Des que <strong>de</strong>scobriu o iPhone, David Hockney<br />

manda man fl ores aos amigos todas as manhãs<br />

(e um u ou outro nascer do sol)<br />

pequenos e <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />

ecrãs) as obras à luz<br />

das condições em<br />

que foram<br />

produzidas e,<br />

mais do que isso,<br />

vê-las enquanto<br />

são produzidas<br />

(basta carregar numa tecla e o<br />

iPhone faz rewind e reconstitui o<br />

<strong>de</strong>senho traço a traço). É novo para<br />

nós, e surpreen<strong>de</strong>ntemente<br />

também para ele: “Até ter feito<br />

‘replay’ dos meus <strong>de</strong>senhos no<br />

iPad, nunca me tinha visto<br />

<strong>de</strong>senhar”.<br />

Zaha Z Hadid vai<br />

<strong>de</strong>senhar d<br />

a segunda<br />

casa c da Serpentine<br />

Gallery G<br />

Normalmente<br />

No<br />

inclusivamente os olhos postos<br />

ouvimos ou falar da neste edifício. É uma<br />

Serpentine Ser Gallery, oportunida<strong>de</strong> que só aparece<br />

em em Londres, todos os uma vez na vida”,<br />

anos pelo Verão, a propósito acrescentou.<br />

das instalações que os<br />

Aquilo que <strong>de</strong>finitivamente fez<br />

arquitectos mais conhecidos a balança pen<strong>de</strong>r para a<br />

do mundo são convidados a candidatura da Serpentine, em<br />

fazer nos relvados do Hy<strong>de</strong> <strong>de</strong>trimento das <strong>de</strong> Hirst e da<br />

Park – Álvaro Siza e Eduardo Halcyon, foi o apoio<br />

Souto <strong>de</strong> Moura foram os filantrópico da Fundação<br />

portugueses já convidados, em Mortimer e Theresa Sackler –<br />

2005. Agora, esta que é uma uma família <strong>de</strong> americanos<br />

das instituições <strong>de</strong> referência que fez fortuna no Reino<br />

da arte contemporânea na Unido no negócio<br />

capital britânica é notícia por farmacêutico e que é um dos<br />

ter conseguido conquistar um principais mecenas do país.<br />

importante espaço para a O plano <strong>de</strong> acção da<br />

ampliação da sua activida<strong>de</strong>: Serpentine para o “The<br />

ultrapassou a forte<br />

Magazine” já está traçado:<br />

concorrência <strong>de</strong> Damien Hirst Zaha Hadid (que já realizou o<br />

e da Halcyon Gallery, e venceu pavilhão <strong>de</strong> Verão no Hy<strong>de</strong><br />

o concurso público aberto pela Park por duas vezes, em 2000<br />

Royal Parks para a exploração e 2007) foi convidada a<br />

<strong>de</strong> The Magazine, um edifício renovar parte do edifício, e vai<br />

abandonado há mais <strong>de</strong> meio <strong>de</strong>senhar também um novo<br />

século nos Kensington<br />

pavilhão <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />

Gar<strong>de</strong>ns. Este antigo <strong>de</strong>pósito dimensões para a realização<br />

<strong>de</strong> munições que funcionou anual <strong>de</strong> instalações<br />

entre meados do século XVIII luminosas. “Encontramo-nos<br />

e o final da Segunda Guerra num dos raros lugares <strong>de</strong><br />

Mundial, com uma área <strong>de</strong> 880 Londres que tem pouca<br />

metros quadrados – idêntica à poluição luminosa”, disse<br />

que a Serpentine Gallery Peyton-Jones, justificando esta<br />

<strong>de</strong>tém hoje –, vai ser<br />

aposta. A futura segunda casa<br />

transformada pela arquitecta da Serpentine terá espaços <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> origem iraniana Zaha Hadid exposições, uma loja, café e<br />

num novo equipamento para a restaurante. O público<br />

arte contemporânea, mporânea, com<br />

continuará a ter<br />

abertura prometida ometida ainda a<br />

entrada entrada livre, e<br />

tempo dos próximos Jogos<br />

para a<br />

Olímpicos <strong>de</strong> 2012.<br />

concretização<br />

concretiza<br />

“Estou encantada”, antada”,<br />

do project projecto<br />

exclamou Julia ulia Peyton- Peyton-<br />

não serão<br />

Jones, directora tora da<br />

<strong>de</strong>spendidos<br />

<strong>de</strong>spendid<br />

Serpentine, comentando<br />

dinheiros<br />

para o jornal al “The<br />

públicos.<br />

Guardian” o<br />

Sérgio C. C<br />

resultado do o<br />

concurso. “A A<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

expandir a<br />

Andra<strong>de</strong> Andra<br />

Serpentine<br />

estava na nossa ossa<br />

mente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e há<br />

muito tempo, o, e<br />

tínhamos<br />

Zaha Hadid vai renovar parte<br />

<strong>de</strong> The Magazine, o novo edifício<br />

da Serpentine Gallery<br />

nos Kensington Gar<strong>de</strong>ns


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

LANÇAMENTO EM DVD<br />

GAINSBOURG. VIDA HERÓICA<br />

Filme <strong>de</strong> Joann Sfar<br />

João Lopes e Nuno Galopim, jornalistas e críticos <strong>de</strong> música e <strong>de</strong> cinema, encontram-se no Fórum FNAC<br />

para uma conversa com o público sobre a obra e a vida <strong>de</strong> uma das figuras mais marcantes da cultura<br />

contemporânea.<br />

08.11. 20H00 FNAC CHIADO<br />

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA<br />

SERGE GAINSBOURG<br />

Fotografias <strong>de</strong> Tony Frank<br />

Uma selecção <strong>de</strong> momentos da vida <strong>de</strong> Serge Gainsbourg que revelam o seu lado mais íntimo e apresentam<br />

fragmentos do seu quotidiano familiar e profissional.<br />

INAUGURAÇÃO<br />

08.11. 20H00 FNAC CHIADO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

MILAGRÁRIO PESSOAL<br />

Livro <strong>de</strong> José Eduardo Agualusa<br />

Um romance <strong>de</strong> amor e, ao mesmo tempo, uma viagem através da História da língua portuguesa.<br />

06.11. 15H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

LA CHANSON NOIRE<br />

Música para os Mortos<br />

Manifesto artístico que aponta como principais objectivos a divulgação dos prazeres da <strong>de</strong>cadência, a<br />

apologia da exuberância e da extravagância, assim como a <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> e da libertinagem.<br />

05.11. 22H00 FNAC ALMADA<br />

07.11. 17H00 FNAC LEIRIA<br />

12.11. 22H00 FNAC COIMBRA<br />

MÚSICA AO VIVO<br />

TERESA LOPES ALVES<br />

Reflexo<br />

No seu trabalho <strong>de</strong> estreia, esta cantora tem como referências o fado, o jazz vocal clássico, passando<br />

pela música ligeira portuguesa e pela música popular brasileira.<br />

05.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

06.11. 17H00 FNAC GUIMARÃES<br />

06.11. 22H00 FNAC BRAGA<br />

Consulte todos os eventos da Agenda Fnac,<br />

assim como outros conteúdos culturais em http://cultura.fnac.pt<br />

Apoio:<br />

13.11. 18H00 FNAC MAR SHOPPING<br />

14.11. 17H00 FNAC BRAGA<br />

17.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

18.11. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />

18.11. 22H00 FNAC GAIASHOPPING<br />

07.11. 17H30 FNAC MAR SHOPPING 13.11. 22H00 FNAC CASCAIS<br />

12.11. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA 14.11. 17H00 FNAC COLOMBO<br />

13.11. 16H00 FNAC ALMADA<br />

20.11. 21H30 FNAC ALFRAGIDE<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO


BERNARD BISSON/ SYGMA/ CORBIS<br />

O marionetista<br />

É um objecto avassalador<br />

“Autobiografi a <strong>de</strong> Nicolae<br />

Ceaucescu”, <strong>de</strong> Andrei Ujica.<br />

Imagens <strong>de</strong> arquivo pesquisadas<br />

nos acervos da televisão e do<br />

serviço cinematográfi co estatal<br />

romenos <strong>de</strong>senham a ascensão<br />

e queda do lí<strong>de</strong>r comunista. Um<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> fi lme sobre a manipulação,<br />

está em competição já amanhã<br />

no Estoril Film Festival.<br />

Que hoje inaugura. E on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sfi larão Kiarostami, Lou Reed,<br />

Kathryn Bigelow, Laurie An<strong>de</strong>rson<br />

ou as obras <strong>de</strong> Chris Marker<br />

e Polanski. Rui Catalão<br />

Capa<br />

O único privilégio <strong>de</strong> assistir ao<br />

funeral <strong>de</strong> alguém é talvez o <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>rmos imaginar como vai ser<br />

o nosso. As primeiras imagens da<br />

“Autobiografia <strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”,<br />

<strong>de</strong> Andrei Ujica (sábado,<br />

dia 6, 12h, Centro <strong>de</strong> Congressos<br />

do Estoril; dia 12, 18h, Casino Estoril<br />

– filme em competição no Estoril<br />

Film Festival) são do Natal <strong>de</strong><br />

1989, pouco antes <strong>de</strong> o casal Nicolae<br />

e Elena Ceausescu ser con<strong>de</strong>nado<br />

à morte por um tribunal militar<br />

improvisado em Târgoviste<br />

(a que chegaram <strong>de</strong> helicóptero,<br />

fugindo <strong>de</strong> uma multidão em có-<br />

6 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

lera que se juntara na Piatza Palatului,<br />

Bucareste).<br />

As imagens seguintes são <strong>de</strong><br />

1965, uma multidão em correria,<br />

até se estabilizar numa or<strong>de</strong>nada<br />

fila que serpenteia pelas ruas e se<br />

interna no edifício on<strong>de</strong> o corpo<br />

<strong>de</strong> Gheorge Ghiorghiu-Dej, então<br />

o lí<strong>de</strong>r comunista romeno, está em<br />

câmara ar<strong>de</strong>nte. Entalado entre<br />

soldados, um jovem <strong>de</strong> olhar humil<strong>de</strong>,<br />

belos cabelos ondulados e<br />

porte elegante, carrega o caixão<br />

<strong>de</strong> Gheorghiu por entre a multidão,<br />

à saída para a Piatza Palatului<br />

– a porta que acabou <strong>de</strong> franque-<br />

Ceausescu foi<br />

o encenador e<br />

intérprete<br />

principal <strong>de</strong><br />

uma farsa, ou,<br />

à semelhança<br />

<strong>de</strong> Salazar,<br />

passou os<br />

últimos anos<br />

da vida com a<br />

ilusão <strong>de</strong><br />

governar um<br />

país quando já<br />

não passava<br />

<strong>de</strong> um mero<br />

símbolo <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r?


e a marioneta<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 7


8 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Nicolae<br />

Ceausescu<br />

no seu último<br />

discurso<br />

aos romenos;<br />

a fuga <strong>de</strong><br />

helicópetro,<br />

no Natal<br />

<strong>de</strong> 1989; a<br />

megalomania<br />

do <strong>ditador</strong>:<br />

30 mil<br />

habitações<br />

foram remo<br />

vidas para<br />

implementar<br />

a mastodôn<br />

tica Casa da<br />

República<br />

ar será a da sua residência nos 25<br />

anos seguintes.<br />

Mais à frente, num funeral típico<br />

<strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia, vê-lo-emos, Nicolae, a carregar<br />

o caixão da mãe. Os cabelos<br />

agora prateados, o olhar ainda humil<strong>de</strong><br />

e o porte elegante.<br />

Mas na hora da sua própria morte<br />

o camarada Ceausescu (ler “tcheauchescu”)<br />

não teve direito a honras <strong>de</strong><br />

Estado nem a uma cerimónia familiar.<br />

Para ele não houve multidão nem<br />

grandiosida<strong>de</strong>, nem regresso às origens<br />

camponesas. Vinte e um anos<br />

<strong>de</strong>pois da sua <strong>de</strong>spachada execução,<br />

aquilo que vemos no documentário<br />

“Autobiografia <strong>de</strong> Nicolae Ceaucescu”<br />

não é nem a banalida<strong>de</strong> do mal nem<br />

o julgamento final. Essas imagens <strong>de</strong><br />

1989, em que o casal Elena e Nicolae<br />

não sabe como reagir aos seus julgadores,<br />

se com o paternalismo que usa<br />

para com um filho problemático à<br />

beira <strong>de</strong> cometer um acto irreflectido,<br />

se com a firmeza para com um jovem<br />

insubmisso e que já ultrapassou os<br />

limites, essas imagens <strong>de</strong> patrões reféns<br />

na sua própria casa cabem antes<br />

num outro filme <strong>de</strong> Ujica, realizado<br />

em colaboração com Harun Farocki,<br />

“Vi<strong>de</strong>ogramas <strong>de</strong> uma revolução”, <strong>de</strong><br />

1982 [dia 13, 18h30, Museu Paula Rego].<br />

O que vemos em “Autobiografia<br />

<strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”, com o beneplácito<br />

cooperante do Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>senvolvido,<br />

é, antes, como uma nação<br />

inteira participou activamente no <strong>de</strong>lírio<br />

<strong>de</strong> um homem que durante quase<br />

25 anos transformou um país numa<br />

brinca<strong>de</strong>ira infantil. Walt Disney fez<br />

os seus filmes e criou a Disneyland,<br />

mas Nicolae Ceauscescu montou o<br />

seu parque <strong>de</strong> diversões privado numa<br />

área <strong>de</strong> 238.391 quilómetros quadrados<br />

com 20 milhões <strong>de</strong> figurantes.<br />

Uma fábula<br />

Po<strong>de</strong>mos chamar ao documento coligido<br />

por Andrei Ujica uma autobiografia<br />

assistida que dura três horas<br />

hipnóticas: Nicolae Ceausescu filmado<br />

como ele queria, nas circunstâncias<br />

por ele escolhidas. Ujica dá-nos<br />

a ver uma fábula, um conto <strong>de</strong> fadas<br />

em que realida<strong>de</strong> e ilusão são os dois<br />

ROMPRES/ REUTERS<br />

BOGDAN CRISTEL/ REUTERS<br />

O documento coligido<br />

por Andrei Ujica<br />

é uma autobiografia<br />

assistida que dura<br />

três horas hipnóticas:<br />

Ceausescu filmado<br />

como ele queria,<br />

nas circunstâncias<br />

por ele escolhidas<br />

fios que tecem uma só malha: as<br />

crianças agra<strong>de</strong>cem pela sua felicida<strong>de</strong>,<br />

o 1º <strong>de</strong> Maio cobre-se <strong>de</strong> flores,<br />

dança-se no ano novo, festejam-se as<br />

colheitas <strong>de</strong> 1966, uma multidão compacta<br />

contorna o <strong>de</strong>senho dos carrosséis,<br />

os representantes das nações<br />

comunistas são recebidos no Muzeul<br />

Satului (museu a céu aberto, no Parque<br />

Herastrau, on<strong>de</strong> figuram casas<br />

em tamanho real representando as<br />

diversas regiões da Roménia), Charles<br />

<strong>de</strong> Gaulle aterra em Bañeasa (on<strong>de</strong><br />

actualmente se fazem voos low-cost),<br />

Alexan<strong>de</strong>r Dubcek agra<strong>de</strong>ce “a amiza<strong>de</strong><br />

e as flores”, suce<strong>de</strong>m-se as recepções,<br />

os banhos <strong>de</strong> multidão, os<br />

discursos, os aplausos.<br />

Moscovo <strong>de</strong>strói a Primavera <strong>de</strong><br />

Praga e o amigo Dubcek é saneado.<br />

Ceausescu, na varanda da sua residência,<br />

dá uma manifestação <strong>de</strong> força<br />

para o exterior. A multidão reunida<br />

na Piatza Palatului em apoio à<br />

Checoslováquia é um gesto <strong>de</strong> dissidência<br />

política.<br />

Orquestra-se o mito, para exportação.<br />

Durante a década seguinte Nixon<br />

visita Bucareste e quando Ceaucescu<br />

visita os EUA Jimmy Carter faz o seguinte<br />

elogio: “O povo dos EUA sentese<br />

honrado por ter convidado um<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um <strong>gran<strong>de</strong></strong> país. É um<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> privilégio para mim ter a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aconselhar-me com um<br />

lí<strong>de</strong>r nacional e internacional como<br />

o nosso convidado. A sua influência<br />

enquanto lí<strong>de</strong>r romeno e através do<br />

mundo internacional [sic] é excep-<br />

cional.” Washington também lhe oferece<br />

um banho <strong>de</strong> multidão (versão<br />

<strong>de</strong>scontraída). Tal como a China,<br />

acompanhado por Mao (versão eufórica).<br />

Tal como Inglaterra, on<strong>de</strong> a<br />

carruagem que carrega o Querido<br />

“Conducator” e a Rainha passa em<br />

frente a uma sala <strong>de</strong> cinema que exibe<br />

“Garganta Funda” (versão agradável).<br />

Cresce a aura do “filho <strong>de</strong> camponeses”,<br />

como ele se <strong>de</strong>fine, e soa a<br />

liturgia o coro que entoa “Multsi ani,<br />

traiasca” por ocasião dos seus 55<br />

anos. Suce<strong>de</strong>m-se novos títulos e cargos,<br />

Ceausescu transcen<strong>de</strong> o seu papel,<br />

a sua visão é a <strong>de</strong> um país em vias<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que ele também<br />

quer ver transcendido. Brejnev, ternurento,<br />

faz-lhe uma festa no rosto,<br />

<strong>de</strong>pois senta-se a seu lado num sofá,<br />

e, enquanto fuma um cigarro, <strong>de</strong>bruça-se<br />

sobre o camarada romeno em<br />

íntima cavaqueira, que o som não<br />

capta.<br />

Palavras do realizador, Ujica, à revista<br />

“Cinemascope”: “Não há propaganda<br />

que consiga fazer uma encenação<br />

completa a partir da realida<strong>de</strong>.<br />

Atrás ou ao lado das imagens <strong>de</strong>scobrem-se<br />

fragmentos da vida real (...),<br />

as imagens e cenas <strong>de</strong> propaganda<br />

também são vivas. Simplificamos as<br />

coisas, mas estas cenas são parte da<br />

vida não apenas <strong>de</strong> Ceausescu mas<br />

<strong>de</strong> toda esta gente – quando perdiam<br />

horas a fio para irem a uma parada,<br />

isto era uma parte importante das<br />

suas vidas.”<br />

As paradas são uma parte integrante<br />

do modo <strong>de</strong> vida romeno durante<br />

o comunismo. Os regimes comunistas,<br />

ou tão somente ditatoriais, realizamse<br />

naquilo que <strong>de</strong> mais profundo têm<br />

para dar numa parada. A simetria, a<br />

multidão enquanto um só corpo articulado<br />

e or<strong>de</strong>nado, com uma direcção<br />

clara e inequívoca, a <strong>de</strong>senhar formas,<br />

caminhos, é algo que inspira reverência<br />

e êxtase. Nos anos 60, têm ainda<br />

uma estética militar, acrescentada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstrações atléticas risíveis. Mas<br />

na década seguinte Ceausescu viaja<br />

até ao Extremo-Oriente e na Coreia<br />

do Norte assiste a paradas que atingem<br />

níveis <strong>de</strong> elaboração causado-<br />

PAULO DUARTE<br />

YVES HERMAN/ REUTERS<br />

Mais do que a programação,<br />

é o próprio acontecimento<br />

que é em si a mais-valia<br />

Convidados e homenageados,<br />

o cinema a ser puxado por uma<br />

série <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>s<br />

LOU REED<br />

ABBAS<br />

KIAROSTAMI<br />

LAURIE<br />

ANDERSON<br />

ROMAN<br />

POLANSKI


Há uma esquizofrenia latente<br />

no Estoril Film Festival que<br />

<strong>de</strong>senha, <strong>de</strong> forma razoavelmente<br />

mais visível do que noutros<br />

certames, a corda bamba em que<br />

qualquer festival <strong>de</strong> cinema se<br />

tem <strong>de</strong> equilibrar nestes tempos<br />

mercantilistas em que vivemos.<br />

Por um lado, a sobrevivência<br />

<strong>de</strong> um festival exige um<br />

acontecimento mediático,<br />

cheio <strong>de</strong> estrelas convidadas,<br />

encontros com o público, glamour<br />

e holofotes. Por outro, quer-se<br />

um festival sério e rigoroso, que<br />

apresente aos espectadores fi lmes<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e que lhes permita<br />

<strong>de</strong>scobrir obras que, <strong>de</strong> outro<br />

modo, difi cilmente po<strong>de</strong>riam<br />

encontrar.<br />

É um truque <strong>de</strong> equilíbrio<br />

difícil, e à quarta edição o Estoril<br />

Film Festival pouco ou nada faz<br />

para resolver essa esquizofrenia.<br />

Pelo contrário, até a exacerba,<br />

atirando para o mesmo saco uma<br />

série <strong>de</strong> propostas que explicam<br />

nitidamente a ambição do certame<br />

dirigido por Paulo Branco: um<br />

festival ao mesmo tempo frívolo<br />

e sério, popular e elitista. À<br />

imagem <strong>de</strong> Cannes ou Veneza,<br />

on<strong>de</strong> o cachet da localização<br />

e a qualida<strong>de</strong> do programa<br />

funcionam como aglutinador <strong>de</strong><br />

públicos muito diferentes. Mas<br />

também mais abrangente do que<br />

os outros eventos que colocaram<br />

Portugal na rota cinéfi la (cinema<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para o Indie<strong>Lisboa</strong>,<br />

documentário e cinema do<br />

real para o Doc<strong>Lisboa</strong>, cinema<br />

fantástico para o Fantasporto).<br />

Abrangência<br />

Talvez seja essa ambição <strong>de</strong><br />

abrangência que, este ano mais<br />

do que nunca, crie a sensação<br />

<strong>de</strong> que o Estoril Film Festival<br />

está mais próximo do festival <strong>de</strong><br />

cinema tal como entendido pelos<br />

programadores da América do<br />

Norte. Nova Iorque ou Toronto<br />

são, mais do que eventos<br />

centrados à volta do prestígio que<br />

a competição lhes dá, “montras”<br />

<strong>de</strong> cinema viradas para o público<br />

mais do que para a indústria<br />

ou a imprensa, on<strong>de</strong>, mais do<br />

que a programação, é o próprio<br />

acontecimento que é em si a maisvalia.<br />

Essa abrangência manifestase<br />

nas três linhas condutoras da<br />

programação <strong>de</strong> cinema 2010. A<br />

mais mediática envolve a montra<br />

<strong>de</strong> ante-estreias e activida<strong>de</strong>s<br />

paralelas que trazem a Portugal<br />

a maior parte das fi guras que<br />

servem <strong>de</strong> “puxa-carroça” da<br />

cobertura.<br />

A abertura ofi cial acontece com<br />

o falso documentário <strong>de</strong> Casey<br />

Affl eck e Joaquin Phoenix “I’m<br />

Still Here” (hoje às 21h30, Centro<br />

<strong>de</strong> Congressos do Estoril), o<br />

encerramento com o novo Woody<br />

Allen, “You Will Meet a Tall Dark<br />

Stranger” (domingo 14 às 22h15,<br />

Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril).<br />

Entre esses nove dias, passam por<br />

cá Mathieu Amalric (“Tournée”),<br />

o iraniano Abbas Kiarostami<br />

(“Copie Conforme”, o seu fi lme<br />

francês com Juliette Binoche), o<br />

georgiano Otar Iosseliani (que<br />

traz “Chantrapas”) e o fotógrafo<br />

e realizador Anton Corbijn<br />

(acompanhando “O Americano”).<br />

E ante-estreiam-se dois dos mais<br />

importantes fi lmes americanos<br />

<strong>de</strong> 2010 - “Road to Nowhere”, o<br />

novo Monte Hellman, estreado<br />

A ambição<br />

do certame dirigido<br />

por Paulo Branco:<br />

um festival ao mesmo<br />

tempo frívolo e sério,<br />

popular e elitista<br />

em Veneza 2010 sob o olhar do<br />

discípulo Tarantino, e “Winter’s<br />

Bone”, <strong>de</strong> Debra Granik, fi lme <strong>de</strong><br />

suspense rural (na linhagem <strong>de</strong><br />

“Frozen River” ou “Ballast”) que<br />

se tornou na sensação 2010 do<br />

cinema in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte americano.<br />

Os nomes mais sonantes,<br />

contudo, não vêm apresentar<br />

fi lmes. Lou Reed traz a sua<br />

exposição “Romanticism”, Laurie<br />

An<strong>de</strong>rson virá no fi nal do evento<br />

para fazer leituras <strong>de</strong> Don <strong>de</strong><br />

Lillo. Stephen Frears, realizador<br />

<strong>de</strong> “A Rainha” e “Tamara Drewe”,<br />

fará um encontro com o público<br />

(anunciado como “masterclass”)<br />

sobre “Dirigir John Malkovich”<br />

, na presença do próprio –<br />

trabalharam juntos em “Ligações<br />

Perigosas” e “Mary Reilly” - mas<br />

o actor apresenta igualmente um<br />

<strong>de</strong>sfi le <strong>de</strong> moda que <strong>de</strong>senhou e<br />

algumas das suas experiências<br />

cinematográfi cas com a <strong>de</strong>signer<br />

Bella Freud (que faz parte do júri<br />

da competição). O juiz espanhol<br />

Baltasar Garzón vem dar uma<br />

A montra<br />

do Estoril<br />

À quarta edição, o Estoril Film Festival quer ser um festival<br />

para todos os gostos. Jorge Mourinha<br />

conferência sobre “A memória<br />

colectiva e a importância das<br />

imagens” e a actriz Marisa<br />

Pare<strong>de</strong>s será homenageada com a<br />

projecção <strong>de</strong> três fi lmes seus.<br />

O cinéfi lo e o popular<br />

A presença <strong>de</strong> Garzón e Pare<strong>de</strong>s<br />

introduz o segundo vector<br />

do festival: uma selecção <strong>de</strong><br />

retrospectivas e homenagens<br />

que procuram fazer a ponte entre<br />

o cinéfi lo e o popular. Há uma<br />

integral <strong>de</strong> Kathryn Bigelow”,<br />

que é um dos momentos fortes do<br />

certame, e uma selecção <strong>de</strong> fi lmes<br />

<strong>de</strong> Polanski que inclui algumas<br />

das suas primeiras obras ( “A<br />

Faca na Água” ou “Repulsa”) mas<br />

também êxitos como “Tess” ou “A<br />

Semente do Diabo”.<br />

Contrapõem-se-lhe uma<br />

retrospectiva alargada do lendário<br />

experimentalista francês Chris<br />

Marker, o autor <strong>de</strong> “La Jetée”, que<br />

trará a Portugal o historiador do<br />

cinema Bernard Eisenschitz e<br />

a jornalista multimedia Annick<br />

Rivoire, bem como o seu mais<br />

recente trabalho, “Ouvroir the<br />

Movie” (não <strong>de</strong>ixa, contudo, <strong>de</strong><br />

ser uma retrospectiva peculiar<br />

quando, um mês <strong>de</strong>pois, a<br />

Culturgest propõe um outro<br />

olhar sobre Marker comissariado<br />

por Augusto M. Seabra); ou a<br />

apresentação integral da obra<br />

do palestiniano Elia Suleiman,<br />

autor <strong>de</strong> “Intervenção Divina”,<br />

acompanhada pelo realizador.<br />

Homenageiam-se o iconoclasta<br />

japonês Koji Wakamatsu, quase<br />

<strong>de</strong>sconhecido entre nós (com<br />

uma selecção focada nas suas<br />

“Still here”,<br />

a abrir;<br />

“Tournée”,<br />

<strong>de</strong> Mathieu<br />

Amalric;<br />

“Road to<br />

Nowhere”,<br />

o novo Monte<br />

Hellman<br />

incursões pelo porno soft-core<br />

nipónico), o falecido Werner<br />

Schroeter, autor <strong>de</strong> culto que<br />

Paulo Branco acompanhou<br />

repetidamente como produtor,<br />

e o antropólago Ruy Duarte<br />

<strong>de</strong> Carvalho, com documentos<br />

inéditos das suas viagens<br />

angolanas. E a homenagem a<br />

Garzón é o pretexto para mostrar<br />

os documentários que Patricio<br />

Guzmán (recentemente a concurso<br />

no Doc com o magnífi co “Nostalgia<br />

<strong>de</strong> la Luz”) <strong>de</strong>dicou à história<br />

do Chile (“El Caso Pinochet” e o<br />

monumental tríptico “La Batalla<br />

<strong>de</strong> Chile”).<br />

E ainda não chegámos ao<br />

terceiro vector, mais “hardcore”<br />

em termos cinematográfi cos<br />

e artísticos. Há uma secção<br />

paralela, Cinemart, que percorre<br />

as intersecções do cinema<br />

experimental e multimedia com<br />

obras dos artistas Lawrence<br />

Weiner e Douglas Gordon ou<br />

do fotógrafo Alberto García-<br />

Alix (todos presentes), e uma<br />

competição virada para o cinema<br />

<strong>de</strong> arte e ensaio mais tradicional.<br />

Que mostra a concurso dois dos<br />

mais importantes fi lmes europeus<br />

do ano - “Autobiography of Nicolae<br />

Ceausescu”, extraordinário<br />

documentário <strong>de</strong> Andrei Ujica,<br />

e “Aurora”, <strong>de</strong> Cristi Puiu” – e<br />

a estreia <strong>de</strong> João Nicolau, “A<br />

Espada e a Rosa” (<strong>de</strong>stinada<br />

a ser mais um dos momentos<br />

fracturantes do cinema português<br />

actual), mas pela sua própria<br />

condição difi cilmente atrairá o<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> público que as ve<strong>de</strong>tas<br />

convidadas arrastam atrás <strong>de</strong> si.<br />

Tudo isto apenas sublinha a<br />

urgência quase excessiva da<br />

calendarização do programa,<br />

compactando a riqueza da<br />

oferta em apenas oito dias <strong>de</strong> tal<br />

modo que se torna impossível<br />

abranger tudo o que aqui se<br />

passa. É verda<strong>de</strong> que essa é a<br />

regra <strong>de</strong> todos os festivais – cada<br />

espectador <strong>de</strong>senha o seu próprio<br />

percurso – mas o zigue-zague do<br />

Estoril Film Festival 2010 promete<br />

ser complicado <strong>de</strong> gerir.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 9


Um caso<br />

singular: uma<br />

mulher que<br />

filma<br />

universos<br />

masculinos (e<br />

tradicionalmente<br />

filmados por<br />

homens) e que<br />

o faz vinda <strong>de</strong><br />

um universo<br />

como a arte<br />

mo<strong>de</strong>rna<br />

“Estado <strong>de</strong><br />

Guerra”, Óscar<br />

do Melhor<br />

Filme<br />

É um dos momentos mais fortes<br />

do Estoril 2010: a retrospectiva<br />

integral <strong>de</strong> Kathryn Bigelow,<br />

a realizadora americana<br />

que venceu este ano o Óscar<br />

<strong>de</strong> Melhor Filme e Melhor<br />

Realizadora pelo pel magnífi co<br />

“Estado <strong>de</strong> Guer Guerra”.<br />

E é um dos mo momentos mais<br />

fortes porque é a primeira<br />

oportunida<strong>de</strong> que temos para<br />

po<strong>de</strong>r rea reavaliar na íntegra<br />

uma das cineastas c<br />

mais<br />

singulare<br />

singulares das últimas<br />

décadas, e<br />

uma cineasta<br />

cujo percurso perc parece<br />

ter sido pensado<br />

propositadamente propo<br />

para<br />

confundir conf críticos e<br />

observadores.<br />

obs<br />

Os O primeiros<br />

encontros en que<br />

tivemos ti com<br />

ela el – o “western<br />

vampiro” va “Depois<br />

do Anoitecer”, o<br />

policial pol “Aço Azul”<br />

e a aventura “Ruptura<br />

Explosiva” - sugeriam uma<br />

arrumação na n gaveta do<br />

género da sé série B que, com o<br />

tempo, se começou com a perceber<br />

ser errado. Bigelow Bi não é caso<br />

único – també também, por exemplo,<br />

realizadores hoje h reconhecidos<br />

como autores<br />

<strong>de</strong> corpo inteiro<br />

como David Cr Cronenberg ou<br />

10 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Uma<br />

mulher livre<br />

Retrospectiva integral <strong>de</strong> uma cineasta<br />

que sempre fez o que quis in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do que os outros quiseram. Jorge Mourinha<br />

Joe Dante começaram por ser<br />

consi<strong>de</strong>rados tarefeiros <strong>de</strong><br />

série B. Mas Bigelow é um caso<br />

singular, <strong>de</strong>vido ao facto <strong>de</strong> ser<br />

uma mulher que fi lma universos<br />

ten<strong>de</strong>ncialmente masculinos (e<br />

tradicionalmente fi lmados por<br />

homens) e que o faz vinda <strong>de</strong><br />

um universo – a arte mo<strong>de</strong>rna,<br />

on<strong>de</strong> estudou, por exemplo, com<br />

Lawrence Weiner, que estará<br />

também presente no festival, e a<br />

<strong>de</strong>sconstrução e questionamento<br />

semióticos – que quase nunca<br />

mostra interesse na mecânica do<br />

cinema “popular”.<br />

Apesar <strong>de</strong> “Ruptura<br />

Explosiva”, glorioso momento<br />

<strong>de</strong> adrenalina pura recoberto<br />

<strong>de</strong> uma patine existencialista<br />

a meio caminho entre Hawks e<br />

o homoerotismo (e seu sucesso<br />

comercial mais signifi cativo), e<br />

“Estranhos Prazeres”, presciente<br />

fi cção científi ca imersiva em tom<br />

<strong>de</strong> profecia social, a realizadora<br />

esquivou-se sempre às gavetas<br />

em que Hollywood insiste<br />

em encerrar os realizadores.<br />

Demasiado conceptual para<br />

ser comercial, <strong>de</strong>masiado<br />

comercial para se sentir à<br />

vonta<strong>de</strong> nas convenções do que<br />

se convencionou chamar cinema<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, Bigelow trabalha<br />

num limbo constante <strong>de</strong> quem<br />

não pertence realmente a lugar<br />

nenhum. E, <strong>de</strong> certo modo, é<br />

essa in<strong>de</strong>pendência que lhe dá<br />

a sua <strong>gran<strong>de</strong></strong> mais-valia e a sua<br />

importância in<strong>de</strong>smentível,<br />

sobretudo num sistema <strong>de</strong><br />

produção contemporâneo on<strong>de</strong><br />

Hollywood se afadiga a limar<br />

arestas e conformar os projectos<br />

a ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> encargos<br />

específi cas. Bigelow é uma<br />

mulher livre que não transige<br />

em nada e prefere fazer os seus<br />

fi lmes fora do circuito a ter <strong>de</strong><br />

fazer concessões (é, aliás, por<br />

isso que nenhum dos seus oito<br />

fi lmes, em apenas trinta anos <strong>de</strong><br />

carreira, foram fi nanciados por<br />

um <strong>gran<strong>de</strong></strong> estúdio – e o único<br />

que o foi, “Estranhos Prazeres”,<br />

foi produzido pelo ex-marido,<br />

James Cameron, que a protegeu<br />

<strong>de</strong> intervenções externas.).<br />

É uma posição <strong>de</strong> peculiar e<br />

rara integrida<strong>de</strong> numa carreira<br />

que se fez aos zigzagues<br />

lentos, como quem diz que<br />

não se ven<strong>de</strong> nem por mais<br />

uma mas que nesse processo<br />

não larga nunca a exigência<br />

da acessibilida<strong>de</strong>. A cineasta<br />

não está interessada em ser<br />

panfl etária nem propagandista<br />

(“Estado <strong>de</strong> Guerra” é um fi lme<br />

singularmente apolítico, o que<br />

causou signifi cativa confusão<br />

nos observadores); nos seus<br />

fi lmes as coisas nunca são<br />

lineares, preto no branco, como<br />

Uma obra pautada<br />

pela noção <strong>de</strong> que<br />

as divisões entre<br />

“cinema <strong>de</strong> autor”<br />

e “cinema comercial”<br />

estão mais na cabeça<br />

<strong>de</strong> quem vê do<br />

que <strong>de</strong> quem faz<br />

Hollywood tanto gosta. Mas <strong>de</strong><br />

certo modo é exactamente isso<br />

que faz da realizadora a rarida<strong>de</strong><br />

que é: alguém que não toma o<br />

seu público por parvo nem por<br />

garantido, para quem o acto <strong>de</strong><br />

entreter uma audiência equivale<br />

a uma oportunida<strong>de</strong> única <strong>de</strong><br />

emocionar o espectador sem<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> exercitar a sua cabeça.<br />

É isso que vamos po<strong>de</strong>r<br />

compreen<strong>de</strong>r nesta integral <strong>de</strong><br />

uma obra <strong>de</strong> rara consistência,<br />

pautada pela noção <strong>de</strong><br />

que as divisões entre<br />

“cinema <strong>de</strong> autor” e<br />

“cinema comercial”<br />

estão mais na cabeça<br />

<strong>de</strong> quem vê do que <strong>de</strong><br />

quem faz. E se os Oscares<br />

<strong>de</strong> “Estado <strong>de</strong> Guerra” não<br />

tiverem servido para mais<br />

nada, pelo menos<br />

serviram para<br />

olharmos como <strong>de</strong>ve<br />

ser uma autora que<br />

merece maior atenção do que<br />

até agora estivemos dispostos<br />

a prestar.<br />

GABRIEL BOUYS/ AFP<br />

“Estranhos<br />

Prazeres”,<br />

“Ruptura<br />

Explosiva”<br />

e “Depois<br />

do Anoitecer”


es <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> comoção. As ruas<br />

tornam-se espaços coreografados:<br />

manchas coloridas on<strong>de</strong> se adivinham<br />

corpos humanos fazem e <strong>de</strong>sfazem<br />

formas geométricas, efeitos ópticos;<br />

as bancadas <strong>de</strong> um estádio são ocupadas<br />

não por espectadores, mas por<br />

um ecrã humano que gera imagens<br />

animadas através da manipulação <strong>de</strong><br />

ban<strong>de</strong>irinhas, cartões e lenços. Ceausescu<br />

assiste à narração ilustrada da<br />

história do seu próprio país. E <strong>de</strong>senha<br />

na sua imaginação influenciável,<br />

<strong>de</strong> criança tímida mas competitiva e<br />

finalmente temerária, o passo seguinte:<br />

também ele quer cerimónias abrilhantadas<br />

por impressionantes ecrãs<br />

humanos. Milhares <strong>de</strong> pessoas, durante<br />

meses, são <strong>de</strong>slocadas dos empregos<br />

durante meta<strong>de</strong> do dia para<br />

ensaiarem estas imagens animadas<br />

em que um ser humano correspon<strong>de</strong><br />

a um “pixel”.<br />

1977 é o ano do terramoto. A providência<br />

dá a mão ao “conducator”.<br />

A visão <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, futurista,<br />

sem a incómoda sombra da<br />

herança burguesa, que testemunhou<br />

em Pyongyang... mas não! Falso alarme!<br />

Bucareste fica parcialmente <strong>de</strong>struída<br />

(guarda <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então o aspecto<br />

<strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sengonçada, os seus<br />

edifícios parece que foram abanados<br />

As tristonhas<br />

avenidas que se<br />

suce<strong>de</strong>m pela cida<strong>de</strong>,<br />

como um pesa<strong>de</strong>lo<br />

aborrecido, servem<br />

<strong>de</strong> biombo a uma<br />

Bucareste alternativa<br />

em que se vive uma<br />

atmosfera <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia<br />

– e foram). Boa parte dos edifícios<br />

<strong>de</strong>struídos, no entanto, já haviam sido<br />

erguidos pelo comunismo. As casas<br />

com quintais mantêm-se teimosamente.<br />

Cerca <strong>de</strong> 30 mil habitações serão<br />

removidas para implementar a mastodôntica<br />

Casa da República. Com o<br />

fim do regime é rebaptizada Palácio<br />

do Parlamento, mas a população <strong>de</strong><br />

Bucareste no que respeita aos nomes<br />

oficiais é parecida com a lisboeta e<br />

toda a gente conhece o edifício como<br />

Casa Poporului (casa do povo).<br />

Há uma cena em “Autobiografia <strong>de</strong><br />

Nicolae Ceaucescu” que parece concebida<br />

numa parceria <strong>de</strong> Jacques Tati<br />

com Stanley Kubrick: Ceausescu<br />

visita a maqueta com os projectos <strong>de</strong><br />

mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong>. Apesar da<br />

escala, as dimensões são colossais e<br />

é instalada uma plataforma que <strong>de</strong>sliza<br />

por cima da maqueta. Anos <strong>de</strong>pois,<br />

as fundações da sua futura casa<br />

(nunca chegará a habitá-la) impressionam:<br />

“É muito maior do que na<br />

maqueta!”<br />

Ceausescu não se ficou pela sua<br />

casa. Toda a área foi redimensionada<br />

e construída <strong>de</strong> raiz. Impera o Boulevard<br />

Unirii, com as suas fontes a per<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> vista para lá da Piatza Unirii,<br />

uma série <strong>de</strong> edifícios oficiais que ficaram<br />

inacabados, fachadas grandiosas<br />

num pomposo estilo sem estilo.<br />

Fachadas: basta contornar as <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />

avenidas e eis que é revelada a encenação:<br />

não passam <strong>de</strong> prédios, banais<br />

blocos <strong>de</strong> betão construídos à pressa<br />

e que tapam a visão dos bairros limítrofes<br />

a Sul que foram poupados.<br />

As tristonhas avenidas cinzentoacastanhadas<br />

que se suce<strong>de</strong>m pelo<br />

resto da cida<strong>de</strong>, como um pesa<strong>de</strong>lo<br />

aborrecido, servem também <strong>de</strong> biombo<br />

a uma Bucareste alternativa em<br />

que se vive uma atmosfera <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia,<br />

fazendo lembrar que por trás da aparência<br />

urbana boa parte da população<br />

vem do campo. Os mercados que ain-<br />

BOGDAN CRISTEL/ REUTERS<br />

Em rigor, Ceausescu<br />

não é muito diferente<br />

da figura paternalista<br />

<strong>de</strong> um cacique <strong>de</strong><br />

província. A diferença<br />

está na escala,<br />

e nos meios<br />

à sua disposição<br />

da sobrevivem são disso um exemplo,<br />

com os camponeses a ven<strong>de</strong>rem legumes<br />

e fruta da época e os queijeiros<br />

<strong>de</strong> bata branca e chapéus ovais <strong>de</strong><br />

feltro, <strong>de</strong> faca empunhada com uma<br />

prova <strong>de</strong> queijo na ponta. A cena em<br />

que Ceausescu prova um pedaço <strong>de</strong><br />

“brânza proaspata” é um ritual comum<br />

a todos os clientes ainda hoje:<br />

só levar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> provar.<br />

Entre Pyongyang<br />

e Hollywood<br />

Em rigor, Ceausescu não é muito diferente<br />

da figura paternalista <strong>de</strong> um<br />

cacique <strong>de</strong> província. A diferença está<br />

na escala, e nos meios à sua disposição.<br />

A ele foi-lhe permitido sonhar<br />

e executar a visão do sonho. A Roménia<br />

dos anos 70 po<strong>de</strong>ria ser – e foi – o<br />

“missing link” entre Pyongyang e<br />

Hollywood. O episódio do XII Congresso<br />

do Partido Comunista Romeno<br />

(PCR), em que em que Constantin<br />

Parvulescu, membro fundador do<br />

PCR, o acusa <strong>de</strong> ter convocado o congresso<br />

para forçar a sua reeleição no<br />

comité central, pondo os interesses<br />

pessoais à frente dos do partido e do<br />

país, dava a enten<strong>de</strong>r o que vinha<br />

acontecendo. O culto da personalida<strong>de</strong><br />

gerara uma figura insubstancial,<br />

logo intocável. Tão perfeita como<br />

uma parada, a audiência na Sala Palatului<br />

levanta-se num só movimento<br />

e entoa “Ceausescu shi poporul”,<br />

num loop que se repete até afundar<br />

<strong>de</strong> regresso à insignificância o gesto<br />

individual <strong>de</strong> Parvulescu.<br />

Com o esfriar das relações externas<br />

e uma dívida apavorante (<strong>de</strong>z mil milhões<br />

<strong>de</strong> dólares aos EUA), os anos 80<br />

são os do isolamento da Roménia e<br />

<strong>de</strong> um projecto que <strong>de</strong> tão louco resultou:<br />

saldar a dívida numa década<br />

(Ceausescu foi morto antes <strong>de</strong> acabar<br />

a sua nova casa, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a Roménia<br />

pagar a totalida<strong>de</strong> da dívida).<br />

São os anos em que a produção interna<br />

se <strong>de</strong>stina à exportação. Ceausescu<br />

supervisiona o país com a energia <strong>de</strong><br />

um capataz: observa os efeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />

das cheias, intima os escritores<br />

a escreverem poesia social e revolucionária,<br />

e não apenas abstracções<br />

e poemas <strong>de</strong> amor; repara nas espigas<br />

ainda com grãos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>bulhadas<br />

e questiona o construtor da<br />

<strong>de</strong>bulhadora nova se não é possível<br />

construir uma máquina que evite o<br />

<strong>de</strong>sperdício; entra numa padaria,<br />

confere o peso do pão e chama à atenção<br />

para o facto <strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> do<br />

pão ser melhor no campo. Seria divertido<br />

se as lojas não fossem <strong>de</strong>coradas<br />

com produtos alimentares apenas<br />

para que o “conducator” pu<strong>de</strong>sse<br />

entrar nelas e filmar a sua cena.<br />

Mas há um mistério que “Autobiografia”<br />

não revela. Ceausescu foi o<br />

encenador e intérprete principal <strong>de</strong>sta<br />

farsa, ou, à semelhança <strong>de</strong> Salazar,<br />

passou os últimos anos da vida com<br />

a ilusão <strong>de</strong> governar um país, quando<br />

já não passava <strong>de</strong> um mero símbolo<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r? Marionetista ou marioneta?<br />

Faz parte da aura <strong>de</strong> um <strong>ditador</strong><br />

mandar construir e ver em seu redor<br />

um novo país a erguer-se. A Romé-<br />

Jorge Mourinha<br />

Comentário<br />

Avassalador<br />

Três horas (que passam<br />

a correr) <strong>de</strong> um trabalho<br />

alucinante <strong>de</strong> montagem<br />

e ilustração sonora que<br />

<strong>de</strong>senham a Roménia<br />

comunista como um “conto<br />

<strong>de</strong> fadas”: “A Autobiografi a<br />

<strong>de</strong> Nicolae Ceausescu”.<br />

O<br />

título é todo um<br />

programa: “A<br />

Autobiografi a <strong>de</strong><br />

Nicolae Ceausescu”.<br />

Reconhecemos nele o<br />

humor escarninho e seco que<br />

apren<strong>de</strong>mos a i<strong>de</strong>ntifi car com a<br />

recente “nova vaga romena” - só<br />

que Andrei Ujica, o seu autor, não<br />

pertence a essa vaga, vivendo e<br />

trabalhando na Alemanha <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1981 (como professor <strong>de</strong> cinema) e<br />

fi lmando (nas áreas do<br />

documentário e da não-fi cção)<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992.<br />

Esta “Autobiografi a”, portanto,<br />

não é uma fi cção mas um<br />

documentário. E é um objecto<br />

avassalador: Ujica limitou-se a<br />

pegar em imagens <strong>de</strong> arquivo<br />

pesquisadas minuciosamente nos<br />

acervos da televisão e do serviço<br />

cinematográfi co estatal romenos, e<br />

montou-as cronologicamente para<br />

<strong>de</strong>senhar a ascensão e queda do<br />

lí<strong>de</strong>r comunista romeno Nicolae<br />

Ceausescu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte do seu<br />

antecessor Gheorghe Gheorghiu-<br />

Dej em 1965 até à sua prisão,<br />

julgamento sumário e execução em<br />

1989.<br />

São três horas (que passam a<br />

correr) <strong>de</strong> um trabalho alucinante<br />

<strong>de</strong> montagem e ilustração sonora<br />

(a cargo <strong>de</strong> Dana Bunescu) que<br />

<strong>de</strong>senham a Roménia comunista<br />

como um “conto <strong>de</strong> fadas”,<br />

reino mítico tão falso como a<br />

reconstituição <strong>de</strong> momentos<br />

históricos da nação a que<br />

Ceausescu assiste a certa altura<br />

do fi lme. Um país com o seu quê<br />

do fantasioso “melhor <strong>de</strong> todos os<br />

mundos possíveis” <strong>de</strong> Voltaire, no<br />

qual um “apparatchik” medíocre e<br />

provinciano como Ceausescu, sem<br />

fazer mais do que meter a cassete<br />

<strong>de</strong> meia-dúzia <strong>de</strong> lugares-comuns<br />

da retórica marxista, podia criar a<br />

fantasia ilusória <strong>de</strong> ser um <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

lí<strong>de</strong>r mundial.<br />

A verda<strong>de</strong>, contudo, estava<br />

bem à vista <strong>de</strong> quem olhava com<br />

atenção – e estes fi lmes que serviam<br />

<strong>de</strong> propaganda do regime revelam<br />

também as suas fragilida<strong>de</strong>s,<br />

da ilusão inocente daqueles<br />

que acreditavam realmente<br />

nos “amanhãs que cantam” à<br />

con<strong>de</strong>scendência com que os<br />

dignitários estrangeiros tratavam<br />

Ceausescu (exemplares são as<br />

imagens das visitas estatais à China<br />

e à Inglaterra).<br />

No limite, o triunfo <strong>de</strong><br />

“Autobiography of Nicolae<br />

Ceausescu” é o <strong>de</strong> pegar nestas<br />

imagens e, ao recontextualizá-las<br />

num outro momento histórico,<br />

mostrar-nos como uma imagem<br />

está longe <strong>de</strong> se esgotar no mero<br />

registo fotográfi co. O fi lme <strong>de</strong><br />

Andrei Ujica é uma lição superior<br />

sobre o po<strong>de</strong>r das imagens, uma<br />

verda<strong>de</strong>ira “master class” <strong>de</strong><br />

montagem e realização e uma<br />

aula <strong>de</strong> história a que é urgente<br />

assistir. Por on<strong>de</strong> quer que se<br />

veja, “Autobiography of Nicolae<br />

Ceausescu” é um monumento.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 11


12 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

nia foi a casa em obras <strong>de</strong> Ceausescu,<br />

mas o que acontece quando a<br />

casa, o lar, é <strong>de</strong>struído?<br />

Um fantasma da realida<strong>de</strong><br />

Se “Autobiografia...” nos mostra um<br />

<strong>ditador</strong> a encenar o seu país como<br />

quem dirige e protagoniza um filme,<br />

“Aurora”, <strong>de</strong> Christi Puiu (dia 9,<br />

21h30, Casino; dia 10, 15h, Centro <strong>de</strong><br />

Congressos – também em competição)<br />

mostra-nos um <strong>ditador</strong> no contexto<br />

familiar, perante os <strong>de</strong>stroços<br />

do seu casamento.<br />

Nascido em 1967, Christi Puiu é um<br />

filho da Época <strong>de</strong> Oiro. Nasceu na sequência<br />

do projecto <strong>de</strong> explosão da<br />

taxa <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> que em 1966 proibiu<br />

o aborto, com o objectivo <strong>de</strong> criar<br />

uma geração nascida do comunismo,<br />

liberta da memória do passado. Cinco<br />

anos <strong>de</strong>pois do multi-premiado “A<br />

Morte do Sr. Lazarescu”, para o seu<br />

novo filme Puiu fez audições durante<br />

três meses e acabou por escolher-se<br />

a si mesmo para a personagem principal.<br />

Ele é Viorel Ghenghea, o <strong>ditador</strong><br />

<strong>de</strong>stroçado por um casamento<br />

resolvido em tribunal, engenheiro<br />

metalúrgico que per<strong>de</strong> o lar e a família<br />

e vegeta pelas ruas e pela casa em<br />

obras sem outro po<strong>de</strong>r que não seja<br />

o <strong>de</strong> matar-se ou vingar-se.<br />

O filme resulta num exercício sobre<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirigir, com Puiu a dirigir<br />

o espectador no interior do plano:<br />

basta seguir-lhe o corpo, o olhar. Ele<br />

começa por ser um fantasma da realida<strong>de</strong>,<br />

em casa da amante a espiar<br />

uma vida doméstica que lhe não pertence<br />

e na rua on<strong>de</strong> mora a ex-mulher<br />

a espiar os filhos numa vida <strong>de</strong> que já<br />

não faz parte. O seu corpo está tolhido,<br />

<strong>de</strong>scentrado da realida<strong>de</strong>, há um<br />

“<strong>de</strong>lay” entre os olhos que vêem e o<br />

corpo que segue o olhar. E o seu corpo<br />

segue o que os olhos vêem, como<br />

se já não tivesse vida própria. O que<br />

parece uma <strong>de</strong>pressão profunda a<br />

preparar um suicídio revela-se uma<br />

<strong>de</strong>pressão profunda a encenar uma<br />

vingança. “Aurora” é um filme em que<br />

não se comunica: os diálogos são recriminações,<br />

chorar sobre leite <strong>de</strong>rramado.<br />

Qual é o po<strong>de</strong>r do indivíduo perante<br />

o real? E quando é que a lei <strong>de</strong>ve<br />

interferir com a vida dos indivíduos?<br />

Para Viorel Ghenghea essa intromissão<br />

já aconteceu: a sua vida são fragmentos<br />

<strong>de</strong> algo que se extinguiu. Resta-lhe<br />

uma mistura <strong>de</strong>solada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo<br />

com indiferença e ódio. “A justiça não<br />

po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong><br />

da relação que tinha com a minha mulher”,<br />

explicará em <strong>de</strong>poimento o sr.<br />

Ghenghea, enquanto o sr. Puiu acrescentará<br />

que “os problemas <strong>de</strong> comunicação<br />

alimentam a violência.”<br />

Se “Autobiografia...”<br />

nos mostra um<br />

<strong>ditador</strong> a encenar<br />

o seu país, “Aurora”,<br />

<strong>de</strong> Christi Puiu,<br />

mostra-nos um<br />

<strong>ditador</strong> no contexto<br />

familiar perante os<br />

<strong>de</strong>stroços do seu<br />

casamento<br />

É essa a pedra <strong>de</strong> toque. A doença<br />

mais profunda que tolhe a socieda<strong>de</strong><br />

romena (e que ainda soa familiar ao<br />

cidadão português) é a da incapacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> comunicar perante um problema.<br />

Por que é que não sabemos o que<br />

aconteceu entre Viorel e Amália, a sua<br />

ex-mulher? E por que é que os sogros,<br />

o notário e a sua acompanhante anónima<br />

<strong>de</strong>vem pagar pela miséria <strong>de</strong><br />

Viorel? A história romena e a cultura<br />

que a impregna é esta charada: as diferenças<br />

não se resolvem, amputamse<br />

ou ficam bem escondidas. É um<br />

país enredado na asfixia do seu charme,<br />

da sua tristeza, do seu isolamento,<br />

da sua vergonha. As histórias romenas<br />

escon<strong>de</strong>m sempre que tratam<br />

<strong>de</strong> uma traição. Os traidores são aqueles<br />

que permitiram o abuso.<br />

Qual é afinal o po<strong>de</strong>r do indivíduo<br />

perante o real? Regressemos a Pyongyang:<br />

Ceausescu e Kim Il Jung assistem<br />

da tribuna a uma coreografia<br />

colectiva cujos figurantes preenchem<br />

a totalida<strong>de</strong> do estádio, <strong>de</strong> fazer empali<strong>de</strong>cer<br />

a cerimónia <strong>de</strong> abertura dos<br />

Jogos Olímpicos <strong>de</strong> Moscovo. Todos<br />

fazem parte da encenação. Para admirá-la<br />

restam apenas dois espectadores.<br />

Na socieda<strong>de</strong> do espectáculo<br />

todos participam, mas só o <strong>ditador</strong><br />

tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirigir o olhar para o<br />

que está a acontecer: o real, a sua encenação.<br />

“Aurora”,<br />

<strong>de</strong> Christi<br />

Puiu:<br />

a Roménia<br />

como um<br />

fantasma


Chris Marker, o gato e os filmes<br />

Numa aparição rara, Marker virá ao Estoril apresentar a sua obra, num programa cuja cereja é a primeira apresentação<br />

mundial <strong>de</strong> “Ouvroir the Movie”, o último fi lme. Luís Miguel Oliveira<br />

Po<strong>de</strong> parecer uma coisa<br />

extraordinária, mas<br />

infelizmente é uma coisa<br />

corriqueira: nunca um fi lme<br />

<strong>de</strong> Chris Marker foi estreado<br />

comercialmente em salas<br />

portuguesas. E já lá vão<br />

mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

há fi lmes <strong>de</strong> Chris Marker.<br />

Demasiado “autor”, muito pouco<br />

“comercial”? Má resposta, até<br />

porque justamente é este tipo<br />

<strong>de</strong> raciocínio que, <strong>de</strong> facto, cria<br />

objectos “comerciais” e objectos<br />

<strong>de</strong> “autor”. Como Marker tem<br />

fi lmes que, noutros países, foram<br />

muito vistos e fi caram famosos,<br />

que esta constatação da<br />

histórica <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> do circuito<br />

comercial português sirva para<br />

reiterar uma verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>via<br />

ser ponto assente (mas não<br />

é): uma visão do cinema – do<br />

passado e do presente – fundada<br />

apenas no ramerrame semanal<br />

do que entra e sai das salas<br />

está con<strong>de</strong>nada a ser parcelar<br />

e largamente incompleta. E<br />

também por isto, a retrospectiva<br />

Marker (ainda que bastante<br />

incompleta) é capaz <strong>de</strong> ser o<br />

acontecimento mais importante<br />

<strong>de</strong>sta edição do Estoril Film<br />

Festival.<br />

Chris Marker (que nasceu<br />

em 1921 e reitera a tendência<br />

dos cineastas europeus para<br />

a longevida<strong>de</strong>: é preciso ser<br />

um osso duro <strong>de</strong> roer para se<br />

ser um “cineasta europeu”) é<br />

razoavelmente inqualifi cável.<br />

Já fez um pouco <strong>de</strong> tudo,<br />

se quisermos recorrer às<br />

tradicionais e redutoras<br />

categorias: “documentário”,<br />

“fi cção”, “ensaio”, por vezes<br />

tudo junto. Estimulou o diálogo<br />

entre o cinema classicamente<br />

entendido e as novas artes, e<br />

os novos suportes, da imagem<br />

(como Godard, acolheu o<br />

ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> braços abertos).<br />

Em termos pessoais, ganhou<br />

fama (por ele cultivada) <strong>de</strong><br />

secretismo. Totalmente avesso<br />

a mundanida<strong>de</strong>s, as suas<br />

aparições públicas são raras,<br />

as entrevistas também. Mas<br />

gosta <strong>de</strong> se fazer “representar”,<br />

normalmente por via dos seus<br />

animais preferidos, os gatos,<br />

“Level 5”<br />

e “Sans<br />

Soleil”<br />

“Sinto-me pouco<br />

‘cineasta’: o meu<br />

itinerário neste baixo<br />

mundo foi feito por<br />

etapas que na maior<br />

parte foram ocasião<br />

para um filme, mas<br />

on<strong>de</strong> o filme não<br />

era o elemento<br />

mais importante”<br />

Chris Marker<br />

que com frequência também<br />

aparecem nos seus fi lmes (os<br />

espectadores <strong>de</strong> “As Praias<br />

<strong>de</strong> Agnès”, <strong>de</strong> Varda, <strong>de</strong>vem<br />

lembrar-se do gato <strong>de</strong> Marker).<br />

Tentámos entrevistá-lo por<br />

e-mail – coisa sempre ingrata – e<br />

mandámos-lhe cinco perguntas<br />

mais ou menos esforçadas.<br />

Respon<strong>de</strong>u com um texto curto,<br />

muito <strong>de</strong>licado e muito bem<br />

escrito, a justifi car por que<br />

era incapaz <strong>de</strong> lhes respon<strong>de</strong>r.<br />

Transcrevemos uma passagem<br />

<strong>de</strong>sse texto, que nos servirá<br />

<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para ir um<br />

pouco mais além: “Sinto-me<br />

muito pouco ‘cineasta’, e por<br />

uma razão muito simples: o<br />

meu itinerário neste baixo<br />

mundo foi feito por etapas<br />

que na maior parte foram<br />

ocasião para um fi lme, mas<br />

on<strong>de</strong> o fi lme não era o elemento<br />

mais importante. A viagem,<br />

os encontros, as recordações,<br />

têm um lugar muito maior na<br />

minha bagagem memorial<br />

do que uma hora ou duas <strong>de</strong><br />

projecção cujos <strong>de</strong>talhes se<br />

esvaem com o tempo (não pensa<br />

certamente que eu revejo os<br />

meus fi lmes?...)”.<br />

As viagens, claro. Marker tem<br />

muito que o aproxime <strong>de</strong> Joris<br />

Ivens, recentemente evocado<br />

no Doc<strong>Lisboa</strong>, e como ele fi lmou<br />

em vários cantos do mundo,<br />

<strong>de</strong>ixando testemunho <strong>de</strong> não<br />

poucos momentos históricos.<br />

Os seus fi lmes “cubanos” (como<br />

“Le Fond <strong>de</strong> l’Air est Rouge”, <strong>de</strong><br />

1977, incluído na retrospectiva),<br />

por exemplo, à época atacados<br />

pelo seu “propagandismo”,<br />

mas que vistos hoje parecem<br />

ter um sentido mais complexo<br />

e linearmente in<strong>de</strong>cifrável,<br />

ou os seus fi lmes asiáticos,<br />

especialmente os “japoneses”<br />

(<strong>de</strong> que o festival vai mostrar<br />

três: “AK”, documento sobre<br />

Kurosawa na rodagem <strong>de</strong><br />

“Ran”; “Sans Soleil”, “retrato <strong>de</strong><br />

Tóquio” que é a obra-prima <strong>de</strong><br />

Marker; e “Level 5”, investigação<br />

sobre a relação das “novas<br />

tecnologias” com a História, a<br />

partir <strong>de</strong> um dado concreto, a<br />

batalha <strong>de</strong> Okinawa durante<br />

a II Guerra). Foi cúmplice da<br />

“nouvelle vague” e, digamos,<br />

reclamado por ela durante<br />

esses breves três/quatro<br />

anos em que, <strong>de</strong> facto, existiu<br />

uma “vaga nova”, mas os<br />

seus encontros anteriores (os<br />

fi lmes com Resnais nos anos<br />

50) e posteriores (o encontro<br />

com Godard, Resnais e, já<br />

agora, Joris Ivens, em “Loin<br />

du Vietnam”, fi lme colectivo)<br />

não são mais signifi cativos do<br />

que os momentos em que o seu<br />

percurso foi intrinsecamente<br />

pessoal. Não obstante (e vamos<br />

citar o nome Godard pela<br />

segunda vez), também Marker<br />

usou, sobretudo nos últimos<br />

anos, o cinema como forma <strong>de</strong><br />

contar – evocar, fazer – a história<br />

do cinema: já mencionámos o<br />

fi lme sobre Kurosawa (feito nos<br />

anos 80), <strong>de</strong>vemos mencionar<br />

também dois outros fi lmes<br />

sobre cineastas igualmente<br />

mostrados no festival, “Une<br />

Journée d’Andrei Arsenevitch”<br />

(<strong>de</strong> 1999, sobre Tarkovski),<br />

e sobretudo o fabuloso “Le<br />

Tombeau d’Alexandre” (1992),<br />

uma lembrança, e quase<br />

o reconhecimento <strong>de</strong> uma<br />

fi liação, do soviético Aleksandr<br />

Medvedkine. Por toda a<br />

saliência espectacular do seu<br />

gesto artístico (também uma<br />

refl exão sobre a fronteira entre<br />

o cinema e a fotografi a), o mais<br />

célebre fi lme <strong>de</strong> Marker, com<br />

culto aparentemente reavivado<br />

nos últimos anos e constante<br />

do programa do festival, é “La<br />

Jetée”, curta-metragem <strong>de</strong><br />

1962, inteiramente “composta”<br />

com fotografi as e voz “off ”<br />

(segundo as pobres categorias<br />

em vigor, “experimental”) para<br />

um relato <strong>de</strong> fi cção científi ca<br />

pós-apocalíptica que é em si<br />

mesmo um exercício narrativo a<br />

conjugar o passado e o futuro (e<br />

portanto a questionar o eterno<br />

“presente” que o cinema, em<br />

princípio, é). Numa aparição<br />

rara, Marker virá ao Estoril<br />

apresentar a sua obra, num<br />

programa que inclui ainda um<br />

<strong>de</strong>bate e uma “master class”<br />

com Bernard Eisenschitz, e cuja<br />

cereja é a primeira apresentação<br />

mundial <strong>de</strong> “Ouvroir the Movie”,<br />

o seu último fi lme.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 13


Os transportes públicos estavam parados,<br />

artérias cortadas, Paris estava<br />

nas ruas e Jason Charles Beck (nome<br />

artístico Gonzales), 38 anos, não estava<br />

satisfeito com as manifestações.<br />

“Fico sempre com a i<strong>de</strong>ia que os parisienses<br />

exageram quando vão para<br />

a rua. O seu lado mais aristocrático<br />

cai por terra” diz, recebendo-nos à<br />

porta <strong>de</strong> casa, um rés-do-chão com<br />

um pequeno jardim, em Pigalle.<br />

Ele tem novo álbum, o sexto, “Ivory<br />

Tower“, produzido por um dos jovens<br />

produtores mais cotados das electrónicas<br />

<strong>de</strong> dança, o alemão Boys Noize.<br />

E tem também uma longa-metragem<br />

com o mesmo nome, a sua primeira,<br />

com Peaches e Tiga como actores,<br />

para além do próprio Gonzales. A<br />

amiga Feist faz uma pequena aparição,<br />

Céline Sciamma e Adam Traynor<br />

ajudaram no argumento e realização.<br />

O filme estreou em Agosto, no festival<br />

<strong>de</strong> Locarno, on<strong>de</strong> recebeu uma menção<br />

especial.<br />

Nascido em Montreal, <strong>de</strong>sembarcou<br />

em Berlim no final dos anos 90,<br />

gravou vários álbuns, remisturou Daft<br />

Punk ou Björk e produziu gente tão<br />

diferente como Feist, Mocky, Charles<br />

Aznavour ou Jane Birkin. O ano passado<br />

bateu o recor<strong>de</strong> do Guiness da<br />

mais longa performance a solo, tocando<br />

ao piano 27 horas, 3 minutos e 44<br />

segundos, em Paris, enquanto o mundo<br />

o seguia. Em casa, olha-se em redor,<br />

e percebe-se que não precisa <strong>de</strong><br />

muito. “Podia viver apenas com um<br />

piano, um computador e alguns livros.”<br />

Talvez. Isso e uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> foto<br />

na pare<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> figuram Clinton e<br />

Bush, la<strong>de</strong>ados por um <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Viveu seis anos em Berlim<br />

on<strong>de</strong> criou a sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong>s – Feist, Peaches,<br />

Tiga, Mocky ou Jamie Li<strong>de</strong>ll.<br />

Está há sete em Paris. Segue-se<br />

Londres?<br />

Por enquanto a base é Paris, mas tenho<br />

estado cada vez mais tempo em<br />

Londres. Comecei a trabalhar aqui em<br />

produção, com Feist e Jane Birkin, e<br />

fui ficando. Senti que Paris era o passo<br />

seguinte, um passo aristocrático,<br />

como Londres po<strong>de</strong> ser o próximo.<br />

Queria estar num local mais profissional<br />

que Berlim. É uma cida<strong>de</strong> óptima<br />

mas não é muito profissional. Vou lá<br />

muitas vezes ver os meus amigos, mas<br />

não consigo viver lá.<br />

Há quatro anos, em entrevista,<br />

dizia-nos que a música era um<br />

universo restrito. Sempre se<br />

<strong>de</strong>finiu como um artista total.<br />

Este filme nasce <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo?<br />

Há muito que queria fazer um filme.<br />

A música é um universo limitado, no<br />

sentido em que as pessoas se agarram<br />

muito à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong>. A mim<br />

interessa-me a ilusão. No cinema existe<br />

isso. Por isso, foi apenas uma questão<br />

<strong>de</strong> superar as questões financeiras<br />

e criativas e arrancar. É uma <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

operação fazer um filme, uma verda<strong>de</strong>ira<br />

operação militar, em comparação<br />

com fazer um álbum. Temos que<br />

reunir as pessoas certas e não é fácil.<br />

Mas no cinema é tudo muito orientado,<br />

numa mistura <strong>de</strong> trabalhadores e<br />

i<strong>de</strong>alistas. É o meu mundo. Po<strong>de</strong>mos<br />

preparar tudo ao milímetro, mas <strong>de</strong>pois<br />

temos que nos adaptar. O plano<br />

14 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

A nunca funciona num filme, o que é<br />

óptimo. É um <strong>de</strong>safio constante criar<br />

soluções pragmáticas.<br />

O filme interroga as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong><br />

fantasia e autenticida<strong>de</strong>, ou seja,<br />

é o conflito entre arte e comércio<br />

que está em jogo.<br />

São questões que me acompanham<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. Respeito os artistas que<br />

vivem na sua torre <strong>de</strong> marfim (“Ivory<br />

Tower”), que fazem o que lhe apetece,<br />

são puristas a sério, e que não querem<br />

saber do que as pessoas pensam <strong>de</strong>les.<br />

Também tenho alguma simpatia pelos<br />

que se assumem como “entertainers”,<br />

como eu. Mas não tenho paciência<br />

para os que se situam no meio e que<br />

são a maioria. São os que dizem “não<br />

faço isto para ninguém a não ser para<br />

mim próprio, mas se as pessoas gostarem<br />

do que faço é um bónus”. Fazem<br />

concertos e entrevistas, mas<br />

agem como se não quisessem nada<br />

com o sucesso. É falsa autenticida<strong>de</strong>.<br />

No cinema é diferente. Foi, por isso,<br />

interessante produzir e escolher as<br />

pessoas para o filme. A maior parte<br />

dizia-me “não po<strong>de</strong>s fazer um filme<br />

<strong>de</strong>ssa maneira”, o que me motivou<br />

ainda mais.<br />

Podia ter escolhido também<br />

criar a sua torre <strong>de</strong> marfim,<br />

porque é que optou por assumirse<br />

como “entertainer”?<br />

A torre <strong>de</strong> marfim é sedutora por natureza,<br />

mas parece-me que se per<strong>de</strong><br />

a interacção com as pessoas. E eu preciso<br />

disso.<br />

Os actores do filme, Peaches,<br />

Tiga, Feist, são a sua família. Não<br />

foi opção trabalhar com actores<br />

profissionais?<br />

Não. Escolhi pessoas que conheço<br />

bem. O facto <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong> nós ser<br />

actor contribuiu para que tivéssemos<br />

o mesmo tipo <strong>de</strong> aproximação ao filme,<br />

o que acabou por criar unida<strong>de</strong>.<br />

Eu e Tiga não temos uma relação boa<br />

com a câmara. Com uma multidão à<br />

frente, sim, mas apenas com uma câmara<br />

é diferente. Peaches, sim, sentese<br />

confortável. Mas no fim <strong>de</strong> contas<br />

diria que tivemos uma atitu<strong>de</strong> pragmática,<br />

porque estávamos a fazer<br />

qualquer coisa para a qual não tínhamos<br />

experiência. E quando assim é,<br />

prefiro estar acompanhado por aqueles<br />

que conheço. Não sou muito <strong>de</strong><br />

escapa<strong>de</strong>las. Sou mais do género poligâmico.<br />

Escreveu o argumento do filme<br />

já a pensar neles?<br />

Sim, embora a maior parte das i<strong>de</strong>ias<br />

já tenham sido exploradas nas minhas<br />

canções. Têm muito a ver com essa<br />

divisão entre ser-se artista e “entertainer”.<br />

Tem qualquer coisa <strong>de</strong> provocação,<br />

mas é uma proposta verda<strong>de</strong>ira.<br />

A imagem do artista, hoje, tem que<br />

ser reinventada. Há muitas pessoas a<br />

utilizarem-na como se fosse um estilo<br />

<strong>de</strong> vida. Da minha parte limito-me a<br />

seguir as regras do jogo. Sou pragmático.<br />

Esse pragmatismo, a consciência<br />

do lugar que ocupa, levou-o a<br />

procurar financiamento estatal<br />

para o seu filme?<br />

Não acredito em aceitar dinheiros governamentais.<br />

Acredito que po<strong>de</strong> haver<br />

pessoas que gostam do meu trabalho<br />

e que po<strong>de</strong>rei fazer dinheiro<br />

<strong>de</strong>ssa forma. Não quero que digam do<br />

meu trabalho “oh! Não é suficiente-<br />

Na<br />

torre<br />

<strong>de</strong><br />

marfi m<br />

<strong>de</strong> Gonzales<br />

Ele sempre disse que a música era apenas<br />

um dos universos que o interessavam.<br />

Agora, com “Ivory Tower”, o álbum que originou<br />

uma longa-metragem, Gonzales, na companhia<br />

<strong>de</strong> Peaches, Tiga e Feist, revela-se um homem<br />

do cinema. Ou seja, do espectáculo. Recebeu-nos<br />

em sua casa. Vítor Belanciano, em Paris<br />

Música


Em casa,<br />

em Pigalle,<br />

on<strong>de</strong> recebeu<br />

o Ípsilon<br />

mente bom, por isso vamos ajudarte!”<br />

Aceitar dinheiro governamental<br />

significa transigir e não fazer aquilo<br />

que se <strong>de</strong>seja mesmo fazer <strong>de</strong> uma<br />

forma artística.<br />

Mas também se po<strong>de</strong> estar refém<br />

do mercado, da popularida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> compromissos com alguém<br />

que é exterior.<br />

Claro que sim, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da forma como<br />

se utiliza o que temos à mão.<br />

Quando parto para um trabalho façoo<br />

a partir <strong>de</strong> um prisma artístico. O<br />

<strong>de</strong>safio é esse. Mas mais tar<strong>de</strong> começo<br />

a pensar na utilização pragmática daquilo<br />

que estou a fazer. Ou seja, aspiro<br />

a ser popular e tento criar oportunida<strong>de</strong>s<br />

para mim próprio, no sentido<br />

do meu trabalho ser comunicado. Faço<br />

imensa música que não edito porque<br />

sei que não terá qualquer valida<strong>de</strong><br />

em termos <strong>de</strong> mercado. O facto <strong>de</strong><br />

me divertir a fazê-la não significa que<br />

tenham que ouvi-la.<br />

O filme fará o circuito habitual<br />

das salas <strong>de</strong> cinema?<br />

Vai ser exibido das mais diversas formas,<br />

em circuitos <strong>de</strong> distribuição ou<br />

festivais. Até agora foi exibido em salas,<br />

em sessões especiais, em que as<br />

pessoas vêem e pagam o seu bilhete.<br />

Depois, normalmente, faço o meu<br />

“show” <strong>de</strong> piano. Nesse mo<strong>de</strong>lo já fiz<br />

em L.A., Nova Iorque, Montreal, Toronto,<br />

Tóquio, Londres, Paris.<br />

O filme acaba por ser<br />

consequência <strong>de</strong> um álbum on<strong>de</strong><br />

entregou a produção a Boys<br />

Noize, que nem sequer é alguém<br />

com afinida<strong>de</strong>s consigo.<br />

Des<strong>de</strong> que ele fez uma remistura <strong>de</strong><br />

“My moon my man”, que escrevi com<br />

Feist, que me apercebi que era alguém<br />

capaz <strong>de</strong> ir além da música <strong>de</strong> dança.<br />

E acertei. É um <strong>gran<strong>de</strong></strong> músico. A tonalida<strong>de</strong><br />

do álbum foi escolha <strong>de</strong>le, o<br />

que me <strong>de</strong>ixou livre para outras coisas.<br />

Foi tudo tão fácil que <strong>de</strong>cidi fazer<br />

o filme. Cheguei a um ponto em que<br />

comecei a interrogar-me: “porque é<br />

que isto está a ser tão fácil? Não era<br />

suposto!” No fim do processo, que<br />

costuma ser esgotante, tinha muita<br />

energia extra que não consumira e<br />

resolvi fazer o filme.<br />

Os seus álbuns são sempre<br />

muito diferentes. Não é comum<br />

acontecer na pop, on<strong>de</strong> existe<br />

uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Esse<br />

propósito <strong>de</strong> fazer diferente é<br />

<strong>de</strong>finido previamente ou só no<br />

final dá por isso?<br />

Cada álbum tem que ser um <strong>de</strong>safio.<br />

É uma <strong>de</strong>cisão consciente, mas não é<br />

um “statement”. Há <strong>de</strong>z anos diziamme<br />

que a minha música era muito diversificada<br />

e que isso era um problema.<br />

Não sabiam como me situar. A<br />

solução foi criar uma ligação entre<br />

todas essas músicas, que sou eu, a personalida<strong>de</strong><br />

Gonzales, a filosofia, as<br />

batalhas ao piano, o recor<strong>de</strong> do Gui-<br />

“Há certas condições<br />

em que um homem<br />

só, ao piano, po<strong>de</strong><br />

ser abatido, mas<br />

dou luta”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 15


ness, ou seja, a forma como faço as<br />

coisas. Essa é a forma que encontrei<br />

para me dar a conhecer junto das pessoas.<br />

Esse é o meu “statement”. São<br />

formas <strong>de</strong> dizer quem sou <strong>de</strong> forma<br />

clara. Gosto <strong>de</strong>ssa clareza na música.<br />

Os Bee Gees são claros, por exemplo.<br />

Quer dizer, se alguém gosta <strong>de</strong> letras<br />

poéticas vai ouvir Bob Dylan e não os<br />

Bee Gees, Prince ou Stevie Won<strong>de</strong>r,<br />

que não são génios das letras. A maior<br />

parte dos artistas que admiro são muito<br />

claros. Odiaria alguém como eu,<br />

mas só consigo ser assim.<br />

Apesar <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong>,<br />

ao vivo, pelo facto <strong>de</strong> ser um<br />

“performer” dotado, consegue<br />

atribuir unida<strong>de</strong> ao que faz,<br />

criando arranjos uniformes<br />

para as canções ou <strong>de</strong>tendo-se<br />

no essencial, no piano, e na sua<br />

personalida<strong>de</strong>.<br />

É por isso que nos discos me permito<br />

ser o que me apetece. E sim, todas as<br />

minhas canções po<strong>de</strong>m ser tocadas<br />

apenas ao piano. Não gosto <strong>de</strong> estar<br />

em estúdio, mas ao vivo é outra coisa.<br />

Posso estar a tocar apenas para uma<br />

pessoa, mas é um <strong>de</strong>safio conseguir<br />

comunicar com ela. Tenho que ter<br />

uma razão para tocar. É esse o problema<br />

quando estou a fazer um álbum:<br />

as pessoas que o vão ouvir não estão<br />

à minha frente... [risos].<br />

“Solo Piano”, o seu álbum mais<br />

16 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

“A música é um<br />

universo limitado,<br />

no sentido em que<br />

as pessoas se<br />

agarram muito<br />

à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

autenticida<strong>de</strong>.<br />

A mim interessa-me<br />

a ilusão. No cinema<br />

existe isso”<br />

solene, acabou por tornar-se no<br />

seu disco mais bem-sucedido,<br />

como é que explica isso?<br />

Foi uma surpresa. É o meu disco mais<br />

puro e directo. É encorajador para<br />

mim perceber que posso ir por aí, mas<br />

não me chega. A Feist, por exemplo,<br />

que admiro muito... quando olho para<br />

a sua carreira, parece-me aborrecida.<br />

Depois do êxito <strong>de</strong> “The Remin<strong>de</strong>r”<br />

toda a gente gosta <strong>de</strong>la e é apenas<br />

isso! On<strong>de</strong> está a luta? Quer dizer, sei<br />

o que lutou para chegar ali, mas não<br />

tem uma história para contar. Apenas<br />

canções. É por isso que gosto dos “rappers”.<br />

Esses têm histórias para contar,<br />

têm vida. Não é apenas música.<br />

Os “rappers” não têm medo do<br />

sucesso. Expõem-no, sem pudor.<br />

No rock há um falso sentimento<br />

<strong>de</strong> culpa com o êxito.<br />

Os “rappers” não têm receio <strong>de</strong> mostrar<br />

que fazem parte <strong>de</strong> uma indústria.<br />

É por isso que muitos <strong>de</strong>les estão interessados<br />

em oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negócio<br />

fora da música. A música é apenas<br />

uma parte <strong>de</strong> um projecto maior.<br />

São uma fantasia capitalista <strong>de</strong> vingança<br />

tornada realida<strong>de</strong>. O rap é isso.<br />

O meu pai tem isso. Teve <strong>de</strong> fugir dos<br />

nazis na Hungria, foi para o Canadá,<br />

e ergueu o seu pequeno império a<br />

partir do nada. Admiro o meu pai, tal<br />

como admiro muitos “rappers”, porque<br />

foram capazes <strong>de</strong> construir qualquer<br />

coisa a partir do nada.<br />

Em Maio do ano passado entrou<br />

para o livro dos recor<strong>de</strong>s do<br />

Guiness, por ter estado a tocar<br />

ao piano durante 27 horas, 3<br />

minutos e 44 segundos. Repetiu<br />

alguma música?<br />

Nem pensar... [risos]. Toquei tudo, <strong>de</strong><br />

Beethoven a Survivor, <strong>de</strong> Bach a Michael<br />

Jackson. Não tenho dúvidas que<br />

foi uma das melhores i<strong>de</strong>ias e uma das<br />

melhores <strong>de</strong>cisões da minha vida.<br />

Não receia ficar conhecido como<br />

o tipo do Guiness?<br />

Mas que bom ser o tipo do Guiness! O<br />

meu problema era ficar conhecido<br />

como o tipo que é bom ao piano e faz<br />

estranhos álbuns pop. Assim ficaram<br />

a saber que sou bom pianista e que<br />

sou competitivo, que é o que me diferencia<br />

<strong>de</strong> todos esses artistas pseudosonhadores.<br />

Foi um acontecimento ampliado<br />

pelas re<strong>de</strong>s sociais, através do<br />

Twitter e do Facebook, teve essa<br />

consciência?<br />

Totalmente. Foi também uma experiência<br />

<strong>de</strong> negócio interessante. A atenção<br />

que recaiu sobre mim naquelas<br />

72 horas foi maior do que qualquer<br />

álbum que já gravei. No Twitter foi a<br />

loucura. Pessoas <strong>de</strong> todo o mundo<br />

ouviram falar do meu feito e a verda<strong>de</strong><br />

é que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, não tenho parado<br />

<strong>de</strong> viajar. Quando vim para França<br />

comecei a ter um sucesso “mainstream”<br />

interessante e isso é<br />

confortável, mas não quero amolecer.<br />

O Guiness foi um <strong>de</strong>safio nesse sentido.<br />

Espicaçou-me. Fez-me ver que<br />

existem muitos outros lugares para<br />

conquistar. E, sim, sem as re<strong>de</strong>s sociais<br />

aquilo que fiz não teria obtido o<br />

mesmo impacto.<br />

Está no Twitter. Como é a sua<br />

relação com as re<strong>de</strong>s?<br />

A minha equipa gere a página do Facebook,<br />

mas o Twitter sou eu. É uma<br />

boa ferramenta para músicos como<br />

eu, que têm um grupo <strong>de</strong> admiradores<br />

muito <strong>de</strong>dicado. Gosto <strong>de</strong> comunicar<br />

com eles e é enriquecedor para mim.<br />

Neste momento estou a criar um álbum<br />

<strong>de</strong> rap orquestral que <strong>de</strong>verá sair<br />

no próximo Verão e comecei a pedir<br />

aos meus seguidores do Twitter que<br />

sugerissem títulos e a verda<strong>de</strong> é que<br />

recebi i<strong>de</strong>ias brilhantes. No fim <strong>de</strong><br />

contas ofereço a milhares <strong>de</strong> pessoas<br />

a ilusão <strong>de</strong> estarem próximas <strong>de</strong> algumas<br />

partes <strong>de</strong> mim que escolho expor.<br />

O Twitter funciona como o meu email<br />

pessoal aberto a todos.<br />

Em palco é o tipo <strong>de</strong><br />

“performer” que parece<br />

espontâneo na interacção com<br />

o público. Isso <strong>de</strong>ve dar-lhe<br />

imenso trabalho prévio ou não?<br />

É como no regime militar. Vai-se para<br />

a guerra bem preparado, mas mal chegamos<br />

à guerra todos os planos estudados<br />

vão pela janela fora. Preparo-<br />

me bem, mas mal chego ao palco esqueço<br />

o que preparei. É impossível<br />

prever tudo. Seria como dizer a mesma<br />

piada a todas as raparigas. Primeiro<br />

temos que olhar para ela, tentar<br />

perceber o que a po<strong>de</strong>rá excitar e só<br />

então aplicamos a piada. Claro, começa-se<br />

sempre com qualquer coisa que<br />

é estrutural, mas <strong>de</strong>pois tentamos<br />

conquistar, uma a uma, todas as raparigas<br />

da assistência. É um assunto<br />

pessoal.<br />

Nunca lhe acontece a meio<br />

olhar em redor, sentir que não<br />

há interacção e não saber o que<br />

fazer?<br />

Não gosto <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r... [risos]. Às vezes<br />

começa mal e consigo dar a volta. Outra<br />

vezes <strong>de</strong>mora tempo. Mas dou tudo<br />

para dar a volta à situação. Nem<br />

sempre resulta. Às vezes há problemas<br />

estruturais com o espectáculo<br />

que são difíceis <strong>de</strong> contornar, como<br />

tocar tar<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>pois pois <strong>de</strong> várias bandas<br />

rock ou DJs, já com toda a gente<br />

bêbada. Há certas condições em que<br />

um homem só, ao piano, po<strong>de</strong> ser<br />

abatido, mas dou luta. uta. Há pouco tempo,<br />

em L.A., foi <strong>de</strong>sastroso astroso e na noite<br />

seguinte, em Nova a Iorque, triunfal.<br />

Por norma tenho um m <strong>de</strong>sses espectáculos<br />

por ano, em que me sinto um<br />

músico falhado.<br />

Como produtor já á trabalhou com<br />

Feist a Jane Birkin n ou Charles<br />

Aznavour. Quais são as suas<br />

características como omo produtor?<br />

Em primeiro lugar, r, só trabalho<br />

com amigos, pessoas oas <strong>de</strong> quem<br />

gosto. Em segundo, ao contrário<br />

do que sou enquanto nto músico,<br />

o meu ego não interessa. ressa. É um<br />

alívio, porque passo so a maior<br />

parte do tempo em palco. Ir para<br />

estúdio com Feist t é fácil, sintome<br />

relaxado. Não estou certo que as<br />

minhas i<strong>de</strong>ias sejam m as mais acertadas<br />

para ela. Sei que são o as mais acertadas<br />

para mim e isso basta-me. sta-me. É por isso<br />

que me é fácil estar r no papel <strong>de</strong> produtor.<br />

Dou i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>pois epois aceitem-nas<br />

ou não. Nunca gostei i da canção “1234”<br />

<strong>de</strong> Feist, por exemplo. plo. Ela sentia-se<br />

estranha com essa canção, era difícil<br />

<strong>de</strong> gravar, nem sequer uer era composta<br />

por ela e aconselhei-a i-a a que não a incluísse<br />

no disco. Ela a optou por incluíla<br />

e foi um êxito enorme. orme. Ou seja, não<br />

sou Pharrell Williams. ams. Não sou um<br />

fazedor <strong>de</strong> êxitos. Sou apenas amigo<br />

dos amigos.<br />

Às vezes tem uma a forma curiosa<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a sua a música. Há<br />

pouco dizia que estava a compor<br />

um álbum <strong>de</strong> rap orquestral.<br />

O que é que isso significa<br />

exactamente?<br />

Po<strong>de</strong>mos ouvir uma a canção para perceber<br />

[liga o portátil átil e ouve-se um<br />

som grandioso, orquestral, uestral, com a voz<br />

<strong>de</strong> Gonzales num registo egisto rap por entre<br />

ritmos sincopados]. os]. É isto. O meu<br />

irmão, que compõe e música para filmes,<br />

e é também um excelente orquestrador,<br />

está a trabalhar rabalhar comigo<br />

nos arranjos <strong>de</strong>ste disco.<br />

Os esboços <strong>de</strong>ssas s canções fáfálas aqui, em casa? ?<br />

Sim, gravo muito aqui, ui, pelo menos<br />

as “<strong>de</strong>mos”.<br />

E praticar piano, faz parte<br />

da sua rotina?<br />

Toco muito, mas não ão todos os<br />

dias. Não sou um virtuoso. Estou lá<br />

próximo, às vezes. O que faço em palco<br />

faz-me parecer mais virtuoso do<br />

que sou, porque que escolho o que<br />

toco. Oriento a composição em função<br />

da minha técnica, o que cria uma falsa<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> virtuosismo. É como aqueles<br />

actores que são realizadores e escrevem<br />

as suas <strong>de</strong>ixas, como Woody<br />

Allen.<br />

Quem é que está naquela foto<br />

entre Clinton e Bush?<br />

O meu pai. É um homem <strong>de</strong> negócios<br />

bem-sucedido. Faz infra-estruturas,<br />

auto-estradas, aeroportos, esse tipo<br />

<strong>de</strong> coisas. E dá-se com algumas pessoas<br />

influentes. Cresceu em Budapeste,<br />

no nada, e agora ali está ele. Como<br />

já disse, é um <strong>gran<strong>de</strong></strong> “rapper”. Hoje<br />

em dia vemos Jay-Z com Obama. E<br />

aqui vemos John Beck com Clinton e<br />

Bush. É uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> inspiração para<br />

mim.<br />

Ver crítica <strong>de</strong><br />

discos págs.<br />

44 e segs.<br />

O ano passado<br />

bateu o<br />

recor<strong>de</strong><br />

do Guiness<br />

da mais longa<br />

performance<br />

a solo,<br />

tocando<br />

ao piano<br />

27 horas,<br />

3 minutos e<br />

44 segundos


2010 ATELIER MARTINO&JAÑA + NEBOJSA CVETKOVIC + ANA RITA GOULÃO


da civilização<br />

estão<br />

nós<br />

entre<br />

Nos anos 1970, levaram a arte<br />

e a música a níveis <strong>de</strong> violência extremos.<br />

Inventaram um género, a música industrial,<br />

mas permanecem únicos. Senhoras<br />

e senhores, os Throbbing Gristle estão hoje<br />

no Porto – com outro nome. Pedro Rios<br />

“Acho que posso afirmar que, como partidos, baixos e guitarras baratas<br />

acontece sempre com os Throbbing em doses industriais, vozes entre o<br />

Gristle, <strong>de</strong>vem esperar o inesperado”. sonambulismo e a violência militaris-<br />

O aviso, <strong>de</strong>stinado a quem for hoje à ta, tudo filtrado por um batalhão <strong>de</strong><br />

Casa da Música, é <strong>de</strong> Cosey Fanni Tut- efeitos, e letras inspiradas pelo lado<br />

ti, membro da banda que inventou mais bizarro e feio da humanida<strong>de</strong>.<br />

todo um novo género (mesmo que Uma música belíssima, ainda hoje in-<br />

eles não se revejam, e com razão, em classificável.<br />

99 por cento do que veio <strong>de</strong>pois): a Eram, ao mesmo tempo, música<br />

música industrial. Tutti tinha tanta pré ou anti-rock’n’roll (porque à mar-<br />

razão que, dias <strong>de</strong>pois da entrevista gem das convenções – P-Orridge <strong>de</strong>-<br />

ao Ípsilon, os Throbbing Gristle anunfinia-os frequentemente como “anticiaram<br />

que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir, “pemúsica”) e uma enorme experiência<br />

lo menos enquanto entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pal- rock (porque muito poucos tinham<br />

co”, <strong>de</strong>vido à saída <strong>de</strong> Genesis P-Or- levado o rock a níveis tão extremos).<br />

ridge.<br />

Uma pandilha influenciada pelo pri-<br />

Não há nada a temer: Fanni Tutti, mitivismo dos Fugs e dos Velvet Un-<br />

Peter Christopherson e Chris Carter <strong>de</strong>rground e, num plano não musical,<br />

actuam hoje no Porto, já não enquan- pela Fluxus, pelos dadaístas e “accioto<br />

Throbbing Gristle, mas sob a <strong>de</strong>signistas” <strong>de</strong> Viena (Hermann Nitsch,<br />

nação X-TG. O nome po<strong>de</strong> não ser o etc.). A semente <strong>de</strong> um novo género,<br />

mesmo, mas não muda a substância a música industrial, <strong>de</strong> fronteiras va-<br />

do evento: o “manager” do grupo gagas, que vai da violência absurda dos<br />

rantiu ao Ípsilon que o concerto será Whitehouse à dança cerebral e fria<br />

semelhante ao que os Gristle <strong>de</strong>ram dos Cabaret Voltaire.<br />

em Londres, no final <strong>de</strong> Outubro, com<br />

a excepção <strong>de</strong> duas canções, em<br />

que Tutti substituirá P-Orridge na<br />

voz.<br />

O gosto pelo extremo continuou<br />

Música Os <strong>de</strong>struidores<br />

Antimúsica<br />

Esta é a banda que um político conservador<br />

britânico classificou <strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>struidores da civilização”, quando,<br />

ainda enquanto COUM Transmissions<br />

(o grupo <strong>de</strong> música e arte<br />

que se transformaria nos Throbbing<br />

Gristle, em 1975), montou a<br />

exposição “Prostitution” com tampões<br />

usados, seringas e imagens da<br />

carreira <strong>de</strong> Fanni Tutti enquanto<br />

mo<strong>de</strong>lo porno. As performances<br />

COUM envolviam frequentemente<br />

sexo ao vivo ou actos bizarros como<br />

tentativas <strong>de</strong> masturbação com cabeças<br />

<strong>de</strong> galinha em cima do pénis.<br />

Esta é a banda que, enquanto a<br />

nação inglesa andava entretida com<br />

a glorificação dos três acor<strong>de</strong>s do<br />

punk, preferiu inventar uma outra<br />

forma <strong>de</strong> música, feita <strong>de</strong> “loops”<br />

<strong>de</strong> cassetes, ruído saído <strong>de</strong> violinos<br />

18 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

“Da forma que eu<br />

vejo, os Throbbing<br />

Gristle são ainda<br />

radicais, da mesma<br />

forma que éramos<br />

nos anos 1970. Ainda<br />

não nos conformamos<br />

com as <strong>de</strong>finições<br />

habituais <strong>de</strong> ‘música’”<br />

Cosey Fanni Tutti


SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~1O<br />

8 A 13 NOV<br />

BLIND DATE<br />

OLGA RORIZ coreografia e interpretação<br />

CLÁUDIA VAREJÃO filme<br />

IRENE LIMA violoncelo<br />

JARDIM DE INVERNO<br />

CO-PRODUÇÃO DUPLA CENA<br />

CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA A DEFINIR<br />

Genesis<br />

P-Orridge<br />

(à direita)<br />

abandonou<br />

o grupo, mas nos Throbbing Gristle, agente infiltra-<br />

não há nada do dos artistas num outro meio, mais<br />

a temer: Fanni distante das galerias <strong>de</strong> arte, mais...<br />

Tutti, Peter pop – Orridge estava encantado com<br />

Christopher a fama tal como Warhol a entendia.<br />

son e Chris Levaram com eles as mesmas fixações<br />

Carter actuam com a violência sobre todas as formas<br />

hoje no Porto (dominação sexual, “serial killers”,<br />

sob a<br />

pedofilia, imagens e referências na-<br />

<strong>de</strong>signação zis).<br />

X-TG Tácticas <strong>de</strong> choque? Não, respon<strong>de</strong><br />

Cosey Fanni Tutti, por e-mail: “Os<br />

Throbbing Gristle usaram esse material<br />

como fonte para vários projectos,<br />

mas <strong>de</strong> forma muito honesta e com<br />

fins humanitários. O lado feio da raça<br />

humana é tão importante como o belo.<br />

Enten<strong>de</strong>r o nosso uso <strong>de</strong>ssas imagens<br />

como tácticas <strong>de</strong> choque é um<br />

equívoco e po<strong>de</strong> ser visto como uma<br />

falta <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> para enfrentar<br />

as realida<strong>de</strong>s da nossa cruelda<strong>de</strong><br />

para os outros. Na altura, muito da II<br />

Guerra e outras atrocida<strong>de</strong>s foram<br />

varridas para <strong>de</strong>baixo do tapete. É<br />

importante não negar a história e a<br />

cruelda<strong>de</strong> inexplicável e apren<strong>de</strong>r<br />

com ela. Apren<strong>de</strong>r não é possível se<br />

a ignorarmos”.<br />

Psica<strong>de</strong>lia invertida<br />

O jornalista inglês Simon Reynolds<br />

BLIND<br />

e é, na maior parte dos casos, pouco<br />

<strong>de</strong>safiante, uma mera forma <strong>de</strong> rock<br />

com a qual os Gristle não se i<strong>de</strong>ntificam.<br />

“O tipo <strong>de</strong> música que as pessoas<br />

enten<strong>de</strong>m como ‘industrial’ não<br />

tem nada a ver com a forma como nós<br />

vemos a música industrial. Para nós,<br />

industrial não são sons maquinais duros<br />

metidos numa construção básica<br />

<strong>de</strong> rock’n’roll martelada numa audiência.<br />

Temos uma subtileza na nossa<br />

abordagem ao som que tem mais a<br />

ver com a construção <strong>de</strong> música clássica<br />

do que com o rock’n’roll”, acrescenta.<br />

DATE<br />

Segunda vida<br />

Em 1981, os Gristle anunciaram que a<br />

“missão estava acabada” e partiram<br />

para outros projectos, como os Psychic<br />

TV e os Coil. Em 2004, o longo silêncio<br />

foi interrompido, com “TG Now”, uma<br />

edição limitada. Em 2007, lançaram<br />

“Part T wo” e no ano seguinte voltaram<br />

aos concertos. E eis os outrora<br />

“<strong>de</strong>struidores da civilização”, com a<br />

aura <strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong> que os anos<br />

costumam dar, a serem convidados<br />

para tocar em instituições como o Institute<br />

of Contemporary Arts, <strong>de</strong> Londres,<br />

que 34 anos antes os tinha banido<br />

<strong>de</strong>vido ao escândalo “Prostitution”<br />

tem uma tese, que incluiu no livro<br />

essencial sobre o pós-punk “Rip It and<br />

Start Again”: “a música industrial do<br />

final dos anos 70 foi o segundo <strong>de</strong>sa-<br />

dos COUM Transmission.<br />

“Os Throbbing Gristle e eu sempre<br />

nos infiltramos no ‘establishment’ <strong>de</strong><br />

qualquer forma, estar envolvido com<br />

ensaios públicos apresentações finais<br />

8 A 1O NOV<br />

12 E 13 NOV<br />

SEGUNDA A QUARTA SEXTA E SÁBADO<br />

ÀS 21H00<br />

ÀS 23H30<br />

brochar <strong>de</strong> uma ‘psica<strong>de</strong>lia’ autênti- ele não é nada <strong>de</strong> novo. O que é novo<br />

ca”. “A <strong>gran<strong>de</strong></strong> diferença (e o que tor- é que eles agora aceitam a nossa conna<br />

o industrial uma ‘psica<strong>de</strong>lia’ ‘autêntica’<br />

e não um mero revivalismo)<br />

tribuição para a cultura, mesmo que<br />

retrospectivamente. Foi sempre isso<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640 www.teatrosaoluiz.pt<br />

BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00<br />

TEL: 213 257 650<br />

BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

é que o industrial substituiu beijar o<br />

céu por fitar um abismo cósmico. O<br />

industrial é a ‘psica<strong>de</strong>lia’ invertida:<br />

uma longa ‘trip’ <strong>de</strong>primente”, escreveu.<br />

No “ethos” industrial, como os Gristle<br />

o concebiam, não cabia o domínio<br />

que aconteceu com trabalho <strong>de</strong>safiante.<br />

Não nos comprometemos, somos<br />

ainda os mesmos, as instituições é que<br />

mudaram, talvez haja novo sangue<br />

nas curadorias. Vemos tocar nesses<br />

sítios como uma oportunida<strong>de</strong> para<br />

disseminar as nossas i<strong>de</strong>ias, como<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~1O<br />

co-produção<br />

técnico. Trinta e cinco anos <strong>de</strong>pois, sempre fizemos. Não restringimos as<br />

ainda não sabem tocar nenhum ins- nossas plataformas operacionais”.<br />

trumento (pelo menos segundo os Os tempos duros da Inglaterra <strong>de</strong><br />

livros). É uma questão vital para o<br />

grupo continuar a ser <strong>de</strong>safiante, reflecte<br />

Tutti. “Liberta-te das formas<br />

estabelecidas <strong>de</strong> pensar e construir<br />

música. Conheço músicos que apren<strong>de</strong>ram<br />

música convencionalmente<br />

para quem é impossível improvisar.<br />

Margaret Thatcher que os Gristle encontraram<br />

quando puseram a cabeça<br />

<strong>de</strong> fora encontram “semelhanças”<br />

com a austerida<strong>de</strong> prometida por David<br />

Cameron, diz Tutti. “De certa forma<br />

há semelhanças entre a situação<br />

política que temos hoje no Reino Uni-<br />

se fores apanhado<br />

nos sonhos dos<br />

outros, estás feito.<br />

Quando não têm uma partitura agarram-se<br />

a acor<strong>de</strong>s que apren<strong>de</strong>rem e<br />

que estão metidos no seu subconsciente.<br />

Isso é incrivelmente restritivo<br />

do ponto <strong>de</strong> vista criativo. Gosto <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r a um som na sua forma<br />

essencial, não da forma como foi categorizado”.<br />

Esta atitu<strong>de</strong> levou os Gristle a criar<br />

o seu equipamento, tornando-se pioneiros<br />

na utilização e manipulação <strong>de</strong><br />

sons pré-gravados em palco. A cave<br />

do grupo em Londres tornou-se um<br />

laboratório, no qual experimentavam<br />

com diferentes frequências sonoras,<br />

sempre com o volume a níveis brutais.<br />

“Não existia equipamento que produzisse<br />

os sons que ouvíamos nas<br />

do, que é volátil como era nos anos<br />

1970. Agora temos um governo conservador<br />

a meter a sua i<strong>de</strong>ologia pela<br />

garganta abaixo da <strong>gran<strong>de</strong></strong> maioria<br />

que não votou neles”, lamenta. “O<br />

lado positivo <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> austerida<strong>de</strong><br />

política e social é que historicamente<br />

está provado ser um ambiente<br />

fértil para a inovação artística em todas<br />

as formas”.<br />

Para Tutti, há ainda um “lado <strong>de</strong><br />

lá”, o lado dos “outsi<strong>de</strong>rs”, como eles,<br />

“porque a natureza humana não se<br />

presta à homogeneida<strong>de</strong>”. “Da forma<br />

que eu vejo, os Throbbing Gristle são<br />

ainda radicais, da mesma forma que<br />

éramos nos anos 1970. Ainda não nos<br />

conformamos com as <strong>de</strong>finições ha-<br />

Encontros<br />

<strong>de</strong> Novas<br />

Dramaturgias<br />

Contemporâneas<br />

15 a 17 Novembro<br />

segunda a quarta a partir<br />

das 10h00 e pela noite <strong>de</strong>ntro<br />

nossas cabeças. Acontece o mesmo<br />

hoje. Temos equipamento que não<br />

está disponível comercialmente e usabituais<br />

<strong>de</strong> ‘música’”, diz. “Penso que<br />

o termo [“radical”] é ainda válido e<br />

provavelmente muito apto consi<strong>de</strong>-<br />

sala principal e jardim <strong>de</strong> inverno<br />

entrada livre m/12<br />

mos computadores e programas informáticos<br />

<strong>de</strong> formas que não é surando<br />

a situação mundial. Seria <strong>de</strong><br />

esperar que o radicalismo pusesse a<br />

programação em www.teatrosaoluiz.pt e http://colectivo84.blogspot.com<br />

posto fazer. Acontece o mesmo com cabeça fora do parapeito e <strong>de</strong>sse um<br />

qualquer equipamento, é a forma co- bom abanão a alguns dos loucos que<br />

mo usas que importa”, refere. exercem o po<strong>de</strong>r”.<br />

O exemplo dos Throbbing Gristle<br />

inspirou artistas a fazerem música<br />

Seja como Throbbing Gristle, X-TG<br />

ou outro nome, po<strong>de</strong>mos contar com<br />

apoios<br />

Projecto<br />

financiado<br />

com o apoio<br />

da Comissão<br />

Europeia<br />

O Colectivo 84<br />

é uma estrutura<br />

financiada por<br />

industrial. Contudo, o resultado era eles para isso.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 19


Música<br />

Já nos tinham falado dos Zombies e<br />

dos Crosby, Stills & Nash, dos Animal<br />

Collective e dos Fleet Foxes. A entrevista<br />

versava sobre “Twelve-Wired<br />

Bird Of Paradise”, o novo álbum dos<br />

Hipnótica, o quinto <strong>de</strong> uma carreira<br />

iniciada em 1994, e já passáramos pela<br />

necessida<strong>de</strong> contemporânea <strong>de</strong><br />

regresso à essência das coisas, já atropeláramos<br />

a tecnologia (anteriormente<br />

tão <strong>de</strong>cisiva, agora tratada como<br />

“bitch”) e chegáramos ao momento<br />

que originou a transformação dos<br />

Hipnótica em banda <strong>de</strong> bucolismo e<br />

psica<strong>de</strong>lismo retro-futurista. “A máquina<br />

falhou”, ri-se o teclista e guitarrista<br />

Bernard Sushi. A máquina falhou<br />

e, quando falhou, eles <strong>de</strong>pararam-se<br />

com um novo mundo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Abria-se o caminho para “Twelve-Wired<br />

Bird Of Paradise”, o primeiro<br />

álbum do resto da vida <strong>de</strong>les.<br />

Mas o que aconteceu exactamente?<br />

Os Hipnótica preparavam-se para dar<br />

um concerto da digressão <strong>de</strong> “New<br />

Communities For Better Days”, o penúltimo<br />

álbum, editado em 2007. No<br />

Musicbox, em <strong>Lisboa</strong>, afinavam os<br />

pormenores para levar a palco a música<br />

<strong>de</strong>nsa do disco, repleta <strong>de</strong> programações.<br />

De repente, “as máquinas<br />

pifaram e tivemos <strong>de</strong> dar um concerto<br />

à antiga”, recorda Sushi. O contratempo<br />

rapidamente se transformou<br />

em libertação: “Acabou por ser um<br />

dos concertos que nos <strong>de</strong>u mais gozo.<br />

Re<strong>de</strong>scobrimos o prazer <strong>de</strong>sse lado<br />

orgânico. A máquina falhou e, no final,<br />

sentimos que foi o melhor que<br />

nos podia ter acontecido”.<br />

Depois <strong>de</strong> uma temporada numa<br />

casa no Alentejo rural, os Hipnótica<br />

surgem perante nós transfigurados.<br />

Eles que, ao longo da sua carreira,<br />

problematizaram a forma como a evolução<br />

tecnológica po<strong>de</strong>ria transformar<br />

estéticas e comportamentos; eles<br />

cuja música parecia viver, alternadamente,<br />

entre os néons futuristas <strong>de</strong><br />

“Bla<strong>de</strong> Runner”, numa imaginária<br />

sessão <strong>de</strong> poesia “beat” <strong>de</strong>clamada<br />

entre o cimento urbano e exótico <strong>de</strong><br />

Tóquio, ou em “jam session” <strong>de</strong> jazz<br />

transportada para a Alemanha que,<br />

na década <strong>de</strong> 70, viu nascer o chamado<br />

“kraut-rock”, fartaram-se.<br />

À catanada<br />

Nem o mundo nem a “melomania inveterada”<br />

da banda, pegando na expressão<br />

do vocalista João Kyron, pediam<br />

que continuassem na mesma<br />

direcção. “Back to basics”, resume<br />

Kyron. “Sentimos que anda no ar música<br />

que funciona como um antídoto<br />

para os tempos que vivemos. No contexto<br />

português, isso ainda se sente<br />

mais. Temos a população completamente<br />

divorciada do sistema político,<br />

fala-se na palavra começada por ‘C’ e<br />

cai logo uma nuvem cinzenta. Não<br />

vale a pena insistir nela, temos <strong>de</strong> seguir<br />

em frente e encontrar contrapontos”.<br />

Alienação contra a crise? Nada<br />

disso. “Não existe um <strong>gran<strong>de</strong></strong> movimento<br />

contracultural, como nos anos<br />

60 nos Estados Unidos e em Inglaterra,<br />

nem estamos próximos <strong>de</strong>sse escapismo<br />

‘hippie’ em que as drogas<br />

tiveram um papel prepon<strong>de</strong>rante”.<br />

O que eles ouviram em Fleet Foxes,<br />

Grizzly Bear, nos Vampire Weekend<br />

ou em Micachu & The Shapes, o que<br />

os levou a viajar até às fontes, “aos<br />

Zombies, Kinks, Beach Boys, aos Heron<br />

[banda folk inglesa da década <strong>de</strong><br />

70] que gravavam discos ao ar livre ou<br />

à música do Congo e do Mali ”, diz<br />

João Kyron (mais os Simon & Garfunkel<br />

ou Crosby, Stills & Nash que<br />

Sushi achava “pindéricos há uns anos”<br />

e que agora adora) não foi escapismo,<br />

foi outra coisa. “Um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> celebração”,<br />

uma procura <strong>de</strong> formas mais<br />

simples, essenciais. O passado, visto<br />

agora, foi isto que nos diz João Kyron:<br />

“A malta andou à procura <strong>de</strong> respostas<br />

na tecnologia, como tábua <strong>de</strong> salvação.<br />

Procurou-se comodida<strong>de</strong> e facilitismo<br />

no acesso à informação, mas<br />

“Foi como se<br />

atravessássemos<br />

mato cerrado<br />

e a abrir caminho<br />

com uma catana.<br />

De repente, chegámos<br />

a uma clareira com<br />

relva, com o sol a<br />

brilhar sobre nós.<br />

Estamos nessa<br />

clareira”<br />

João Kyron, vocalista<br />

Para compor “Twelve-Wired<br />

Bird of Paradise”, os Hipnótica<br />

refugiaram-se no Alentejo rural<br />

a informação não traz nem sabedoria<br />

nem conforto. Quando <strong>de</strong>scobriram<br />

isso, as pessoas viraram-se para a essência<br />

das coisas”. De repente, os Hipnótica<br />

“não tinham vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vasculhar<br />

lixo tecnológico”. Estavam “fartos”:<br />

“Neste momento, a tecnologia é<br />

a nossa ‘bitch’. Usamo-la nesse sentido:<br />

‘diz que o nosso disco saiu, promove<br />

o nosso trabalho, aproxima-nos<br />

das pessoas”.<br />

Pegando no imaginário do álbum,<br />

Kyron ilustra a metamorfose. “Foi como<br />

se atravessássemos mato cerrado<br />

e a abrir caminho com uma catana.<br />

De repente, chegámos a uma clareira<br />

com relva, com o sol brilhar sobre<br />

nós. Estamos nessa clareira, a <strong>de</strong>sfrutar<br />

o momento”. À catanada, João<br />

Kyron, Bernard Sushi, Sergue (baixo<br />

e sintetizadores), JP Daniel (guitarras<br />

e ukelele) e António Watts (bateria e<br />

percussões) <strong>de</strong>puraram as canções,<br />

procuraram refrões, harmonizaram<br />

vozes e pegaram em guitarras acústicas,<br />

prepon<strong>de</strong>rantes em todo o álbum.<br />

Depois, Wolfgang Schloegl, dos<br />

Sofa Surfers, que assumiu novamente<br />

as funções <strong>de</strong> produtor da banda,<br />

aplicou nova catanada - “e a catana<br />

austríaca corta bem”, ri-se Kyron – até<br />

que o acústico, orgânico, ganhasse<br />

novas formas com os “<strong>de</strong>lays, reverbs<br />

e loops” pesquisados em Viena.<br />

O resultado é “Twelve-Wired Bird<br />

Of Paradise”, uns Hipnótica que <strong>de</strong>sconhecíamos.<br />

A culpa é da máquina.<br />

Ao falhar, originou a mais surpreen<strong>de</strong>nte<br />

refundação do ano discográfico<br />

português.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos na pág. 40 e segs.<br />

A máquina falhou e os Hipnótica<br />

renasceram<br />

É a transformação mais surpreen<strong>de</strong>nte do ano discográfi co português. Os Hipnótica<br />

refugiaram-se no campo, puseram-se a ouvir Zombies, Fleet Foxes, Micachu & The Shapes,<br />

Vampire Weekend ou Crosby Stills & Nash, e daí saiu uma nova banda. Mário Lopes<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 20


CHICO ARAGÃO<br />

A casa é a mesma e não se importou<br />

<strong>de</strong> esperar por ela cinco anos. Mísia<br />

reocupou-a com todos os objectos<br />

que levou para Paris, excepto o <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

armário que nunca daqui saiu, tão<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> é o seu porte. Quando lançou<br />

“Ruas”, a 27 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 2009, a <strong>Lisboa</strong><br />

que cantava era vista <strong>de</strong> fora, <strong>de</strong><br />

um exílio voluntário. Mas o disco, que<br />

na verda<strong>de</strong> eram dois, dividia-se por<br />

“<strong>Lisboa</strong>rium” (on<strong>de</strong> havia Pessoa,<br />

Botto, Ary ou Graça Moura) e “& Tourists”<br />

(com Nine Inch Nails, Joy Division,<br />

Camaron <strong>de</strong> la Isla ou Dalida).<br />

Ruas <strong>de</strong> cá e lá, <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e do mundo.<br />

22 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

O disco, feito espectáculo, correu<br />

múltiplos palcos. Andou pela Europa,<br />

claro, mas também pela Colômbia,<br />

Brasil, Argentina, Líbano.<br />

A torrente <strong>de</strong>sagua a 17 <strong>de</strong> Dezembro,<br />

no Lux. “Acho bonita”, diz ela,<br />

“essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vir fechar aqui, sobretudo<br />

<strong>de</strong> vir fechar ao Lux. Porque se<br />

algum disco meu encaixa melhor<br />

com a energia do Lux, é este, sobretudo<br />

a segunda parte.” Porque “é um<br />

disco sem nenhuma espécie <strong>de</strong> fronteiras,<br />

constrangimentos ou medos,<br />

um disco pós-50 anos. Tem muito a<br />

ver com a <strong>gran<strong>de</strong></strong> liberda<strong>de</strong> que vivo<br />

neste momento e também com o acumular<br />

<strong>de</strong> tantas viagens.” No início,<br />

Mísia tinha receio da reacção da comunida<strong>de</strong><br />

portuguesa. “Quando foi<br />

apresentado no Casino <strong>de</strong> Paris, entrevistaram<br />

o público e foi o contrário:<br />

uma espécie <strong>de</strong> orgulho <strong>de</strong> terem<br />

uma cantora que cantava em tantas<br />

línguas. As coisas mudaram, na cabeça<br />

das pessoas. E como há na primeira<br />

parte uma <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong>dicação a<br />

<strong>Lisboa</strong> e ao fado, aos <strong>gran<strong>de</strong></strong>s autores,<br />

percebem o que vem a seguir.”<br />

Aqui, pela primeira vez, haverá<br />

mesmo duas partes. “Vamos imaginar<br />

Música<br />

<strong>Lisboa</strong> <strong>de</strong> cá e lá<br />

Voltou à sua casa, aos seus amigos, à sua rua. Cinco anos em Paris<br />

e ei-la <strong>de</strong> novo em <strong>Lisboa</strong>, on<strong>de</strong> encerra a tournée <strong>de</strong> “Ruas” no dia 17 <strong>de</strong><br />

Dezembro, no Lux. Entrou num fi lme, está a acabar um disco e a escrever<br />

um livro. Mísia voltou, e repleta <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s. Nuno Pacheco<br />

que o Lux é uma ilha que está no meio<br />

do mar, porque o disco fala <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

vista <strong>de</strong> longe e precisamos <strong>de</strong> fazer<br />

um exercício <strong>de</strong> abstracção, já que<br />

estamos aqui.” Numa crescente tendência<br />

para a encenação, Mísia teatraliza:<br />

“Nas marchas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> vou<br />

buscar uma roupa do Storytaylors,<br />

pedi para me fazerem um chapéu,<br />

fizeram uma caravela, há uma cápsula<br />

<strong>de</strong> Nespresso que faz <strong>de</strong> vaso para<br />

o manjerico e eu explico aos estrangeiros<br />

que há uma coisa que é tão <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong> como o fado mas ao contrário:<br />

é rítmico, alegre. Depois digo que va-<br />

“Soube que iam atirar<br />

abaixo umas árvores<br />

do Príncipe Real.<br />

E isso funcionou<br />

como um impulso.<br />

É um dos sítios <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong> que adoro”<br />

mos sonhar as ruas do mundo, por<br />

on<strong>de</strong> todos andamos até à última esquina,<br />

é o meu sentido trágico, e aí já<br />

apareço vestida como turista, com<br />

uma mala, óculos escuros, máquina<br />

fotográfica, gabardina. Começo com<br />

um tema da Turquia e logo a seguir<br />

uma canção napolitana. E digo que<br />

entre <strong>Lisboa</strong>, Nápoles e Istambul há<br />

uma coisa em comum: os tremores<br />

<strong>de</strong> terra e os tremores <strong>de</strong> coração.”<br />

Foi assim, será assim.<br />

Aos músicos que a têm acompanhado,<br />

juntar-se-á no Lux Geoffrey Burton,<br />

na guitarra eléctrica, um dos<br />

músicos que toca com Iggy Pop. “Ele<br />

já tinha participado na gravação do<br />

disco e adora tocar connosco.” Anuncia-se<br />

uma imprevisível festa.<br />

Novo disco só <strong>de</strong> fados<br />

Nestes últimos tempos, foi convidada<br />

por John Turturro para entrar num<br />

filme que ele realizou, chamado “Passione”.<br />

“É como o Buena Vista Social<br />

Club mas sobre a música napolitana,<br />

um bocado como o Saura fez com o<br />

fado. Eu tinha no meu disco uma canção<br />

napolitana, ele ouviu, gostou, e<br />

foi por isso que me convidou.” Gravou<br />

duas canções e, com a experiência,<br />

ficou fascinada por Nápoles. E também<br />

pelo filme: “É lindíssimo”.<br />

Começou a escrever um livro (“sobre<br />

a minha mãe, a minha avó e eu”)<br />

e está a acabar <strong>de</strong> gravar um disco, o<br />

primeiro só <strong>de</strong> fados que faz nos últimos<br />

<strong>de</strong>z anos. Tem letras <strong>de</strong> Amélia<br />

Muge, Hélia Correia, Lídia Jorge, Aldina<br />

Duarte, Maria do Rosário Pedreira,<br />

Manuela <strong>de</strong> Freitas, Amália, Rosa<br />

Lobato Faria, Natália Correia, Florbela<br />

Espanca, Adriana Calcanhotto (“É<br />

a terceira vez que eu lhe peço, mas<br />

ela não se atrevia. Agora, fez um poema<br />

lindíssimo, on<strong>de</strong> há alguns brasileirismos<br />

que eu conservo.”). E uma<br />

<strong>de</strong>la. “Também escrevi um, eu, assim<br />

um bocado gótico, entre Florbela Espanca<br />

e António Nobre. Chama-se ‘O<br />

manto da rainha’.” O disco sairá na<br />

Primavera <strong>de</strong> 2011.<br />

Mísia voltou a <strong>Lisboa</strong> da mesma<br />

forma que partiu. “A minhas <strong>de</strong>cisões<br />

são impulsos afectivos e emocionais.<br />

Fui para Paris porque precisava <strong>de</strong><br />

me afastar, precisava <strong>de</strong> uma distância<br />

para redimensionar coisas minhas,<br />

em relação ao meu trabalho, ao meu<br />

país, à minha pessoa, razões sentimentais.<br />

Um dia, acho que foi numa<br />

conversa, soube que iam atirar abaixo<br />

umas árvores do Príncipe Real. E isso<br />

funcionou como um impulso. E eu,<br />

que nem sequer sou <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> [nasceu<br />

no Porto], percebi que me importavam<br />

imenso as árvores do Príncipe<br />

Real, um dos sítios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> que adoro.”<br />

E voltou para a casa on<strong>de</strong> vivia<br />

antes, <strong>de</strong> que nunca teve coragem <strong>de</strong><br />

se separar <strong>de</strong>finitivamente.<br />

“Esta distância <strong>de</strong>u-me para repensar<br />

muitas coisas. Voltei à minha casa,<br />

aos meus amigos, à minha rua, ao<br />

meu ninho (o ex-libris da minha casa<br />

é ter um ninho ali fora, naquela árvore).<br />

E tenho muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> me encontrar<br />

com os meus misianos.”


© josé pedro sousa<br />

YOUNG CHOON PARK<br />

PIANO<br />

<br />

Young-Choon Park, natural da Coreia do Sul, iniciou os estudos <strong>de</strong> piano aos 4 anos e<br />

<strong>de</strong>u o seu primeiro recital com apenas 7. Depois <strong>de</strong> estudos avançados em Nova Iorque<br />

e Munique, percorreu o mundo inteiro para concertos nas principais cida<strong>de</strong>s europeias,<br />

norte-americanas e sul-africanas, on<strong>de</strong> tem tocado com as <strong>gran<strong>de</strong></strong>s orquestras.<br />

Mozart, Sonata in B-flat major, KV.333 | Beethoven, Sonata in F minor op.57<br />

“Appassionata”| Chopin, Sonata No.3 in B minor op.58<br />

INFORMAÇÕES E RESERVAS: 213 585 244<br />

707 234 234 (TICKETLINE) | www.ticketline.sapo.pt<br />

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BLISS, LIV. BULHOSA (Oeiras Parque e C. C. do Porto) e pontos MEGAREDE.<br />

mecenas principal mecenas dos espectáculos<br />

Av. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 <strong>Lisboa</strong> | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museudooriente.pt<br />

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DE UM<br />

MINUTO<br />

UM ESPECTÁCULO DE<br />

CLARA<br />

ANDERMATT<br />

E MARCO<br />

MARTINS<br />

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QUINTA A<br />

SÁBADO ÀS 21H<br />

28 NOV<br />

DOMINGO<br />

ÀS 17H30<br />

SALA PRINCIPAL<br />

M/12


As vozes interiores <strong>de</strong> M<br />

Uma modista, uma Espanha <strong>de</strong>scosida numa Europa rota, e um livro, “O Tempo entre Costuras”,<br />

quase sem tempo agora, nem para autógrafos. E tudo numa dúzia e tal <strong>de</strong> meses, um fenómeno.<br />

menos importante do que as pessoas <strong>de</strong>la, contada a quente, entre Tetuán, Madrid<br />

Livros<br />

Maria Dueñas é uma estreante<br />

na ficção: até escrever “O Tempo<br />

entre Costuras” e se<br />

transformar num sucesso<br />

transatlãntico (mais <strong>de</strong> meio<br />

milhão <strong>de</strong> livros vendidos em<br />

20 países e 12 línguas<br />

diferentes), era apenas uma<br />

filóloga da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Múrcia<br />

24 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Até há um ano e picos, Maria Dueñas<br />

era só uma filóloga da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Múrcia, virada para os livros dos<br />

outros. Foi em 2009. Agora tem milhares<br />

<strong>de</strong> pessoas viradas para o livro<br />

<strong>de</strong>la, uma história <strong>de</strong> aventuras e <strong>de</strong>sventuras<br />

e um fenómeno <strong>de</strong> vendas<br />

que gosta <strong>de</strong> ver como um golpe da<br />

“sorte”.<br />

“O Tempo entre Costuras” (Porto<br />

Editora), que obrigou a novíssima<br />

escritora espanhola a uma roda-viva<br />

<strong>de</strong> sessões <strong>de</strong> lançamento dos dois<br />

lados do Atlântico – uma <strong>de</strong>las há dias<br />

em <strong>Lisboa</strong>, quando conversou connosco<br />

–, é o reencontro com Tetuán,<br />

a antiga capital do Marrocos Espanhol,<br />

nome tão frequente nas conversas<br />

da família como esquecido nas<br />

memórias do seu país. Daí a i<strong>de</strong>ia.<br />

“Para mim ouvir o nome da cida<strong>de</strong><br />

era uma coisa natural. Mas a seguir<br />

<strong>de</strong>i-me conta <strong>de</strong> que para o resto das<br />

pessoas não era tão comum. Uma parte<br />

da nossa história está muito esquecida”,<br />

diz, sem ar <strong>de</strong> queixa, porque<br />

o que quis foi resgatar uma cida<strong>de</strong><br />

“on<strong>de</strong>, a meias com os militares, borbulhava<br />

também uma socieda<strong>de</strong> como<br />

qualquer outra”. Resultado: um<br />

“boom” <strong>de</strong> vendas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que uma<br />

editora (a Temas <strong>de</strong> Hoy) imprimiu<br />

timidamente uns 3.500 exemplares,<br />

para ver o que dava. O que <strong>de</strong>u já vai<br />

em mais <strong>de</strong> meio milhão <strong>de</strong> livros vendidos<br />

em 20 países e 12 traduções, e<br />

fez a autora <strong>de</strong>ixar por instantes a aca<strong>de</strong>mia<br />

e os livros dos outros.<br />

“Prefiro pensar que tudo isto foi<br />

um golpe <strong>de</strong> sorte”, diz, a sorrir, confrontada<br />

com o facto <strong>de</strong> estar a beliscar<br />

tiragens como as <strong>de</strong> Pérez-Reverte,<br />

que o “El País” consi<strong>de</strong>rou o escritor<br />

mais completo da língua<br />

castelhana.<br />

Um saltinho à história, que na edição<br />

portuguesa tem 628 páginas. Sira<br />

cresce num bairro pobre <strong>de</strong> Madrid,<br />

a costurar, a alinhavar, a pespontar,<br />

entre linhas, botões, e pachorrentos<br />

gatos ao sol, pois ainda não se ouve<br />

Primo <strong>de</strong> Rivera nem chegou 1936. Um<br />

dia troca um rapaz generoso por outro<br />

<strong>de</strong> brilhantina, que a <strong>de</strong>ixa, em Marrocos,<br />

abandonada, roubada e cravada<br />

<strong>de</strong> dívidas. E com um bebé que não<br />

nascerá. Refaz a vida em Tetuán, on<strong>de</strong><br />

se torna uma estilista <strong>de</strong> referência<br />

e amiga da inglesa Rosalinda,<br />

que a convence a voltar à capital<br />

espanhola e a espiar para os serviços<br />

secretos britânicos – acabara<br />

a guerra civil e começava a<br />

mundial, e era preciso evitar<br />

que a Espanha se voltasse para<br />

Hitler, a quem Franco, como<br />

se sabe, <strong>de</strong>via favores. A aventura<br />

também passa pelo antigo<br />

Hotel do Parque, no Estoril,<br />

nesse tempo cheio <strong>de</strong><br />

gente <strong>de</strong> gabardinas <strong>de</strong> golas<br />

levantadas. No fim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

escapar a um atentado congeminado<br />

por um português, o<br />

Silva, amigo do volfrâmio da<br />

Panasqueira e dos alemães, e <strong>de</strong>


Maria Dueñas<br />

, escrito por uma fi lóloga, Maria Dueñas,<br />

. Uma história on<strong>de</strong> a História é muito<br />

e o Estoril. Fernando Sousa<br />

provar o bacalhau à Brás, casa com<br />

um espião a sério, Marcus.<br />

Mulheres maiores<br />

num mundo menor<br />

Assim resumida, a obra parece uma<br />

ficção entre colchetes e Mata Haris,<br />

uma marroquinaria com incursões<br />

na política. Mas não: é uma história<br />

<strong>de</strong> pessoas à margem da História,<br />

uma história <strong>de</strong> sobrevivências, no<br />

feminino, no pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> duas<br />

guerras, servida por uma escrita vinda<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, sem mol<strong>de</strong>s, sem momentos<br />

lassos, sem engasgos, sem<br />

toleimas <strong>de</strong> estilo, e, é preciso dizer,<br />

sem rendilhados, que escorre e que<br />

se cola aos olhos.<br />

“As personagens vivem num momento<br />

histórico e num mundo tão<br />

hostil, tão duro, tão difícil, que têm <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolver entre eles uma certa empatia<br />

para po<strong>de</strong>rem ultrapassar essas<br />

condições; para po<strong>de</strong>rem sobreviver.<br />

E por isso vão-se apoiando umas às<br />

outras”, explica Maria Dueñas.<br />

“Para mim, ouvir<br />

o nome da cida<strong>de</strong><br />

[Tetuán, a antiga<br />

capital do Marrocos<br />

espanhol] era uma<br />

coisa natural.<br />

Mas <strong>de</strong>i-me conta<br />

<strong>de</strong> que para o resto<br />

das pessoas não era<br />

tão comum. Uma<br />

parte da nossa<br />

história está muito<br />

esquecida”<br />

Quer dizer, tudo o que se passa à<br />

volta é um “cenário”, um pano <strong>de</strong><br />

fundo <strong>de</strong> cinzas e Guernicas que <strong>de</strong>ixa<br />

em <strong>de</strong>staque o branco dos jaiques<br />

das mulheres, a alma colorida <strong>de</strong> Can<strong>de</strong>laria,<br />

a matrona da pensão <strong>de</strong> Tetuán,<br />

a alegria, o riso, o porte sedutor<br />

do monte <strong>de</strong> ossos que é Rosalinda,<br />

a amante <strong>de</strong> Juan Luis Beigbe<strong>de</strong>r, o<br />

alto-comissário do Protectorado que<br />

mais tar<strong>de</strong> se tornará uma das vítimas<br />

<strong>de</strong> Serrano Suñer, o Cunhadísimo do<br />

Generalíssimo, figuras menores, muito<br />

menores, <strong>de</strong> uma epopeia que levou<br />

“uns quatro meses a imaginar,<br />

um ano a escrever e mais uns meses,<br />

à procura <strong>de</strong> fios soltos, a burilar”.<br />

Como uma modista da prosa, não?<br />

Maria Dueñas, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma blusa<br />

<strong>de</strong> gaze cinzenta, ri-se. “Mais ou menos.<br />

Sim, cosi, fiz pespontos, essas<br />

coisas. Mas o que fiz mais foi seguir<br />

as minhas vozes interiores, os meus<br />

palpites”.<br />

Não estamos portanto diante <strong>de</strong> um<br />

pretensão ensaística nem <strong>de</strong> uma trama<br />

complexa <strong>de</strong> interesses inconfessados.<br />

“Não sei nada <strong>de</strong> costura, tão<br />

presente aqui. Nunca pretendi escrever<br />

sobre História, porque não sou<br />

especialista. Nem sequer sobre espionagem,<br />

teria <strong>de</strong> me ter preparado <strong>de</strong><br />

outra maneira”. A única preocupação<br />

que teve foi que o cenário não esmagasse<br />

nem os sons nem os actores.<br />

Ouve-se Tetuán, o muezin a dizer o<br />

fayer, a oração da manhã; vêem-se<br />

mouras <strong>de</strong> jaiques e <strong>de</strong> babuchas, e<br />

mouros <strong>de</strong> cafetãs, as damas da elite<br />

estrangeira, ladys e Fraus, <strong>de</strong> veludos,<br />

chifons e organzas; sente-se o cheiro<br />

a suor e a açafrão dos bazares, o Nina<br />

Ricci das senhoras, o aroma do chá <strong>de</strong><br />

hortelã; quase trincamos os pinchitos<br />

e o tajine <strong>de</strong> borrego. Nenhum acontecimento<br />

político, nem a guerra na<br />

península, nem os roncos <strong>de</strong> canhões,<br />

nem mesmo o chato do comissário<br />

Claúdio Vásquez, bulem com a serena<br />

luta da inocente Sira ou com os expedientes<br />

da amiga Can<strong>de</strong>laria.<br />

Pressente-se até um certo ambiente<br />

<strong>de</strong> Casablanca, embora pareça que “só<br />

os jornalistas dão por isso”.<br />

“O que essencialmente procurei foi<br />

manter o equilíbrio, <strong>de</strong> maneira que<br />

a História não fosse até ao fim um lastro,<br />

uma coisa pesada, que não entorpecesse<br />

a ficção”, diz.<br />

Por tudo isto, “O Tempo entre Costuras”<br />

tornou-se um livro tão lido por<br />

mulheres como por homens. Por elas,<br />

pela força que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> das protagonistas,<br />

<strong>de</strong>terminadas; por eles,<br />

porque “gostam <strong>de</strong> entrar no mundo<br />

das mulheres, por coisas que não conhecem;<br />

abre-se-lhes uma janela, por<br />

exemplo sobre o que elas pensam e<br />

como se relacionam entre si”.<br />

E também pelos seus, agora, pares<br />

da literatura castelhana, como Reverte,<br />

um criador <strong>de</strong> heroínas [“A Rainha<br />

do Sul”, entre outros], que lhe mandou<br />

uma “tarjeta” <strong>de</strong> parabéns e fala do<br />

livro aos amigos e aos jornalistas, ou<br />

Matil<strong>de</strong> Asensi, a novelista <strong>de</strong> Alicante;<br />

e ainda pela crítica, que continua a<br />

esten<strong>de</strong>r-lhe tapetes vermelhos, vá<br />

on<strong>de</strong> vá, em Madrid, em Bogotá, no<br />

México, em São Paulo.<br />

O que vai ser da filóloga, da académica,<br />

natural da Mancha, como Dom<br />

Quixote? “Continuar a escrever. Pedi<br />

dois anos <strong>de</strong> licença na universida<strong>de</strong>.”<br />

Escrever o quê? “Propuseram-me que<br />

escrevesse uma segunda parte. Mas<br />

não, não vou fazer isso. Até porque os<br />

anos que se seguiram foram muito<br />

aborrecidos. Vai ser uma coisa totalmente<br />

diferente, uma ficção com distintos<br />

momentos das relações entre a<br />

Espanha e os Estados Unidos, outra<br />

área muito <strong>de</strong>sconhecida. Mas com<br />

menos História.”<br />

E em casa, a família <strong>de</strong>ixa-a escrever<br />

em sossego? “[Ri-se] Ai, não!... A<br />

Bárbara e o Jaime!... Mamã, <strong>de</strong>ixa esse<br />

livro e anda connosco…”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 25


ENRIC VIVES-RUBIO<br />

Seduz-nos em discurso directo através<br />

da forma como o sentimos pensar tudo<br />

o que diz. Fala pausadamente com<br />

cada i<strong>de</strong>ia a quebrar silêncios <strong>de</strong> forma<br />

eficaz.<br />

Eduardo Sacheri (Buenos Aires,<br />

1967) é um céptico que ainda se incomoda<br />

com a atenção que lhe tem sido<br />

<strong>de</strong>dicada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que há pouco mais<br />

<strong>de</strong> um ano “O segredo dos seus olhos”<br />

se transformou num sucesso <strong>de</strong> vendas<br />

por causa da adaptação ao cinema<br />

do seu primeiro romance. O filme<br />

<strong>de</strong> Juan José Campanella, Óscar <strong>de</strong><br />

melhor filme estrangeiro <strong>de</strong>ste ano,<br />

para o qual Eduardo escreveu o argumento,<br />

mudou a vida <strong>de</strong> um antigo<br />

funcionário judicial e actual professor<br />

<strong>de</strong> história que nos tempos livres se<br />

<strong>de</strong>dicava sobretudo a escrever contos<br />

sobre o futebol.<br />

“O meu romance teve duas vidas.<br />

Uma discreta quando o livro saiu há<br />

cinco anos e uma muito mais intensa<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o filme se estreou. Ser professor<br />

dá-me um contacto duro com<br />

a realida<strong>de</strong>. Tenho duas profissões<br />

aparentemente <strong>de</strong>stinadas ao fracasso,<br />

a docência e a literatura. Embora<br />

ambas se guiem por uma procura da<br />

verda<strong>de</strong> e da beleza, algo em que vale<br />

a pena acreditar. Sem esquecer o<br />

tempo que trabalhei na justiça, estou<br />

<strong>de</strong>stinado e tenho tendência para me<br />

<strong>de</strong>dicar a causas perdidas.”<br />

Se calhar não é assim. Eduardo Sacheri<br />

viu o filme que também escreveu<br />

mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z vezes. Entretanto, o<br />

26 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

As duas vidas<br />

<strong>de</strong> um romance<br />

Por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> um bom fi lme está normalmente um bom livro?<br />

Se pensarmos em “O segredo dos seus olhos” a resposta é sim. Conversa com Eduardo<br />

Sacheri um segredo da literatura argentina a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> o ser. Rui Lagartinho<br />

segredo alastrava-se tornando-se no<br />

segundo filme mais visto na história<br />

do cinema argentino. “Escrever e ler<br />

são actos solitários. Foi um milagre<br />

ver as pessoas receberem algo <strong>de</strong><br />

mim. Escutar o riso, sentir a emoção<br />

e os sobressaltos dos espectadores,<br />

mergulhar no silêncio opressivo ou<br />

exclamações <strong>de</strong> espanto nos momentos<br />

tensos. Foi como estar no ombro<br />

do leitor no momento <strong>de</strong> ver a história.<br />

Foi uma aventura que me mobilizou<br />

em direcção ao <strong>de</strong>sconhecido.<br />

O meu esforço foi que as personagens<br />

fossem respeitadas. Ao passá-las para<br />

o cinema aprendi a conhecê-los melhor,<br />

<strong>de</strong> outra forma.”<br />

Arrumar a memória<br />

Utilizar o cinema e a literatura como<br />

purga <strong>de</strong> uma ditadura é prática comum<br />

e a Argentina fez o trabalho <strong>de</strong><br />

casa com a ditadura em que mergulhou<br />

entre os anos <strong>de</strong> 1976 e 1983.<br />

Eduardo Sacheri trouxe com o seu<br />

romance a discussão para a semente<br />

do mal: “Tinha sete anos em 1974 e<br />

recordo-me <strong>de</strong> um país <strong>de</strong> gente crispada,<br />

<strong>de</strong> gente sempre a gritar e on<strong>de</strong><br />

se sentia a intolerância nos actos <strong>de</strong><br />

todos os dias. Foi este o terreno fértil<br />

que permitiu o triunfo da ditadura. A<br />

<strong>de</strong>mocracia cobriu este período com<br />

um manto <strong>de</strong> silêncio. Que só agora<br />

se começa a <strong>de</strong>stapar. Mas eu não quis<br />

escrever um romance histórico sobre<br />

esta época, nem um romance <strong>de</strong> tese<br />

com um olhar abstracto a pairar sobre<br />

a socieda<strong>de</strong> da época. Tentei que a<br />

<strong>de</strong>scoberta se fizesse <strong>de</strong> cima para<br />

baixo. As histórias pessoais permitem<br />

uma maior verosimilhança.”<br />

Todo o livro gira em torno <strong>de</strong>ste<br />

arrumar da memória pessoal. No seu<br />

coração está um homem. Benjamin<br />

Chaparro escreve um livro que vai<br />

encerrar a investigação sobre um crime.<br />

Deixou a justiça on<strong>de</strong> trabalhou<br />

como oficial <strong>de</strong> diligências, vai estrear-se<br />

na ficção. A verda<strong>de</strong> aí exposta<br />

funcionará como uma última peça <strong>de</strong><br />

um puzzle que se encaixa e que permitirá<br />

virar páginas <strong>de</strong> vida. Arrumase<br />

a casa, <strong>de</strong>scansa-se a consciência,<br />

transferem-se responsabilida<strong>de</strong>s:<br />

“Chaparro interroga-se se as vidas dos<br />

seres humanos, uma vez extintas, não<br />

se prolongarão na vida dos outros,<br />

dos que ainda vivem e relembram.”<br />

(página 303).<br />

Percebe-se que este escritor protagonista<br />

recebeu uma procuração clara<br />

do outro que o inventou na sombra:<br />

“Há uma mobilização interior e<br />

uma aprendizagem que lhe vai abrindo<br />

o futuro. É para isso que serve a<br />

memória: a memória do que nos suce<strong>de</strong>u<br />

po<strong>de</strong> ser como uma pedra ou<br />

uma rocha que nos esmaga. Mas se<br />

formos capazes <strong>de</strong> a domesticar, <strong>de</strong><br />

a dominar, po<strong>de</strong> ser uma pedra sobre<br />

a qual no sentamos e pensamos em<br />

que direcção seguir.”<br />

Afastam-se os fantasmas do romance<br />

que simplesmente autopsia a história<br />

recente. Evitam-se as armadilhas<br />

“Ser professor<br />

dá-me um contacto<br />

duro com a realida<strong>de</strong>.<br />

Tenho duas profissões<br />

aparentemente<br />

<strong>de</strong>stinadas ao<br />

fracasso, a docência<br />

e a literatura”<br />

do policial embora seja um crime não<br />

explicado a acendalha do romance,<br />

a tela momentos antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser branca: “Trabalhei cinco anos<br />

num juízo criminal. Não escrevi um<br />

romance policial clássico. A meio do<br />

livro já se sabe quem foi o assassino,<br />

como cometeu o crime. Já confessou,<br />

está preso. O enredo policial acaba<br />

aí. Mas é então que entra a Argentina:<br />

os nossos turbulentos anos 70 que<br />

levam a que o assassino seja libertado.<br />

Segue-se a tragédia <strong>de</strong> quem confiou<br />

na justiça e resolve vingar-se lentamente<br />

e com isso chego on<strong>de</strong> queria<br />

chegar: a uma enorme reflexão sobre<br />

o castigo.”<br />

Entretanto já nos colámos à pele<br />

do <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> Sandoval, colega <strong>de</strong><br />

Livros<br />

“O segredo<br />

dos seus<br />

olhos”, filme<br />

para o qual<br />

Eduardo<br />

escreveu o<br />

argumento,<br />

mudou a vida<br />

<strong>de</strong> um exfuncionário<br />

judicial e<br />

actual<br />

professor <strong>de</strong><br />

história que<br />

nos tempos<br />

livres se<br />

<strong>de</strong>dicava a<br />

escrever<br />

contos sobre<br />

futebol<br />

Benjamin Chaparro, que bebe para<br />

tudo esquecer: “Agora apareciam menos<br />

cadáveres nos <strong>de</strong>scampados. Evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

os assassinos tinham<br />

aperfeiçoado o seu estilo.” (pá. 224).<br />

Eduardo Sacheri misturou o bobo e<br />

um coro trágico numa só personagem:<br />

“Sandoval é um homem muito<br />

sensível e intuitivo. O álcool é um escape<br />

à percepção da dor. Não tolera<br />

a sua própria clarividência. Para ele<br />

é claro que a Argentina caminha para<br />

um túnel <strong>de</strong> trevas e <strong>de</strong> morte. Não<br />

como algo cíclico mas como uma crescente<br />

obscurida<strong>de</strong>. Sandoval percebe<br />

que faltam poucos centímetros para<br />

entrar no túnel.”<br />

Aqui chegados apetece respirar fundo.<br />

Vamos conseguir porque há um<br />

segredo que se transporta em arco<br />

por cima <strong>de</strong> tudo o que é policial e<br />

político e aparece fresco, renovado,<br />

no final do livro. Faz correr um Benjamín<br />

Chaparro que julgávamos<br />

exausto: “Avança a traços largos pelo<br />

corredor <strong>de</strong> ladrilhos brancos e pretos<br />

dispostos em losango. Pela primeira<br />

vez sabe que hoje sim, sem falta e sem<br />

<strong>de</strong>mora, tem <strong>de</strong> ir bater-lhe à porta<br />

do gabinete; ouvir a voz <strong>de</strong>la a dizerlhe<br />

que entre.” (pág. 307).<br />

É um segredo que não se vai <strong>de</strong>svendar,<br />

o pulmão ver<strong>de</strong> do romance:<br />

“Um dia <strong>de</strong>scobri que Chaparro tinha<br />

<strong>de</strong> estar apaixonado. É uma luz que<br />

o vai iluminando gradualmente. A luz<br />

ao fundo do túnel, os olhos que procuram<br />

o futuro noutros olhos.”


Lucia Riff Os <strong>de</strong>safi os <strong>de</strong> u<br />

Transferência <strong>de</strong> autores, leilões<br />

para a compra e venda <strong>de</strong> direitos,<br />

negociações para “e-books” e ainda<br />

o acordo ortográfi co.<br />

A brasileira Lucia Riff conta-nos<br />

como é o seu trabalho.<br />

Isabel Coutinho, em Frankfurt<br />

Pense em Rubem Fonseca, Carlos<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Lygia Fagun<strong>de</strong>s<br />

Telles, Adélia Prado, Zuenir Ventura,<br />

Erico e o seu filho, Luis Fernando<br />

Veríssimo, Ariano Suassuana, Rachel<br />

<strong>de</strong> Queiroz, Lya Luft e Mário<br />

Quintana. E saiba que as suas obras<br />

estão nas mãos <strong>de</strong> Lucia Riff, a principal<br />

agente literária brasileira, com<br />

uma agência com mais <strong>de</strong> 15 anos sediada<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, que divi<strong>de</strong><br />

agora com os filhos, Laura e João Paulo,<br />

e representa 55 autores brasileiros<br />

ou seus her<strong>de</strong>iros.<br />

Foi entre reuniões, na agitação frenética<br />

do Literary Agents & Scouts<br />

Centre (LitAg), o espaço on<strong>de</strong> os agentes<br />

literários e os editores <strong>de</strong> todo o<br />

mundo se encontram para conversar<br />

e negociar, que Lucia Riff conversou<br />

com o Ípsilon, na Feira do Livro <strong>de</strong><br />

Frankfurt. Pousados em cima da mesa<br />

estão o novo Tony Bellotto, “No<br />

Buraco”, comprado pela editora Quetzal;<br />

e também “Método prático da<br />

guerrilha”, <strong>de</strong> Marcelo Ferroni (primeiro<br />

romance do editor da Alfaguara<br />

brasileira), adquirido pela Dom<br />

Quixote. Não parece, mas “exportar<br />

autores brasileiros sempre foi difícil<br />

e vai continuar sendo”, confessa Lucia<br />

Riff. Mesmo com o Brasil a ser país<br />

convidado da Feira do Livro <strong>de</strong><br />

Frankfurt em 2013? “Vai melhorar.<br />

Mas, mais do que ter vários livros vendidos<br />

[cerca <strong>de</strong> 2000 exemplares,<br />

com adiantamentos pequenos], precisamos<br />

é <strong>de</strong> um sucesso.”<br />

A Agência Riff negoceia para Portugal<br />

autores brasileiros e também<br />

estrangeiros. “Boa parte dos nossos<br />

clientes representamos apenas para<br />

o Brasil. Mas 30 por cento da nossa<br />

lista é para a língua portuguesa. Esses<br />

negociamos com as editoras portuguesas”,<br />

explica a agente, que representa<br />

Margarida Rebelo Pinto e Leonor<br />

Xavier. “Já fizemos outras vendas<br />

<strong>de</strong> autores portugueses, mas são pontuais.<br />

Quando eu represento um autor<br />

brasileiro, represento-o no mundo<br />

todo e ainda para cinema, teatro, publicida<strong>de</strong><br />

e palestras.”<br />

Acordo à vista<br />

Como vai ser agora por causa do<br />

novo acordo ortográfico? “Não vai<br />

mudar nada. Há muitos anos era comum<br />

que as editoras - portuguesas<br />

ou brasileiras - comprassem direitos<br />

para toda a língua portuguesa. Acontecia<br />

mais no Brasil. Exportavam-se<br />

100, 200 livros para Portugal, ou viceversa,<br />

e acabava. O livro não viajava<br />

mais do que algumas centenas <strong>de</strong><br />

exemplares através <strong>de</strong> um distribui-<br />

28 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

dor qualquer”. Depois o mercado foise<br />

profissionalizando. No início da<br />

Agência Riff, Lucia só não fazia mais<br />

vendas para toda a língua portuguesa<br />

porque as suas representações eram<br />

só para o Brasil. “Até que <strong>de</strong>i conta<br />

que isso era um erro gravíssimo. O<br />

editor brasileiro não estava ven<strong>de</strong>ndo<br />

absolutamente nada em Portugal. Nós<br />

estávamos matando o mercado, matando<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o livro ser<br />

mais bem explorado e vice-versa. Em<br />

Portugal estavam fazendo o mesmo,<br />

matando livros que po<strong>de</strong>riam estar<br />

saindo no Brasil.” Então ficou <strong>de</strong>finido:<br />

“Se vendo para o Brasil, é para<br />

uma editora brasileira que vai imprimir<br />

e ven<strong>de</strong>r lá. Para Portugal, a mesma<br />

coisa. O acordo ortográfico po<strong>de</strong><br />

ter <strong>de</strong>finido on<strong>de</strong> é que entram ou<br />

saem os acentos - nunca mais vou saber<br />

escrever português! [risos] -, mas<br />

a maneira <strong>de</strong> escrever, vocabulário,<br />

sensibilida<strong>de</strong>, isso você não transfere<br />

por nenhum acordo ortográfico.”<br />

Aponta para o policial <strong>de</strong> Tony<br />

Bellotto, em cima da mesa, e diz que,<br />

se no livro existirem palavras que têm<br />

um sentido completamente diferente<br />

em Portugal, o editor português vai<br />

ter <strong>de</strong> acrescentar notas <strong>de</strong> rodapé.<br />

“Tem palavras que vocês usam que<br />

significam outras coisas para nós. Nisso<br />

o acordo não interfere. Quanto ao<br />

mercado editorial, não me parece que<br />

venha a ser afectado.”<br />

Agente por acaso<br />

Ser agente literária aconteceu a Lucia<br />

Riff por acaso. Psicóloga, recém-formada,<br />

com duas crianças pequenas,<br />

conheceu através <strong>de</strong> um amigo comum,<br />

o filho <strong>de</strong> Clarice Lispector, a<br />

famosa agente literária Carmen Balcells.<br />

A catalã procurava alguém para<br />

a ajudar na agência que tinha aberto<br />

no Brasil com uma sócia. Pedia só que<br />

essa pessoa tivesse paixão pelos livros<br />

e bom inglês. Apesar <strong>de</strong> não saber<br />

nada sobre o negócio editorial, Lucia<br />

aventurou-se. “Ela disse-me que<br />

apren<strong>de</strong>r o ofício era fácil e quando<br />

comecei foi amor à primeira vista.<br />

Adorei o trabalho <strong>de</strong> agente - negociar,<br />

conversar, saber tudo com antecedência!”,<br />

conta. Depois <strong>de</strong>ssa primeira<br />

experiência, foi contratada<br />

pela editora Nova Fronteira, on<strong>de</strong> ficou<br />

muitos anos, e esteve também na<br />

editora José Olympio, on<strong>de</strong> integrava<br />

a equipa encarregada do Dicionário<br />

Houaiss. No final <strong>de</strong> 1989, Carmen<br />

Balcells telefonou-lhe <strong>de</strong> novo. Tinha<br />

rompido com a sócia brasileira e queria<br />

fechar a agência no Brasil. “Foi<br />

nesse processo que acabei formando<br />

GABRIEL ANDRADE


uma agente literária<br />

Lucia Riff tornou-se agente<br />

literária por acaso, como<br />

colaboradora da mítica<br />

Carmen Balcells<br />

Livros<br />

a minha agência. Em 1990, um ano<br />

brasileiro <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo, do plano<br />

Collor, com uma inflação louca, trabalhei<br />

para a Carmen fechando o negócio<br />

<strong>de</strong>la.” Des<strong>de</strong> o início que a espanhola<br />

foi muito clara e lhe disse:<br />

“Lucia, fecha tudo e manda o que resta<br />

para Barcelona. Ou, se você quiser,<br />

me apresenta uma proposta para continuar<br />

no Brasil. Mas aí será a sua<br />

agência.”<br />

Chegaram a um mo<strong>de</strong>lo, que na<br />

altura acharam ser o certo, e foram<br />

sócias durante mais <strong>de</strong> uma década<br />

na nova agência <strong>de</strong> Riff. Quando Carmen<br />

Balcells se aposentou da agência<br />

em Barcelona, em 2003, os filhos <strong>de</strong><br />

Lucia Riff, ambos advogados, já trabalhavam<br />

com a mãe e Lucia pediulhe<br />

para ela lhe ven<strong>de</strong>r a quota <strong>de</strong>la<br />

(um terço) para passar a ter uma socieda<strong>de</strong><br />

com os filhos. “Nunca consegui<br />

ser pequena porque comecei já<br />

herdando todo um passado, que não<br />

me rendia absolutamente nada, mas<br />

que eu tinha <strong>de</strong> carregar.”<br />

No ano passado, a Agência Riff esteve<br />

envolvida nas transferências do<br />

escritor Rubem Fonseca, da Companhia<br />

das Letras para a Agir, e da escritora<br />

Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles, da Rocco<br />

para a Companhia das Letras. “No<br />

Brasil, por sorte os contratos não são<br />

como os ingleses: terminam. Quando<br />

isso acontece, é o momento <strong>de</strong> as pessoas<br />

avaliarem. No caso da Lígia, foi<br />

bem isso. Era um contrato longo com<br />

a Rocco, que chegou a ser renovado,<br />

e havia um relacionamento bom. Mas<br />

ela estava querendo mudar. É um direito<br />

do autor, como é do editor, não<br />

querer renovar. O facto <strong>de</strong> um autor<br />

sair <strong>de</strong> uma editora só significa que,<br />

naquele momento, estão buscando<br />

coisas diferentes. São momentos muito<br />

duros para mim e <strong>de</strong> muito sofrimento.<br />

É muito duro você chegar<br />

para um editor e dizer que não vamos<br />

renovar o contrato.”<br />

No caso do Rubem Fonseca, houve<br />

primeiro um comunicado da Companhia<br />

das Letras a dizer que o autor<br />

estava a sair da editora por razões que<br />

nunca foram explicadas publicamente.<br />

“A seguir, houve um leilão e essa<br />

foi para mim a parte mais complicada.”<br />

Nem sempre os leilões <strong>de</strong> direitos<br />

autorais se resumem a ver quem dá<br />

mais. Existem outras maneiras <strong>de</strong> negociar<br />

e esse foi o caso <strong>de</strong> Rubem Fonseca.<br />

As propostas que estavam na<br />

mesa tiveram <strong>de</strong> ser analisadas “como<br />

um todo” e isso incluiu não só a avaliação<br />

da editora mas também <strong>de</strong> todo<br />

o trabalho que ela se propunha fazer<br />

com o autor. “Não foi o caso, mas po-<br />

“O acordo ortográfico<br />

po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>finido<br />

on<strong>de</strong> é que entram<br />

ou saem os acentos,<br />

mas a maneira <strong>de</strong><br />

escrever, vocabulário,<br />

sensibilida<strong>de</strong>, isso<br />

você não transfere<br />

por nenhum acordo<br />

ortográfico”<br />

dia até ganhar uma oferta menor. Você<br />

não está negociando um ‘best-seller’,<br />

um Dan Brown que daqui a três<br />

ninguém vai saber quem é. Está a negociar<br />

o catálogo <strong>de</strong> Rubem Fonseca,<br />

que daqui a 50 anos, ou para sempre,<br />

todo o mundo vai saber quem é.”<br />

Do papel para o digital<br />

Quando em 2009 foi publicado no<br />

Brasil o último romance <strong>de</strong> Rubem<br />

Fonseca, “O Seminarista”, a editora<br />

Agir também colocou à venda a versão<br />

digital. Quando um agente faz um<br />

contrato <strong>de</strong> um livro novo, estrangeiro<br />

ou brasileiro, inclui também os<br />

direitos para a versão digital da obra,<br />

a não ser que a editora não tenha o<br />

menor interesse em ter um programa<br />

<strong>de</strong> “e-books”.<br />

Enquanto a percentagem <strong>de</strong> direitos<br />

<strong>de</strong> autor pagos no livro impresso<br />

é <strong>de</strong> <strong>de</strong>z por cento para cima, no caso<br />

do “e-book” houve um acordo geral<br />

no mercado, e ficou estabelecido que<br />

nos próximos dois anos (2011/2012)<br />

se paga 25 por cento da receita líquida<br />

do editor. “É uma espécie <strong>de</strong> trégua,<br />

sendo possível que <strong>de</strong>pois aumente<br />

para 30 ou até chegue aos 50<br />

por cento (meta<strong>de</strong> para o autor e meta<strong>de</strong><br />

para a editora). Neste momento<br />

as vendas são muito pequenas e a <strong>de</strong>spesa<br />

inicial para o editor é muito alta.<br />

Tem <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o sistema, preparar,<br />

comprar os programas. É caro isso,<br />

não é pegar no PDF do livro e jogar<br />

na Internet.”<br />

Alguns autores têm publicado obras<br />

em formato digital em editoras diferentes<br />

daquelas em que publicam os<br />

livros em papel. Lucia Riff acha que<br />

é preciso analisar caso a caso. E dá o<br />

exemplo: “Você está numa editora<br />

que te está trabalhando muito bem,<br />

contrato válido, pagamentos em dia,<br />

e essa editora monta um programa<br />

<strong>de</strong> ‘e-book’. Você pega teu livro e bota<br />

na mão <strong>de</strong> um concorrente? Uma<br />

editora <strong>de</strong> ‘e-books’ que não tem catálogo<br />

nenhum, não tem ‘backlist’,<br />

não tem nenhum compromisso com<br />

você, não fez nada teu, só porque ele<br />

te vai dar uma comissão um pouco<br />

maior?”<br />

Por experiência, a agente literária<br />

sabe que neste negócio tem <strong>de</strong> se pensar<br />

a longo prazo e com calma. Avaliar<br />

as coisas com serenida<strong>de</strong>. “Se não vira<br />

uma selva. Eu não quero trabalhar<br />

num mercado em que você possa usar<br />

a palavra carnificina levianamente”,<br />

conclui Lucia Riff.<br />

O agente literário tem <strong>de</strong> proteger<br />

o autor até contra ele mesmo, se for<br />

o caso.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 29


Arquitectura<br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

Sou Fujimoto<br />

é um<br />

entusiasta<br />

das formas<br />

primitivas da<br />

arquitectura,<br />

mas também<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos<br />

projectos <strong>de</strong><br />

Le Corbusier,<br />

como a Villa<br />

Savoye, e das<br />

catedrais<br />

góticas<br />

O arquitecto está aqui para nos falar<br />

da floresta.<br />

À frente <strong>de</strong>le esten<strong>de</strong>-se o caos –<br />

bom, um certo caos. Na sala do Museu<br />

do Oriente não param <strong>de</strong> entrar pessoas<br />

transportando <strong>de</strong>baixo dos braços<br />

ca<strong>de</strong>iras dobradas, que <strong>de</strong>pois<br />

abrem e tentam encaixar nos poucos<br />

espaços livres. Alguns ajeitam-se,<br />

chegam-se para o lado para arranjar<br />

lugar para os recém-chegados, outros<br />

simplesmente já <strong>de</strong>sistiram e ficam<br />

encostados à pare<strong>de</strong>.<br />

Sou Fujimoto, o arquitecto japonês,<br />

elegantíssimo na sua camisa negra,<br />

tem um ar impassível. No entanto,<br />

muito discretamente, parece transparecer<br />

no seu rosto uma certa estupefacção<br />

pelo entusiasmo que a sua<br />

conferência está a gerar em Portugal<br />

(on<strong>de</strong> esteve no dia 22 <strong>de</strong> Outubro,<br />

para a inauguração da exposição “Novas<br />

Tendências da Arquitectura na<br />

Europa e Ásia-Pacífico 2008/2010”,<br />

no Museu do Oriente).<br />

É preciso esperar ainda algum tempo<br />

para que a assistência consiga ocupar<br />

o espaço <strong>de</strong> uma forma mais ou<br />

menos razoável (muitos não conseguirão<br />

entrar na sala) e se acalme para<br />

ouvir Fujimoto. O arquitecto está,<br />

provavelmente, a achar a experiência<br />

interessante, porque correspon<strong>de</strong><br />

exactamente ao que ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>. “Po<strong>de</strong><br />

ser excitante misturar coisas muito<br />

or<strong>de</strong>nadas e algum caos. O comportamento<br />

natural das pessoas é<br />

caótico e eu gosto <strong>de</strong> enfatizar isso”,<br />

há-<strong>de</strong> explicar mais tar<strong>de</strong> ao Ípsilon.<br />

Fujimoto gosta <strong>de</strong> falar das “possibilida<strong>de</strong>s<br />

da floresta como arquitectura”.<br />

E gosta <strong>de</strong> comparar o espaço<br />

construído pelo homem ao “ninho”<br />

– pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conforto, pela<br />

adaptação do meio que nos ro<strong>de</strong>ia às<br />

nossas necessida<strong>de</strong>s. Mas o que ele<br />

propõe é diferente: é um “regresso à<br />

caverna”. Aí, ao contrário do ninho,<br />

não é o espaço que se adapta às necessida<strong>de</strong>s<br />

dos homens, mas o contrário.<br />

A caverna, diz Sou Fujimoto,<br />

“inspira p as ppessoas a comportarem-se<br />

p<br />

com maior liberda<strong>de</strong>.”<br />

E, para nos explicar exactamente<br />

o que quer dizer – um conceito que<br />

baptizou como “futuro primitivo” –<br />

conduz-nos até à “caverna”. Ele chamou-lhe<br />

Woo<strong>de</strong>n House e o que temos<br />

é uma construção feita com blocos<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> 35 centímetros,<br />

que “entram” para o espaço interior<br />

da casa, sobre a qual há um telhado<br />

<strong>de</strong> vidro. Na prática as pessoas têm<br />

que se encaixar entre estes blocos,<br />

sendo que nenhum <strong>de</strong>les tem uma<br />

função específica, e assim uns po<strong>de</strong>m<br />

ser usados como <strong>de</strong>graus, outros como<br />

mesas, outros para nos <strong>de</strong>itarmos<br />

ou para nos pormos <strong>de</strong> pé e espreitarmos<br />

o céu. Sem funções pré-<strong>de</strong>finidas,<br />

acredita Fujimoto, as pessoas<br />

tornam-se mais criativas.<br />

“O ninho é um espaço bem preparado<br />

para as pessoas. A caverna é um<br />

espaço não preparado para as pessoas,<br />

mas no qual gradualmente vamos<br />

encontrando o nosso local confortável<br />

para nos sentarmos, vamos <strong>de</strong>scobrindo<br />

as possibilida<strong>de</strong>s do espaço.”<br />

Acha que as pessoas hoje lidam<br />

com o espaço <strong>de</strong> uma forma muito<br />

limitada? “É isso exactamente. De<br />

certa forma a arquitectura muito preocupada<br />

com a função limita os usos<br />

e os comportamentos. Eu gosto <strong>de</strong><br />

libertar esse potencial das pessoas.”<br />

O futuro primitivo<br />

As primeiras experiências <strong>de</strong> Sou Fujimoto<br />

são completamente conceptu-<br />

“Não quero negar<br />

a história<br />

da arquitectura.<br />

O que gosto é <strong>de</strong> voltar<br />

atrás para<br />

compreen<strong>de</strong>r como<br />

é que as coisas<br />

se passavam.<br />

Não <strong>de</strong>fendo<br />

o regresso à natureza<br />

ou à montanha,<br />

mas seria agradável<br />

recuperar algumas<br />

sensações que<br />

se per<strong>de</strong>ram”<br />

ais. Uma maqueta da sua Primitive<br />

Future House mostra uma espécie <strong>de</strong><br />

nuvem difusa <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus, com pequenas<br />

figurinhas que os vão ocupando<br />

da forma que lhes apetece. A Woo<strong>de</strong>n<br />

House aproxima-se mais <strong>de</strong> um espaço<br />

habitável mas não chega a ser um.<br />

E, no entanto, a arquitectura <strong>de</strong> Fujimoto<br />

é habitável.<br />

É ainda a floresta que o leva a pensar<br />

na relação entre o interior e o exterior<br />

dos espaços que habitamos.<br />

“Nasci em Hokkaido [a segunda<br />

maior ilha do arquipélago japonês],<br />

on<strong>de</strong> faz muito frio lá fora e <strong>de</strong>ntro<br />

das casas está quente. Quando mu<strong>de</strong>i<br />

para Tóquio encontrei uma cida<strong>de</strong><br />

em que as casas são muito pequenas<br />

Os habitantes da Woo<strong>de</strong>n House têm que se encaixar<br />

entre os blocos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira - como estes não têm função<br />

<strong>de</strong>finida, po<strong>de</strong>m ser o que cada um quiser<br />

Sou Fujimoto,<br />

o arquitecto<br />

O fu futuro, diz Sou Fujimoto, é <strong>de</strong> novo a caverna: seríamos mais c<br />

e um u quarto é um quarto. Ainda po<strong>de</strong>mos recuperar o tempo p<br />

n


A Biblioteca Universitária <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em<br />

Tóquio: uma floresta, para que os utilizadores se<br />

possam per<strong>de</strong>r<br />

e as ruas muito estranhas, o que cria<br />

uma continuida<strong>de</strong> interessante entre<br />

o interior e o exterior. De certa forma<br />

estamos protegidos”, explica na conferência.<br />

Diz muitas vezes que esse<br />

carácter orgânico <strong>de</strong> Tóquio, em que<br />

a rua parece um prolongamento da<br />

casa, lhe serviu <strong>de</strong> inspiração. “No<br />

fundo, penso que a sensação <strong>de</strong> brincar<br />

na floresta é muito semelhante à<br />

sensação <strong>de</strong> viver em Tóquio”, explicou<br />

numa entrevista à ArteCapital em<br />

2009.<br />

Foi essa sensação que o inspirou a<br />

criar a House N, uma casa em Oita<br />

feita <strong>de</strong> “três caixas, uma caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>,<br />

uma média e uma pequena – caixa<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa”.<br />

Criam-se assim diferentes espaços <strong>de</strong><br />

privacida<strong>de</strong> – maior na caixa pequena<br />

e menor nas outras. A “caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>”<br />

é uma estrutura com aberturas<br />

rectangulares em cima e nos lados<br />

que “cobre” o resto da casa, <strong>de</strong>ixando<br />

entrar o exterior, mas não completamente.<br />

“Não é só um objecto<br />

sólido no meio <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. É uma<br />

casa que às vezes inclui o céu, às vezes<br />

inclui os vizinhos.”<br />

As aberturas rectangulares fazem<br />

lembrar os espaços vazios <strong>de</strong>ixados<br />

on<strong>de</strong> antes tinham estado janelas nas<br />

fachadas <strong>de</strong> edifícios em ruínas. “Gosto<br />

<strong>de</strong> ruínas”, diz Fujimoto. “São geralmente<br />

o fim da arquitectura. Mas<br />

se quisermos [como na House N] po<strong>de</strong>m<br />

ser também o princípio.”<br />

Fujimoto aplicou o mesmo conceito<br />

<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> fronteiras claras na<br />

House Before House, um projecto<br />

construído na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utsunomiya,<br />

no qual os espaços interiores e exteriores,<br />

ligados entre si por escadas,<br />

se confun<strong>de</strong>m, com árvores e pequenos<br />

pedaços <strong>de</strong> terreno a surgirem<br />

no meio da estrutura <strong>de</strong> espaços interiores.<br />

Havia, contudo, alguma curiosida<strong>de</strong><br />

sobre como é que estas i<strong>de</strong>ias sobre<br />

a relação entre os corpos e o espaço<br />

se iriam traduzir quando Fujimoto<br />

se visse confrontado com um<br />

projecto <strong>de</strong> maiores dimensões. A<br />

sua visão acaba <strong>de</strong> ser testada com a<br />

recém-terminada Biblioteca Universitária<br />

<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em Tóquio.<br />

Com o número <strong>de</strong> estudantes<br />

universitários em queda no Japão <strong>de</strong>vido<br />

ao envelhecimento da população<br />

e às elevadas propinas, explica a<br />

“Architectural Review”, as universida<strong>de</strong>s<br />

tentam <strong>de</strong> várias formas atrair<br />

estudantes. Criar uma biblioteca com<br />

uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong>ssa<br />

estratégia. Foi aberto um concurso e<br />

Fujimoto fez a sua proposta – uma<br />

floresta <strong>de</strong> livros.<br />

O edifício é inteiramente dominado<br />

por enormes prateleiras, criando<br />

uma sensação <strong>de</strong> floresta, e, segundo<br />

explicou o arquitecto, dando às pessoas<br />

a sensação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m vaguear<br />

pelo espaço e, eventualmente,<br />

per<strong>de</strong>r-se nele. Mas, explica a “Architectural<br />

Review”, a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong><br />

Fujimoto teve <strong>de</strong> ser adaptada a algumas<br />

exigências <strong>de</strong> uso – uma necessida<strong>de</strong><br />

que não perturbou o arquitecto,<br />

que terá percebido as críticas<br />

dos que diziam que o carácter mais<br />

caótico do seu <strong>de</strong>senho inicial tornava<br />

o sistema numérico <strong>de</strong> classificação<br />

dos livros uma confusão, levando<br />

muitos estudiosos a per<strong>de</strong>rem-se verda<strong>de</strong>iramente.<br />

E por muito que Fujimoto queira<br />

introduzir alguns elementos <strong>de</strong> caos,<br />

não quer que a sua arquitectura-floresta<br />

se torne um labirinto do qual as<br />

pessoas não consigam sair. O que ele<br />

procura é que as pessoas recuperem<br />

uma relação mais intuitiva entre o<br />

corpo e o espaço. Algo que, acredita,<br />

se terá perdido ao longo dos tempos.<br />

Quando exactamente? A partir do<br />

momento em que o homem começou<br />

a construir espaços para habitar?<br />

Em todas as épocas houve diferentes<br />

formas <strong>de</strong> viver os espaços construídos,<br />

diz. “Parece que falo <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier como um inimigo”, ri Fujimoto,<br />

“mas ele, ao mesmo tempo<br />

que falava da arquitectura funcionalista<br />

fazia também uma arquitectura<br />

com maior abertura <strong>de</strong> espírito. Gosto<br />

muito da Villa Savoye, por exemplo.<br />

Claro que é funcionalista, mas ao<br />

mesmo tempo <strong>de</strong>ixa as pessoas livres<br />

para encontrarem o seu espaço escondido<br />

e as funções da casa. Tem<br />

um potencial <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>.”<br />

Tal como outro tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />

<strong>de</strong> que Fujimoto gosta particularmente:<br />

a das catedrais góticas. “São<br />

espaços muito fortes. Numa catedral<br />

gótica há várias escalas <strong>de</strong> espaço diferentes.<br />

Os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s espaços são dominantes,<br />

claro, mas <strong>de</strong>pois há espaços<br />

laterais, com escalas mais pequenas,<br />

a zona do claustro... parece<br />

caótico mas é um espaço com diferentes<br />

qualida<strong>de</strong>s.”<br />

Sou Fujimoto não é dogmático. Não<br />

diz que o racionalismo e o funcionalismo<br />

nos fizeram per<strong>de</strong>r coisas. “Per-<br />

<strong>de</strong>mos algumas, mas ganhámos também.<br />

Não quero negar a história da<br />

arquitectura. É muito importante,<br />

essas camadas da história – umas vezes<br />

per<strong>de</strong>mos, outras transformamos.<br />

O que eu gosto é <strong>de</strong> voltar atrás para<br />

compreen<strong>de</strong>r como é que as coisas<br />

se passavam há muito tempo.”<br />

Não se pense que é um arquitecto<br />

que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-arquitectura. Nada<br />

disso. “Não <strong>de</strong>fendo o regresso à natureza<br />

ou à montanha, mas acho que<br />

seria agradável recuperar algumas<br />

sensações que se per<strong>de</strong>ram nesta socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea.”<br />

É isto o “futuro primitivo”.<br />

que constrói fl orestas<br />

s criativos se não estivéssemos limitados por esta arquitectura em que uma cozinha é uma cozinha<br />

perdido, e reconstruir uma relação intuitiva com o espaço. É isso que ele tem andado a fazer<br />

no Japão. Alexandra Prado Coelho<br />

IWAN BAAN<br />

IWAN BAAN<br />

A House N, em Oita, “é uma casa que às vezes inclui o<br />

céu, às vezes inclui os vizinhos”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 31


A Biblioteca Universitária <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em<br />

Tóquio: uma floresta, para que os utilizadores se<br />

possam per<strong>de</strong>r<br />

e as ruas muito estranhas, o que cria<br />

uma continuida<strong>de</strong> interessante entre<br />

o interior e o exterior. De certa forma<br />

estamos protegidos”, explica na conferência.<br />

Diz muitas vezes que esse<br />

carácter orgânico <strong>de</strong> Tóquio, em que<br />

a rua parece um prolongamento da<br />

casa, lhe serviu <strong>de</strong> inspiração. “No<br />

fundo, penso que a sensação <strong>de</strong> brincar<br />

na floresta é muito semelhante à<br />

sensação <strong>de</strong> viver em Tóquio”, explicou<br />

numa entrevista à ArteCapital em<br />

2009.<br />

Foi essa sensação que o inspirou a<br />

criar a House N, uma casa em Oita<br />

feita <strong>de</strong> “três caixas, uma caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>,<br />

uma média e uma pequena – caixa<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> caixa”.<br />

Criam-se assim diferentes espaços <strong>de</strong><br />

privacida<strong>de</strong> – maior na caixa pequena<br />

e menor nas outras. A “caixa <strong>gran<strong>de</strong></strong>”<br />

é uma estrutura com aberturas<br />

rectangulares em cima e nos lados<br />

que “cobre” o resto da casa, <strong>de</strong>ixando<br />

entrar o exterior, mas não completamente.<br />

“Não é só um objecto<br />

sólido no meio <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>. É uma<br />

casa que às vezes inclui o céu, às vezes<br />

inclui os vizinhos.”<br />

As aberturas rectangulares fazem<br />

lembrar os espaços vazios <strong>de</strong>ixados<br />

on<strong>de</strong> antes tinham estado janelas nas<br />

fachadas <strong>de</strong> edifícios em ruínas. “Gosto<br />

<strong>de</strong> ruínas”, diz Fujimoto. “São geralmente<br />

o fim da arquitectura. Mas<br />

se quisermos [como na House N] po<strong>de</strong>m<br />

ser também o princípio.”<br />

Fujimoto aplicou o mesmo conceito<br />

<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> fronteiras claras na<br />

House Before House, um projecto<br />

construído na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Utsunomiya,<br />

no qual os espaços interiores e exteriores,<br />

ligados entre si por escadas,<br />

se confun<strong>de</strong>m, com árvores e pequenos<br />

pedaços <strong>de</strong> terreno a surgirem<br />

no meio da estrutura <strong>de</strong> espaços interiores.<br />

Havia, contudo, alguma curiosida<strong>de</strong><br />

sobre como é que estas i<strong>de</strong>ias sobre<br />

a relação entre os corpos e o espaço<br />

se iriam traduzir quando Fujimoto<br />

se visse confrontado com um<br />

projecto <strong>de</strong> maiores dimensões. A<br />

sua visão acaba <strong>de</strong> ser testada com a<br />

recém-terminada Biblioteca Universitária<br />

<strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> Musashino, em Tóquio.<br />

Com o número <strong>de</strong> estudantes<br />

universitários em queda no Japão <strong>de</strong>vido<br />

ao envelhecimento da população<br />

e às elevadas propinas, explica a<br />

“Architectural Review”, as universida<strong>de</strong>s<br />

tentam <strong>de</strong> várias formas atrair<br />

estudantes. Criar uma biblioteca com<br />

uma forte i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong>ssa<br />

estratégia. Foi aberto um concurso e<br />

Fujimoto fez a sua proposta – uma<br />

floresta <strong>de</strong> livros.<br />

O edifício é inteiramente dominado<br />

por enormes prateleiras, criando<br />

uma sensação <strong>de</strong> floresta, e, segundo<br />

explicou o arquitecto, dando às pessoas<br />

a sensação <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m vaguear<br />

pelo espaço e, eventualmente,<br />

per<strong>de</strong>r-se nele. Mas, explica a “Architectural<br />

Review”, a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong><br />

Fujimoto teve <strong>de</strong> ser adaptada a algumas<br />

exigências <strong>de</strong> uso – uma necessida<strong>de</strong><br />

que não perturbou o arquitecto,<br />

que terá percebido as críticas<br />

dos que diziam que o carácter mais<br />

caótico do seu <strong>de</strong>senho inicial tornava<br />

o sistema numérico <strong>de</strong> classificação<br />

dos livros uma confusão, levando<br />

muitos estudiosos a per<strong>de</strong>rem-se verda<strong>de</strong>iramente.<br />

E por muito que Fujimoto queira<br />

introduzir alguns elementos <strong>de</strong> caos,<br />

não quer que a sua arquitectura-floresta<br />

se torne um labirinto do qual as<br />

pessoas não consigam sair. O que ele<br />

procura é que as pessoas recuperem<br />

uma relação mais intuitiva entre o<br />

corpo e o espaço. Algo que, acredita,<br />

se terá perdido ao longo dos tempos.<br />

Quando exactamente? A partir do<br />

momento em que o homem começou<br />

a construir espaços para habitar?<br />

Em todas as épocas houve diferentes<br />

formas <strong>de</strong> viver os espaços construídos,<br />

diz. “Parece que falo <strong>de</strong> Le<br />

Corbusier como um inimigo”, ri Fujimoto,<br />

“mas ele, ao mesmo tempo<br />

que falava da arquitectura funcionalista<br />

fazia também uma arquitectura<br />

com maior abertura <strong>de</strong> espírito. Gosto<br />

muito da Villa Savoye, por exemplo.<br />

Claro que é funcionalista, mas ao<br />

mesmo tempo <strong>de</strong>ixa as pessoas livres<br />

para encontrarem o seu espaço escondido<br />

e as funções da casa. Tem<br />

um potencial <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>.”<br />

Tal como outro tipo <strong>de</strong> arquitectura<br />

<strong>de</strong> que Fujimoto gosta particularmente:<br />

a das catedrais góticas. “São<br />

espaços muito fortes. Numa catedral<br />

gótica há várias escalas <strong>de</strong> espaço diferentes.<br />

Os <strong>gran<strong>de</strong></strong>s espaços são dominantes,<br />

claro, mas <strong>de</strong>pois há espaços<br />

laterais, com escalas mais pequenas,<br />

a zona do claustro... parece<br />

caótico mas é um espaço com diferentes<br />

qualida<strong>de</strong>s.”<br />

Sou Fujimoto não é dogmático. Não<br />

diz que o racionalismo e o funcionalismo<br />

nos fizeram per<strong>de</strong>r coisas. “Per-<br />

<strong>de</strong>mos algumas, mas ganhámos também.<br />

Não quero negar a história da<br />

arquitectura. É muito importante,<br />

essas camadas da história – umas vezes<br />

per<strong>de</strong>mos, outras transformamos.<br />

O que eu gosto é <strong>de</strong> voltar atrás para<br />

compreen<strong>de</strong>r como é que as coisas<br />

se passavam há muito tempo.”<br />

Não se pense que é um arquitecto<br />

que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a não-arquitectura. Nada<br />

disso. “Não <strong>de</strong>fendo o regresso à natureza<br />

ou à montanha, mas acho que<br />

seria agradável recuperar algumas<br />

sensações que se per<strong>de</strong>ram nesta socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea.”<br />

É isto o “futuro primitivo”.<br />

que constrói fl orestas<br />

s criativos se não estivéssemos limitados por esta arquitectura em que uma cozinha é uma cozinha<br />

perdido, e reconstruir uma relação intuitiva com o espaço. É isso que ele tem andado a fazer<br />

no Japão. Alexandra Prado Coelho<br />

IWAN BAAN<br />

IWAN BAAN<br />

A House N, em Oita, “é uma casa que às vezes inclui o<br />

céu, às vezes inclui os vizinhos”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 31


Teatro<br />

O tempo<br />

que o tempo tem<br />

Clara<br />

An<strong>de</strong>rmatt e<br />

Marco Martins<br />

foram buscar<br />

os intérpretes<br />

à dança e ao<br />

teatro: aqui<br />

não se sabe<br />

bem on<strong>de</strong><br />

acaba um e<br />

começa o<br />

outro<br />

Clara An<strong>de</strong>rmatt, coreógrafa, e Marco Martins, cineasta e encenador,<br />

fi zeram do tempo a matéria-prima <strong>de</strong> uma aventura coreográfi ca e teatral, “Durações<br />

<strong>de</strong> um Minuto”, que se estreia hoje no São Luiz, em <strong>Lisboa</strong>. Até 28 <strong>de</strong> Novembro, eles<br />

<strong>de</strong>scobrem, juntos, o que po<strong>de</strong>m fazer enquanto esperam. Tiago Bartolomeu Costa<br />

No princípio era o tempo, como na<br />

lengalenga infantil em que o tempo<br />

pergunta ao tempo quanto tempo o<br />

tempo tem. O que o tempo lhe respon<strong>de</strong><br />

é uma forma <strong>de</strong> nos perguntarmos<br />

o que fazemos com ele, e<br />

aquilo a que se propuseram Clara An<strong>de</strong>rmatt,<br />

coreógrafa, e Marco Martins,<br />

cineasta e encenador, respon<strong>de</strong>ndo<br />

ao <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> Jorge Salavisa,<br />

na altura director artístico do São<br />

Luiz – Teatro <strong>Municipal</strong>, para criarem<br />

uma peça a dois. Chamaram-lhe “Durações<br />

<strong>de</strong> Um Minuto” não porque<br />

seja sobre o tempo, mas porque (e<br />

dizer isto não é dizer tudo) é sobre<br />

nós.<br />

Não se conheciam, apesar <strong>de</strong> Marco<br />

já ter seguido Clara. Já se tinha interessado<br />

por aquele corpo, aquela<br />

forma “particular” <strong>de</strong> movimento que<br />

nela se traduz por uma manipulação<br />

<strong>de</strong>sconcertante dos modos <strong>de</strong> existir<br />

num espaço. Numa das cenas <strong>de</strong> “Ali-<br />

33 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

ce”, o filme que o revelou, Nuno Lopes,<br />

o pai que per<strong>de</strong>u a filha, segue<br />

uma mãe que leva uma criança pelo<br />

braço. Essa mãe é Clara. Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

seguir alguém está nesta peça, mas<br />

Clara não está em palco, nem Marco<br />

a segue. Agora estão lado a lado, testando<br />

as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> um no outro, procurando<br />

“ajustar-se a essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

trabalhar em conjunto”. “É mais fácil,<br />

não sei se é mais fácil”, diz Clara. “Ficas<br />

a pensar no que disseste e tens<br />

que saber <strong>de</strong>fendê-lo”, contrapõe<br />

Marco.<br />

A peça partiu <strong>de</strong> um dado geofísico,<br />

não isento <strong>de</strong> polémica: por efeito do<br />

terramoto que em Fevereiro abalou<br />

o Chile, o eixo da Terra <strong>de</strong>slocou-se<br />

e, por isso, os dias ficaram 1,26 microssegundos<br />

mais pequenos. Já tinha<br />

acontecido antes: estudos indicam<br />

que o terramoto que provocou o tsunami<br />

<strong>de</strong> 2004 no Su<strong>de</strong>ste Asiático<br />

diminuiu os dias em 2,62 microsse-<br />

gundos. Mas o que é isso em, digamos,<br />

tempo real?<br />

Para os dois autores, foi a oportunida<strong>de</strong><br />

para relançar questões sobre<br />

o nosso comportamento em socieda<strong>de</strong>:<br />

sobre o modo como nos relacionamos<br />

com o outro, como o nosso<br />

corpo é afectado, como reagimos à<br />

sua presença, como é que saímos daqui.<br />

O que apresentam a partir <strong>de</strong><br />

hoje, e até 28 <strong>de</strong> Novembro, no São<br />

Luiz não é necessariamente um mo<strong>de</strong>lo<br />

social, mas aproxima-se <strong>de</strong> uma<br />

hipótese <strong>de</strong> representação da socieda<strong>de</strong>.<br />

“Não tivemos qualquer intenção<br />

<strong>de</strong> caracterizar ou <strong>de</strong>finir este<br />

ambiente, e as pessoas que nele vivem”,<br />

nota Clara. “Pelo contrário, o<br />

nosso trabalho foi retirar e limpar referências”,<br />

acrescenta Marco.<br />

Criada <strong>de</strong> raiz – “era muito mais fácil<br />

se não fosse assim”, confirmam os<br />

dois –, a peça parte <strong>de</strong> textos já publicados<br />

ou inéditos, e escritos proposi-<br />

“Durações <strong>de</strong> Um<br />

Minuto” parte <strong>de</strong><br />

um dado geofísico:<br />

por efeito do<br />

terramoto <strong>de</strong><br />

Fevereiro no Chile,<br />

os dias ficaram<br />

1,26 microssegundos<br />

mais pequenos<br />

tadamente, por Gonçalo M. Tavares,<br />

um dos autores <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> Marco<br />

Martins. “Tínhamos em vista quatro<br />

ou cinco nomes, mas, <strong>de</strong>pois, tornouse<br />

evi<strong>de</strong>nte que seriam do Gonçalo as<br />

palavras a caber aqui”. Reconhecemos<br />

nos diálogos o “pessimismo antropológico<br />

e cultural” que caracteriza a<br />

escrita <strong>de</strong> Tavares, conforme sublinhava<br />

Pedro Mexia na última edição do<br />

Ípsilon (29 Outubro). “A brutalida<strong>de</strong><br />

dos acontecimentos do século XX exige,<br />

a qualquer escritor, um pessimismo<br />

antropológico firme. É uma responsabilida<strong>de</strong><br />

moral e literária”, explicava<br />

o escritor nessa entrevista. “O<br />

espaço da literatura po<strong>de</strong> ser tudo e<br />

mais alguma coisa, mas antes <strong>de</strong> mais<br />

é um espaço <strong>de</strong> vigilância à distância,<br />

<strong>de</strong> uma atenção constante. É um pouco<br />

como estar a repetir constantemente:<br />

atenção!, não te esqueças do século<br />

XX, não te esqueças do século XX”,<br />

acrescentava ainda.<br />

PEDRO CUNHA


34 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Quem conhecer os textos <strong>de</strong> Gonçalo<br />

M. Tavares saberá que não vai<br />

encontrar em “Durações <strong>de</strong> Um Minuto”<br />

uma narrativa, mas percursos<br />

narrativos. O autor escreveu no programa<br />

que seria possível imaginar<br />

“uma pessoa colocada diante do espelho,<br />

com um cronómetro ao seu<br />

lado, a observar o seu rosto, <strong>de</strong> minuto<br />

a minuto, tentando testemunhar as<br />

suas próprias alterações intelectuais.<br />

Po<strong>de</strong>remos, levando o absurdo até ao<br />

fim, pensar em alguém que abandonasse<br />

por completo a vida e as suas<br />

experiências, e que canalizasse toda<br />

a sua energia para a observação do<br />

processo no qual ela se torna uma<br />

pessoa mais inteligente. Ou, então,<br />

alguém que acompanha a leitura <strong>de</strong><br />

um livro <strong>de</strong>nso dirigindo-se, <strong>de</strong> hora<br />

a hora, ao espelho para confirmar a<br />

boa evolução da sua inteligência”.<br />

Uma caverna intemporal<br />

Os textos <strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares configuram<br />

uma espécie <strong>de</strong> terreno-padrão<br />

que permite o cruzamento, e<br />

não a justaposição, dos universos <strong>de</strong><br />

Marco Martins e <strong>de</strong> Clara An<strong>de</strong>rmatt.<br />

Ele a criar paisagens on<strong>de</strong> a errância<br />

parece ser um estado mental, ela a<br />

buscar na ligação ao chão uma forma<br />

<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o lugar do indivíduo. Um<br />

e outro apostados em criar um território<br />

partilhável, que sugira em vez<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar e que pergunte não<br />

apenas que futuro há mas como é que<br />

chegámos aqui.<br />

Neste território, é difícil dizer on<strong>de</strong><br />

acaba a dança e começa o teatro. Marco<br />

e Clara “evitaram o retalho”. Preocupou-os<br />

encontrar um olhar conjunto<br />

que não fosse menos do que o<br />

olhar individual, “mas o modo como<br />

as coisas foram apareceram não foi<br />

premeditada”, explica Marco. “Foi<br />

instintiva”, acrescenta Clara. “Improvisámos<br />

imenso”, continua a coreógrafa,<br />

“e as coisas foram encontrando<br />

o seu lugar”.<br />

“Durações <strong>de</strong> Um Minuto” é um<br />

percurso no tempo <strong>de</strong> vários corpos<br />

<strong>de</strong>slocados que se encontram, por<br />

acaso ou premeditação, no mesmo<br />

espaço, ao mesmo tempo, durante<br />

um período in<strong>de</strong>terminado. Os dois<br />

criadores escolheram um elenco <strong>de</strong><br />

“intérpretes-criativos” que pu<strong>de</strong>ssem<br />

“respon<strong>de</strong>r, até, a dúvidas” <strong>de</strong>les. Pelo<br />

palco do São Luiz, transformado<br />

numa alegórica caverna intemporal,<br />

passam bailarinos (Sam Louwyck, São<br />

Castro e a dupla Vítor Roriz e Sofia<br />

Dias, aqui para algo completamente<br />

diferente daquilo a que nos habituaram:<br />

um movimento mais interno,<br />

mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do outro), actores<br />

(Ivo Canelas, Romeu Costa, Nuno Lopes<br />

e Carla Maciel) e as figuras etéreas,<br />

observadoras experientes, <strong>de</strong> Luna<br />

An<strong>de</strong>rmatt, mãe <strong>de</strong> Clara e figura<br />

tutelar da dança portuguesa, e Ana<br />

Diaz, que, tendo atravessado <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

parte do século XX, tem um percurso<br />

<strong>de</strong> resistência à guerra.<br />

Cruzam-se aqui também outros<br />

cúmplices, <strong>de</strong> parte a parte. João Lucas,<br />

do lado <strong>de</strong> Clara, responsável por<br />

um <strong>de</strong>senho sonoro que reestrutura<br />

os fragmentos narrativos. Artur Pinheiro,<br />

do lado <strong>de</strong> Marco, a assinar<br />

uma espantosa cenografia que explora<br />

a estrutura interior do palco do São<br />

Luiz, forrando uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> colunas<br />

sonoras que Lucas potencia, e<br />

“que se funcionassem todas provocavam<br />

cá um barulho”, diz uma das<br />

personagens. E há ainda o <strong>de</strong>senho<br />

<strong>de</strong> luz <strong>de</strong> Nuno Meira, insistindo nos<br />

castanhos, como se fossem uma recorrência<br />

(ou uma coincidência) das<br />

peças <strong>de</strong> teatro que partem do universo<br />

<strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares (“Sobreviver”,<br />

encenação <strong>de</strong> Lúcia Sigalho,<br />

São Luiz, 2006; “Jerusalém”, encenação<br />

<strong>de</strong> João Brites, Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Belém, 2008).<br />

Os corpos <strong>de</strong> “Durações <strong>de</strong> Um<br />

Minuto” reagem fisicamente,<br />

como se a <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> energia<br />

fosse o antídoto para a<br />

sobrevivência<br />

Os textos <strong>de</strong> Gonçalo<br />

M. Tavares permitem<br />

o cruzamento dos<br />

universos <strong>de</strong> Marco<br />

Martins e <strong>de</strong> Clara<br />

An<strong>de</strong>rmatt, ele a criar<br />

paisagens on<strong>de</strong><br />

a errância parece<br />

ser um estado mental,<br />

ela a buscar na<br />

ligação ao chão uma<br />

forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

o lugar do indivíduo<br />

Dentro da caverna, as personagens<br />

que sobreviveram ao “processo <strong>de</strong><br />

limpeza que se foi fazendo ao longo<br />

do trabalho”. Chamam-se Luna e Ana,<br />

como Luna An<strong>de</strong>rmatt e Ana Diaz, e,<br />

embora cheguem mesmo a usar a sua<br />

própria história, não são criaturas<br />

autobiográficas. Mas ver Luna An<strong>de</strong>rmatt<br />

explicar, autobiograficamente,<br />

como dançou “Pássaro <strong>de</strong> Fogo”, <strong>de</strong><br />

Mikhail Fokin, e dizer que há duas<br />

coisas que ama na vida, “a arte e o<br />

sangue”, e que, por elas, “<strong>de</strong>itava os<br />

‘grands jetés’ [passo do bailado clássico]<br />

para trás e não para a frente”, é<br />

mágico.<br />

Por terminar<br />

Há uma velocida<strong>de</strong> na peça que surge<br />

da urgência do movimento <strong>de</strong><br />

Clara An<strong>de</strong>rmatt, da construção elíptica<br />

das palavras <strong>de</strong> Gonçalo M. Tavares<br />

e do modo como Marco Martins<br />

fixa os corpos, sem espaço e<br />

materialida<strong>de</strong>. São vectores fundamentais<br />

para uma peça que se constrói<br />

a partir <strong>de</strong> dados, <strong>de</strong> datas, <strong>de</strong><br />

factos, <strong>de</strong> acções que caracterizam<br />

as personagens – “que as materializam”,<br />

diz Marco.<br />

Surgem datas como se fossem argumentos<br />

<strong>de</strong>finitivos, e memórias<br />

que servem <strong>de</strong> alerta. Há momentos<br />

nos quais os corpos caem numa letargia,<br />

como se materializassem a<br />

errância, e outros em que reagem<br />

intuitivamente, quase sempre fisicamente,<br />

como se a <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> energia<br />

fosse o antídoto para a sobrevivência.<br />

Há momentos em que o tempo<br />

os controla, como quando uma<br />

voz inicia uma contagem <strong>de</strong>crescente<br />

que parece cavar ainda mais fundo<br />

no interior daquela caverna. “Estão<br />

presos ali, uns aos outros”, <strong>de</strong>screvem<br />

os dois encenadores. E, nesse<br />

reconhecimento, a evidência leva<br />

“supostamente” à or<strong>de</strong>m, figurada<br />

num círculo que os coloca em posições<br />

iguais.<br />

Presos, manietados, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

uns dos outros (e do modo como, individualmente,<br />

vão escolher “sobreviver”),<br />

são personagens que os dois<br />

autores não dão por terminadas. “Todos<br />

os dias <strong>de</strong>scobrimos outras camadas<br />

para algo que achávamos já conhecer”,<br />

admitem.<br />

E é por isso que também os encenadores<br />

estão presos àqueles corpos,<br />

procurando encontrar formas <strong>de</strong> organização<br />

que <strong>de</strong>ixem abertas possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> interpretação. Tal como<br />

o tempo, também eles, quando tiveram<br />

<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r quanto tempo o<br />

tempo tinha, respon<strong>de</strong>ram ao tempo<br />

que o tempo tem tanto tempo quanto<br />

tempo o tempo tem.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos na pág. 45<br />

e segs.<br />

PEDRO CUNHA


www.casino-lisboa.pt<br />

David Fray<br />

Um rapaz-prodígio<br />

na Gulbenkian.<br />

Pág. 39<br />

Denis Johnson<br />

Todos os fantasmas<br />

da América num livro.<br />

Pág. 46<br />

Leonard Cohen<br />

Ao vivo num disco,<br />

para memória futura.<br />

Pág. 40<br />

“A Re<strong>de</strong> Social”<br />

Tudo (ou nada) sobre<br />

o Facebook.<br />

Pág. 50<br />

Vampire Weekend<br />

Uma jukebox infalível ao vivo em <strong>Lisboa</strong> e no Porto, na semana <strong>de</strong> todos os concertos. Pág. 36<br />

2010<br />

todas as segundas-feiras às 22h30<br />

Entrada Livre<br />

Dub Inc<br />

8 <strong>de</strong> Novembro<br />

Visite a página Casino<br />

Red Carpet no Facebook<br />

e aceda a passatempos<br />

exclusivos, bilhetes para<br />

espectáculos e muitos<br />

outros prémios.<br />

Programa sujeito a alterações<br />

Informações:<br />

info@arenalounge.ws | T: 91 635 08 38


Concertos<br />

AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

LANÇAMENTO DO LIVRO <strong>de</strong> Joaquim Paulo<br />

FUNK & SOUL COVERS<br />

09.11. 18H30 FNAC CHIADO<br />

Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt<br />

36 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Pop<br />

A jukebox<br />

infalível<br />

dos Vampire<br />

Weekend<br />

Depois dos festivais, a banda<br />

britânica chega fi nalmente a<br />

Portugal em nome próprio.<br />

Mário Lopes<br />

Vampire Weekend<br />

<strong>Lisboa</strong>. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />

Pequeno. 4ª, 10, às 21h. Tel.: 217820575. 24€ a 35€.<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. 5ª, 11, às 21h.<br />

Tel.: 223394947. 25€ a 35€<br />

Chegados a este ponto, a conversa<br />

que agitou a imprensa “cámone”<br />

entre a estreia homónima e “Contra”,<br />

o segundo álbum dos Vampire<br />

Weekend, é tema profundamente<br />

<strong>de</strong>sinteressante. Relembre-se: os<br />

Vampire Weekend foram acusados <strong>de</strong><br />

serem “betinhos” <strong>de</strong> famílias<br />

privilegiadas que nunca po<strong>de</strong>riam ter<br />

impolutas cre<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência punk – terá Joe<br />

Strummer, o filho <strong>de</strong> diplomata que<br />

fundou os Clash, ouvido do mesmo?<br />

Foram acusados, <strong>de</strong>pois disso, <strong>de</strong> não<br />

passarem <strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntais a pilhar<br />

<strong>de</strong>scaradamente música africana <strong>de</strong><br />

olhos postos no pérfido lucro que os<br />

“pobres” africanos pilhados nunca<br />

conseguiram obter – algo a que os<br />

“pobres” africanos que os Vampire<br />

Weekend conheceram ao longo dos<br />

anos foram respon<strong>de</strong>ndo com o<br />

elogio à música híbrida da<br />

“ladroagem”.<br />

Abordar tal temática, hoje ou<br />

ontem, é profundamente<br />

<strong>de</strong>sinteressante e diz-nos mais sobre<br />

os preconceitos do lado acusador do<br />

que sobre a música dos Vampire<br />

Weekend. E essa, como não<br />

conseguimos comprovar no Optimus<br />

Alive <strong>de</strong> 2008, quando a tenda on<strong>de</strong><br />

tocaram sobrelotou, e como<br />

comprovámos no Super Bock Super<br />

Rock no Meco em Julho último, não<br />

está para per<strong>de</strong>r tempo com<br />

“mesquinhices”.<br />

Os Vampire Weekend encontraram<br />

um ponto <strong>de</strong> equilíbrio que irradia<br />

alegria, euforia e celebração à sua<br />

volta. Mestres no cruzamento das<br />

histórias da pop, reinventam a roda<br />

com riffs ondulantes que saltitam<br />

entre Áfricas adaptadas <strong>de</strong> Paul<br />

Simon e Talking Heads, em “flirts”<br />

com o ska (apenas o estritamente<br />

recomendável), com a reciclagem <strong>de</strong><br />

Feelies ou Devo coberta <strong>de</strong><br />

orquestrações <strong>de</strong> salão sumptuoso ou<br />

<strong>de</strong> sintetizadores gingões. O<br />

resultado, a que é obrigatório juntar<br />

as letras repletas <strong>de</strong> referências<br />

inesperadas (recuperam orchatas<br />

SOREN SOLKAER STARBIRD<br />

antigas ou imaginam um Soweto no<br />

Upper West Si<strong>de</strong> nova-iorquino), tem<br />

uma luci<strong>de</strong>z musical <strong>de</strong>sarmante e<br />

uma energia cristalina, saltitante,<br />

irresistível.<br />

Há uns meses, no Super Bock<br />

Super Rock, foram uma máquina <strong>de</strong><br />

dança admirável, qual jukebox tão<br />

recheada <strong>de</strong> “hits” que nenhuma<br />

outra opção nos <strong>de</strong>ixava além do<br />

ofertar <strong>de</strong> moedas e mais moedas<br />

imaginárias à ranhura para que a<br />

música não parasse. Depois do<br />

festival e quando o Verão já se foi, os<br />

Vampire Weekend regressam para,<br />

pela primeira vez, tocar em Portugal<br />

como nome exclusivo do cartaz. Três<br />

meses são muito tempo. Bem-vindo<br />

reencontro - quarta-feira, no Campo<br />

Pequeno, no dia seguinte no Coliseu<br />

do Porto. Bem-vinda jukebox, das<br />

melhores com que fomos agraciados<br />

em tempos recentes.<br />

O baixo como<br />

intenção<br />

Os !!! trazem o novo álbum,<br />

“Strange Weather, Isn’t It?”,<br />

a <strong>Lisboa</strong> e Porto. Melhor<br />

nem no ginásio. Pedro Rios s<br />

!!!<br />

10 anos os<br />

<strong>de</strong> ZDB B<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique -<br />

Armazém A. 3ª, 9, às 22h. Tel.: 218820890. 25€.<br />

Porto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira,<br />

108. 4ª, 10, às 21h30. Tel.: 222003595. 25€.<br />

“Jamie, My Intentions Are Bass”. O<br />

recado para Jamie, metido no título<br />

<strong>de</strong> uma canção <strong>de</strong> “Strange Weather, r,<br />

Isn’t It?”, o novo e quarto álbum dos s<br />

!!!, serve para todos os que se<br />

<strong>de</strong>slocarem na terça-feira ao Lux, em m<br />

<strong>Lisboa</strong>, e no dia seguinte ao Teatro Sá á<br />

Não N<br />

vem<br />

com com laç laço,<br />

mas é o<br />

maior prese presente<br />

<strong>de</strong> aniversá<br />

aniversário<br />

da ZDB: meses me<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

ter estado eem<br />

Aveiro, no Festival Curvo,<br />

a apresentar o último<br />

álbum, Scout Niblett<br />

está <strong>de</strong> volta a Portugal,<br />

agora para festejar os<br />

<strong>de</strong>z anos da Zé dos Bois.<br />

É já logo à noite, às 22h, e<br />

além <strong>de</strong>la também há Sun<br />

Araw (ex-Pocahaunted<br />

e Magic Lantern),<br />

da Ban<strong>de</strong>ira, no Porto: as intenções<br />

dos californianos são claras, perigosas<br />

e resumem-se na palavra “groove”.<br />

Para armar a festa, convocam<br />

linhas <strong>de</strong> baixo <strong>de</strong>vedoras do punk<br />

funk como as ESG e os Liquid Liquid<br />

o ensinaram, vozes femininas<br />

sacadas ao compêndio da melhor<br />

pista <strong>de</strong> dança, guitarras a flutuar no<br />

espaço e um vocalista que parece<br />

constantemente “dopado” (ou então<br />

somos nós que precisamos <strong>de</strong><br />

ginásio).<br />

Quando a sua banda punk acabou,<br />

Nic Offer, o vocalista dos !!!, andava<br />

a ouvir Chic, Bohannon, James<br />

Brown (ou seja, a nata do baixo) e<br />

Sonic Youth. Nessa mesma noite, foi<br />

ver um concerto <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong><br />

James Chance and the Contortions,<br />

clássicos do cruzamento do punk<br />

com o jazz e o funk, e pensou:<br />

“Po<strong>de</strong>mos fazer isto muito melhor”.<br />

Dito e feito, nasceram os !!!.<br />

Ao quarto álbum, gravado em<br />

Berlim, Nova Iorque e Sacramento,<br />

os !!!, uns dos poucos sobreviventes<br />

com boa saú<strong>de</strong> da vaga punk funk do<br />

início do milénio, mostram-se<br />

<strong>de</strong>cididamente mais voltados para para<br />

os “clubs”. “Há algo algo<br />

O “groove” dos !!! já nos <strong>de</strong>ixou<br />

KO algumas vezes; agora volta<br />

a <strong>de</strong>ixar-nos KO em <strong>Lisboa</strong><br />

e no Porto<br />

californiano cuja música<br />

o “Los Angeles Times”<br />

<strong>de</strong>screveu como mistura<br />

<strong>de</strong> “visões <strong>de</strong> bestas<br />

quiméricas” com “o duro<br />

batimento cardíaco do sol<br />

<strong>de</strong> Los Angeles”, e, vindo<br />

<strong>de</strong> Chicago, o projecto U.S.<br />

Girls, <strong>de</strong> Megan Remy.<br />

De África ao Upper West Si<strong>de</strong><br />

nova-iorquino, os Vampire<br />

Weekend reinventam a história<br />

(e as histórias) da pop<br />

a acontecer lá que não acontece em<br />

Nova Iorque e que é totalmente<br />

excitante”, disse Offer à “Fact”.<br />

“Não é como se a banda estivesse<br />

sempre metida nos ‘clubs’, mas<br />

houve membros que apostaram<br />

nisso. E foi incrível. Tentámos<br />

absorver isso. É algo que espero que<br />

venha a acontecer aqui [nos EUA].<br />

(…) Se tentássemos começar a tentar<br />

apanhar o que lá se passa seria uma<br />

revolução musical… Este é a nossa<br />

tentativa <strong>de</strong> a começar”.<br />

Entregues a essa<br />

coisa do rock’n’roll<br />

Black Rebel Motorcycle Club<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>. 2ª, 8, às<br />

21h. Tel.: 217967624. 26€ a 33€.<br />

Porto. Hard Club. Praça do Infante, 95 - Mercado<br />

Ferreira Borges. 3ª, 9, às 21h. 26€.<br />

A pergunta fundadora já não tem o<br />

impacto <strong>de</strong> há uma década, mas<br />

mantém-se, inabalável, como “o”<br />

manifesto dos Black Rebel Motorcycle<br />

Club. “Whatever happened to my


ock’n’roll?”, gritavam zangados e<br />

acusadores, ro<strong>de</strong>ados que estavam<br />

nesse distante 2000 por coisas<br />

inenarráveis – Papa Roachs e<br />

Drowning Pools e Disturbeds e Limp<br />

Bizkits – há muito atiradas para o<br />

rodapé dos rodapés da história.<br />

Depois, todos sabem o que<br />

aconteceu. Apareceram os Strokes e<br />

explodiram os White Stripes, os<br />

Mooney Suzuki adaptaram a “rave<br />

up” dos Yardbirds a uma nova era e<br />

os Black Rebel Motorcycle Club, em<br />

volume altíssimo, com a guitarra a<br />

<strong>de</strong>sdobrar-se numa massa sonora<br />

feita <strong>de</strong> ácido blues e reverberação<br />

constante, com o baixo a provocar<br />

danos consi<strong>de</strong>ráveis ao esqueleto (só<br />

lhe faz bem ser chocalhado daquela<br />

maneira), atacaram-nos com<br />

estrondo, aglomerando a escola Brian<br />

Jonestown Massacre, o balanço Jesus<br />

& Mary Chain e a iconografia marginal<br />

do rock’n’roll (o bom cabedal dos<br />

Velvet a <strong>de</strong>stacar-se) num power-trio<br />

voraz, todo ele urgência e abandono a<br />

essa coisa do rock’n’roll que eles não<br />

sabiam on<strong>de</strong> raio se tinha metido.<br />

Consi<strong>de</strong>rando que o homónimo<br />

álbum <strong>de</strong> estreia, editado em 2001,<br />

não mais seria superado pela banda<br />

<strong>de</strong> São Francisco, lógico seria falar em<br />

seguida <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cadência<br />

prolongada, <strong>de</strong> como é impossível<br />

voltar ao lugar on<strong>de</strong> se foi feliz, etc,<br />

etc. Mas os Black Rebel Motorcycle<br />

Club, que mantêm a rota<br />

Broken Social Scene: muitos<br />

em palco para a <strong>gran<strong>de</strong></strong> festa<br />

Dez anos <strong>de</strong>pois, os Black Rebel<br />

Motorcycle Club ainda não<br />

per<strong>de</strong>ram a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos<br />

transportar para o “wild si<strong>de</strong>”<br />

do rock’n’roll<br />

praticamente inalterada,<br />

exceptuando a viragem acústica <strong>de</strong><br />

“Howl” – folk rock e blues tratados<br />

com o tom bombástico <strong>de</strong> um John<br />

Bonham -, nunca entraram realmente<br />

em <strong>de</strong>cadência. Foi-se o<br />

“momentum” e, contra isso, nada<br />

po<strong>de</strong>m. Contudo, ao vê-los em<br />

concerto no DVD que acompanha<br />

“Live”, editado no ano passado,<br />

sente-se que ainda pen<strong>de</strong> sobre eles<br />

uma salvadora con<strong>de</strong>nação: o tal grito<br />

fundador continua a ser aquilo que os<br />

mantém <strong>de</strong> pé, escondidos sob luz<br />

negra, procurando hipnose colectiva<br />

sobre uma torrente <strong>de</strong> flashes.<br />

Há um álbum editado este ano,<br />

“Beat The Devil’s Tattoo”, e também<br />

uma nova baterista, Leah Shapiro,<br />

no lugar do fundador Nick Jago (o<br />

homem da drogaria, que saiu por<br />

não controlar a drogaria), mas isso<br />

dos álbuns é, neste contexto,<br />

pormenor secundário. Interessa a<br />

experiência do concerto, a<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a banda nos<br />

transportar para um qualquer “wild<br />

si<strong>de</strong>” que ainda faça sentido em<br />

2010, <strong>de</strong>z anos passados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

os ouvimos pela primeira vez.<br />

Depois <strong>de</strong>, em 2002, terem<br />

actuado no festival Sudoeste, os<br />

Black Rebel Motorcycle Club<br />

regressam a Portugal. Segunda-feira,<br />

sentados na Aula Magna, vamos vê-<br />

los em <strong>Lisboa</strong>. Em pé, no<br />

regressado, regressado, renovado renov e<br />

“relocalizado” Ha Hard Club, lá os<br />

receberemos receberem terça no<br />

Porto. M.L.<br />

A festa<br />

indie in<br />

São tudo menos uma banda “indie”<br />

normal, a começar na geometria<br />

variável da sua formação e a acabar<br />

na regularida<strong>de</strong> com que lançam<br />

novos discos. Demoraram cinco<br />

anos a lançar um novo álbum <strong>de</strong><br />

originais, mas a espera valeu a pena:<br />

“Forgiveness Rock Record”, o disco<br />

dos canadianos Broken Social Scene<br />

<strong>de</strong>ste ano, é uma feliz colecção <strong>de</strong><br />

canções, com um corrupio <strong>de</strong><br />

vocalistas, guitarras na melhor<br />

tradição indie, euforia movida a<br />

trompetes, pop sem mácula (“All to<br />

all”) e momentos que cabiam no<br />

cancioneiro Pavement (“Water in<br />

hell”).<br />

Ao vivo, como comparávamos em<br />

Maio, em Barcelona, no festival<br />

Primavera Sound, e po<strong>de</strong>remos<br />

repetir na Aula Magna e na Casa da<br />

Música, as mil e uma possibilida<strong>de</strong>s<br />

da música dos Broken Social Scene<br />

são matéria para uma festa que<br />

lembra, no método, os compatriotas<br />

Arca<strong>de</strong> Fire, mas sem a tendência<br />

para fazer canções maiores do que a<br />

vida. É nessa discrição, aliás, que<br />

resi<strong>de</strong> a beleza das suas canções.<br />

Explicou Andrew Whiteman, um<br />

<strong>de</strong>les, ao Ípsilon: “Somos como [o<br />

pintor] Jackson Pollock: atiramos<br />

tudo o que temos e <strong>de</strong>pois<br />

organizamos, <strong>de</strong> maneira que faça<br />

sentido. Pelo menos para nós”. Não<br />

só para eles, dizemos nós: há uma<br />

imensa minoria à espera <strong>de</strong>les em<br />

Portugal. P.R.<br />

Clássica<br />

Jordi Savall<br />

e a ciência<br />

da música<br />

Jordi Savall leva à Casa da<br />

Música e à Gulbenkian o<br />

programa “Istambul”, que<br />

associa a música do Império<br />

Otomano do século XVII<br />

ao repertório tradicional<br />

sefardita e arménio. Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s<br />

Hespèrion XXI<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Jordi Savall.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque. Amanhã, às 18h. Tel.: 220120220.<br />

20€.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Dom., 7,<br />

às 19h. Tel.: 217823700. 20€ a 45€.<br />

Broken Br Social<br />

Sc Scene<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lisbo Aula Magna. Alam.<br />

Universida<strong>de</strong>. Univ Dom., 7, às 21h.<br />

Tel.: 2217967624.<br />

23€ a 30€.<br />

Istambul 1710.<br />

O diálogo entre culturas diferentes e<br />

a combinação das tradições musicais<br />

populares e eruditas são<br />

componentes essenciais do percurso<br />

Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç.<br />

Mouzinho Mouzi <strong>de</strong> Albuquerque. 2ª, 8,<br />

artístico <strong>de</strong> Jordi Savall, que se têm<br />

multiplicado em diversos projectos<br />

às 22h.<br />

Tel.: 220120220. 23€. discográficos nos últimos anos.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 37


Concertos<br />

Agenda<br />

Sexta 5<br />

Throbbing Gristle + Ulver +<br />

Burnt Friedman e Jaki Liebezeit<br />

+ Bloom Performers<br />

I-Performers<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 23h. Tel.: 220120220. 7,5€ a 18€.<br />

Clubbing.<br />

Ver texto na pág. 18 e segs.<br />

Scout Niblett<br />

+ Sun Araw + U.S. Girls<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59, às<br />

22h. Tel.: 213430205. 10€.<br />

Elysian Fields<br />

Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes. Jardim dos<br />

Centenários, às 22h30. Tel.: 258520520. 5€.<br />

Chicks On Speed<br />

<strong>Lisboa</strong>. Clube Ferroviário. R. <strong>de</strong> Santa Apolónia,<br />

59, às 0h. Tel.: 218153196.<br />

Wim Mertens<br />

Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. R. Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.:<br />

233407200. 5€ a 20€.<br />

Rita Redshoes & Convidados<br />

+ Anna Ihlis<br />

Rita Redshoes<br />

Porto. Hard Club. Pç. do Infante, 95, às 21h30. 15€.<br />

Rodrigo Leão & Cinema<br />

Ensemble<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,<br />

96, às 21h30. Tel.: 213240580. 15€ a 40€.<br />

Marc Berhens + Paulo Raposo<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210, às 22h. Tel.: 226156500. 5€.<br />

Tributo a J. G. Ballard.<br />

Pinto Ferreira<br />

Beja. Galeria do Desassossego. R. Casa Pia, 26/28,<br />

às 22h. Tel.: 966278887.<br />

Tiago Bettencourt<br />

& Mantha<br />

Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e<br />

Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h.<br />

Tel.: 253547028.<br />

Foge Foge Bandido<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Pç. da Republica, 39, às 21h30. Tel.:<br />

245307498. 12€.<br />

El Fad (José Peixoto)<br />

Loulé. Cine-Teatro Louletano. Av. José da Costa<br />

Mealha, às 20h. Tel.: 289414604.<br />

Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />

Seixal. Fábrica Mun<strong>de</strong>t - Espaço Cultural. Lg. 1º <strong>de</strong><br />

Maio, às 23h e 0h. Tel.: 212226413. Entrada<br />

gratuita.<br />

André Fernan<strong>de</strong>s + Bernardo<br />

Sassetti<br />

Porto. Passos Manuel. R. Passos Manuel, 137, às<br />

22h. Tel.: 222058351.<br />

38 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Maggie Cole e Orquestra<br />

Sinfónica do Porto Casa da<br />

Música<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Yves Abel.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho o<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.<br />

Marina Pacheco e Orquestra<br />

Clássica <strong>de</strong> Espinho<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Pedro Neves.<br />

Espinho. Auditório. R. 34, 884, às 21h30. Tel.:<br />

227340469. 7€.<br />

Lisbon Film Orchestra<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30. 0.<br />

Tel.: 217967624. 20€ a 30€.<br />

Nabucco<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> José Ferreira<br />

Lobo. Encenação <strong>de</strong> Giulio Ciabatti.<br />

Com Andrij Shkurhan (barítono),<br />

José Manuel Araújo (tenor), Fernanda<br />

Costa (soprano) e Orquestra do<br />

Norte, entre outros.<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />

223394947. 10€ a 35€.<br />

Sábado 6<br />

Os These New<br />

Puritans no<br />

Musicbox,<br />

em <strong>Lisboa</strong><br />

Wim Mertens<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Pç. Império, às 21h. Tel.: 213612400. 15€ a 38€.<br />

Scout Niblett<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Café-<br />

Concerto. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.:<br />

253424700. 4€.<br />

Elysian Fields<br />

Figueira da Foz. Centro <strong>de</strong> Artes e Espectáculos. R.<br />

Aba<strong>de</strong> Pedro, às 21h30. Tel.: 233407200. 5€ a 10€.<br />

Lena D’Água + Dapunksportif<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h15.<br />

Tel.: 213574362. Entrada gratuita.<br />

Pop Up <strong>Lisboa</strong> 2010.<br />

Camané<br />

Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real - Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Alam. Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 15€.<br />

Rita Redshoes<br />

Castro Ver<strong>de</strong>. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Castro<br />

Ver<strong>de</strong>. R. Alexandre Herculano, às 21h30. Tel.:<br />

286328193. 5€.<br />

Nuno Prata<br />

Aveiro. Mercado Negro. R. João Mendonça, 17, às<br />

22h30. Tel.: 234100052.<br />

Pinto Ferreira<br />

Faro. Os Artistas. R. Montepio, 10, às 22h. Tel.:<br />

289822988.<br />

The Atrocity Exhibition #1<br />

Porto. Auditório <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210, às 22h. Tel.: 226156500. 5€.<br />

Tributo a J. G. Ballard.<br />

Debashish Bhattacharya<br />

Sines. Centro <strong>de</strong> Artes <strong>de</strong> Sines. R. Cândido dos Reis,<br />

às 22h. Tel.: 269860080. 5€.<br />

Síntese - Grupo <strong>de</strong> Música<br />

Contemporânea<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda - Pequeno<br />

Auditório. R. Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.:<br />

271205241. 5€.<br />

Os Drums <strong>de</strong> volta:<br />

quinta-feira, no Lux<br />

Elysian Fields: Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez,<br />

Figueira da Foz e Espinho<br />

Síntese<br />

- Ciclo <strong>de</strong> Música<br />

Contemporânea â dda Guarda. d<br />

Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />

Seixal. Fábrica Mun<strong>de</strong>t - Espaço Cultural. Lg. 1º <strong>de</strong><br />

Maio, às 23h e 0h. Tel.: 212226413. Entrada gratuita.<br />

Lisbon Film Orchestra<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />

Tel.: 217967624. 20€ a 30€.<br />

Nabucco<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> José Ferreira<br />

Lobo. Encenação <strong>de</strong> Giulio Ciabatti.<br />

Com Andrij Shkurhan (barítono),<br />

José Manuel Araújo (tenor), Fernanda<br />

Costa (soprano) e Orquestra do<br />

Norte, entre outros.<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />

223394947. 10€ a 35€.<br />

António Rosado<br />

Cascais. Centro Cultural <strong>de</strong> Cascais. Av. Rei<br />

Humberto II <strong>de</strong> Itália, às 21h. Tel.: 214848900.<br />

Entrada gratuita.<br />

Ciclo Chopin e Pa<strong>de</strong>rewski.<br />

Domingo 7<br />

Debashish Bhattacharya<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque. Dom. às 22h. Tel.: 220120220. 15€.<br />

Rui Veloso & Os Optimistas<br />

Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137. Dom. às 21h30.<br />

Tel.: 223394947. 18€ a 50€.<br />

Pavlov’s Dog<br />

<strong>Lisboa</strong>. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />

Santiago, 19, às 22h. Tel.: 218884503. 25€.<br />

Elysian Fields<br />

Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. R. 34, 884, às 21h30.<br />

Tel.: 227340469. 14€.<br />

Orquestra Sinfónica do Porto<br />

Casa da Música<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Yves Abel.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque. Dom. às 12h. Tel.: 220120220. 5€.<br />

Festival À Volta do Barroco. Obras <strong>de</strong><br />

Ravel.<br />

Drumming - Grupo <strong>de</strong> Percussão<br />

+ Pedrinhas <strong>de</strong> Arronches<br />

Aveiro. Teatro Aveirense - Sala Principal. Pç.<br />

República, às 18h. Tel.: 234400922. 5€.<br />

Festivais <strong>de</strong> Outono - Aveiro’10.<br />

Orquestra Sinfónica da Escola<br />

Superior <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Vasco Pearce <strong>de</strong><br />

Azevedo.<br />

Almada. Alm Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala<br />

Principal. Pr Av. Prof. Egas Moniz,<br />

às 16h. Tel.: 212739360. 12€.<br />

Obras O <strong>de</strong> Schubert e<br />

Mozart.<br />

Terça 9<br />

Dave Douglas &<br />

Keystone<br />

Porto. P Casa da Música - Sala<br />

Su Suggia. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Alb Albuquerque, às 22h. Tel.:<br />

2201 220120220. 25€.<br />

Ciclo Cicl Jazz Galp.<br />

Solistas Solis da Orquestra Barroca<br />

Casa da Música<br />

Porto. Casa C da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, Albuque às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />

À Volta<br />

do Barroco. Música <strong>de</strong><br />

câmara - obras <strong>de</strong> J. S. Bach e C. P.<br />

E. Bach. Bach<br />

Rumours Rumou of Fleetwood Mac<br />

Porto. Colis Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:<br />

223394947.<br />

223394947. 20€ a 35€.<br />

Quarta Quar 10<br />

Carlos ddo<br />

Carmo & Count Basie<br />

Orchestra<br />

<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico. Pq. das Nações, às 21h30.<br />

Tel.: 218918409. 10€ a 60€.<br />

Carlos do Carmo canta Frank Sinatra.<br />

The Original Glenn Miller<br />

Orchestra<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às 21h30.<br />

Tel.: 213572025. 36€ a 50€.<br />

Orquestra Barroca da União<br />

Europeia<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Christina Pluhar.<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Festival À Volta do Barroco.<br />

Rumours of Fleetwood Mac<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h15.<br />

Tel.: 217967624. 29€ a 40€.<br />

Casa <strong>de</strong> Villa<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às<br />

21h. Tel.: 213612400. 15€.<br />

Quinta 11<br />

M.F. Production’s Celebration of<br />

Lionel Hampton<br />

Com Jason Marsalis (vibrafone),<br />

Roberta Gambarini (voz), Jacey Falk<br />

(voz), An<strong>de</strong>rs Bergcrantz (trompete),<br />

Ronald Baker (trompete), Claus<br />

Reichstaller (trompete), Jesse Davis<br />

(saxofone), Red Holloway (saxofone),<br />

Lothar van Staa (saxofone), Markus<br />

Bartelt (saxofone), Curtis Fuller<br />

(trombone), Sharp Radway (piano),<br />

Martin Gjakonovski (contrabaixo),<br />

Bill W. Ketzer (bateria).<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701, às 22h. Tel.:<br />

253424700. 20€ (dia) a 90€ (passe).<br />

Guimarães Jazz 2010.<br />

The Drums + Seth Troxler<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, às 22h.<br />

Tel.: 218820890. 22€.<br />

These New Puritans<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às<br />

23h30. Tel.: 213430107. 6€.<br />

Michael Barenboim e Orquestra<br />

Gulbenkian<br />

Direcção Musical <strong>de</strong> Lawrence Foster.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 21h. Tel.:<br />

217823700. 10€ a 20€.<br />

Obras <strong>de</strong> Strauss, Schönberg e<br />

Beethoven.<br />

Camané<br />

Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong><br />

Gil Vicente. Pç. República, epública, às<br />

21h30. Tel.: 239855636. 55636. 15€ a<br />

17,5€.<br />

Dead Combo bo<br />

Coimbra. Oficina<br />

<strong>Municipal</strong> do<br />

Teatro. R. Pedro<br />

Nunes, às 21h30.<br />

Tel.: 239714013.<br />

12€.<br />

Dave Douglas na Casa da Música<br />

Entre os mais recentes conta-se o<br />

CD “Istambul”, cujo programa<br />

po<strong>de</strong>rá ser ouvido ao vivo amanhã<br />

no Porto, no âmbito do Festival À<br />

Volta do Barroco promovido pela<br />

Casa da Música, e no dia seguinte,<br />

domingo, em <strong>Lisboa</strong>, na Fundação<br />

Gulbenkian.<br />

Com o seu agrupamento<br />

Hespérion XXI e músicos convidados<br />

oriundos da Turquia, da Arménia,<br />

da Grécia e <strong>de</strong> Marrocos, Savall<br />

propõe um interessante cruzamento<br />

entre a música praticada no Império<br />

Otomano do século XVII com a<br />

música tradicional sefardita (dos<br />

ju<strong>de</strong>us oriundos <strong>de</strong> Espanha e<br />

Portugal) e arménia, populações<br />

representadas entre os músicos da<br />

corte <strong>de</strong> Istambul. O projecto tem<br />

como ponto <strong>de</strong> partida o “Livro da<br />

Ciência da Música”, antologia<br />

reunida por Dimitrie Cantemir (1673-<br />

1723), príncipe da Moldávia, que<br />

chegou a Istambul em 1693. Nesta<br />

cida<strong>de</strong> viveu cerca <strong>de</strong> duas décadas,<br />

primeiro como penhor da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

do seu pai ao sultão, <strong>de</strong>pois como<br />

representante diplomático do pai e<br />

do irmão enquanto governadores da<br />

Moldávia. Cantemir era um<br />

apaixonado pela história, pelo<br />

estudo das religiões, pela filosofia,<br />

pelas artes e pela música e conta-se<br />

que era um excelente intérprete <strong>de</strong><br />

tanbur, instrumento <strong>de</strong> cordas<br />

<strong>de</strong>dilhadas da família do alaú<strong>de</strong>. No<br />

“Livro da Ciência da Música” reuniu<br />

355 composições (nove das quais<br />

compostas por ele próprio),<br />

formando assim a mais importante<br />

colecção conhecida <strong>de</strong> música<br />

instrumental otomana dos séculos<br />

XVI e XVII. As peças seleccionadas<br />

para o concerto serão intercaladas<br />

por improvisações, contribuindo<br />

para um mosaico multicolor <strong>de</strong><br />

melodias, modos, ritmos e<br />

sonorida<strong>de</strong>s exóticas.


Jordi Savall recria<br />

ao vivo aquilo que<br />

a corte otomomana ouvia<br />

no século XVII<br />

A energia<br />

contagiante <strong>de</strong> David<br />

Fray<br />

David Fray<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 2ª, 8, às<br />

19h. Tel.: 217823700. 12,5€ a 30€.<br />

Obras <strong>de</strong> Mozart e Beethoven.<br />

Consi<strong>de</strong>rado Revelação do Ano 2008<br />

pela “BBC Music Magazine” e<br />

vencedor, na categoria <strong>de</strong> solista, do<br />

prémio Victoires <strong>de</strong> la Musique <strong>de</strong><br />

2010, o jovem pianista francês David<br />

Fray é uma das últimas sensações do<br />

panorama musical internacional<br />

<strong>de</strong>vido à sua peculiar sensibilida<strong>de</strong><br />

musical e ao seu forte po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

comunicação. No próximo dia 8, às<br />

19h, faz a sua estreia em Portugal<br />

com um recital na Gulbenkian<br />

preenchido com a Fantasia K. 475 e<br />

Sonata K. 311, <strong>de</strong> Mozart, e as<br />

Sonatas op. 28 (“Pastoral”) e op. 53<br />

(“Waldstein”), <strong>de</strong> Beethoven.<br />

Nascido em 1981, em Tarbes,<br />

David Fray começou a estudar piano<br />

aos quatro anos e formou-se no<br />

Conservatório <strong>de</strong> Paris na<br />

classe <strong>de</strong> Jacques<br />

Rouvier. O pai é<br />

professor <strong>de</strong><br />

filosofia e a mãe<br />

professora <strong>de</strong><br />

alemão, o que<br />

terá contribuído para a sua paixão<br />

pela cultura germânica, bem patente<br />

num repertório centrado em Bach,<br />

Mozart, Schubert, Haydn, Brahms e<br />

Schumann. A sua notorieda<strong>de</strong><br />

começou em 2006, quando<br />

substituiu à última hora Hélène<br />

Grimaud num recital no Teatro do<br />

Châtelet e fez sensação. Foi na<br />

sequência <strong>de</strong>ssa apresentação que<br />

assinou um contrato <strong>de</strong><br />

exclusivida<strong>de</strong> com a Virgin Classics,<br />

on<strong>de</strong> começou por gravar um CD<br />

<strong>de</strong>dicado a Bach e a Boulez (2007).<br />

Seguiram-se os Concertos para<br />

Teclado <strong>de</strong> Bach (2008) e os<br />

“Impromptus e Momentos<br />

Musicais”, <strong>de</strong> Schubert (2009).<br />

A uma abordagem interpretativa<br />

<strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong> clareza, elegante e<br />

poética, David Fray une um forte<br />

carisma ao entusiasmo que se po<strong>de</strong><br />

observar nas sessões <strong>de</strong> gravação<br />

dos Concertos <strong>de</strong> Bach com a<br />

Deutsche Kammerphilharmonie<br />

Bremen filmadas em 2008 por<br />

Bruno Monsaingeon (o realizador<br />

que nos legou filmes memoráveis<br />

sobre Glenn Gould G ou Sviatoslav<br />

Richter) num<br />

documentário<br />

realizado re r alizad para o canal ARTE e<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> d po editado em DVD com<br />

o tí título “Swing, Sing &<br />

Think”. Th É o retrato <strong>de</strong> um<br />

músico m aparentemente<br />

intuitivo, in mas que<br />

também ta t reflecte sobre<br />

as a obras e sabe explicar<br />

<strong>de</strong>talhadamente d<br />

o que<br />

preten<strong>de</strong>. pr O seu Bach<br />

caracteriza-se ca<br />

pela<br />

transparência tra<br />

polifónica,<br />

pela vitalida<strong>de</strong> vitalidad e por uma energia<br />

rítmica contagiante. conta Veremos que<br />

surpresas nos no reserva em Mozart e<br />

Beethoven qquando<br />

pisar o palco da<br />

Gulbenkian na n segunda-feira. C.F.<br />

Bach tem “swing”, <strong>de</strong>monstrará David Fray segunda-feira na Gulbenkian<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

QUA 10 NOV<br />

19:30 SALA SUGGIA | € 10<br />

ORQUESTRA BARROCA<br />

DA UNIÃO EUROPEIA<br />

Christina Pluhar direcção musical<br />

Tuomo Suni concertino<br />

Hannah Morrison soprano<br />

Luciana Mancini meio-soprano<br />

Vincenzo Capezzuto contraltino e bailarino<br />

Reinoud van Mechelen tenor<br />

Yannis François barítono e bailarino<br />

Excertos <strong>de</strong> óperas <strong>de</strong> G.B. Buonamente,<br />

C. Wylche, T. Merula, E. Gragnaniello,<br />

F. Cavalli, L. Rossi, G. Legrenzi,<br />

A. Caldara, A. Sartorio, L. Pozzi,<br />

P.A. Giramo, G.A. Bontempi e C. Caresana<br />

Histórias <strong>de</strong> Deuses, heróis e simples mortais<br />

contadas através da música <strong>de</strong> Caldara, Cavalli,<br />

Rossi, Bontempi, Lully e outros mestres do<br />

Barroco, num programa dirigido por Christina<br />

Pluhar (maestrina do agrupamento L’Arpeggiata).<br />

A Orquestra Barroca da União Europeia acompanha<br />

cantores e bailarinos nestas óperas semi-encenadas,<br />

on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svendam cenas <strong>de</strong> Ercole Amante escritas<br />

para o casamento <strong>de</strong> Louis XIV.<br />

JANTAR + CONCERTO € 25<br />

ORQUESTRA<br />

BARROCA<br />

DA UNIÃO<br />

EUROPEIA<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />

PARA ESTE EVENTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 39


Discos<br />

40 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Pop<br />

Hallelujah!<br />

Cohen ao vivo e em estado<br />

<strong>de</strong> graça. Luís Maio<br />

Leonard Cohen<br />

Songs From The Road<br />

Columbia, distri. Sony Music<br />

mmmmn<br />

Que um artista <strong>de</strong><br />

70 e tal anos<br />

engate numa<br />

tournée mundial<br />

<strong>de</strong> 195<br />

espectáculos na<br />

Europa, EUA e<br />

Oceânia, sempre ou quase com salas<br />

cheias e um coro <strong>de</strong> aplausos, já é<br />

obra. Que para mais venha daí a tirar<br />

material para um álbum ao vivo que<br />

faz plena justiça e empresta até novo<br />

fôlego ao seu fundo <strong>de</strong> catálogo, isso<br />

então é extraordinário. Claro que<br />

não se esperam, nem se encontram,<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>s reviravoltas nesta dúzia <strong>de</strong><br />

versões, o que é tanto mais natural<br />

quando a maior parte dos registos<br />

originais <strong>de</strong> estúdio <strong>de</strong> Cohen são<br />

em si mesmo imbatíveis. De resto, já<br />

gravou antes uma série <strong>de</strong> outros<br />

álbuns ao vivo, a que haverá <strong>de</strong><br />

acrescentar crescentar mais uma colecção <strong>de</strong><br />

discos scos <strong>de</strong> versões e tributos<br />

rubricados ubricados por outras vozes.<br />

A compensação para essa carência<br />

<strong>de</strong> e surpresas, o que “Songs From<br />

The he Road” tem <strong>de</strong> excepcional, é ao<br />

mesmo esmo tempo fácil <strong>de</strong> dizer e difícil<br />

<strong>de</strong> e explicar. Digamos que é uma<br />

conjugação onjugação <strong>de</strong> rigor, enlevo místico<br />

e comunhão realmente só possíveis<br />

<strong>de</strong> e consubstanciar em espectáculo.<br />

Sobre o rigor: numa selecção<br />

que ue toca quatro décadas <strong>de</strong><br />

canções anções não há <strong>de</strong>slizes <strong>de</strong><br />

tom m ou <strong>de</strong> estilo, nada que se<br />

aproxime proxime das adulterações que<br />

antes ntes se verificaram noutros discos<br />

ao o vivo. Aqui e ali há solos <strong>de</strong> cordas<br />

mediterrânicas, editerrânicas, sopros jazzísticos,<br />

órgão rgão hammond hammond a cortejar o gospel,<br />

teclas clas New Orleans e harmónica<br />

blues, ues, mas funcionam sempre como<br />

variações ariações elegantes, que refrescam<br />

sem em <strong>de</strong>svirtuar os originais.<br />

Mas o essencial não está aí, nos<br />

solos olos ou nos arranjos. Está na<br />

mística ística e na comunhão, no<br />

momento omento <strong>de</strong>cisivo on<strong>de</strong> a<br />

chama hama se acen<strong>de</strong> e<br />

ilumina umina a voz, as<br />

canção anção e a<br />

audiência. udiência.<br />

Essa ssa sempre<br />

foi i a intenção<br />

e foi possível<br />

captá-la aptá-la com<br />

30 0 ou mais<br />

takes kes seguidos<br />

em m estúdio,<br />

outras utras<br />

vezes ezes<br />

nem tanta repetição chegou para lhe<br />

comunicar essa bênção e são várias<br />

canções <strong>de</strong> Cohen que soam melhor<br />

no papel que em disco. Já em “Songs<br />

From The Road” Cohen consegue<br />

sempre ou quase chegar a esse<br />

estado <strong>de</strong> graça e o alinhamento<br />

inclui versões tão boas ou melhores<br />

<strong>de</strong> títulos tão exigentes como<br />

“Avalanche” ou “That don’t make it<br />

junk”, mas todo o resto da selecção<br />

é igualmente brilhante.<br />

A edição faz acompanhar o CD <strong>de</strong><br />

um DVD com o registo das mesmas<br />

canções mais filmagens <strong>de</strong><br />

bastidores e um belíssimo texto<br />

sobre “A Arte da Vagabundagem” da<br />

autoria <strong>de</strong> Leon Wieseltier, editor da<br />

“Nova República”.<br />

E para rematar uma nota <strong>de</strong> roda<br />

pé, num registo estritamente<br />

pessoal. Leonard Cohen ensinou-me<br />

algum inglês, muita poesia e várias<br />

estratégias <strong>de</strong> sedução, que me<br />

guiaram na adolescência. Regressou<br />

como minha banda sonora favorita<br />

nas temporadas <strong>de</strong> folia, copofonia e<br />

alguma libertinagem à entrada da<br />

casa dos 30. Serviu-me <strong>de</strong><br />

conselheiro e sobretudo <strong>de</strong> consolo<br />

na época das dúvidas existenciais e<br />

dos tombos dos 40. Agora nenhum<br />

outro cantor é para mim mais<br />

familiar e me dá tanto prazer ouvir.<br />

Cruzei-o há semanas, na Avenida da<br />

Liberda<strong>de</strong>, e era capaz <strong>de</strong> jurar que<br />

nesse dia ele era o homem mais<br />

elegante <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>.<br />

MARIO ANZUONI/ ANZUONI/ RE REUTERS<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Elogio<br />

da loucura<br />

A<strong>de</strong>us (ou quase) à bela da<br />

lamechice, olá à ambição<br />

<strong>de</strong>smedida. Um glorioso<br />

suicídio? Sufjan Stevens<br />

não parece preocupado.<br />

Respeito. Pedro Rios<br />

Sufjan Stevens<br />

The Age of Adz<br />

Asthmatic Kitty, distri. Popstock<br />

mmmnn<br />

Ah, Sufjan<br />

Stevens, outrora<br />

rei da fofice, do<br />

lamechas tornado<br />

obra <strong>de</strong> primeira<br />

qualida<strong>de</strong> (ouçam<br />

“Illinois”, <strong>de</strong> 2005, o último álbum<br />

<strong>de</strong> pleno direito <strong>de</strong> Sufjan e atrevamse<br />

a dizer o contrário), o que é que<br />

tu andaste a tomar?<br />

A pergunta assalta-nos em vários<br />

momentos <strong>de</strong> “The Age of Adz”.<br />

Como explicar, <strong>de</strong> outra forma,<br />

“Impossible soul”, épico <strong>de</strong> 25<br />

minutos que vai a todas (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a voz<br />

<strong>de</strong> Sufjan transfigurada pelo autotune,<br />

qual Kanye West <strong>de</strong> “808s &<br />

Heartbreak”, a sopros<br />

rocambolescos, dignos <strong>de</strong> Broadway,<br />

à bulha com electrónica avariada)?<br />

Está tudo bem contigo, Sufjan? Por<br />

que é que tu, outrora menino<br />

angélico, cantas “I’m not fucking<br />

around” em “I want to be well”?<br />

Não é a primeira vez que Sufjan<br />

brinca com a electrónica (basta<br />

lembrar “Enjoy Your<br />

Rabbit”) ou foge à<br />

gaveta <strong>de</strong> cantautor.<br />

Mas nunca pareceu tão<br />

excitado com as<br />

possibilida<strong>de</strong>s do estúdio.<br />

Se a ambição está no ponto<br />

certo, as canções dão sinais<br />

contraditórios.<br />

“Now “Now that I’m ol<strong>de</strong>r”, com<br />

vozes operáticas operáticas em<br />

segundo plano, é um quase<br />

insuportável insuportável dramalhão<br />

orquestral orquestral e “Bad<br />

communication” não tem<br />

fio condutor. Por outro<br />

lado, “I walked” e<br />

“Vesuvius” mostramse<br />

ao<br />

elegante <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Heartbreak”, a sopros<br />

A edição faz acompanhar<br />

o CD <strong>de</strong> um DVD com o registo<br />

das mesmas canções mais<br />

fi lmagens <strong>de</strong> bastidores e um<br />

belíssimo texto sobre “A Arte<br />

da Vagabundagem” da autoria<br />

<strong>de</strong> Leon Wieseltier, editor<br />

da “Nova República”<br />

Na sua<br />

loucura e nos<br />

seus excessos,<br />

Sufjan<br />

<strong>de</strong>svia-se<br />

da canção<br />

e isso tem<br />

custos<br />

nível do bom velho Sufjan - as duas<br />

canções encaixam na pop fofinha<br />

clássica do rapaz, apesar do<br />

duvidoso “botox” <strong>de</strong> electrónica que<br />

inteligentemente recusamos ouvir.<br />

Na sua loucura e nos seus excessos<br />

(há <strong>de</strong>masiadas i<strong>de</strong>ias por tema, há<br />

<strong>de</strong>masiados minutos num só disco),<br />

Sufjan <strong>de</strong>svia-se da canção e isso tem<br />

custos. Mas, ao mesmo tempo, é<br />

entusiasmante vê-lo tão à vonta<strong>de</strong><br />

em múltiplos géneros,<br />

completamente nas tintas para o que<br />

a sua legião <strong>de</strong> fãs quer ouvir.<br />

Merece respeito.<br />

Vai a todas<br />

Mais um<br />

claro triunfo do<br />

engenho engenh sobre a substância.<br />

Luís Maio Ma<br />

Plan B<br />

The Defamation Defam Of Strickland Banks<br />

Atlantic, distri. d Universal<br />

mmmnn mmmn<br />

É uma história <strong>de</strong><br />

reviravoltas e <strong>de</strong><br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>s canções<br />

radiofónicas. O<br />

londrino Ben<br />

Drew, agora com<br />

26 anos, estreou-se e há quatro anos<br />

com com um álbum á <strong>de</strong> rap irado, soando<br />

como um uma versão inglesa <strong>de</strong><br />

Eminem.<br />

Já este segundo é um<br />

disco conceptual con sobre as<br />

<strong>de</strong>sventu <strong>de</strong>sventuras do “soul boy”<br />

Stricklan Strickland Banks, que acaba atrás<br />

das gra<strong>de</strong>s gra<strong>de</strong> por um crime que não<br />

comete cometeu. A mudança é da<br />

avalan avalanche discursiva para o<br />

enre enredo ficcionado, mas<br />

sobretudo sob <strong>de</strong> casaca musical,<br />

agora ago tecida segundo os<br />

mol<strong>de</strong>s mo do revivalismo soul<br />

em voga, apenas com alguns<br />

apontamentos apon rap/hip hop a<br />

servir <strong>de</strong> pespontos.<br />

A colagem c à vaga retro soul<br />

lançada lança por Amy Winehouse é<br />

<strong>de</strong>clarada <strong>de</strong>cl e inclusive assumida


nas letras, o rótulo <strong>de</strong> “conceptual”<br />

é sobretudo um artifício <strong>de</strong><br />

marketing, as intenções <strong>de</strong> toda a<br />

campanha são mais do que<br />

suspeitas. “The Defamation Of<br />

Strickland Banks” aparece assim<br />

como um ensaio <strong>de</strong>clarado para<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai ser seu.<br />

Que fi lme, peça <strong>de</strong> teatro,<br />

livro, exposição, disco,<br />

álbum, canção, concerto,<br />

DVD viu e gostou tanto<br />

que lhe apeteceu escrever<br />

sobre ele, concordando ou<br />

conquistar as rádios e os tops, mas o<br />

que lhe falta em alma sobra-lhe nas<br />

largas doses <strong>de</strong> engenho e <strong>de</strong><br />

artifício. Ben aperfeiçoou a técnica<br />

do “crooning” granulado-acetinado<br />

ao ponto <strong>de</strong> soar como uma perfeita<br />

réplica <strong>de</strong> Smokey Robinson, as<br />

combinações <strong>de</strong> malhas funk com<br />

violinos e coros femininos resultam<br />

num impressionante concentrado<br />

das fórmulas clássicas da Motown, as<br />

ladainhas <strong>de</strong> rap confessional pelo<br />

meio oferecem uma variação eficaz<br />

ao estrito revivalismo. Lembra um<br />

bocadinho James Li<strong>de</strong>ll, lembra um<br />

bocadinho The Streets, mas as<br />

comparações acabam por ser<br />

redundantes – tal como as suspeitas<br />

<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> substância – na eminência<br />

da mão cheia <strong>de</strong> canções<br />

contagiosas - <strong>de</strong>ssas que ainda vão a<br />

meio e já parece que se ouviram a<br />

vida inteira.<br />

Muita da pop consagrada no<br />

último meio século ven<strong>de</strong>u<br />

autenticida<strong>de</strong>, consistência e mais<br />

valores politicamente correctos.<br />

Tudo coisas que ficam no tinteiro <strong>de</strong><br />

“The Defamation Of Strickland<br />

Banks”, um disco <strong>de</strong> canções<br />

brilhantemente construídas para<br />

encantarem ouvidos formatados.<br />

Gonzales<br />

Ivory Tower<br />

GentleThreat, distri. Let’s Start a Fire<br />

mmmmn<br />

não concordando com o<br />

que escrevemos? Envienos<br />

uma nota até 500<br />

caracteres para ipsilon@<br />

publico.pt. E nós <strong>de</strong>pois<br />

publicamos.<br />

A cada novo<br />

álbum, Gonzales<br />

surpreen<strong>de</strong>. Na<br />

música popular, o<br />

comum é as<br />

rupturas serem<br />

pausadas. Afinal, há uma carreira<br />

para gerir. Com o canadiano, a viver<br />

há doze anos na Europa, cada álbum<br />

constituiu uma surpresa,<br />

diferenciando-se do anterior. Já foi<br />

“rapper” extrovertido (“Gonzales<br />

Ubber Alles”, 2000), mestre do<br />

entretenimento electro com doses<br />

reforçadas <strong>de</strong> rímel (“The<br />

Entertainist”, 2000, e “The<br />

Presi<strong>de</strong>ntial Suite”, 2002), um<br />

solene pianista impressionista (“Solo<br />

Piano”, 2004) ou artista <strong>de</strong><br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 41


Discos<br />

varieda<strong>de</strong>s dos anos 70 e 80 (“Soft<br />

Power”, 2008).<br />

Agora regressa com “Ivory<br />

Tower”, o álbum que é também<br />

filme on<strong>de</strong> <strong>de</strong>legou as funções <strong>de</strong><br />

produtor nas mãos do alemão Alex<br />

Ridha, ou seja Boys Noize, o jovem<br />

alemão conhecido por pegar rastilho<br />

em qualquer pista <strong>de</strong> dança com<br />

doses imparáveis <strong>de</strong> adrenalina,<br />

através <strong>de</strong> uma electrónica<br />

selvagem.<br />

É uma colaboração improvável,<br />

mas que resulta, facto tanto mais <strong>de</strong><br />

assinalar porque é discernível, em<br />

cada um dos temas, o que pertence<br />

a cada um. As pianadas, as melodias<br />

acetinadas, as vocalizações, os<br />

arranjos esvoaçantes são da colheita<br />

<strong>de</strong> Gonzales. Os sons comprimidos,<br />

o dinamismo electrónico, o sentido<br />

rítmico, a produção rigorosa, os<br />

pequenos elementos sonoros<br />

distorcidos são da safra <strong>de</strong> Boys<br />

Noize.<br />

É um álbum total, diverso, <strong>de</strong><br />

canções pop electrónicas (“Knight<br />

moves” e “I am Europe”), <strong>de</strong> baladas<br />

para piano e electrónicas<br />

(“Bittersuite”, “Final fantasy”), <strong>de</strong><br />

recriações ações funk digitalizado como o<br />

melhor hor Prince do final dos anos<br />

80 (“You “You can dance”) ou <strong>de</strong><br />

cantilenas ilenas que parecem<br />

promover mover um encontro<br />

entre e o minimalismo <strong>de</strong><br />

Steve e Reich, através do<br />

piano, o, e a electrónica<br />

que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>senvolve por<br />

camadas adas <strong>de</strong> Noize<br />

(“Smothered mothered mate” ou<br />

“Never ver stop”). Muito bom.<br />

Ou, como diria Gonzales,<br />

excelso. lso.<br />

Vítor r Belanciano<br />

Muito bom<br />

- ou, como<br />

diria<br />

Gonzales,<br />

excelso<br />

42 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Hipnotica<br />

Twelve-Wired Bird Of Paradise<br />

Metropolitana; distri. iPlay<br />

mmmnn<br />

O tempo dos<br />

Hipnótica recua<br />

até bem lá trás, à<br />

sua formação em<br />

meados da década<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1990. Passada<br />

década e meia,<br />

chegamos a<br />

“Twelve-<br />

Wi WWired red Bird Of<br />

Paradise” e,<br />

apesar <strong>de</strong><br />

conhecermos a<br />

história da<br />

banda, somos<br />

surpreendidos. Os<br />

Hipnótica<br />

continuam a ser<br />

justos justos reflectores<br />

do seu tempo,<br />

mas<br />

Gran<strong>de</strong><br />

nova-velha<br />

banda, estes<br />

Hipnótica<br />

fazem-no agora com uma liberda<strong>de</strong> e<br />

uma felicida<strong>de</strong> inesperadas.<br />

Embrenharam-se no campo e <strong>de</strong> lá<br />

vieram com harmonias vocais<br />

resgatadas a proveniências diversas<br />

(Zombies, Beach Boys, Fleet Foxes),<br />

com violas acústicas chocalhando<br />

com a reverberação <strong>de</strong> teclados<br />

“vintage”, com uma renovada visão<br />

musical em que memórias do<br />

tropicalismo se cruzam com o gingar<br />

dos d Vampire Weekend e em que a<br />

electrónica el é utilizada em pincelada<br />

rápida rá e discreta (serve para dar<br />

corpo co à estrutura das canções).<br />

Acolhem-nos A<br />

no seu “Playground”<br />

imaginário im (a primeira canção,<br />

introdução in perfeita a este novo<br />

mundo m da banda), reinterpretam as<br />

sinfonias si pop dos Love <strong>de</strong> “Forever<br />

Changes” C à luz da sua escola jazzy<br />

divagante d e, cantam, cantam muito,<br />

cantam ca sempre, radiantes na sua<br />

nova n pele. Gran<strong>de</strong> nova-velha banda,<br />

estes es Hipnótica. Mário Lopes<br />

AAntony<br />

and the Johnsons<br />

Sw Swanlights<br />

RRough<br />

Tra<strong>de</strong>, distri. PopStock<br />

mmmnn m<br />

Gera sensações<br />

contraditórias, o<br />

novo álbum <strong>de</strong><br />

Antony. É<br />

provavelmente o<br />

seu disco mais<br />

aarriscado,<br />

mas sem a surpresa<br />

pporque<br />

já lhe conhecemos a<br />

eessência.<br />

A singularida<strong>de</strong><br />

in interpretativa e a expressivida<strong>de</strong><br />

eemocional<br />

continuam intactas, mas<br />

a<br />

elegância e a justeza dos outros<br />

ttrês<br />

discos encontra-se diluída. Esta<br />

é<br />

uma obra mais dispersa.<br />

EEnquanto<br />

conjunto <strong>de</strong> canções será<br />

mmenos<br />

inspirado. Mas não é mau.<br />

LLonge<br />

disso.<br />

Ao longo da última década<br />

AAntony<br />

afirmou-se com uma<br />

llinguagem<br />

particular, assente na<br />

vvoz,<br />

no piano e na sumptuosida<strong>de</strong><br />

ddos<br />

arranjos que nunca abafavam a<br />

fr fragilida<strong>de</strong> emocional do conjunto.<br />

A<br />

voz respira tanto melhor quanto<br />

mmais<br />

esquelético é o edifício sónico<br />

qque<br />

a envolve. Em “Swanlights” essa<br />

oopção<br />

mantém-se, embora mu<strong>de</strong>m<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Enquanto<br />

colecção<br />

<strong>de</strong> canções,<br />

“Swanlights”<br />

é a obra menos<br />

conseguida<br />

<strong>de</strong> Antony<br />

alguns elementos instrumentais que<br />

dão corpo às canções. Há guitarras<br />

acústicas em “The great white<br />

ocean”, algum dinamismo rítmico<br />

em “I’m in love” ou “Thank you for<br />

your love” e texturas electrónicas <strong>de</strong><br />

forma mais visível em algumas das<br />

canções. Mas é nos temas menos<br />

adornados – em especial, “Flétta”,<br />

magnífico dueto com a islan<strong>de</strong>sa<br />

Björk, com acompanhamento ao<br />

piano, ou “Ghost” e “Christina’s<br />

farm”, apenas com o americano na<br />

voz e no piano – que o melhor<br />

Antony acaba por vir ao <strong>de</strong> cima.<br />

Mas não há propriamente momentos<br />

dispensáveis. Dir-se-ia apenas que,<br />

enquanto colecção <strong>de</strong> canções,<br />

“Swanlights” revela-se a obra menos<br />

conseguida <strong>de</strong> Antony. V.B.<br />

Lloyd Cole<br />

Broken Record<br />

Tapete Records<br />

mmmmn<br />

Onze boas<br />

canções novas<br />

<strong>de</strong> Lloyd Cole<br />

que não vão<br />

convencer<br />

ninguém<br />

que já não<br />

gostasse <strong>de</strong>le<br />

Lloyd Cole está<br />

mesmo a pedi-las:<br />

chamar ao disco<br />

“Broken Record”,<br />

“disco riscado”, é<br />

convidar os<br />

cínicos a dizer que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo<br />

dos Commotions e <strong>de</strong> “Rattlesnakes”<br />

que anda a fazer o mesmo com<br />

retornos progressivamente menores.<br />

Isso implica, contudo, que os cínicos<br />

não têm andado a prestar atenção à<br />

carreira <strong>de</strong> um cantor/compositor<br />

com as influências certas no lugar<br />

certo, e que passou parte substancial<br />

da sua discografia a travar uma<br />

batalha perdida <strong>de</strong> antemão consigo<br />

próprio. A partir do momento em<br />

que aceitou que outro “Rattlesnakes”<br />

era improvável e que não era a tentar<br />

reinventar-se sem sentido que a coisa<br />

ia ao sítio, problema resolvido. Sem<br />

ter <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a exigências<br />

editoriais, subsistindo nas margens<br />

do “mainstream”, Cole tem vindo a<br />

somar discretamente um acervo <strong>de</strong><br />

discos sólidos, quase artesanais,<br />

on<strong>de</strong> a ironia das suas letras tem sido<br />

colorida pela experiência da vida<br />

com amargura, irrisão e uma pontual<br />

melancolia outonal. “Broken Record”<br />

são, então, mais onze canções “fora<br />

<strong>de</strong> tempo” que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />

gravadas durante a renascença<br />

“eighties” do rock <strong>de</strong> guitarras <strong>de</strong><br />

influência americana-facção-Byrds,<br />

talvez até mesmo durante os<br />

primeiros tempos dos cruzamentos<br />

country-rock <strong>de</strong> meados da década<br />

<strong>de</strong> 1960. É o primeiro Cole com<br />

banda em muitos anos, tem meiadúzia<br />

<strong>de</strong> clássicos instantâneos a que<br />

só a <strong>de</strong>satenção permitirá passar ao<br />

lado (“Writers Retreat!” podia ser<br />

Commotions “vintage”,<br />

“Rhinestones”, “Why in the World”<br />

ou “Like a Broken Record” sugerem<br />

até on<strong>de</strong> a banda podia ter ido se não<br />

se tivesse separado em 1989). E,<br />

graças a Deus, não traz<br />

absolutamente nada <strong>de</strong> novo, não<br />

persegue a moda do momento, não<br />

quer ser mais do que aquilo que é,<br />

que têm absoluta consciência do que<br />

ele sabe fazer, do que ele faz bem e<br />

do que nós gostamos <strong>de</strong> o ouvir fazer.<br />

São onze boas canções novas <strong>de</strong><br />

Lloyd Cole que não vão convencer<br />

ninguém que já não gostasse <strong>de</strong>le.<br />

“Disco riscado”? Ora bem. Ainda<br />

bem. Jorge Mourinha<br />

ENRIC VIVES-RUBIO


Discos<br />

varieda<strong>de</strong>s dos anos 70 e 80 (“Soft<br />

Power”, 2008).<br />

Agora regressa com “Ivory<br />

Tower”, o álbum que é também<br />

filme on<strong>de</strong> <strong>de</strong>legou as funções <strong>de</strong><br />

produtor nas mãos do alemão Alex<br />

Ridha, ou seja Boys Noize, o jovem<br />

alemão conhecido por pegar rastilho<br />

em qualquer pista <strong>de</strong> dança com<br />

doses imparáveis <strong>de</strong> adrenalina,<br />

através <strong>de</strong> uma electrónica<br />

selvagem.<br />

É uma colaboração improvável,<br />

mas que resulta, facto tanto mais <strong>de</strong><br />

assinalar porque é discernível, em<br />

cada um dos temas, o que pertence<br />

a cada um. As pianadas, as melodias<br />

acetinadas, as vocalizações, os<br />

arranjos esvoaçantes são da colheita<br />

<strong>de</strong> Gonzales. Os sons comprimidos,<br />

o dinamismo electrónico, o sentido<br />

rítmico, a produção rigorosa, os<br />

pequenos elementos sonoros<br />

distorcidos são da safra <strong>de</strong> Boys<br />

Noize.<br />

É um álbum total, diverso, <strong>de</strong><br />

canções pop electrónicas (“Knight<br />

moves” e “I am Europe”), <strong>de</strong> baladas<br />

para piano e electrónicas<br />

(“Bittersuite”, “Final fantasy”), <strong>de</strong><br />

recriações ações funk digitalizado como o<br />

melhor hor Prince do final dos anos<br />

80 (“You “You can dance”) ou <strong>de</strong><br />

cantilenas ilenas que parecem<br />

promover mover um encontro<br />

entre e o minimalismo <strong>de</strong><br />

Steve e Reich, através do<br />

piano, o, e a electrónica<br />

que se <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>senvolve por<br />

camadas adas <strong>de</strong> Noize<br />

(“Smothered mothered mate” ou<br />

“Never ver stop”). Muito bom.<br />

Ou, como diria Gonzales,<br />

excelso. lso.<br />

Vítor r Belanciano<br />

Muito bom<br />

- ou, como<br />

diria<br />

Gonzales,<br />

excelso<br />

42 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Hipnotica<br />

Twelve-Wired Bird Of Paradise<br />

Metropolitana; distri. iPlay<br />

mmmnn<br />

O tempo dos<br />

Hipnótica recua<br />

até bem lá trás, à<br />

sua formação em<br />

meados da década<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1990. Passada<br />

década e meia,<br />

chegamos a<br />

“Twelve-<br />

Wi WWired red Bird Of<br />

Paradise” e,<br />

apesar <strong>de</strong><br />

conhecermos a<br />

história da<br />

banda, somos<br />

surpreendidos. Os<br />

Hipnótica<br />

continuam a ser<br />

justos justos reflectores<br />

do seu tempo,<br />

mas<br />

Gran<strong>de</strong><br />

nova-velha<br />

banda, estes<br />

Hipnótica<br />

fazem-no agora com uma liberda<strong>de</strong> e<br />

uma felicida<strong>de</strong> inesperadas.<br />

Embrenharam-se no campo e <strong>de</strong> lá<br />

vieram com harmonias vocais<br />

resgatadas a proveniências diversas<br />

(Zombies, Beach Boys, Fleet Foxes),<br />

com violas acústicas chocalhando<br />

com a reverberação <strong>de</strong> teclados<br />

“vintage”, com uma renovada visão<br />

musical em que memórias do<br />

tropicalismo se cruzam com o gingar<br />

dos d Vampire Weekend e em que a<br />

electrónica el é utilizada em pincelada<br />

rápida rá e discreta (serve para dar<br />

corpo co à estrutura das canções).<br />

Acolhem-nos A<br />

no seu “Playground”<br />

imaginário im (a primeira canção,<br />

introdução in perfeita a este novo<br />

mundo m da banda), reinterpretam as<br />

sinfonias si pop dos Love <strong>de</strong> “Forever<br />

Changes” C à luz da sua escola jazzy<br />

divagante d e, cantam, cantam muito,<br />

cantam ca sempre, radiantes na sua<br />

nova n pele. Gran<strong>de</strong> nova-velha banda,<br />

estes es Hipnótica. Mário Lopes<br />

AAntony<br />

and the Johnsons<br />

Sw Swanlights<br />

RRough<br />

Tra<strong>de</strong>, distri. PopStock<br />

mmmnn m<br />

Gera sensações<br />

contraditórias, o<br />

novo álbum <strong>de</strong><br />

Antony. É<br />

provavelmente o<br />

seu disco mais<br />

aarriscado,<br />

mas sem a surpresa<br />

pporque<br />

já lhe conhecemos a<br />

eessência.<br />

A singularida<strong>de</strong><br />

in interpretativa e a expressivida<strong>de</strong><br />

eemocional<br />

continuam intactas, mas<br />

a<br />

elegância e a justeza dos outros<br />

ttrês<br />

discos encontra-se diluída. Esta<br />

é<br />

uma obra mais dispersa.<br />

EEnquanto<br />

conjunto <strong>de</strong> canções será<br />

mmenos<br />

inspirado. Mas não é mau.<br />

LLonge<br />

disso.<br />

Ao longo da última década<br />

AAntony<br />

afirmou-se com uma<br />

llinguagem<br />

particular, assente na<br />

vvoz,<br />

no piano e na sumptuosida<strong>de</strong><br />

ddos<br />

arranjos que nunca abafavam a<br />

fr fragilida<strong>de</strong> emocional do conjunto.<br />

A<br />

voz respira tanto melhor quanto<br />

mmais<br />

esquelético é o edifício sónico<br />

qque<br />

a envolve. Em “Swanlights” essa<br />

oopção<br />

mantém-se, embora mu<strong>de</strong>m<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Enquanto<br />

colecção<br />

<strong>de</strong> canções,<br />

“Swanlights”<br />

é a obra menos<br />

conseguida<br />

<strong>de</strong> Antony<br />

alguns elementos instrumentais que<br />

dão corpo às canções. Há guitarras<br />

acústicas em “The great white<br />

ocean”, algum dinamismo rítmico<br />

em “I’m in love” ou “Thank you for<br />

your love” e texturas electrónicas <strong>de</strong><br />

forma mais visível em algumas das<br />

canções. Mas é nos temas menos<br />

adornados – em especial, “Flétta”,<br />

magnífico dueto com a islan<strong>de</strong>sa<br />

Björk, com acompanhamento ao<br />

piano, ou “Ghost” e “Christina’s<br />

farm”, apenas com o americano na<br />

voz e no piano – que o melhor<br />

Antony acaba por vir ao <strong>de</strong> cima.<br />

Mas não há propriamente momentos<br />

dispensáveis. Dir-se-ia apenas que,<br />

enquanto colecção <strong>de</strong> canções,<br />

“Swanlights” revela-se a obra menos<br />

conseguida <strong>de</strong> Antony. V.B.<br />

Lloyd Cole<br />

Broken Record<br />

Tapete Records<br />

mmmmn<br />

Onze boas<br />

canções novas<br />

<strong>de</strong> Lloyd Cole<br />

que não vão<br />

convencer<br />

ninguém<br />

que já não<br />

gostasse <strong>de</strong>le<br />

Lloyd Cole está<br />

mesmo a pedi-las:<br />

chamar ao disco<br />

“Broken Record”,<br />

“disco riscado”, é<br />

convidar os<br />

cínicos a dizer que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo<br />

dos Commotions e <strong>de</strong> “Rattlesnakes”<br />

que anda a fazer o mesmo com<br />

retornos progressivamente menores.<br />

Isso implica, contudo, que os cínicos<br />

não têm andado a prestar atenção à<br />

carreira <strong>de</strong> um cantor/compositor<br />

com as influências certas no lugar<br />

certo, e que passou parte substancial<br />

da sua discografia a travar uma<br />

batalha perdida <strong>de</strong> antemão consigo<br />

próprio. A partir do momento em<br />

que aceitou que outro “Rattlesnakes”<br />

era improvável e que não era a tentar<br />

reinventar-se sem sentido que a coisa<br />

ia ao sítio, problema resolvido. Sem<br />

ter <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a exigências<br />

editoriais, subsistindo nas margens<br />

do “mainstream”, Cole tem vindo a<br />

somar discretamente um acervo <strong>de</strong><br />

discos sólidos, quase artesanais,<br />

on<strong>de</strong> a ironia das suas letras tem sido<br />

colorida pela experiência da vida<br />

com amargura, irrisão e uma pontual<br />

melancolia outonal. “Broken Record”<br />

são, então, mais onze canções “fora<br />

<strong>de</strong> tempo” que po<strong>de</strong>riam ter sido<br />

gravadas durante a renascença<br />

“eighties” do rock <strong>de</strong> guitarras <strong>de</strong><br />

influência americana-facção-Byrds,<br />

talvez até mesmo durante os<br />

primeiros tempos dos cruzamentos<br />

country-rock <strong>de</strong> meados da década<br />

<strong>de</strong> 1960. É o primeiro Cole com<br />

banda em muitos anos, tem meiadúzia<br />

<strong>de</strong> clássicos instantâneos a que<br />

só a <strong>de</strong>satenção permitirá passar ao<br />

lado (“Writers Retreat!” podia ser<br />

Commotions “vintage”,<br />

“Rhinestones”, “Why in the World”<br />

ou “Like a Broken Record” sugerem<br />

até on<strong>de</strong> a banda podia ter ido se não<br />

se tivesse separado em 1989). E,<br />

graças a Deus, não traz<br />

absolutamente nada <strong>de</strong> novo, não<br />

persegue a moda do momento, não<br />

quer ser mais do que aquilo que é,<br />

que têm absoluta consciência do que<br />

ele sabe fazer, do que ele faz bem e<br />

do que nós gostamos <strong>de</strong> o ouvir fazer.<br />

São onze boas canções novas <strong>de</strong><br />

Lloyd Cole que não vão convencer<br />

ninguém que já não gostasse <strong>de</strong>le.<br />

“Disco riscado”? Ora bem. Ainda<br />

bem. Jorge Mourinha<br />

ENRIC VIVES-RUBIO


Discos<br />

Jazz<br />

Não pára,<br />

não pára...<br />

Jon Irabagon, saxofonista<br />

estrela da nova geração,<br />

constrói um po<strong>de</strong>roso<br />

manifesto pela energia<br />

e perseverança no jazz.<br />

Rodrigo Amado<br />

Jon Irabagon<br />

Foxy<br />

Hot Cup<br />

mmmmn n<br />

No final do tema<br />

non-stop que<br />

compõe “Foxy”,<br />

artificialmente<br />

dividido em 12<br />

partes, com<br />

nomes tão disparatados como<br />

“Chicken poxy” oxy” ou “Tsetse”, é bem<br />

provável que ue o ouvinte esteja um<br />

pouco cansado, sado, ou pelo menos<br />

“dormente”, ”, pela energia<br />

avassaladora ra <strong>de</strong>stilada por Jon<br />

Irabagon, saxofonista tenor<br />

norte-americano ricano que tem<br />

vindo a causar usar sensação, a<br />

solo ou integrado egrado nos<br />

jazz-terrorists ists Mostly<br />

Other People ple Do The<br />

Killing. Irabagon bagon<br />

entra a matar, tar, com<br />

a energia no o<br />

máximo, num um<br />

registo free-bop e-bop<br />

ciclónico, dando<br />

voltas e<br />

contravoltas as<br />

on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconstrói i e<br />

torna a<br />

construir<br />

(apenas<br />

para voltar<br />

a<br />

pulverizar)<br />

malhas<br />

harmónicas s<br />

com as<br />

mais<br />

diversas<br />

origens<br />

inequivocamente<br />

jazz. zz. E quando<br />

julgamos que ue não é<br />

possível ir mais longe<br />

na intensida<strong>de</strong> da<strong>de</strong> insana<br />

da música, Irabagon<br />

roda o botão ão e sobe<br />

para um novo ovo nível<br />

sónico, libertando ertando<br />

ondas melódicas ódicas e<br />

harmónicas s que<br />

começam a formar<br />

figuras que e não existem<br />

verda<strong>de</strong>iramente mente (como<br />

nas miragens ns no <strong>de</strong>serto,<br />

estão a ver?). ?).<br />

44 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Em “Foxy”, Irabagon e os seus<br />

dois parceiros – Peter Brendler no<br />

contrabaixo e o ilustre Barry Altschul<br />

na bateria - lançam aquilo que mais<br />

se assemelha a uma pura energia<br />

jazz, algo que po<strong>de</strong>ria ser<br />

engarrafado e vendido nas escolas a<br />

muitos dos improvisadores anémicos<br />

que andam por aí. No entanto, por<br />

trás <strong>de</strong> toda esta aparente loucura,<br />

que se reflecte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo no kitsch<br />

da capa, está um trio em intensa e<br />

telepática comunicação musical e<br />

inúmeros <strong>de</strong>talhes musicais a<br />

<strong>de</strong>scobrir por aqueles que se<br />

aventurarem nesta viagem. “Foxy” é<br />

um surpreen<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong>sarmante<br />

registo por um dos mais<br />

interessantes, inovadores e<br />

po<strong>de</strong>rosos saxofonistas da nova<br />

geraçã geração. ção. o<br />

Irabagon<br />

e os seus dois<br />

parceiros –<br />

Peter Brendler<br />

e Barry<br />

Altschul -<br />

lançam aquilo<br />

que mais se<br />

assemelha<br />

a uma pura<br />

energia jazz<br />

Ma<strong>de</strong> in<br />

Portugal<br />

A mais jovem editora<br />

portuguesa <strong>de</strong> jazz e dois<br />

registos nacionais.<br />

Nuno Catarino<br />

El Fad<br />

Lunar<br />

JACC Records<br />

mmmnn<br />

Paula Sousa<br />

Nirvanix<br />

JACC Records<br />

mmmmn<br />

Fruto da iniciativa<br />

do JACC - Jazz Ao<br />

Centro Clube, surge surg no mercado<br />

português uma nova no editora<br />

<strong>de</strong>dicada ao jazz. O objectivo da JACC<br />

Records será possi possibilitar a edição <strong>de</strong><br />

mais projectos projectos <strong>de</strong><br />

jazz português,<br />

indo on<strong>de</strong> as editoras edito existentes -<br />

Clean Feed e Tone of a Pitch - não<br />

conseguem dar resposta. re As duas<br />

primeiras edições<br />

<strong>de</strong>svendam novos<br />

trabalhos <strong>de</strong> músic músicos nacionais já<br />

bem experientes.<br />

Os El Fad, li<strong>de</strong>rados li<strong>de</strong>ra pelo<br />

guitarrista José Jo Peixoto, têm<br />

aqui o se seu segundo disco.<br />

Combinando Comb a<br />

flexibilida<strong>de</strong><br />

flexib<br />

instrumental instr do jazz<br />

com ambientes “folk”<br />

mediterrânicos, med<br />

este<br />

quinteto quin propõe uma<br />

fusão fusã das tradições<br />

ibérica ibér e arábica. Além<br />

da guitarra g <strong>de</strong> Peixoto,<br />

o El E Fad é constituído<br />

pelo pel violino <strong>de</strong> Carlos<br />

Zíngaro, Zín a bateria <strong>de</strong><br />

José Jos Salgueiro e dois<br />

contrabaixos: con Miguel<br />

Leiria Lei Pereira e<br />

António Ant Quintino. As<br />

cordas cord unem-se em<br />

efusivas efusi celebrações, o<br />

<strong>de</strong>dilhar <strong>de</strong>dilh <strong>de</strong> Peixoto<br />

<strong>de</strong>staca-se, <strong>de</strong>staca- o violino <strong>de</strong><br />

Zíngaro assume as formas<br />

clássicas como com poucas vezes lhe<br />

vimos, os contrabaixos con <strong>de</strong><br />

Quintino e Pereira Pe acrescentam<br />

outras tonalid tonalida<strong>de</strong>s, sem se<br />

atropelarem, intercalando<br />

diferentes ab abordagens. Por<br />

vezes surgem espaços para<br />

improvisações improvisaçõ mais abertas,<br />

com os músi músicos a aproveitarem<br />

essas abertas aberta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para<br />

a inclusão d<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>talhes pessoais.<br />

Outras veze vezes os músicos<br />

seguem as formas f rígidas pré<strong>de</strong>terminadas,<br />

<strong>de</strong>terminad respeitando a<br />

disciplina, fazendo a música<br />

crescer nesse nes sentido<br />

colectivo.<br />

A pianista pianis Paula Sousa<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

apresenta em “Nirvanix” o seu<br />

segundo disco em nome próprio,<br />

apesar da acumulada experiência.<br />

Contando com o apoio <strong>de</strong> uma<br />

secção rítmica estável, Demian<br />

Cabaud no contrabaixo e Luís<br />

Can<strong>de</strong>ias na bateria, tem também a<br />

colaboração <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />

nomes fortes da cena jazz lusa, que<br />

acrescentam os seus serviços<br />

pontualmente em algumas faixas:<br />

Sara Serpa (voz), André Matos<br />

(guitarra), Afonso Pais (guitarra),<br />

Jorge Reis (saxofones alto e soprano)<br />

e João Paulo (acor<strong>de</strong>ão). Este disco<br />

representa uma evolução<br />

comparativamente ao anterior “Valsa<br />

para a Terri” (2008), mais sólido,<br />

mais diversificado. O título <strong>de</strong>ste<br />

trabalho combina a banda <strong>de</strong> Kurt<br />

Cobain com Astérix, mas a música<br />

não anda próxima do rock sujo ou <strong>de</strong><br />

um imaginário juvenil. “Nirvanix” é<br />

um jazz maduro que envereda por<br />

múltiplas direcções. O mérito é <strong>de</strong><br />

Sousa, que assina quase todas as<br />

composições, mas não só. Cada<br />

convidado acrescenta <strong>de</strong>talhes<br />

importantes, e o resultado acaba por<br />

ser positivo, num disco e cheio <strong>de</strong><br />

cor.<br />

Clássica<br />

O fi m<br />

<strong>de</strong> uma era<br />

Música coral com a<br />

sonorida<strong>de</strong> única do coro<br />

Accentus e a sua maestrina<br />

Laurence Equilbay.<br />

Rui Pereira<br />

Rachmaninoff<br />

Obras corais sacras<br />

Laurence Equilbey, direcção<br />

Accentus<br />

Eric Ericson Chamber Choir<br />

Naive V5239<br />

mmmmn<br />

A maestrina<br />

Laurence<br />

Equilbay<br />

Os primeiros<br />

segundos <strong>de</strong>ste<br />

CD i<strong>de</strong>ntificam a<br />

sonorida<strong>de</strong><br />

inconfundível<br />

do coro francês<br />

Accentus. É surpreen<strong>de</strong>nte<br />

como o agrupamento da<br />

maestrina Laurence Equilbey tem<br />

esta “voz” única, <strong>de</strong> timbre coeso<br />

e com um controlo dinâmico<br />

miraculoso. O repertório é mais<br />

uma estreia para o agrupamento,<br />

ao qual se junta o coro sueco<br />

<strong>de</strong> Eric Ericson, fundado<br />

em 1945, que muitos melómanos<br />

conhecem das célebres gravações<br />

com a Filarmónica <strong>de</strong> Berlim<br />

(“Quatro Peças Sacras” <strong>de</strong><br />

Verdi ou o “Requiem” <strong>de</strong> Mozart),<br />

entre outras. As obras sacras <strong>de</strong><br />

Rachmaninoff escolhidas por<br />

Equilbey ilustram o fim <strong>de</strong> uma era<br />

para a música religiosa na Rússia.<br />

Foi há cem anos que Rachmaninoff<br />

escreveu a “Liturgia <strong>de</strong> São<br />

João Crisóstomo”. As “Vésperas”<br />

seguiram-se cinco anos <strong>de</strong>pois,<br />

em 1915, e ambas as obras tiveram<br />

uma óptima recepção por parte do<br />

público. Foram escritas na<br />

tradição da música vocal<br />

ortodoxa, com sonorida<strong>de</strong>s que<br />

convidam ao recolhimento<br />

espiritual mas que alcançam,<br />

simultaneamente, <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

expressivida<strong>de</strong>. Num período em<br />

que as celebrações da religião<br />

ortodoxa tinham um esplendor<br />

magnífico, consi<strong>de</strong>ra-se<br />

que Rachmaninoff soube<br />

fazer a mais <strong>de</strong>purada síntese<br />

das Escolas <strong>de</strong> Moscovo e <strong>de</strong> São<br />

Petersburgo nestas composições<br />

consi<strong>de</strong>radas obras-primas<br />

mas que, após a revolução<br />

bolchevique, estiveram largas<br />

décadas sem se ouvir.<br />

Pela própria data da sua composição<br />

e pelos acontecimentos que se<br />

seguiram em 1917, representam o fim<br />

<strong>de</strong> uma era.<br />

Com excelente qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gravação, este é um registo digno<br />

para conhecer as obras. Se não as<br />

apreciar nesta interpretação,<br />

dificilmente encontrará melhor<br />

opção no mercado.


Teatro<br />

Operários contra patrões:<br />

a crise vista da “Rua Gagarin”,<br />

até domingo no Espaço Ofi cina,<br />

em Guimarães<br />

Livro<br />

O fi m do<br />

mundo no<br />

Vale do Ave<br />

Coor<strong>de</strong>nado pelo crítico<br />

e investigador Daniel<br />

Tércio, “Dançar para a<br />

República” (Caminho)<br />

reúne reún textos <strong>de</strong><br />

esp especialistas<br />

nacionais na na área<br />

da d dança sobre<br />

“ “não apenas<br />

a prática<br />

artística, a mas<br />

também t a<br />

vivência v<br />

dos<br />

“Rua Gagarin” passa-se<br />

em Fife, na Escócia, mas<br />

podia ser em Guimarães:<br />

daqui vê-se muito bem<br />

para o mundo em ruínas<br />

da indústria têxtil nacional.<br />

Inês Nadais<br />

Rua Gagarin<br />

De Gregory Burke. Pelo Teatro<br />

Oficina. Encenação <strong>de</strong> Marcos<br />

Barbosa. Com André Teixeira,<br />

António Jorge, Emílio Gomes e Tiago<br />

Correia.<br />

Guimarães. Espaço Oficina. Av. D. João IV, 1213,<br />

Cave. Até 7/11. 4ª a Sáb. às 22h; Dom. às 17h. 5€ a 7,5€.<br />

A não <strong>de</strong>masiados quilómetros da<br />

sala on<strong>de</strong> o Teatro Oficina ensaia<br />

diariamente, há um mundo que está<br />

acabar. De nenhum lugar se vê tão<br />

bem esse mundo como a partir<br />

daqui, <strong>de</strong> Guimarães, on<strong>de</strong> nas<br />

últimas décadas sucessivos<br />

espectadores (operários,<br />

corpos em Portugal<br />

(...) no tempo da<br />

República”. Temas<br />

como a nu<strong>de</strong>z artística<br />

e os receios moralistas<br />

da viragem do século<br />

são vistos à luz <strong>de</strong> um<br />

quadro mais alargado,<br />

que inscreve a dança<br />

num contexto social em<br />

transformação. O livro<br />

foi lançado ontem e já<br />

está à venda.<br />

administrativos, patrões) assistiram<br />

sem po<strong>de</strong>r fazer <strong>gran<strong>de</strong></strong> coisa a este<br />

<strong>de</strong>senlace em que a indústria têxtil<br />

também se abate e não vale a pena<br />

bater palmas, porque é tudo (as<br />

fábricas abandonadas, o<br />

<strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> longa duração, e o<br />

que resta <strong>de</strong> alguns Ferraris)<br />

<strong>de</strong>masiado mau até para ser ficção,<br />

quanto mais realida<strong>de</strong>.<br />

Apesar da distância, também se vê<br />

bem esse mundo a partir <strong>de</strong> Fife, na<br />

Escócia, on<strong>de</strong> Gregory Burke situou<br />

a fábrica obsoleta <strong>de</strong>ste “Rua<br />

Gagarin” que o Teatro Oficina<br />

estreou anteontem e continua a<br />

apresentar até domingo. “Des<strong>de</strong> que<br />

cheguei a Guimarães para dirigir a<br />

companhia, tentei convencer os<br />

escritores e os dramaturgos com<br />

quem temos colaborado a trabalhar<br />

sobre o mundo da indústria têxtil e a<br />

reflectir sobre este fim <strong>de</strong> época e<br />

este fim <strong>de</strong> tempo que aqui à volta<br />

parece ser tão evi<strong>de</strong>nte”, explica ao<br />

Ípsilon Marcos Barbosa, director<br />

artístico da Oficina e encenador do<br />

espectáculo. Nunca chegou a<br />

acontecer (o argentino Lautaro Vilo,<br />

que escreveu “A Fábrica” por<br />

encomenda da companhia, pegou<br />

na i<strong>de</strong>ia e levou-a para uma fábrica<br />

<strong>de</strong> chocolates na Patagónia), mas<br />

entretanto aterrou nas mãos <strong>de</strong><br />

Marcos Barbosa “um texto perfeito”:<br />

“‘Rua Gagarin’ é uma comédia negra<br />

sobre um grupo <strong>de</strong> operários que<br />

sequestram um patrão para<br />

preecher o vazio, e ilustra bem este<br />

ambiente <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ciclo e o<br />

<strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> um quotidiano que<br />

não funciona. Talvez há cinco anos<br />

eu dissesse a mesma coisa, que era o<br />

momento exacto para se fazer este<br />

texto, mas agora é mesmo”,<br />

sublinha.<br />

Em Fife, como em Guimarães, há<br />

um passado industrial fantasma - um<br />

passado que está ali mesmo à espera<br />

<strong>de</strong> ser transformado, quanto mais<br />

não seja em memória colectiva.<br />

Marcos Barbosa fez finalmente<br />

teatro com isso, embora não<br />

exactamente nesses esqueletos <strong>de</strong><br />

fábricas que abundam nas<br />

redon<strong>de</strong>zas, “espaços incríveis,<br />

enormes, mesmo <strong>de</strong> outros tempos”<br />

com que um visionário como Peter<br />

Brook faria coisas extraordinárias.<br />

O que acontece em “Rua Gagarin”,<br />

na cave do Espaço Oficina, não é<br />

propriamente a re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong>sse<br />

tempo em vias <strong>de</strong> extinção. Mas pelo<br />

menos é uma comédia, e Marcos<br />

Barbosa acredita que <strong>de</strong> tão negra<br />

esta história é optimista: “Não<br />

interessa nada sermos catastróficos.<br />

Estamos no fim <strong>de</strong> um ciclo, haverá<br />

outros”. Vista <strong>de</strong>sta cave, esta<br />

Europa <strong>de</strong> serviços, “em que<br />

ninguém parece produzir nada”,<br />

apenas comprar e ven<strong>de</strong>r, não tem<br />

ar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r durar muito. Mas<br />

enquanto durar, o Teatro Oficina<br />

falará <strong>de</strong>la. Até na linguagem nua e<br />

crua <strong>de</strong> todos os dias se po<strong>de</strong> ir à lua<br />

e voltar - ou pelo menos tentar,<br />

como o cosmonauta Gagarin.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“Way Out”<br />

no Temps<br />

d’Images<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

Durações <strong>de</strong> Um Minuto<br />

De Clara An<strong>de</strong>rmatt, Marco Martins.<br />

Com Luna An<strong>de</strong>rmatt, Ana Diaz,<br />

Carla Maciel, Ivo Canelas, Nuno<br />

Lopes, Romeu Costa, Sam Louwyck,<br />

São Castro, Sofia Dias, Vítor Roriz<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal. R.<br />

Antº Maria Cardoso, 38-58. De 05/11 a 28/11. 5ª a Sáb.<br />

às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.<br />

Ver texto na pág. 37 e segs.<br />

Continuam<br />

Inferno<br />

“Dura Dita Dura” em Torres Novas<br />

A partir <strong>de</strong> Strindberg. Encenação <strong>de</strong><br />

Mónica Calle. Com Ana Ribeiro,<br />

Mónica Calle, Mónica Garnel, Rita Só,<br />

entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />

Até 08/11. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h.<br />

Tel.: 217905155. 5€ a 12€.<br />

Cartas Postais e Telegramas<br />

De Maria Gil. Pelo Teatro do Silêncio.<br />

Com Gisella Mendonza, Monika<br />

Frycova, Maria Gil.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Negócio. R. <strong>de</strong> O Século, 9, Porta 5. Até 12/11.<br />

4ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213430502. 5€ a 7,5€.<br />

A Gaivota<br />

De Anton Tchékhov. Encenação <strong>de</strong><br />

Nuno Cardoso. Com João Pedro Vaz,<br />

Lígia Roque, Luís Araújo, Maria do<br />

Céu Ribeiro, entre outros.<br />

Aveiro. Teatro Aveirense. Pç. República. Dia 06/11.<br />

Sáb. às 21h30. Tel.: 234400922. 10€ a 12€.<br />

Peça Felicida<strong>de</strong><br />

De Jacinto Lucas Pires. Encenação <strong>de</strong><br />

Francisco Salgado. Com Custódia<br />

Gallego, José Mateus, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />

Até 28/11. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.:<br />

213420000.<br />

Way Out<br />

De Cláudia Clemente. Encenação <strong>de</strong><br />

Cláudia Clemente. Com Margarida<br />

Car<strong>de</strong>al.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Espaço Nimas. Av. 5 Outubro, 42B. Até<br />

05/11. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 213574362.<br />

Temps d’Images 2010.<br />

A Cabeça do Baptista<br />

De Ramón <strong>de</strong>l Valle Inclan. Pela<br />

Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Braga.<br />

Encenação <strong>de</strong> Manuel Gue<strong>de</strong> Oliva.<br />

Com Solange Sá, Wal<strong>de</strong>mar Sousa,<br />

Rui Ma<strong>de</strong>ira, entre outros.<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. Até 06/11.<br />

3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 5€ a 10€.<br />

Dura Dita Dura<br />

De e com Igor Gandra. Pelo Teatro <strong>de</strong><br />

Ferro.<br />

Torres Novas. Teatro Virgínia. Lg. São José Lopes<br />

dos Santos. De 05/11 a 06/11. Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

249839309.<br />

Óscar e a Senhora Cor-<strong>de</strong>-Rosa<br />

De Eric-Emmanuel Schmidt.<br />

Encenação <strong>de</strong> Marcia Haufrecht. Com<br />

Lídia Franco.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A.<br />

Até 07/11. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213542249.<br />

Cabeças Falantes - Festival <strong>de</strong><br />

Monólogos.<br />

“A Cabeça<br />

do Baptista”<br />

em Braga<br />

Natureza Morta<br />

De e com Dinis Machado.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Taborda. Costa do Castelo, 75. Até<br />

07/11. 6ª a Dom. às 21h30. Tel.: 218854190.<br />

Temps d’Images 2010.<br />

A Lenda <strong>de</strong> Gaia<br />

De José Carretas. Pela Panmixia.<br />

Encenação <strong>de</strong> José Carretas. Com André<br />

Brito, Linda Rodrigues, Pedro Fiuza.<br />

Porto. CACE Cultural. R. do Freixo, 1071. Até 30/11.<br />

3ª a Sáb. às 22h. Dom. às 16h. Tel.: 225191600. 8€.<br />

Um Precipício no Mar<br />

De Simon Stephens. Pelos Artistas<br />

Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />

Melo. Com João Meireles.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Soc. <strong>de</strong> Instrução Guilherme Cossoul. Av.<br />

D.Carlos I, 61 - 1º. Até 07/11. 5ª a Sáb. às 21h30.<br />

Dom. às 17h. Tel.: 213973471<br />

O Senhor Puntila e o Seu Criado<br />

Matti<br />

De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong> João<br />

Lourenço. Com Miguel Guilherme,<br />

Sérgio Praia, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. Espanha. Até<br />

31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213880089. 7,5€ a 15€.<br />

O Guardião do Rio<br />

De Ricardo Alves. Pelo Teatro da<br />

Palmilha Dentada. Encenação <strong>de</strong><br />

Ricardo Alves. Com Ivo Bastos.<br />

Porto. Hard Club - Sala 2. Pç. Infante, 95. Até 03/12.<br />

Dom. a 3ª às 21h46. 10€.<br />

República/s<br />

De Jorge Louraço Figueira. Pelo<br />

Teatrão. Encenação <strong>de</strong> Marco<br />

António Rodrigues. Com Cláudia<br />

Carvalho, Helena Freitas, Inês<br />

Mourão, entre outros.<br />

Coimbra. Oficina <strong>Municipal</strong> do Teatro. R. Pedro<br />

Nunes. Até 07/11. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 19h.<br />

Tel.: 239714013.<br />

O Homem Elefante<br />

De Bernard Pomerance. Encenação<br />

<strong>de</strong> Sandra Faleiro. Com António<br />

Fonseca,José Airosa, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV.<br />

Até 07/11. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h15. Tel.:<br />

213250835. 12€.<br />

A Neve<br />

A partir <strong>de</strong> Vergílio Ferreira.<br />

Encenação <strong>de</strong> José Carretas. Com<br />

Fernando Lan<strong>de</strong>ira, entre outros.<br />

Covilhã. Teatro das Beiras. Tv. Trapa, 2. Dia 06/11.<br />

Sáb. às 21h30. Tel.: 275336163. 3€ a 6€.<br />

Festival <strong>de</strong> Teatro da Covilhã.<br />

Um Mundo Muito Próprio -<br />

Tributo a Buster Keaton<br />

De Alan Richardson. Com Daniel<br />

Pinto.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç. Império. De 06/11 a 08/11. 2ª às 11h.<br />

Sáb. às 21h. Dom. às 12h30. Tel.: 213612400.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Sólo siento<br />

De e com Arkadi Zai<strong>de</strong>s.<br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Sala <strong>de</strong> Ensaios. Pç. do Império. De<br />

05/11 a 06/10. 3ª e 4ª às 19h. Tel.: 213612400. 6€.<br />

Temps d’Images 2010.<br />

Continuam<br />

Untitled, Still Life<br />

De Ana Borralho, João Galante, Rui<br />

Catalão.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - Sala <strong>de</strong><br />

Ensaios. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 8/11. 4ª<br />

a Dom. às 21h30. 2ª às 18h. Tel.: 218438801. 6€ a<br />

12€.<br />

Temps d’Images 2010.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 45


Livros<br />

46 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Ficção<br />

Apocalypse<br />

now<br />

Uma missiva alucinada<br />

em que a trivialida<strong>de</strong> do<br />

conforto <strong>de</strong> uma América <strong>de</strong><br />

electrodomésticos contrasta<br />

com a carnificina nos ver<strong>de</strong>s<br />

campos asiáticos.<br />

Helena Vasconcelos<br />

Coluna <strong>de</strong> Fumo<br />

Denis Johnson<br />

(trad.Maria João Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />

Ed. Casa das Letras<br />

mmmmn<br />

Quem é Denis<br />

Johnson? Um<br />

americano pouco<br />

tranquilo que foge<br />

da exposição<br />

mediática, autor<br />

<strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong><br />

teatro, seis<br />

romances, uma<br />

colecção <strong>de</strong><br />

contos (“Jesus’ Son” <strong>de</strong> 1992, é uma<br />

obra “<strong>de</strong> culto”), três volumes <strong>de</strong><br />

poesia e um <strong>de</strong> textos jornalísticos,<br />

finalmente elevado à categoria <strong>de</strong><br />

“<strong>gran<strong>de</strong></strong> escritor” quando ganhou o<br />

National Book Award com “Coluna<br />

<strong>de</strong> Fumo” (2007), um livro explosivo<br />

que <strong>de</strong>senterra alguns dos fantasmas<br />

mais profundamente enraizados na<br />

psique americana: o assassinato do<br />

Presi<strong>de</strong>nte Kennedy, a Guerra do<br />

Vietname e o sinistro papel<br />

<strong>de</strong>sempenhado pela C.I.A.,<br />

principalmente no Sudoeste asiático.<br />

A acção esten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> 1963 a 1970<br />

– com um capítulo final passado em<br />

1983 – e trata das acções e<br />

<strong>de</strong>ambulações <strong>de</strong> várias<br />

personagens, algumas das quais<br />

fazem, apenas, aparições relâmpago<br />

numa narrativa fragmentada,<br />

estilhaçada e construída como uma<br />

montagem aleatória <strong>de</strong> quadros que<br />

se vão interligando penosamente,<br />

num reflexo da dificulda<strong>de</strong> em<br />

encontrar algum sentido em longas<br />

contendas – pensa-se no Iraque e no<br />

Afeganistão - que perduram como<br />

assombrações elucidativas da<br />

incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

potência para <strong>de</strong>rrotar inimigos<br />

esquivos, resistentes e bem<br />

preparados psicologicamente.<br />

Numa atmosfera sufocante <strong>de</strong><br />

fumo, cinzas, calor, ruído e perigo<br />

iminente – recriação perfeita do<br />

universo psicadélico <strong>de</strong> cogumelos<br />

alucinogéneos e da música dos<br />

Doors, Jefferson Airplane e,<br />

ocasionalmente dos Moody Blues<br />

(citados no livro) – que reflecte um<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorientação e<br />

medo passível <strong>de</strong> ser encontrado em<br />

Colóquio<br />

O Colóquio Internacional<br />

Sophia <strong>de</strong> Mello Breyner<br />

Andresen, que se vai<br />

realizar 27 e 28 <strong>de</strong> Janeiro<br />

na Fundação Gulbenkian,<br />

em <strong>Lisboa</strong>, promovido por<br />

Maria Andresen <strong>de</strong> Sousa<br />

autores como Don DeLillo, Robert<br />

Stone ou J.G. Ballard, Johnson coloca<br />

personagens alienadas e<br />

potencialmente perigosas: os irmãos<br />

Houston, Bill, que já tinha feito a sua<br />

aparição no romance “Angels”<br />

(1983), e James, ambos <strong>de</strong> volta a<br />

casa num Arizona alienado e vazio<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem cumprido o serviço<br />

militar; dois vietnamitas, um do<br />

Norte e outro do Sul que trocam <strong>de</strong><br />

campos <strong>de</strong> uma forma furtiva e<br />

mimética, o que talvez sirva para<br />

<strong>de</strong>monstrar tanto a incapacida<strong>de</strong><br />

dos oci<strong>de</strong>ntais para individualizar<br />

pessoas <strong>de</strong> outras raças, como para<br />

sublinhar a resistência <strong>de</strong> um povo<br />

habituado às dificulda<strong>de</strong>s e que se<br />

rege por normas diferentes; Storm,<br />

um agente da C.I.A. com tendências<br />

evangelizadoras que arrasta tudo à<br />

sua passagem, como o seu próprio<br />

nome indica; Kathy, uma viúva<br />

canadiana, apanhada no vórtice da<br />

contenda, a única pessoa<br />

compassiva que faz ecoar os seus<br />

lamentos como uma carpi<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

tragédia grega; e “Skip” Sands, um<br />

operacional da C.I.A., especialista<br />

em Acções Psicológicas contra os<br />

Vietcong, a braços com missões<br />

absurdas – como compilações <strong>de</strong><br />

enciclopédias a partir <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

700 volumes <strong>de</strong> literatura vietnamita<br />

–, um ser sem alma <strong>de</strong>stinado a um<br />

fim violento e inglório, um homem<br />

cuja personalida<strong>de</strong> é moldada à<br />

semelhança da do tio, coronel<br />

Francis Xavier Sands, venerado por<br />

todos, figura maior do que a vida,<br />

mas patética e solitária, obviamente<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Tavares e realizado com<br />

a colaboração do Centro<br />

Nacional <strong>de</strong> Cultura, já<br />

tem “site” na Internet.<br />

Ali se po<strong>de</strong> consultar o<br />

programa, a biografi a<br />

dos participantes<br />

Denis<br />

Johnson, um<br />

americano<br />

pouco<br />

tranquilo<br />

uma colagem <strong>de</strong> Kurtz, o sinistro<br />

contrabandista <strong>de</strong> “Coração das<br />

Trevas” <strong>de</strong> Joseph Conrad.<br />

Com tudo isto e muito mais,<br />

“Coluna <strong>de</strong> Fumo” tanto po<strong>de</strong> ser<br />

um hino patriótico <strong>de</strong> revolta – a<br />

ban<strong>de</strong>ira maculada e os dilectos<br />

filhos da América sacrificados na<br />

fogueira da insanida<strong>de</strong> política –<br />

como um tremendo libelo contra a<br />

cruelda<strong>de</strong>, inutilida<strong>de</strong> e absurdo da<br />

Guerra ou, ainda, como uma<br />

epopeia dantesca, na qual os seres<br />

humanos, joguetes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us<br />

<strong>de</strong>mente e vingativo se encontram<br />

numa espécie <strong>de</strong> transe religioso, à<br />

mercê <strong>de</strong> forças po<strong>de</strong>rosas que os<br />

transcen<strong>de</strong>m.<br />

Tanto no Vietname como nas<br />

Filipinas, no Havai ou na própria<br />

América profunda, a Natureza<br />

investe com iras <strong>de</strong> proporções<br />

bíblicas, na forma <strong>de</strong> cataclismos e<br />

pragas, com condições atmosféricas<br />

adversas – calor, chuvas torrenciais,<br />

tufões – em cenários apocalípticos<br />

on<strong>de</strong> homens e mulheres são<br />

apanhados na voragem, e se<br />

ajoelham na poeira, pedindo perdão<br />

pelos seus pecados.<br />

Numa das cenas mais pungentes<br />

do livro, Skip, no inferno <strong>de</strong> Saigão,<br />

lê uma carta da mãe viúva on<strong>de</strong> esta<br />

escreve, “... obrigada pelo dinheiro.<br />

Comprei uma secadora nova...<br />

Tenho-a neste momento cheia <strong>de</strong><br />

roupa e a andar às voltas. Mas com<br />

um tempo tão bom como este gosto<br />

<strong>de</strong> pôr as coisas <strong>gran<strong>de</strong></strong>s como os<br />

lençóis e cobertores no estendal a<br />

secá-los ao mundo...” e continua<br />

e os resumos das<br />

comunicações. A<br />

morada é http://www.<br />

coloquiointerna<br />

cionalsophia<strong>de</strong>m<br />

ellobreynerandresen.com/<br />

falando <strong>de</strong> um antigo amante e da<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cortar a relva.<br />

É uma missiva alucinada e<br />

<strong>de</strong>sligada da realida<strong>de</strong> do mundo,<br />

um relato em que a trivialida<strong>de</strong> do<br />

conforto <strong>de</strong> uma América <strong>de</strong><br />

electrodomésticos e <strong>de</strong> tarefas<br />

rotineiras contrasta com a carnificina<br />

nos ver<strong>de</strong>s campos asiáticos, um<br />

retrato que contém, no seu âmago,<br />

os terríveis sinais da <strong>gran<strong>de</strong></strong> tragédia<br />

americana <strong>de</strong>pois do colapso <strong>de</strong> um<br />

optimismo “inocente”<br />

repetidamente perdido, tanto em<br />

Pearl Harbour como na Flandres, no<br />

Vietname ou no centro <strong>de</strong><br />

Manhattan, num belo dia <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 2001.<br />

Numa das poucas entrevistas<br />

dadas por Denis Johnson – a Gary<br />

Kamiya director da revista on-line<br />

Salon.com – o autor corroborou a<br />

informação <strong>de</strong> que “Coluna <strong>de</strong><br />

Fumo” começou a ser escrito em<br />

1982. Depois, foram <strong>de</strong>z longos anos<br />

a elaborar este romance<br />

mastodôntico, irregular e<br />

peripatético, em que toda a acção<br />

– dispersa, sonâmbula, perigosa,<br />

ziguezagueante – convém<br />

magistralmente aos sentimentos <strong>de</strong><br />

culpa, vergonha, confusão e<br />

frustração que constituiu o legado<br />

<strong>de</strong> um país que se entrega<br />

cegamente aos rituais do crime e da<br />

re<strong>de</strong>nção.<br />

Perdão<br />

e reconciliação<br />

O autor <strong>de</strong> “O Leitor” retoma<br />

o seu tema favorito, <strong>de</strong>sta<br />

vez num drama que convoca<br />

o passado terrorista da<br />

esquerda radical alemã.<br />

José Riço Direitinho<br />

O Fim <strong>de</strong> Semana<br />

Bernhard Schlink<br />

(trad. <strong>de</strong> Fátima Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)<br />

Edições ASA<br />

mmmnn<br />

No Verão <strong>de</strong> 2007,<br />

Horst Köhler,<br />

então Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República da<br />

Alemanha,<br />

recusou um<br />

pedido <strong>de</strong> indulto<br />

apresentado por<br />

Christian Klar,<br />

con<strong>de</strong>nado a<br />

prisão perpétua, em 1982, por vários<br />

assassinatos enquanto operacional<br />

do grupo terrorista alemão <strong>de</strong><br />

extrema-esquerda RAF (Rote Armee<br />

Fraktion – ficou também conhecido<br />

como Baa<strong>de</strong>r-Meinhof ), que esteve<br />

activo sobretudo nas décadas <strong>de</strong> 70


e 80. A opinião pública alemã<br />

discutiu, por vezes acaloradamente,<br />

este pedido <strong>de</strong> clemência. Numa<br />

reacção rara em escritores da<br />

dimensão <strong>de</strong> Bernhard Schlink (n.<br />

1944) – o autor <strong>de</strong> “O Leitor” – ele<br />

escreveu quase <strong>de</strong> imediato uma<br />

história sobre o assunto, a libertação<br />

<strong>de</strong> um terrorista da RAF cuja<br />

biografia em muito se assemelhava à<br />

<strong>de</strong> Klar. (Curiosamente, em<br />

Dezembro <strong>de</strong> 2008, pouco meses<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o romance original ter<br />

sido publicado, o Presi<strong>de</strong>nte Köhler<br />

acabaria por conce<strong>de</strong>r o indulto.)<br />

Um pouco à semelhança do que<br />

fez nos seus livros anteriores sobre o<br />

passado alemão recente, Bernhard<br />

Schlink – que é juiz do Tribunal<br />

Constitucional da Renânia e<br />

professor <strong>de</strong> Filosofia do Direito em<br />

Berlim – interroga-se mais uma vez<br />

(ou melhor, interroga-nos) sobre<br />

assuntos como a culpa, o perdão e a<br />

reconciliação, a natureza da justiça,<br />

a moral e o <strong>de</strong>vir histórico; isto tudo<br />

apresentado numa linguagem<br />

elegante e num estilo coloquial que<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fora maneirismos<br />

académicos e tentadoras (para ele)<br />

divagações filosóficas mais ou<br />

menos herméticas.<br />

Se me for permitido o uso <strong>de</strong><br />

terminologia musical, “O Fim <strong>de</strong><br />

Semana” é uma espécie <strong>de</strong> romance<br />

“<strong>de</strong> câmara”, uma festa privada<br />

on<strong>de</strong> aos poucos vão sendo<br />

revelados segredos mais ou menos<br />

sombrios, e em que os fantasmas <strong>de</strong><br />

culpas nunca confessadas, vão à vez<br />

subindo ao palco em arremedos <strong>de</strong><br />

tragédia. Este é um “romance <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ias” em que toda a acção <strong>de</strong>corre<br />

em pouco mais <strong>de</strong> 48 horas numa<br />

quinta meio arruinada na região <strong>de</strong><br />

Bran<strong>de</strong>burgo. Nela se vão reunindo<br />

os antigos companheiros dos dias<br />

radicais cais <strong>de</strong> Jörg, o terrorista que<br />

acaba ba <strong>de</strong> ser indultado (ao fim <strong>de</strong> 24<br />

anos s <strong>de</strong> encarceramento) encarceramento) e que a<br />

irmã ã foi buscar à prisão. Os carros<br />

Merce<strong>de</strong>s ce<strong>de</strong>s e Volvo vão chegando. São<br />

todos os burgueses que estão “bem na<br />

vida”: a”: jornalistas e advogados<br />

famosos, osos, uma pastora com um alto<br />

cargo go na hierarquia religiosa, um<br />

homem mem <strong>de</strong> negócios dono <strong>de</strong> vários<br />

laboratórios oratórios protésicos, uma<br />

professora fessora que escreve ficção...<br />

Schlink chlink constrói em poucas<br />

páginas inas um idílio melancólico<br />

(versão são kitsch) a que não faltam<br />

alguns uns passeios matinais pisando a<br />

erva a húmida por entre as árvores <strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fruto o e também as recordações mais<br />

ou menos amorosas<br />

acompanhadas pelo piar alegre dos<br />

pássaros. Mas tudo isto passa para<br />

segundo plano com a chegada <strong>de</strong><br />

Jörg (que <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong><br />

outra todos acusam) – e ainda mais<br />

tar<strong>de</strong> com a entrada em cena <strong>de</strong><br />

duas personagens não convidadas<br />

para a festa: uma é Marko, um jovem<br />

activista político radical que quer<br />

recuperar a imagem <strong>de</strong> Jörg para o<br />

seu sonho revolucionário, ao qual<br />

preten<strong>de</strong> juntar talvez os<br />

“camaradas muçulmanos”. Marko,<br />

que convenceu Jörg a escrever da<br />

prisão uma mensagem para “um<br />

obscuro congresso <strong>de</strong> esquerda<br />

sobre violência” (facto que lhe ia<br />

custando o indulto), mostra-lhe a<br />

sua admiração: “Os outros tipos da<br />

RAF <strong>de</strong>sistiram humilhantemente e<br />

choraram e lamentaram o que<br />

fizeram e pediram <strong>de</strong>sculpa, tu não.<br />

Não fazes i<strong>de</strong>ia da autorida<strong>de</strong> que<br />

tens.” (pág. 48) A outra personagem<br />

é Ferdinand, o filho <strong>de</strong> Jörg que<br />

ninguém reconhece e com quem ele<br />

não teve contacto algum durante<br />

anos – o jovem introduz-se na festa<br />

como sendo um estudante que está<br />

em passeio aci<strong>de</strong>ntal pelos<br />

arredores.<br />

É com o discurso do filho ao pai<br />

que Bernhard Schlink traz mais uma<br />

vez à literatura o pensamento<br />

central <strong>de</strong> toda a sua obra: a “culpa<br />

colectiva” no passado alemão, a<br />

passagem <strong>de</strong>ssa “culpa mítica” dos<br />

pais para os filhos, como uma<br />

mácula que se herda à laia <strong>de</strong><br />

“pecado original” paganizado. Por<br />

isso o filho (que fala também em<br />

nome dos filhos das vítimas) tem que<br />

dizer ao pai: “Tu és incapaz <strong>de</strong> dizer<br />

a verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sentir dor como os<br />

nazis o eram. Não és nem um<br />

bocadinho melhor do que eles, nem<br />

quando mataste pessoas que não te<br />

tinham feito mal nenhum, nem<br />

Bernhard<br />

Schlink:<br />

a culpa<br />

colectiva<br />

no passado<br />

alemão<br />

quando, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o fazeres, não<br />

conseguiste compreen<strong>de</strong>r aquilo<br />

que tinhas feito. Vocês irritavam-se<br />

com a geração dos vossos pais, a<br />

geração dos assassinos, mas vocês<br />

tornaram-se precisamente iguais a<br />

eles. Tu <strong>de</strong>vias saber o que significa<br />

ser filho <strong>de</strong> um assassino, e tu<br />

tornaste-te um pai assassino, o meu<br />

pai assassino.” (pág. 136)<br />

Só as vítimas po<strong>de</strong>m perdoar,<br />

parece ser o que Schlink nos quer<br />

dizer, sem fazer julgamentos. Ao<br />

Estado e aos outros afectados pelo<br />

acto criminoso, restam<br />

respectivamente o esquecimento e a<br />

reconciliação; e esta última mais não<br />

é do que o aligeirar da culpa daquele<br />

que cometeu o crime (sem<br />

justificações nem compreensões)<br />

mas só até ao ponto em que já não<br />

impossibilita a vida em conjunto.<br />

“O Fim <strong>de</strong> Semana” é um romance<br />

admirável em termos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong><br />

construção narrativa, pena é que as<br />

personagens sejam apresentadas<br />

todas <strong>de</strong> uma maneira tão<br />

superficial.<br />

A burguesia<br />

inestética<br />

Do autor <strong>de</strong> “As cida<strong>de</strong>s<br />

invisíveis”, um conto<br />

moral sobre a febre <strong>de</strong> má<br />

construção que assolou a<br />

Riviera, nos anos 50.<br />

Rui Catalão<br />

A especulação imobiliária<br />

Italo Calvino<br />

(Trad. José Colaço Barreiros)<br />

Teorema<br />

mmmnn<br />

Escrito entre 5 <strong>de</strong><br />

Abril <strong>de</strong> 1956 e 12<br />

<strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1957 (é<br />

com esta datação<br />

precisa que<br />

termina o livro),<br />

“A especulação<br />

imobiliária” é o<br />

terceiro livro <strong>de</strong><br />

Italo Calvino (1923-1985). Foi<br />

publicado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “O barão<br />

trepador” e antes <strong>de</strong> “O cavaleiro<br />

inexistente”, com o qual terminou a<br />

trilogia fantástica iniciada em “O<br />

viscon<strong>de</strong> cortado ao meio”. De<br />

acordo com o autor (cito a<br />

introdução montada pelo tradutor, a<br />

partir <strong>de</strong> três <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

Calvino) é “a história <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>rrota<br />

(um intelectual que se obriga a<br />

armar-se em homem <strong>de</strong> negócios,<br />

contra todas as suas inclinações mais<br />

espontâneas) contei-a (ligando-a<br />

muito a uma época bem precisa, à<br />

Itália dos últimos anos) para dar o<br />

sentido <strong>de</strong> uma época <strong>de</strong> maré-baixa<br />

moral. O protagonista não<br />

ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

MÚSICA<br />

MAZGANI<br />

CENÁRIO<br />

ANTÓNIO CASIMIRO<br />

JOÃO LOURENÇO<br />

BERTOLT BRECHT<br />

ESTRUTURA PATROCINADA PELO<br />

FIGURINOS<br />

BERNARDO MONTEIRO<br />

COREOGRAFIA<br />

CLÁUDIA NÓVOA<br />

SUPERVISÃO AUDIOVISUAL<br />

AURÉLIO VASQUES<br />

LUZ<br />

MELIM TEIXEIRA<br />

[ m/12 ]<br />

QUARTA A SÁBADO 21H30 DOMINGO-MATINÉE 16H00<br />

VERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

DRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOS<br />

COM<br />

ANTÓNIO PEDRO LIMA | CÁTIA RIBEIRO<br />

CARLOS MALVAREZ | CRISTÓVÃO CAMPOS<br />

FRANCISCO PESTANA | JOÃO FERNANDEZ<br />

LUIS BARROS | MAFALDA LENCASTRE<br />

MAFALDA LUÍS DE CASTRO | MARTA DIAS<br />

MIGUEL GUILHERME | MIGUEL TAPADAS<br />

PATRÍCIA ANDRÉ | RUI MORISSON<br />

SARA CIPRIANO | SÉRGIO PRAIA<br />

SOFIA DE PORTUGAL<br />

VASCO SOUSA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 47


Livros<br />

encontra outro modo <strong>de</strong> dar<br />

largas à sua oposição aos tempos<br />

que uma raivosa mimetização do<br />

espírito dos próprios tempos”.<br />

Esta história <strong>de</strong> uma “época bem<br />

precisa” sobre “a febre do cimento”<br />

<strong>de</strong>u-se nos anos 50 na Riviera...<br />

enfim também podia ter acontecido<br />

nos anos 80 no Algarve, ou num<br />

subúrbio da capital, ou até<br />

mesmonos anos 90... Pensando<br />

bem, esta história po<strong>de</strong> muito bem<br />

estar a acontecer algures agora,<br />

on<strong>de</strong> houver uma casinha com um<br />

quintal simpático e um monstro <strong>de</strong><br />

betão a tapar-lhe a linha do<br />

horizonte e a produzir mais uma<br />

família <strong>de</strong>primida.<br />

O que Italo Calvino acompanha<br />

são as motivações (sim, o dinheiro;<br />

sim, as dívidas; sim, o fisco) que<br />

levam uma viúva simpática e bem<br />

formada, acompanhada dos seus<br />

dois filhos intelectuais e bem<br />

pensantes, a ven<strong>de</strong>rem um terreno a<br />

um pato-bravo aldrabão.<br />

Num conto moral em que a<br />

corrupção é vista à escala dos<br />

indivíduos e da família, um filho da<br />

burguesia (Quinto), com um<br />

entusiasmo <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> pelo<br />

comunismo e uma sólida formação<br />

marxista, está sempre <strong>de</strong>stinado a<br />

cair mais alto do que um pobre<br />

montanhês (Caisotti), iludido com as<br />

oportunida<strong>de</strong>s oferecidas pela<br />

explosão turística e ignorante do<br />

labirinto legal-burocrático que<br />

antece<strong>de</strong> o sucesso empresarial.<br />

Quinto, o jovem intelectual<br />

burguês, hesita sobre o que pensar<br />

do seu construtor <strong>de</strong> má fama.<br />

Simpatiza com a sua bochecha<br />

esquerda, “pouco acima dos limites<br />

da granulosa superfície da barba,<br />

quase por baixo do olho” on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobre um arranhão provocado<br />

por uma roseira no jardim da sua<br />

mãe. “Este pormenor parecia<br />

insinuar, naquele curtido rosto <strong>de</strong><br />

homem maduro, uma espécie <strong>de</strong><br />

fragilida<strong>de</strong> infantil”, em oposição à<br />

“ameaça do tubarão, ou do enorme<br />

crustáceo, do caranguejo, que qu era o<br />

48 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

que ele parecia com as grossas mãos<br />

abandonadas sobre os braços do<br />

maple.”<br />

Durante a assinatura do contrato,<br />

no notário, ficamos a saber que o<br />

tubarão, ou caranguejo, não sabe<br />

nadar: “com toda aquela gente<br />

instruída a pôr tudo preto no<br />

branco, Caisotti lançou à sua volta<br />

um olhar como <strong>de</strong> animal que se vê<br />

numa jaula e faz menção <strong>de</strong> recuar<br />

mas sabe que agora é inútil”. Quinto<br />

vê nele um Daniel na cova dos leões<br />

burgueses, mas “ao chegarem à<br />

‘escritura privada’, Caisotti<br />

<strong>de</strong>monstrou-se [sic] pronto a<br />

favorecer os Anfossi em tudo e por<br />

tudo: aliás foi ele mesmo que propôs<br />

alguns truques para que as finanças<br />

não tivessem nada a dizer. E fazia<br />

tudo isto com risadinhas <strong>de</strong><br />

esperteza e pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho,<br />

erguendo à sua volta um pântano <strong>de</strong><br />

cumplicida<strong>de</strong>s”.<br />

Quinto, o jovem intelectual<br />

burguês, à semelhança do seu autor,<br />

já vive fora da Riviera da sua<br />

juventu<strong>de</strong>, por troca com uma<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> cida<strong>de</strong> do norte. Encontra-se<br />

a fazer uma transição dos anos<br />

i<strong>de</strong>alistas para a nova “realida<strong>de</strong> dos<br />

tempos”. A nova (e confusa) batalha<br />

que combate na sua consciência é<br />

pela burguesia, mas ainda assim<br />

contra os burgueses: “sentia-se <strong>de</strong><br />

novo a fazer parte da velha<br />

burguesia da sua terra, solidário na<br />

<strong>de</strong>fesa dos mo<strong>de</strong>stos interesses<br />

instalados, e ao mesmo tempo<br />

percebia que todos os seus<br />

movimentos não faziam senão<br />

favorecer a ascensão <strong>de</strong> Caisotti,<br />

uma equívoca e antiestética<br />

burguesia <strong>de</strong> nova cunhagem, como<br />

antiestética e imoral era a verda<strong>de</strong>ira<br />

face dos tempos que corriam.”<br />

Enfim, Caisotti é antiestético, mas<br />

a imoralida<strong>de</strong> vai toda para o jovem<br />

intelectual burguês – e ambos<br />

pertenceram à resistência! “Dois<br />

partisans, um al<strong>de</strong>ão e um<br />

estudante, dois que se haviam<br />

rebelado ao mesmo tempo, com a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Itália estava toda por<br />

refazer a partir do zero; e agora ei-<br />

los ali, o que se tornaram, dois<br />

que<br />

aceitam o mundo tal como está está, que<br />

só só pensam no dinheiro (...) doi dois<br />

patos-bravos da construção civ civil (...)<br />

e naturalmente tentam esmaga esmagar-se<br />

um ao outro. Contudo – observ observou<br />

Quinto Quinto – o al<strong>de</strong>ão tinha tinha mantido mantid<br />

aquela atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar co como<br />

lutas sociais todas as dificuldad dificulda<strong>de</strong>s<br />

que se lhe apresentavam.”<br />

A injustiça social resi<strong>de</strong> resid no<br />

facto dos proprietári proprietários já<br />

não terem uma gen genuína<br />

relação com a terra: terr<br />

vivem vivem nas <strong>gran<strong>de</strong></strong> <strong>gran<strong>de</strong></strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s e o dinhe dinheiro<br />

que preten<strong>de</strong>m fa fazer<br />

que era o i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a Itália estava toda<br />

Ítalo Calvino haveria <strong>de</strong><br />

subir a outras e maiores<br />

alturas, mas este é capaz<br />

<strong>de</strong> ter sido mesmo o livro<br />

em que “disse mais coisas”<br />

com a especulação imobiliária é<br />

menos influenciado pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar impostos do<br />

que pela expectativa <strong>de</strong> um lucro<br />

sem esforço; opostamente, os<br />

arrivistas são <strong>de</strong>masiado<br />

<strong>de</strong>squalificados para se<br />

aperceberem que a sua forma <strong>de</strong><br />

avançarem com os negócios está a<br />

gerar o cenário que acabará por<br />

<strong>de</strong>struir as suas ambições <strong>de</strong><br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>za.<br />

A repulsa é o sentimento<br />

dominante. Neste saco <strong>de</strong> gatos, em<br />

que todos merecem ser escaldados<br />

(inclusivamente a consciência<br />

analítica do autor disfarçado por trás<br />

da personagem principal) o<br />

momento <strong>de</strong> consciência trágica<br />

dá-se com Caisotti, quando se<br />

apercebe que traiu e humilhou e<br />

abandonou o seu mais fiel<br />

trabalhador. Está ao volante <strong>de</strong> uma<br />

motocicleta, e arranca aos<br />

solavancos, cego pelas lágrimas e<br />

com um lenço ensanguentado a<br />

tapar-lhe meta<strong>de</strong> dos olhos.<br />

Ítalo Calvino haveria <strong>de</strong> subir a<br />

outras e maiores alturas, mas este é<br />

capaz <strong>de</strong> ter sido mesmo o livro em<br />

que “disse mais coisas”.<br />

Vidas imaginadas<br />

A Boneca <strong>de</strong> Kokoschka<br />

Afonso Cruz<br />

Quetzal<br />

mmmnn<br />

A boneca que dá<br />

título a este<br />

romance foi<br />

mandada<br />

construir pelo<br />

artista austríaco<br />

Oskar Kokoschka<br />

(1886-1980)<br />

<strong>de</strong>pois do fim da<br />

sua relação com<br />

Alma Mahler. Era uma cópia<br />

minuciosa da mulher amada, em<br />

tamanho real, e que ele tratava<br />

como se fosse uma pessoa viva,<br />

numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pigmalião<br />

amargurado. Um dia, enfureceu-se e<br />

<strong>de</strong>struiu-a. Esse episódio verda<strong>de</strong>iro<br />

surge aqui como manifesto em favor<br />

das vidas inventadas, como aquelas<br />

que Afonso Cruz esboçou nos seus<br />

livros anteriores, nomeadamente em<br />

“Enciclopédia da Estória Universal”<br />

(2009), que ganhou o Gran<strong>de</strong><br />

Prémio <strong>de</strong> Conto Camilo Castelo<br />

Branco.<br />

Embora “Enciclopédia” não fosse<br />

exactamente um livro <strong>de</strong> contos, a<br />

sua brevida<strong>de</strong> e inventivida<strong>de</strong> podia<br />

ser aproximada ao conto; mas “A<br />

Boneca <strong>de</strong> Kokoschka” adapta-se<br />

mal ao formato romance, embora<br />

mantenha intactas as virtu<strong>de</strong>s da<br />

“Enciclopédia”. Afonso Cruz é<br />

realizador <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> animação,<br />

ilustrador, músico, agricultor, e os<br />

seus textos seguem sempre pelas<br />

mais diversas direcções. Neste livro,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

De há uns meses para cá eles são a minha malta<br />

preferida. Cinco homens e uma mulher, os seis<br />

cronistas do Blog da Companhia, todos <strong>de</strong> alguma<br />

forma ligados à editora brasileira Companhia das<br />

Letras. já não consigo conceber a minha vida sem<br />

os seus escritos e quando as vielas <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> se enchem <strong>de</strong><br />

água, só penso em chegar a casa, e com pés quentinhos<br />

mergulhar nas crónicas daquela galera (a maneira, no Brasil,<br />

para dizer “malta”). Assim se começa bem uma noite, em<br />

agradável companhia. Nunca sei qual é o dia que pertence a<br />

cada um, mas não me importo, é sempre mais agradável<br />

quando há surpresas.<br />

Com o escritor Tony Bellotto, compositor e guitarrista da<br />

banda <strong>de</strong> rock brasileira Titãs, aprendi rapidamente que “vida<br />

<strong>de</strong> guitarrista escritor não é pudim”. Lá me imagino a andar<br />

<strong>de</strong> bicicleta entre Ipanema e o Leblon, no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

e por mim passam, tal como passam por Tony, escritores<br />

cariocas “quase nunca nascidos no Rio”, como Rubem<br />

Fonseca, mineiro <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, ou o baiano João Ubaldo.<br />

numa das suas crónicas Tony conta o que lhe disse uma vez<br />

Alberto Renault, outro escritor carioca – “o difícil é fi car em<br />

casa escrevendo com essa cida<strong>de</strong> pulsando do lado <strong>de</strong> fora”.<br />

sei bem o quanto isso é verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> não estar lá.<br />

Com as crónicas <strong>de</strong> Luiz Schwarcz, editor da Companhia<br />

das Letras e autor do livro <strong>de</strong> contos “Linguagem <strong>de</strong> sinais”<br />

(cujas histórias também passam<br />

De há uns meses para<br />

cá eles são a minha<br />

malta preferida. Cinco<br />

homens e uma mulher,<br />

os seis cronistas do<br />

Blog da Companhia<br />

Blog da Companhiahttp://www.blogdacompanhia.<br />

com.br/<br />

University Blog<br />

http://universitydiary.wordpress.com/<br />

Viva a malta<br />

da Companhia!<br />

por Portugal), emociono-me<br />

sempre. Ele vai recordando<br />

episódios da amiza<strong>de</strong> que<br />

mantém com os escritores que<br />

publica, lembra o legado do o<br />

pai e do avô e conta episódios dios<br />

da “petite histoire” do mundo ndo<br />

editorial (por lá passam as feiras feiras<br />

<strong>de</strong> Frankfurt, a festa literária ria<br />

<strong>de</strong> Paraty, etc). Em alguns<br />

momentos faz-me rir: como o<br />

s<br />

es <strong>de</strong><br />

ra<br />

no caso das memórias da viagem que fez com escritores<br />

brasileiros ao festival Hay on Wye ou com as atribulações <strong>de</strong><br />

John Updike, no Brasil, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter viajado em primeira<br />

classe. Revela-nos parte da carta que enviou a Rubem<br />

Fonseca, quando este ainda não tinha entrado no catálogo ogo<br />

da sua editora, para o convencer a ser seu autor: “a Carmen men<br />

[Ballcels, agente literária] não acha que estou à altura <strong>de</strong> e sua<br />

obra, mas só posso dizer que ninguém gosta mais <strong>de</strong> seus us<br />

livros do que eu. Talvez isso me qualifi que para um dia ser<br />

seu editor”.<br />

Como se isto não fosse sufi ciente, ainda escrevem no Blog<br />

da Companhia o escritor Joca Reiners Terron, a editora <strong>de</strong><br />

literatura infantil Júlia Moritz Schwarcz, o <strong>de</strong>signer gráfi co<br />

Fabio Uehara e por fi m o surpreen<strong>de</strong>nte crítico <strong>de</strong> BD Erico rico<br />

Assis, que sabe que o livro em papel não vai acabar e a culpa<br />

é <strong>de</strong>le. “Estou longe <strong>de</strong> ser ‘luddita’. Leio bastante no iPad ad<br />

(como já comentei em outra coluna) e tem alguns anos que<br />

quadrinhos e literatura chegam aos meus olhos pela tela a do<br />

computador. Mas sofro <strong>de</strong> uma compulsão por comprar r<br />

tudo que li na tela — ou tudo aquilo que gostei quando li i na<br />

tela — na versão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Em papel. Na prateleira, com om<br />

as lombadas viradas para mim”, confessa Assis.<br />

O Blog da Companhia é “um espaço <strong>de</strong>dicado à cultura ra<br />

do livro” e conta com a colaboração <strong>de</strong> todos os leitores. .<br />

Perguntem à “chefa do blog”, Juliana Vettore, como o<br />

po<strong>de</strong>m fazer.<br />

Nota: Vou <strong>de</strong> férias, regresso em Dezembro.<br />

con jec tu rar pro jec tos, proi bir<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)


tanto invoca Pitágoras como parodia<br />

Chandler ou cita o Talmu<strong>de</strong>. Mas a<br />

erudição vem sempre aliada a uma<br />

multiplicação <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong><br />

vida. Mesmo que sejam vidas<br />

imaginadas.<br />

A princípio, o romance parece<br />

razoavelmente “realista”, a história<br />

<strong>de</strong> um homem que tem uma loja <strong>de</strong><br />

pássaros, Bonifaz Vogel, <strong>de</strong> um<br />

rapaz ju<strong>de</strong>u que se escon<strong>de</strong> na cave<br />

do comerciante, Isaac Dresner, e <strong>de</strong><br />

uma judia com chagas que se junta<br />

àquela família improvisada, Tsilia<br />

Kacev. A acção passa-se em Dres<strong>de</strong>n,<br />

arrasada pela aviação dos Aliados<br />

em Fevereiro <strong>de</strong> 1945.<br />

Rapidamente percebemos, no<br />

entanto, que não haverá “acção”, e<br />

que mesmo o tema “Dres<strong>de</strong>n” serve<br />

apenas como ícone da existência do<br />

mal no mundo. A verda<strong>de</strong> é que a<br />

narrativa avança, quase sempre em<br />

capítulos curtos, e já estamos com<br />

Mathias Popa, um escritor sem<br />

sucesso que um dia roubou um<br />

manuscrito a Thomas Mann e o<br />

publicou como se fosse seu. Seguese,<br />

paginado quase como um livro<br />

<strong>de</strong>ntro do livro, uma obra <strong>de</strong> Popa,<br />

acerca <strong>de</strong> família chamada Varga. E<br />

o último terço <strong>de</strong> “A Boneca <strong>de</strong><br />

Kokoschka” é precisamente sobre a<br />

família Varga.<br />

As personagens procuram-se<br />

umas às outras, e tudo acaba sempre<br />

nalguma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro. Às<br />

vezes não é claro o que é real ou<br />

ficcionado, porque surgem várias<br />

profissões <strong>de</strong> fé na ficção como<br />

melhor amiga do homem. Nalguns<br />

casos, isso funciona, <strong>de</strong>ntro da<br />

narrativa, como estratégia literária,<br />

igual à daquele editor que<br />

encomenda biografia imaginárias,<br />

<strong>de</strong>pois encomenda livros fictícios<br />

dos biografados e até encomenda<br />

biografias dos biógrafos. Cruz faz a<br />

apologia da escrita labiríntica, em<br />

que realida<strong>de</strong> e ficção se<br />

confun<strong>de</strong>m; mas também nos diz<br />

que a visão do mundo é uma<br />

acumulação <strong>de</strong> visões parciais<br />

sobrepostas. E algumas <strong>de</strong>las<br />

imaginadas.<br />

O livro lê-se pois como uma<br />

sucessão <strong>de</strong> invenções ficcionais e<br />

ficcionadas, em registo geralmente<br />

poético ou irónico. È às vezes<br />

frustrante seguir os percursos<br />

cruzados ou interrompidos das<br />

personagens, tanto há<br />

caracterização psicológica como<br />

falta <strong>de</strong>la, mas nunca escasseiam<br />

boas i<strong>de</strong>ias e observações insólitas.<br />

Há pessoas classificadas como notas<br />

musicais, a morte que é uma<br />

máquina que lê códigos <strong>de</strong> barras,<br />

uma prostituta que faz <strong>de</strong>scontos a<br />

homens <strong>de</strong> esquerda. E perguntas.<br />

Quem sepultará o último homem?<br />

Porque não crescem árvores <strong>de</strong>ntro<br />

dos pássaros? Porque é que uma<br />

frágil folha só se dobra no máxim máximo<br />

quatro vezes?<br />

“A Boneca <strong>de</strong> Kokoschka” é uma um<br />

espécie <strong>de</strong> livro-jogo, recomendável<br />

recomendá<br />

pela sua feição imaginativa e lúdi lúdica,<br />

não obstante a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

paixões tristes que conta. Talvez seja<br />

um romance falhado, mas sobretudo sobret<br />

revela alguma inaptidão do género géne<br />

romanesco para este tipo <strong>de</strong><br />

ficção borgesiana. Borges, já j se<br />

sabe, nunca escreveu<br />

romances.<br />

Pedro Mexia<br />

umas às outras, e tudo acaba sempre Porque não crescem árvores <strong>de</strong>n<br />

Afonso Cruz<br />

é realizador<br />

<strong>de</strong> fi lmes <strong>de</strong><br />

animação,<br />

ilustrador,<br />

músico,<br />

agricultor,<br />

e os seus<br />

textos seguem<br />

sempre pelas<br />

mais diversas<br />

direcções<br />

21:00 SALA SUGGIA<br />

Emilio Pomàrico direcção musical<br />

Noa Frenkel contralto<br />

Jonathan Ayerst piano<br />

Obras <strong>de</strong> Wolfram Schurig,<br />

Mark André, Emmanuel Nunes<br />

e Franco Donatoni<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 49


Cinema<br />

Sexta,<br />

5 Novembro,<br />

EMIR<br />

KUSTURICA<br />

por mais 1,95€.<br />

<br />

50 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

“A Re<strong>de</strong> Social: um fi lme sobre o po<strong>de</strong>r e a ambição<br />

Estreiam<br />

A verda<strong>de</strong>ira<br />

re<strong>de</strong> social<br />

não está<br />

online<br />

O filme <strong>de</strong> Fincher não é<br />

tanto um filme mo<strong>de</strong>rno<br />

sobre o Facebook como um<br />

filme clássico sobre o po<strong>de</strong>r.<br />

Jorge Mourinha<br />

A Re<strong>de</strong> Social<br />

The Social Network<br />

De David Fincher,<br />

com Jesse Eisenberg, Andrew Garfield,<br />

Justin Timberlake, Armie Hammer,<br />

Max Minghella, Josh Pence. M/12<br />

MMMMn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />

21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h30 6ª 15h20, 18h10, 21h30,<br />

00h10 Sábado 12h50, 15h20, 18h10, 21h30, 00h10<br />

Domingo 12h50, 15h20, 18h10, 21h30; Castello<br />

Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h,<br />

21h30, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala<br />

6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />

18h40, 21h30, 00h05; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 21h40, 24h; CinemaCity Alegro<br />

Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h05,<br />

18h20 Sábado Domingo 11h35, 13h50, 16h05,<br />

18h20; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª<br />

6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h20, 21h35, 23h50<br />

Sábado Domingo 11h30, 13h45, 16h, 18h20, 21h35,<br />

23h50; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10,<br />

18h40, 21h30, 23h50 Sábado Domingo 11h35,<br />

13h50, 16h10, 18h40, 21h30, 23h50; CinemaCity<br />

Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h55, 16h10, 18h30, 21h30 6ª Sábado 13h55,<br />

Projecto?<br />

Dream team, Al Pacino,<br />

Robert DeNiro e Joe<br />

Pesci num fi lme <strong>de</strong><br />

Martin Scorsese? “The<br />

Irishman”, futuro projecto<br />

do realizador norteamericano,<br />

está a trazer<br />

para a imprensa esse<br />

16h10, 18h30, 21h30, 23h50; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas<br />

- El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 14h, 16h30, 19h10,<br />

21h35, 00h20 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />

19h10, 21h55, 00h20 Domingo 11h30, 14h, 16h30,<br />

19h10, 21h55, 00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 3:<br />

5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h35, 19h20, 21h50 6ª<br />

Sábado 14h, 16h35, 19h20, 21h50, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h50, 00h30; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40, 18h40, 21h30,<br />

00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h40, 18h30, 21h30,<br />

00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª Sábado<br />

15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20<br />

6ª 15h40, 18h30, 21h20, 00h15 Sábado 12h50,<br />

15h40, 18h30, 21h20, 00h15 Domingo 12h50,<br />

15h40, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h40, 18h30, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 16h, 18h45, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h30, 00h20 ; Castello<br />

Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h10, 21h30 6ª 15h30, 18h10, 21h30, 00h10<br />

Sábado 13h, 15h30, 18h10, 21h30, 00h10 Domingo<br />

13h, 15h30, 18h10, 21h30; Castello Lopes - Fórum<br />

Barreiro: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h30<br />

6ª 15h50, 18h30, 21h30, 24h Sábado 13h10, 15h50,<br />

18h30, 21h30, 24h Domingo 13h10, 15h50, 18h30,<br />

21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª<br />

6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h30, 24h Sábado<br />

Domingo 13h20, 15h50, 18h30, 21h30, 24h; UCI<br />

Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h25, 21h30<br />

6ª 15h40, 18h25, 21h30, 00h05 Sábado 13h25,<br />

15h40, 18h25, 21h30, 00h05 Domingo 13h25,<br />

15h40, 18h25, 21h30; ZON Lusomundo Almada<br />

Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55,<br />

15h40, 18h40, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h40, 18h40, 21h30, 00h10;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h50, 16h25, 19h, 21h40, 00h25 3ª<br />

4ª 16h25, 19h, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

15h50, 18h30, 21h50 6ª Sábado 15h50, 18h30,<br />

21h50, 00h25; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40 6ª<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h20; ZON<br />

Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h40, 21h30,<br />

00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h50,<br />

21h45, 00h35; ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30,<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

rumor. Seria, também,<br />

o reencontro <strong>de</strong> Pesci sci<br />

e DeNiro <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Casino” (1995). História: stória:<br />

a vida <strong>de</strong> Frank Sheeran, eeran,<br />

presumível assassino ino <strong>de</strong><br />

Jimmy Hoff a.<br />

18h40, 21h40, 00h30; Castello Lopes - 8ª<br />

Avenida: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30<br />

6ª 15h50, 18h40, 21h30, 24h Sábado 13h20, 15h50,<br />

18h40, 21h30, 24h Domingo 13h20, 15h50, 18h40,<br />

21h30; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h35, 21h10,<br />

00h15;<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> tudo o que<br />

possam ter lido, ouvido ou mesmo<br />

antecipado, sobre “A Re<strong>de</strong> Social”,<br />

este não é um filme sobre o<br />

Facebook. Nem sobre a internet,<br />

sobre a tecnologia, sobre o modo<br />

como ela nos mudou a vida (mesmo<br />

que isso esteja lá, nas entrelinhas).<br />

“A Re<strong>de</strong> Social” é um filme sobre<br />

um assunto muito menos tópico e<br />

muito mais clássico do que parece:<br />

o po<strong>de</strong>r e a ambição – e nesse<br />

aspecto tanto podia ser sobre o<br />

Facebook como sobre o Google, a<br />

Starbucks ou o BCP. Nesse aspecto,<br />

aliás, é também um filme que<br />

remete para uma Hollywood<br />

clássica que já não faz filmes sobre<br />

as lutas do po<strong>de</strong>r corporativo há<br />

uns largos anitos por não serem<br />

suficientemente emocionantes para<br />

a audiência <strong>de</strong> adolescentes que a<br />

mantém viva. “A Re<strong>de</strong> Social” é,<br />

paradoxalmente, um filme sobre a<br />

adolescência. Ou, melhor, sobre o<br />

modo como a transportamos<br />

connosco para a ida<strong>de</strong> adulta, e<br />

como ela fica menos para trás do<br />

que qualquer um <strong>de</strong> nós acha à<br />

partida. Os processos judiciais que<br />

servem <strong>de</strong> âncora narrativa não são<br />

mais do que versões sérias,<br />

“adultas”, das partidas e das praxes<br />

universitárias; tudo se reduz às<br />

rivalida<strong>de</strong>s petulantes, quase <strong>de</strong><br />

adolescente que se quer impôr, <strong>de</strong><br />

quem tem mais dinheiro, o carro<br />

mais espalhafatoso, a moto mais<br />

potente, a namorada mais<br />

estonteante.No guião do<br />

dramaturgo e argumentista Aaron<br />

Sorkin (“Uma Questão <strong>de</strong> Honra”,<br />

“Os Homens do Presi<strong>de</strong>nte”),<br />

inspirado no controverso livro <strong>de</strong><br />

Ben Mezrich, o Facebook é um<br />

mero arquétipo, usado para<br />

<strong>de</strong>smontar a singularida<strong>de</strong> da<br />

empresa — apresentada como uma<br />

mera extensão da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

validação social que todos temos<br />

— e para revelar a sua<br />

universalida<strong>de</strong> — reproduzindo os<br />

lugares-comuns clássicos das lutas<br />

pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos<br />

imemoriais. Mark Zuckerberg<br />

(espantosa criação <strong>de</strong> Jesse<br />

Eisenberg) po<strong>de</strong> ser o mais jovem<br />

milionário do mundo, mas como<br />

disse (e bem) David Fincher ao “Le<br />

Mon<strong>de</strong>”, ser-se milionário aos<br />

<strong>de</strong>zanove anos não é pêra doce.<br />

E é numa das melhores frases <strong>de</strong><br />

um guião notável que se <strong>de</strong>ve<br />

encontrar a chave <strong>de</strong> “A Re<strong>de</strong><br />

Social”: “todos os mitos <strong>de</strong> criação<br />

“O Último Verão da Boyita”:<br />

a entdada na ida<strong>de</strong> adulta


As estrelas do público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Uma Família Mo<strong>de</strong>rna mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

A Cida<strong>de</strong> mmnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Deixa-me entrar mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Gainsbourg: Vida Heróica mmmnn mmnnn mmnnn mmmnn<br />

Lola mmmmn nnnnn mmmmn mmmmm<br />

Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> mmmnn mmmnn mmmmm mmmnn<br />

36 Vistas do Monte Saint-Loup mmmnn mmmmn mmmmn mmmnn<br />

A Re<strong>de</strong> Social mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

O Refúgio mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

O Último Verão da Boyita mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

precisam <strong>de</strong> um <strong>de</strong>mónio”. É por<br />

isso que não há computadores nem<br />

virtualida<strong>de</strong>s naquele que é o<br />

menos virtual e mais real filme <strong>de</strong><br />

Fincher até ao momento: este não é<br />

um filme sobre um site internet<br />

nem sobre o modo como ele mudou<br />

o mundo, é um filme sobre pessoas<br />

e sobre o modo como as relações<br />

virtuais não substituem as relações<br />

verda<strong>de</strong>iras do mundo real.<br />

É também por isso que não vale a<br />

pena procurar aqui um qualquer<br />

relato fiel e fi<strong>de</strong>digno da “verda<strong>de</strong>”<br />

do Facebook (e, para que conste,<br />

ninguém se sai a rir <strong>de</strong>ste retrato –<br />

nem Zuckerberg, nem o sócio<br />

fundador Eduardo Saverin, nem os<br />

gémeos Winklevoss que terão dado<br />

a i<strong>de</strong>ia original a Zuckerberg, não<br />

há santos nem pecadores). Não era<br />

isso que interessava nem a Sorkin<br />

nem a Fincher. A verda<strong>de</strong>ira re<strong>de</strong><br />

social não está online, e é essa a<br />

chave do guião (que <strong>de</strong>ve aliás bater<br />

um qualquer recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> débito <strong>de</strong> diálogos): por trás da<br />

internet estão apenas as mesmas<br />

velhas questões <strong>de</strong> sempre que<br />

fazem <strong>de</strong> nós quem somos. Dirão<br />

que isso faz <strong>de</strong> “A Re<strong>de</strong> Social”<br />

menos um filme do que uma peça?<br />

Ah, mas é aí que entra a mãozinha<br />

mágica <strong>de</strong> Fincher, que se limita a<br />

sustentar, com <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e<br />

inteligência, a estrutura <strong>de</strong> Sorkin,<br />

mas que o faz sem cair na armadilha<br />

<strong>de</strong> filmar à velocida<strong>de</strong> da internet<br />

ou <strong>de</strong> dirigir uma peça filmada. É<br />

mais difícil do que parece, e a<br />

mestria <strong>de</strong> Fincher é a <strong>de</strong> estar à<br />

altura do argumento que lhe coube<br />

filmar.<br />

“A Re<strong>de</strong> Social” é um <strong>gran<strong>de</strong></strong><br />

filme. E é um <strong>gran<strong>de</strong></strong> filme sobre<br />

coisas muito mais universais do que<br />

o Facebook.<br />

Continuam<br />

O Último Verão da Boyita<br />

El Último Verano <strong>de</strong> la Boyita<br />

De Julia Solomonoff,<br />

com Guadalupe Alonso, Nicolás Treise,<br />

Mirella Pascual, Gabo Correa. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h,<br />

20h, 22h, 24h;<br />

A “Boyita” do título é uma caravana<br />

flutuante que seduziu os campistas<br />

argentinos nos anos 1970 e 1980,<br />

mas tem pouca ou nenhuma<br />

relevância narrativa para o que se<br />

conta no belo segundo filme <strong>de</strong> Julia<br />

Solomonoff – o <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> dois<br />

adolescentes para o seu próprio<br />

corpo, num longínquo Verão<br />

campestre dos anos 1980. A<br />

relevância da “Boyita” é como um<br />

símbolo <strong>de</strong>sse passado que se <strong>de</strong>ixa<br />

para trás quando se percebe que,<br />

quase sem dar por isso, começamos<br />

a ser adultos. E a realizadora<br />

argentina encena esses momentoschave<br />

com a atenção e a elegância<br />

<strong>de</strong> quem sabe como são<br />

importantes mesmo que na altura<br />

não o pareçam, ou que só o<br />

percebamos à posteriori. O que<br />

resulta daqui é um filme inteligente<br />

que aborda a entrada na ida<strong>de</strong><br />

adulta por um ângulo invulgar,<br />

seduzindo-nos lentamente com a<br />

justeza do tom, dos actores, da<br />

encenação. É mais uma bela estreia<br />

para juntar à vitalida<strong>de</strong><br />

aparentemente inesgotável do novo<br />

cinema argentino. J. M.<br />

Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

De Raoul Ruiz<br />

com Adriano Luz, Maria João<br />

Bastos, Ricardo Pereira, Clotil<strong>de</strong><br />

Hesme, Afonso Pimentel, João Luís<br />

Arrais, Albano Jerónimo, João<br />

Baptista. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 20h30; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 11h, 16h, 21h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h30, 19h30; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 20h30; ZON<br />

“Mistérios <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>”:<br />

cada personagem<br />

como um abismo<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 21h;<br />

Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h;<br />

Súmula “ruiziana”, po<strong>de</strong> ser,<br />

sobretudo aquela experiência <strong>de</strong><br />

que cada personagem, cada vida, é<br />

um abismo. Em “Mistérios <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong>” progredimos, então, <strong>de</strong><br />

queda em queda. É uma vertigem<br />

em câmara lenta. Não pela duração<br />

(cerca <strong>de</strong> quatro horas e meia <strong>de</strong><br />

filme) mas porque Ruiz contém o<br />

seu corte e colagem surrealizante – o<br />

espectador po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar-se cair sem<br />

ser distraído com <strong>de</strong>masiados<br />

acontecimentos. A primeira hora <strong>de</strong><br />

filme, então, é surpreen<strong>de</strong>nte:<br />

quando reparamos estamos já<br />

envolvidos pela loucura que dorme<br />

neste filme. Mas acontece que a<br />

queda vai sendo aparada ao longo<br />

das quatro horas, o mecanismo<br />

torna a coisa reconhecível. Deixa <strong>de</strong><br />

ser nítida a autonomia do folhetim<br />

em relação à televisão - problema do<br />

espectador, que se <strong>de</strong>ixou<br />

anestesiar, po<strong>de</strong> ser, problema<br />

também <strong>de</strong> “reconhecimento” dos<br />

actores, rostos que todos os dias nos<br />

aparecem na televisão; problema,<br />

enfim, do realizador, que às tantas<br />

entra em piloto automático. E vale a<br />

pena, claro Vasco Câmara<br />

36 Vistas do Monte Saint-Loup<br />

36 Vues du pic Saint-Loup<br />

De Jacques Rivette,<br />

com Sergio Castellito, Jane Birkin ,<br />

André Marcon, Jacques Bonnaffé,<br />

Julie-Marie Parmentier. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h35, 18h20,<br />

20h05, 22h05 Sábado Domingo 12h, 14h15, 16h35,<br />

18h20, 20h05, 22h05;<br />

Esta história <strong>de</strong> um diletante italiano<br />

que, intrigado por uma mulher, se<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a seduzi-la e no processo a<br />

encontrar a paz consigo mesma<br />

partilha o mesmo ADN <strong>de</strong> boulevard<br />

teatral, comédia <strong>de</strong> enganos<br />

estilizada, <strong>de</strong> obras mais recentes<br />

Cine-teatro S. Pedro<br />

Largo S. Pedro - Abrantes<br />

Estômago<br />

De Marcos Jorge, 2007, M/16<br />

10/11, 21:30h<br />

Cinema Teixeira <strong>de</strong><br />

Pascoaes<br />

Centro Comercial Santa Luzia - Amarante<br />

O Escritor Fantasma<br />

De Roman Polanski, 2009, M/12<br />

05/11, 21:30h<br />

Se<strong>de</strong> do Cine Clube do<br />

Barreiro<br />

Rua Almirante Reis, nº. 111, Barreiro<br />

Ruínas<br />

De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />

05/11, 21:30h<br />

4 Copas<br />

De Manuel Mozos, 2009, M/12<br />

06/11, 17:00h<br />

Casa das Artes <strong>de</strong> Vila<br />

Nova <strong>de</strong> Famalicão<br />

Parque <strong>de</strong> Sinçães – Famalicão (CC <strong>de</strong> Joane)<br />

Conto De Inverno<br />

De Eric Rohmer, 1991, M/12 Q<br />

09/11, 21:30h<br />

Presente De Morte<br />

De Richard Kelly, ly, 2009,<br />

M/12<br />

11/11, 21:30h<br />

Auditório o IPJ<br />

Rua da PSP, Faro<br />

Histórias Da<br />

Ida<strong>de</strong> De<br />

Ouro<br />

De Ioana<br />

Uricaru, “Whisky”<br />

Projecto Pr P oje Uma campanha<br />

eleitoral – que outra<br />

coisa po<strong>de</strong>ria ser? –<br />

está em pano <strong>de</strong> fundo<br />

na próxima realização <strong>de</strong><br />

George Clooney, “Farragut<br />

North”. Entre os intérpretes:<br />

Philip Seymour Hoff man e<br />

Paul Giamatti.<br />

Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt<br />

“Vão-Me Buscar Alecrim”, dos irmãos Safdie, em Vila do Con<strong>de</strong><br />

Hanno Höffer, Rãzvan Mãrculescu,<br />

2010, M/12<br />

08/11, 21:30h<br />

Cinemas Ria Shoping<br />

– Sala 3<br />

Estrada Nacional 125, 100 – Olhão<br />

Irene<br />

De Alain Cavalier, 2009, M/12<br />

09/11, 21:30h<br />

Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />

Vila do Con<strong>de</strong><br />

Av. João Canavarro –Vila do Con<strong>de</strong><br />

Vão-me Buscar Alecrim<br />

De Ben Safdie e Joshua Safdie, 2009,<br />

M/12<br />

07/11, 16:00h/21:45h<br />

Cine-teatro António<br />

Pinheiro<br />

R. Guilherme Gomes Fernan<strong>de</strong>s, 5 - Tavira<br />

John Rabe - O Negociador<br />

De Florian Gallenberger, 2009, M/12<br />

07/11, 21:30h<br />

<strong>Lisboa</strong> Domiciliária<br />

De Marta Pessoa, 2010, M/12<br />

11/11, 21:30h<br />

Teatro Virgínia<br />

Largo José Lopes dos Santos – Torres Novas<br />

Lyubav 2.1. (curta-metragem)<br />

De Casimir Nikodim, 2009, M/16<br />

Sem Nome<br />

De Cary Fukunaga, 2009, M/16<br />

10/11, 21:30h<br />

Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong><br />

Vila do Con<strong>de</strong><br />

Av. João Canavarro - Vila do Con<strong>de</strong><br />

Vão-Me Vão Me Buscar Alecrim A<br />

De Ben Safdie e Jo Joshua Safdie,<br />

M/12, 2009<br />

07/11, 16:00h e 21:45h<br />

Auditório IPJ<br />

R. Dr. Aresti<strong>de</strong>s <strong>de</strong> So Sousa Men<strong>de</strong>s, 33 - Viseu<br />

Whisky W<br />

De Juan Pablo<br />

Rebella e Pablo<br />

Stoll, 2004, M/12<br />

09/11, 21:00h<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 51


Cinema<br />

Sexta, 05<br />

O Prazer<br />

Le Plaisir<br />

De Max Ophüls. Com Jean Gabin,<br />

Ma<strong>de</strong>leine Renaud, Danielle<br />

Darrieux. 97 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Regresso <strong>de</strong> Frank James<br />

The Return of Frank James<br />

De Fritz Lang. Com Henry Fonda,<br />

Gene Tierney, John Carradine. 92<br />

min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Encontro<br />

Ren<strong>de</strong>z-Vous<br />

De André Téchiné. Com Juliette<br />

Binoche, Lambert Wilson, Wa<strong>de</strong>ck<br />

Stanczak. 87 min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

O Sargento Negro<br />

Sergeant Rutledge<br />

De John Ford. Com Billie Burke,<br />

Constance Towers, Jeffrey Hunter,<br />

Woody Stro<strong>de</strong>. 109 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

A Culpa dos Inocentes<br />

Les Innocents<br />

De André Téchiné. Com Jean-Clau<strong>de</strong><br />

Brialy, Simon <strong>de</strong> La Brosse, Sandrine<br />

Bonnaire. 96 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Sábado, 06<br />

Silvestre<br />

De João César Monteiro. Com Luís<br />

Miguel Cintra, Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros,<br />

Teresa Madruga. 110 min. M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

A Marquesa <strong>de</strong> O<br />

Die Marquise von O.<br />

De Eric Rohmer. Com Bruno Ganz,<br />

Edda Seippel, Edith Clever, Peter eter<br />

Lühr. 107 min. M12.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Point of Or<strong>de</strong>r + L’’aff aire<br />

Dreyfus<br />

Point of Or<strong>de</strong>r<br />

De Emile <strong>de</strong> Antonio. 92 min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Anatomia <strong>de</strong> um Crime<br />

Anatomy of a Mur<strong>de</strong>r<br />

De Otto Preminger. Com Ben<br />

Gazzara, James Stewart, Lee<br />

Remick. 161 min. M12.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Regresso <strong>de</strong> Frank James s<br />

The Return of Frank James s<br />

De Fritz Lang. Com Henry<br />

Fonda, Gene Tierney, John<br />

Carradine. 92 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200<br />

52 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Segunda, 08<br />

Friendly Enemies<br />

De Allan Dwan. Com Charles<br />

Winninger, Charles Ruggles, James<br />

Craig. 95 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Corneille-Brecht + O somma Luce<br />

De Cornelia Geiser, Jean-Marie<br />

Straub. 29 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Não Dou Beijos<br />

J’embrasse Pas<br />

De André Téchiné. Com Emmanuelle<br />

Béart, Hélène Vincent, Manuel Blanc,<br />

Philippe Noiret. 115 min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Dites-Moi Quelque Chose<br />

De Philippe Lafosse. 94 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Pássaros <strong>de</strong> Asas Cortadas<br />

De Artur Ramos. Com Lucia Amram,<br />

Júlia Buisel, Ruy <strong>de</strong> Carvalho. 91 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Terça, 09<br />

Imitação da Vida<br />

Imitation of Life<br />

De Douglas Sirk. Com Jonh Gavin,<br />

Juanita Moore, Lana Turner. 124 min.<br />

M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Juncos Silvestres<br />

Les Roseaux Sauvages<br />

De André Téchiné. Com Élodie<br />

Bouchez, Gaël Morel, Stéphane<br />

Ri<strong>de</strong>au. 110 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Uma Noite na Ópera + The<br />

Playhouse<br />

A Night at the Opera<br />

De Sam Wood. Com Chico Marx,<br />

Groucho Marx, Harpo Marx, Kitty<br />

Carlisle, Morrie Ryskind. 92 min. M12.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Polícia Violento<br />

Sono otoko, kyôbô ni tsuki<br />

De Takeshi Kitano. Com Beat Takeshi,<br />

Maiko Kawakami, Makoto Asikawa,<br />

Shiro Sano. 103 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Takeshi Kitano<br />

na Cinemateca<br />

Rodagem<br />

Céline et Julie vont en Bateau<br />

De Jacques Rivette. Com Juliet Berto,<br />

Dominique Labourier, Bulle Ogier.<br />

185 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quarta, 10<br />

História <strong>de</strong> um Detective<br />

Detective Story<br />

De William Wyler. Com Kirk Douglas,<br />

Eleanor Parker, William Bendix. 103<br />

min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Komal Gandhar<br />

De Ritwik Ghatak. Com Abinash<br />

Bannerjee, Satindra Bhattacharya,<br />

Bijon Bhattacharya.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Estás-te a Safar?<br />

Minnâ-yatteruka!<br />

De Takeshi Kitano. Com Dankan. 108<br />

min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Vertiges<br />

De Christine Laurent. Com Magali<br />

Noël, Krystyna Janda, Paulo Autran.<br />

110 min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Juncos Silvestres<br />

Les Roseaux Sauvages<br />

De André Téchiné. Com Élodie<br />

Bouchez, Gaël Morel, Stéphane<br />

Ri<strong>de</strong>au. 110 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quinta, 11<br />

David Fincher, cher, r<br />

<strong>de</strong> quem se e<br />

estreia esta a<br />

semana<br />

“The Social al<br />

Network”,<br />

escolheu<br />

Rooney Mara ara<br />

Cega Paixão<br />

On Dangerous Ground<br />

De Nicholas Ray. Com Ida Lupino,<br />

Robert Ryan, Ward Bond. 85 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Ponto <strong>de</strong> Ebulição<br />

3-4 x jûgatsu<br />

De Takeshi Kitano. Com Takeshi<br />

Kitano, Yûrei Yanagi, Yuriko Ishida,<br />

Gadarukanaru Taka. 96 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Les Yeux Sans Visage<br />

De Georges Franju. Com Pierre<br />

Brasseur, Edith Scob, Alida Valli. 91<br />

min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Xi meng ren sheng<br />

De Hsiao-hsien Hou. Com TTianlu<br />

Li,<br />

Giong Lim, Ming Hwa Bai. 1142<br />

min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Os Rapazes<br />

Regressam<br />

Regr<br />

Kidzu Ki<br />

Ritan Ri R<br />

De Takeshi<br />

Kita Kitano. Com<br />

Hatsu Hatsuo<br />

Yamaya, KKen<br />

Kaneko, Leo Mo Morimoto,<br />

Masanobu Ando. 107 min min. M12.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

do seu realizador como “Sabe-se<br />

Lá!”. Mas, ambientada no universo<br />

<strong>de</strong> um pequeno circo ambulante em<br />

crise após a morte do seu fundador,<br />

transporta também um perfume<br />

melancólico, <strong>de</strong> requiem por algo<br />

(talvez um modo <strong>de</strong> pensar ou <strong>de</strong><br />

fazer o cinema?) em vias <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>saparecimento. “36 Vistas do<br />

Monte Saint-Loup” transforma-se<br />

então numa <strong>de</strong>smontagem metódica<br />

da arte da comédia cruzada <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstração do difícil que é fazer<br />

rir, mas essa elegância (e a presença<br />

sublime <strong>de</strong> Sergio Castellitto) não<br />

evitam alguma ari<strong>de</strong>z, alguma<br />

secura, uma sensação ora <strong>de</strong> piloto<br />

automático ora <strong>de</strong> filme em perda.<br />

Não é vergonha nenhuma para<br />

mestre Rivette dizer que esta<br />

comédia discreta e pacata é uma<br />

entrada menor no corpo da sua<br />

obra, sobretudo <strong>de</strong>pois do sublime<br />

“Não Toquem no Machado” — o que<br />

é vergonha é que essa obra-prima<br />

tenha ficado por estrear em sala<br />

entre nós e tenha saído directamente<br />

para DVD... J.M.<br />

Gainsbourg: Vida Heróica<br />

Gainsbourg (Vie Héroïque)<br />

De Joann Sfar,<br />

com Éric Elmosnino, Lucy Gordon,<br />

Laetitia Casta, Doug Jones, Anna<br />

Mouglalis, Sara Forestier, Mylène<br />

Jampanoï, Yolan<strong>de</strong> Moreau, Kacey<br />

Mottet Klein. M/12<br />

MMMnn<br />

para interpretar<br />

Lisbeth San<strong>de</strong>r<br />

em “The<br />

Girl with the<br />

Dragon Tatoo”,<br />

aadaptação<br />

do<br />

pprimeiro<br />

volume<br />

da<br />

trilogia<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª<br />

Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia<br />

Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 22h, 00h30;<br />

As intenções <strong>de</strong> Joann Sfar (ler<br />

entrevista no Ípsilon <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong><br />

Outubro) <strong>de</strong> resgatar o seu filme a um<br />

paradigma “realista” do cinema<br />

francês encontram matéria à altura<br />

em “Gainsbourg, Vida Heróica”. Mas<br />

isso - e é o mais interessante -<br />

também não empurra<br />

automaticamente o filme para a<br />

gaveta on<strong>de</strong> está a herança da contracorrente<br />

artificiosa que se<br />

<strong>de</strong>senvolveu na indústria francesa<br />

nos anos 80 - <strong>de</strong>vedora <strong>de</strong> um “chic”<br />

publicitário, com nomes como Jean<br />

Jacques Beineix, Luc Besson ou (na<br />

“Gainsbourg: Vida Heróica”<br />

“Millenium”. Mara está<br />

também no elenco <strong>de</strong> “The<br />

Social Network”. Fincher<br />

roda o fi lme na Suécia,<br />

e é Daniel Craig quem<br />

interpreta a personagem<br />

do jornalista Mikael<br />

Blomkvist.<br />

altura) a dupla Jeunet e Caro. Se<br />

quisermos encontrar filiação, vamos<br />

encontrá-la, por exemplo, na<br />

afectação neurasténica <strong>de</strong> Spike<br />

Jonze ou Wes An<strong>de</strong>rson. Dito isto,<br />

Sfar não aguenta sempre<br />

“Gainsbourg (vie héroïque)” nas<br />

alturas – nas alturas, por exemplo, do<br />

encontro entre Gainsbourg, Gréco,<br />

Bardot e Jane Birkin ou nas alturas da<br />

abrasiva dança do homem com o seu<br />

duplo. Está em todo o projecto, aliás<br />

– mesmo que isso possa casar com a<br />

“<strong>de</strong>cadência” da figura – um certo<br />

sentimento <strong>de</strong> lassidão. Mas o filme<br />

faz-se notar. V. C.<br />

Deixa-me Entrar<br />

Let Me In<br />

De Matt Reeves,<br />

com Chloë Grace Moretz, Kodi<br />

Smit-McPhee, Elias Koteas, Cara<br />

Buono, Sasha Barrese, Richard<br />

Jenkins. M/16<br />

MMMNN<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45 6ª Sábado 21h45, 00h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h35 3ª 4ª 16h30,<br />

19h05, 21h45, 00h35<br />

“Deixa-me Entrar” é, paradoxo dos<br />

paradoxos, um óptimo filme inútil. A<br />

“remake” americana do excelente<br />

filme homónimo do sueco Tomas<br />

Alfredson sobre a amiza<strong>de</strong> entre um<br />

miúdo solitário e uma menina<br />

vampira é um objecto feito com<br />

gosto, cuidado, inteligência e enorme<br />

respeito pelo original. É, coisa<br />

raramente vista, uma “remake” que<br />

não trai, distorce ou <strong>de</strong>turpa – antes<br />

pelo contrário, Matt Reeves<br />

(cúmplice <strong>de</strong> J. J. Abrams e autor <strong>de</strong><br />

“Nome <strong>de</strong> Código: Cloverfield”)<br />

traduz na perfeição o ambiente <strong>de</strong><br />

fábula negra sobre a iniciação ao<br />

mundo real, o onirismo inquieto e<br />

amplificado. Mais do que uma<br />

adaptação, é uma verda<strong>de</strong>ira<br />

tradução do original sueco para<br />

inglês, feita com cuidado e atenção.<br />

Mas há uma diferença entre traduzir<br />

um livro e traduzir um filme – e se o<br />

livro precisa <strong>de</strong> tradução para viajar,<br />

um filme não. E o <strong>gran<strong>de</strong></strong> problema<br />

<strong>de</strong>sta “remake” é que nada adianta<br />

nem inventa relativamente ao filme<br />

<strong>de</strong> Tomas Alfredson: é


“O Refúgio”: um pequeno Ozon<br />

uma segunda encenação do mesmo<br />

texto que não traz uma leitura<br />

diferente, apenas reencena o original<br />

para benefício <strong>de</strong> um público a quem<br />

um filme sueco não convenceria.<br />

Mas, por mais respeitoso e impecável<br />

que o exercício seja – e é – a sua<br />

futilida<strong>de</strong> torna-se <strong>de</strong>pressa óbvia: <strong>de</strong><br />

que serve refazer um bom filme<br />

quando não se consegue fazer<br />

melhor que o original? J. M.<br />

O Refúgio<br />

Le Refuge<br />

De François Ozon,<br />

com Isabelle Carré, Louis-Ronan<br />

Choisy, Pierre Louis-Callixte, Melvil<br />

Poupaud. M/12<br />

MMNNN<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h50, 19h25, 21h35, 00h05<br />

Domingo 11h30, 14h25, 16h50, 19h25, 21h35, 00h05<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h, 21h30 3ª 4ª 16h45,<br />

19h, 21h30<br />

François Ozon oscila, muitas vezes,<br />

entre a completu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

perfeição inacabada e o risco<br />

assumido <strong>de</strong> olhar para as muitas<br />

faces do vazio, sempre com o mundo<br />

feminino no centro da<br />

representação. “O Refúgio” está<br />

longe dos fulgores <strong>de</strong> “Sous le Sable”<br />

ou mesmo <strong>de</strong> “Oito Mulheres”, mas<br />

possui a coerência mínima<br />

necessária para reconhecermos o<br />

toque <strong>de</strong> um “autor”. O problema<br />

principal resi<strong>de</strong> na dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

unificar uma narrativa fragmentária<br />

e algo <strong>de</strong>scosida, sem o <strong>de</strong>lírio que a<br />

matéria <strong>de</strong> partida parecia exigir.<br />

Persiste uma frieza cirúrgica que se<br />

preocupa mais com o pormenor que<br />

com o todo. E, no entanto, só para<br />

ver o modo como Ozon transfigura<br />

uma história que lhe interessa pouco<br />

e o rosto <strong>de</strong> Isabelle Carré já justifica<br />

o esforço. Um pequeno Ozon já é<br />

alguma coisa, nos tempos que vão<br />

correndo. Mário Jorge Torres<br />

Uma Família Mo<strong>de</strong>rna<br />

Mine Vaganti<br />

De Ferzan Ozpetek,<br />

com Riccardo Scamarcio, Nicole<br />

Grimaudo, Alessandro Preziosi. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 2: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 16h, 18h40, 21h 6ª 16h, 18h40, 21h, 23h50<br />

Sábado 13h20, 16h, 18h40, 21h, 23h50 Domingo<br />

“36 Vistas do Monte<br />

Saint-Loup”: <strong>de</strong>smontagem<br />

metódica da arte<br />

da comédia<br />

13h20, 16h, 18h40, 21h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h15,<br />

17h25, 19h35, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10,<br />

16h40, 19h10, 21h40, 00h10 Domingo 11h30, 14h10,<br />

16h40, 19h10, 21h40, 00h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h25, 18h55, 21h30, 00h15 3ª<br />

4ª 16h25, 18h55, 21h30, 00h15<br />

O problema principal <strong>de</strong> “Uma<br />

Família Mo<strong>de</strong>rna” não passa pelo<br />

argumento que, sem inovar<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong>mente, nem a nível das<br />

situações, nem a nível da consistência<br />

visual, parece encaixar-se com<br />

alguma elegância na “comédia à<br />

italiana” dos tempos áureos, algures<br />

entre a crónica familiar e o “gag”<br />

acumulativo e algo estereotipado. O<br />

problema, dizíamos, resi<strong>de</strong> no facto<br />

<strong>de</strong> Ferzan Oztepek, um tarefeiro bem<br />

intencionado, não possuir os dotes<br />

necessários para articular as<br />

peripécias anedóticas que acumula:<br />

não é Dino Risi ou Mario Monicelli<br />

quem quer e o realizador, embora<br />

revelando uma razoável capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> “mise-en-scène”, fica-se muitas<br />

vezes pelo lado mais superficial da<br />

história do filho homossexual que<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> “sair do armário”, sem<br />

conseguir construir personagens<br />

credíveis. Dito isto, no panorama<br />

triste do cinema italiano<br />

contemporâneo, “Uma Família<br />

Mo<strong>de</strong>rna” não faz má figura e não<br />

insulta ninguém, nem mesmo os<br />

clássicos que preten<strong>de</strong>r revisitar.<br />

M.J.T.<br />

La Pivellina<br />

De Tizza Covi, Rainer Frimmel,<br />

com Tairo Caroli, Asia Crippa,<br />

Patrizia Gerardi. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h10<br />

Há dois trunfos na primeira ficção da<br />

dupla italo-austríaca Tizza Covi/<br />

Rainer Frimmel. Primeiro: a recusa<br />

<strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> modo con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />

para aqueles que vivem “à margem”<br />

da socieda<strong>de</strong> “tradicional”, no caso<br />

uma comunida<strong>de</strong> italiana <strong>de</strong> artistas<br />

<strong>de</strong> circo que vive <strong>de</strong> expedientes<br />

num arrabal<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma. Segundo: o<br />

modo como “La a Pivellina”<br />

se inscreve na actual ctual<br />

exploração <strong>de</strong> formas ormas<br />

cinematográficas as<br />

híbridas, utilizando ndo<br />

técnicas e marcas as<br />

formais do<br />

documentário para<br />

contar uma ficção ão<br />

- improvisada pelo elo<br />

elenco (actores<br />

não<br />

profissionais,<br />

oriundos<br />

efectivamente<br />

da comunida<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> tudo se<br />

passa) a partir <strong>de</strong><br />

situações e fios<br />

narrativos<br />

fornecidos “La Pivellina”<br />

“Tamara Drewe”: divertido mas inconsequente<br />

pelos realizadores, mas ficção ainda<br />

assim. O problema é que isso não<br />

basta para sustentar uma longametragem:<br />

a história <strong>de</strong> uma menina<br />

abandonada recolhida por um casal<br />

<strong>de</strong> artistas, tem o mérito <strong>de</strong> não<br />

tombar no rodriguinho<br />

melodramático do neo-realismo<br />

clássico (e seria tão fácil), mas é frágil<br />

enquanto ficção e nunca consegue<br />

evitar a banalida<strong>de</strong> do melodrama da<br />

maternida<strong>de</strong> reencontrada. Fica a<br />

sensação <strong>de</strong> que Covi e Frimmel, que<br />

vêm do documentário (on<strong>de</strong><br />

trabalharam precisamente com esta<br />

comunida<strong>de</strong> em filmes como<br />

“Babooska”, apresentado no<br />

Doc<strong>Lisboa</strong> 2006), estão mais<br />

interessados no dispositivo que na<br />

narrativa, no processo mais que no<br />

resultado, no modo como a estética<br />

do documentário po<strong>de</strong> ser<br />

manipulada como uma ferramenta<br />

narrativa – mas fazem-no <strong>de</strong> um<br />

modo razoavelmente convencional,<br />

numa altura em que outros cineastas<br />

já a levaram muito mais longe do que<br />

isto. A experiência não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser<br />

interessante, mesmo que algo<br />

estéril. J. M.<br />

Tamara Drewe<br />

De Stephen Frears,<br />

com Gemma Arterton, Roger Allam,<br />

Bill Camp, Dominic Cooper. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 7: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 21h40, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 21h40, 00h10<br />

“Tamara Drewe” faz a ponte com os<br />

dois anteriores filmes <strong>de</strong> Stephen<br />

Frears, “A Rainha” e “Cheri”, no<br />

olhar ácido e <strong>de</strong>sapaixonado sobre<br />

um microcosmos e o modo como<br />

uma mulher procura escapar-lhe<br />

para se re<strong>de</strong>finir enquanto pessoa –<br />

e a Tamara <strong>de</strong> Gemma Arterton,<br />

jornalista que regressa <strong>de</strong> Londres à<br />

sua al<strong>de</strong>ia natal para refazer a vida, é<br />

tão cortesã como era a Cheri <strong>de</strong><br />

Michelle Pfeiffer, mesmo que <strong>de</strong><br />

modos diferentes. Frears aproveita<br />

ao máximo as oportunida<strong>de</strong>s que o<br />

guião lhe propõe para <strong>de</strong>smontar a<br />

aparência ap apar pacata dos<br />

retiros re r t bucólicos e<br />

fazer fa uma sátira<br />

<strong>de</strong>vastadora d<br />

aos<br />

costumes co c britânicos,<br />

mas m a dispersão <strong>de</strong><br />

tramas tram e personagens<br />

resulta resul num filme mole<br />

e sem ritmo, on<strong>de</strong> a<br />

verda<strong>de</strong>ira v estrela<br />

não é a<br />

convenientemente<br />

plástica Arterton<br />

mas a<br />

esplendorosa<br />

Tamsin T Greig como<br />

a esposa frustrada<br />

<strong>de</strong> um romancista<br />

pedante. pedant Divertido mas<br />

inconsequente, inconse é um<br />

filme menor m na obra do<br />

cineasta cinea britânico. J. M.<br />

Patrícia Portela &<br />

Cláudia Jardim<br />

Jogo das Perguntas<br />

© Worldmapper.org<br />

4 a 7 Novembro<br />

semana 10h00 | sábado 16h00 | domingo 11h00<br />

Criança 2,50€ | Adulto 5€<br />

apresentações no âmbito da re<strong>de</strong> co-financiado por<br />

teatro | a partir dos 8 anos<br />

Inserido no Festival Temps d’Images<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

teatro<br />

mala voadora &<br />

Third Angel<br />

What I Heard<br />

About The World<br />

12 a 20 Novembro (excepto dia 16)<br />

segunda a sábado 21h30 | domingo 18h00 | 12€ /


Expos<br />

A refl exão<br />

<strong>de</strong> Francisco<br />

Tropa acerca<br />

da naturezamorta<br />

culmina<br />

com uma<br />

natureza<br />

literalmente<br />

morta: uma<br />

mosca enorme<br />

projectada<br />

contra uma<br />

pare<strong>de</strong><br />

54 • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • Ípsilon<br />

Um lance<br />

<strong>de</strong> dados<br />

Paisagem e natureza-morta<br />

em “Scripta”, <strong>de</strong> Francisco<br />

Tropa. Óscar Faria<br />

Scripta<br />

De Francisco Tropa.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Quadrado Azul. Largo dos Stephens,<br />

4. Tel.: 213476280. Até 27/11. 3ª a Sáb. das 13h<br />

às 20h.<br />

Escultura, Outros.<br />

mmmmm<br />

“Illicit<br />

Thoughts”, <strong>de</strong><br />

Ana Cardoso,<br />

na João Lagoa<br />

“Alea iacta est” ou “alea jacta est”<br />

(em português “os dados estão<br />

lançados”) é uma frase latina<br />

atribuída pelo historiador Suetónio a<br />

Júlio César, quando, em 49 a.C., o<br />

estadista romano <strong>de</strong>cidiu cruzar o<br />

rio Rubicão, entrando assim em<br />

Itália, vindo da Gália Cisalpina: na<br />

época, este era consi<strong>de</strong>rado um acto<br />

<strong>de</strong> guerra – “atravessar o Rubicão” é<br />

uma expressão idiomática que<br />

significa “passar um ponto sem<br />

retorno”.<br />

Sinónima <strong>de</strong> sorte,<br />

risco e acaso, a palavra “alea” servia<br />

para nomear não só o dado, o<br />

objecto, mas também o acto <strong>de</strong><br />

participar num jogo <strong>de</strong> azar. O poeta<br />

romano Juvenal, conhecido pelas<br />

suas máximas – uma das mais<br />

célebre comenta o facto <strong>de</strong> o comum<br />

dos cidadãos apenas se interessar<br />

por “pão e circo” (“panem et<br />

circenses”), em vez <strong>de</strong> lutar pela sua<br />

liberda<strong>de</strong> –, con<strong>de</strong>nava assim os<br />

jogadores: “Não é já acompanhado<br />

<strong>de</strong> bolsas que se tenta a sorte na<br />

mesa <strong>de</strong> jogo; traz-se a caixa e jogase.<br />

Que combates são estes? É<br />

simplesmente o furor <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r cem<br />

mil sestércios e <strong>de</strong> não dar uma<br />

túnica a um escravo que morre <strong>de</strong><br />

frio.”<br />

Séculos mais tar<strong>de</strong>, em 1897,<br />

Stéphane Mallarmé escreve o poema<br />

tipográfico “Um lance <strong>de</strong> dados<br />

jamais abolirá o acaso” – o texto será<br />

reduzido à sua estrutura por Marcel<br />

Broodthaers, num livro <strong>de</strong> artista<br />

publicado em 1969, em Antuérpia.<br />

No texto oitocentista, o autor francês<br />

afirma a potência criativa contida no<br />

imprevisto. Na introdução à sua<br />

obra, editada na revista<br />

“Cosmopolis”, Mallarmé sublinha a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> situar o poema num<br />

“estado” que não cortava <strong>de</strong> todo<br />

com a tradição. E consi<strong>de</strong>ra que o<br />

seu breve prefácio não <strong>de</strong>veria<br />

“ofuscar ninguém”, <strong>de</strong>veria apenas<br />

conter a informação “suficiente,<br />

para abrir os olhos”. Nota o poeta:<br />

“Hoje ou sem presumir acerca do<br />

futuro que daqui sairá, nada ou<br />

quase uma arte, reconhecemos<br />

facilmente que a tentativa participa,<br />

inesperadamente, <strong>de</strong> investigações<br />

particulares e caras ao nosso tempo,<br />

o verso livre e o poema em prosa”.<br />

Em “Scripta”, Francisco Tropa<br />

joga com as palavras e com os<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

Seek And Hi<strong>de</strong><br />

De Luis Melo.<br />

Porto. Galeria Artes Solar Sto. António. Rua do<br />

Rosário, 84. Tel.: 222013009. De 06/11 a 04/12. 3ª a<br />

6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 11h às 20h.<br />

Inaugura 6/11 às 16h.<br />

Pintura.<br />

Illicit Thoughts<br />

De Ana Cardoso.<br />

Porto. Galeria João Lagoa. R. Miguel Bombarda<br />

408. De 06/11 a 11/12. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.<br />

Inaugura 6/11 às 16h.<br />

Pintura.<br />

Conforme o Dia<br />

De José Lourenço.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea.<br />

Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831.<br />

De 10/11 a 30/12. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb.<br />

das 12h às 19h30. Inaugura 10/11 às 21h30.<br />

Pintura, Desenho, Ví<strong>de</strong>o.<br />

António Barreto: Fotografi as,<br />

1967/2010<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Corrente d’Arte. Avenida Dom<br />

Carlos I, 109. Tel.: 213941722. De 11/11 a 30/12. 2ª<br />

a Sáb. das 14h às 19h. Inaugura 11/11 às 19h.<br />

Fotografia.<br />

Po<strong>de</strong>ngo<br />

De Brígida Machado.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“Uma”,<br />

<strong>de</strong> Cristina<br />

Lamas, na<br />

Giefarte<br />

objectos. Esse exercício tanto po<strong>de</strong><br />

tomar como referência um jogo <strong>de</strong><br />

mesa romano intitulado “ludus<br />

duo<strong>de</strong>cim scriptorum” ou “XII<br />

Scripta”, o qual se jogava com dois<br />

ou três dados, como as marcas que<br />

se inscrevem num muro, tal como<br />

suce<strong>de</strong>u em Pompeia, no instante da<br />

erupção do vulcão. Há também o<br />

facto <strong>de</strong> “scripta” dar origem às<br />

palavras “escrita” e “escritor”: a<br />

exposição po<strong>de</strong> ser assim lida como<br />

uma frase ou um conjunto <strong>de</strong> frases,<br />

que, no fim, acabam por se sobrepor<br />

numa pare<strong>de</strong>.<br />

“Scripta” é percorrida pelos temas<br />

habituais do trabalho do artista:<br />

paisagem e natureza-morta. Estamos<br />

na antecâmara <strong>de</strong> um trabalho em<br />

processo. Os dados estão lançados e<br />

não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno.<br />

Esta é também uma exposição<br />

“rousseliana” – imagine-se lê-la<br />

como um parêntesis entre outro<br />

parêntesis. Uma infinita “mise-enabyme”<br />

da qual apenas se vêem as<br />

primeiras incisões: águas-fortes nas<br />

pare<strong>de</strong>s, bronzes no chão, originais<br />

e cópias sobre mesas. Há uma<br />

espécie <strong>de</strong> arqueologia das palavras<br />

e das coisas que trouxe estas formas<br />

à superfície.<br />

Nas esculturas, gravuras e<br />

projecções <strong>de</strong> Francisco Tropa é<br />

possível <strong>de</strong>scobrir relações com<br />

obras e autores que vêm da<br />

antiguida<strong>de</strong> clássica até ao presente.<br />

A exposição inicia-se com uma<br />

janela, ou antes a moldura <strong>de</strong> uma<br />

janela, passada a bronze, pousada<br />

no chão e encostada à pare<strong>de</strong>.<br />

Olhada <strong>de</strong> perto, a textura do<br />

material forma ela própria uma<br />

paisagem – é possível imaginar uma<br />

cordilheira a partir das elevações<br />

que resultam do processo <strong>de</strong><br />

fundição da peça. Passe-se <strong>de</strong>pois às<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Trema. Rua do Jasmim, 30. Tel.:<br />

218130523. De 11/11 a 11/12. 3ª a 6ª das 13h às 19h30.<br />

Sáb. das 12h às 19h.<br />

Pintura.<br />

Helga Stüber-Nicolas<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Trema. Rua do Jasmim, 30. Tel.:<br />

218130523. De 11/11 a 11/12. 3ª a 6ª das 13h às 19h30.<br />

Sáb. das 12h às 19h.<br />

Escultura.<br />

Trabalhos Recentes<br />

De Helena Lapas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Ratton. Rua da Aca<strong>de</strong>mia das<br />

Ciências, 2C. Tel.: 213460948. De 04/11 a 30/12. 2ª a<br />

6ª das 10h às 19h30. Inaugura 4/11 às 21h30.<br />

Outros.<br />

Continuam<br />

“X Y Z”, <strong>de</strong><br />

Marco Pires,<br />

na Pedro<br />

Oliveira<br />

X Y Z<br />

De Marco Pires.<br />

Porto. Galeria Pedro Oliveira. Calçada <strong>de</strong><br />

Monchique, 3. Tel.: 222007131. Até 11/12. 3ª a Sáb. das<br />

15h às 20h.<br />

Pintura, Desenho, Outros.<br />

Os Professores<br />

De Álvaro Lapa, Ângela Ferreira,<br />

Eduardo Batarda, entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474 . Até 02/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Pintura, Escultura, Outros.<br />

águas-fortes e po<strong>de</strong>m nelas<br />

<strong>de</strong>scobrir-se cascatas, montanhas,<br />

cristalizações, tempesta<strong>de</strong>s, um céu<br />

estrelado e outras figuras. É como se<br />

a partir <strong>de</strong> superfícies<br />

aparentemente abstractas emergisse<br />

um imaginário ligado à realida<strong>de</strong><br />

– Brassaï, Gerhard Richter e Henri<br />

Michaux são alguns dos nomes que<br />

po<strong>de</strong>m ser convocados para a leitura<br />

<strong>de</strong>stes trabalhos.<br />

Pedras, paus, garrafas, um frasco<br />

e uma caixa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira passados a<br />

bronze constituem o núcleo<br />

escultórico da exposição. Por vezes,<br />

originais e cópias convivem lado a<br />

lado, noutras, essa coexistência é<br />

cortada literalmente a meio. Há<br />

ainda situações <strong>de</strong> engano: aquilo<br />

que parece não é. Estamos aqui<br />

perante uma reflexão acerca <strong>de</strong> um<br />

género, a natureza-morta, com<br />

origem em Roma – Morandi é um<br />

nome que surge como evidência<br />

neste capítulo; há ainda a<br />

omnipresença <strong>de</strong> Duchamp em toda<br />

a exposição, sendo que o artista<br />

francês tinha entre os seus autores<br />

<strong>de</strong> eleição quer Mallarmé, quer<br />

Roussel.<br />

No fim, uma natureza literalmente<br />

morta, uma mosca, e uma teia <strong>de</strong><br />

aranha são projectadas – no caso do<br />

insecto po<strong>de</strong> dizer-se esmagado –<br />

contra uma pare<strong>de</strong>. A escala é<br />

imensa, como se aquelas figuras<br />

adquirissem a forma <strong>de</strong> um sonho. A<br />

luz do projector inci<strong>de</strong> sobre os<br />

objectos colocados em cima <strong>de</strong> duas<br />

mesas. Um mundo <strong>de</strong> sombras<br />

forma-se no muro da galeria:<br />

original e cópia são<br />

<strong>de</strong>smaterializados, tornam-se<br />

imagem. Há a pose e o instante,<br />

componentes da fotografia. Um<br />

tempo em suspensão.<br />

Os dados estão lançados.<br />

Res Publica - 1910<br />

e 2010 Face a Face<br />

De Ângela Ferreira, Bruce Nauman,<br />

entre outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. Até 16/01.<br />

3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Pintura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />

Wall Piece<br />

De Gary Hill.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. Rua Serpa Pinto,<br />

4. Tel.: 213432148. Até 21/11. 3ª a Dom. das 10h às<br />

18h.<br />

Temps d’ Images 2010. Instalação.<br />

Silvae<br />

De João Queiroz<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 09/01. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.<br />

Pintura, Desenho.<br />

Uma<br />

De Cristina Lamas.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Giefarte. Rua Arrábida, 54B. Tel.:<br />

213880381. Até 19/11. 2ª a 6ª das 11h às 20h.<br />

Pintura.<br />

Bayonets Replacing Toothpicks<br />

De André Lemos.<br />

Porto. Dama Aflita. R. da Picaria, 84. Tel.:<br />

927203858. Até 27/11. 2ª a Sáb. das 15h às 19h.<br />

Ilustração.


artista convidado<br />

apresentam<br />

COULEURS SUR PARIS<br />

Um concerto com clássicos e temas inéditos do novo álbum da banda<br />

que conta com a participação <strong>de</strong> Rui Pregal da Cunha.<br />

// 17 DE NOVEMBRO_CONCERTO | 21H30<br />

/// ENTRADA LIVRE LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA<br />

/// HORÁRIO DE ABERTURA DE PORTAS | 20H00<br />

// MORADA<br />

Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal<br />

nº3, 1250-161 <strong>Lisboa</strong><br />

// TELEFONE<br />

21 359 73 58<br />

// HORÁRIO<br />

Segunda a Sexta<br />

das 9h às 21h<br />

// EMAIL<br />

besarte.financa@bes.pt

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