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O grande ditador - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Há uma esquizofrenia latente<br />

no Estoril Film Festival que<br />

<strong>de</strong>senha, <strong>de</strong> forma razoavelmente<br />

mais visível do que noutros<br />

certames, a corda bamba em que<br />

qualquer festival <strong>de</strong> cinema se<br />

tem <strong>de</strong> equilibrar nestes tempos<br />

mercantilistas em que vivemos.<br />

Por um lado, a sobrevivência<br />

<strong>de</strong> um festival exige um<br />

acontecimento mediático,<br />

cheio <strong>de</strong> estrelas convidadas,<br />

encontros com o público, glamour<br />

e holofotes. Por outro, quer-se<br />

um festival sério e rigoroso, que<br />

apresente aos espectadores fi lmes<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e que lhes permita<br />

<strong>de</strong>scobrir obras que, <strong>de</strong> outro<br />

modo, difi cilmente po<strong>de</strong>riam<br />

encontrar.<br />

É um truque <strong>de</strong> equilíbrio<br />

difícil, e à quarta edição o Estoril<br />

Film Festival pouco ou nada faz<br />

para resolver essa esquizofrenia.<br />

Pelo contrário, até a exacerba,<br />

atirando para o mesmo saco uma<br />

série <strong>de</strong> propostas que explicam<br />

nitidamente a ambição do certame<br />

dirigido por Paulo Branco: um<br />

festival ao mesmo tempo frívolo<br />

e sério, popular e elitista. À<br />

imagem <strong>de</strong> Cannes ou Veneza,<br />

on<strong>de</strong> o cachet da localização<br />

e a qualida<strong>de</strong> do programa<br />

funcionam como aglutinador <strong>de</strong><br />

públicos muito diferentes. Mas<br />

também mais abrangente do que<br />

os outros eventos que colocaram<br />

Portugal na rota cinéfi la (cinema<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para o Indie<strong>Lisboa</strong>,<br />

documentário e cinema do<br />

real para o Doc<strong>Lisboa</strong>, cinema<br />

fantástico para o Fantasporto).<br />

Abrangência<br />

Talvez seja essa ambição <strong>de</strong><br />

abrangência que, este ano mais<br />

do que nunca, crie a sensação<br />

<strong>de</strong> que o Estoril Film Festival<br />

está mais próximo do festival <strong>de</strong><br />

cinema tal como entendido pelos<br />

programadores da América do<br />

Norte. Nova Iorque ou Toronto<br />

são, mais do que eventos<br />

centrados à volta do prestígio que<br />

a competição lhes dá, “montras”<br />

<strong>de</strong> cinema viradas para o público<br />

mais do que para a indústria<br />

ou a imprensa, on<strong>de</strong>, mais do<br />

que a programação, é o próprio<br />

acontecimento que é em si a maisvalia.<br />

Essa abrangência manifestase<br />

nas três linhas condutoras da<br />

programação <strong>de</strong> cinema 2010. A<br />

mais mediática envolve a montra<br />

<strong>de</strong> ante-estreias e activida<strong>de</strong>s<br />

paralelas que trazem a Portugal<br />

a maior parte das fi guras que<br />

servem <strong>de</strong> “puxa-carroça” da<br />

cobertura.<br />

A abertura ofi cial acontece com<br />

o falso documentário <strong>de</strong> Casey<br />

Affl eck e Joaquin Phoenix “I’m<br />

Still Here” (hoje às 21h30, Centro<br />

<strong>de</strong> Congressos do Estoril), o<br />

encerramento com o novo Woody<br />

Allen, “You Will Meet a Tall Dark<br />

Stranger” (domingo 14 às 22h15,<br />

Centro <strong>de</strong> Congressos do Estoril).<br />

Entre esses nove dias, passam por<br />

cá Mathieu Amalric (“Tournée”),<br />

o iraniano Abbas Kiarostami<br />

(“Copie Conforme”, o seu fi lme<br />

francês com Juliette Binoche), o<br />

georgiano Otar Iosseliani (que<br />

traz “Chantrapas”) e o fotógrafo<br />

e realizador Anton Corbijn<br />

(acompanhando “O Americano”).<br />

E ante-estreiam-se dois dos mais<br />

importantes fi lmes americanos<br />

<strong>de</strong> 2010 - “Road to Nowhere”, o<br />

novo Monte Hellman, estreado<br />

A ambição<br />

do certame dirigido<br />

por Paulo Branco:<br />

um festival ao mesmo<br />

tempo frívolo e sério,<br />

popular e elitista<br />

em Veneza 2010 sob o olhar do<br />

discípulo Tarantino, e “Winter’s<br />

Bone”, <strong>de</strong> Debra Granik, fi lme <strong>de</strong><br />

suspense rural (na linhagem <strong>de</strong><br />

“Frozen River” ou “Ballast”) que<br />

se tornou na sensação 2010 do<br />

cinema in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte americano.<br />

Os nomes mais sonantes,<br />

contudo, não vêm apresentar<br />

fi lmes. Lou Reed traz a sua<br />

exposição “Romanticism”, Laurie<br />

An<strong>de</strong>rson virá no fi nal do evento<br />

para fazer leituras <strong>de</strong> Don <strong>de</strong><br />

Lillo. Stephen Frears, realizador<br />

<strong>de</strong> “A Rainha” e “Tamara Drewe”,<br />

fará um encontro com o público<br />

(anunciado como “masterclass”)<br />

sobre “Dirigir John Malkovich”<br />

, na presença do próprio –<br />

trabalharam juntos em “Ligações<br />

Perigosas” e “Mary Reilly” - mas<br />

o actor apresenta igualmente um<br />

<strong>de</strong>sfi le <strong>de</strong> moda que <strong>de</strong>senhou e<br />

algumas das suas experiências<br />

cinematográfi cas com a <strong>de</strong>signer<br />

Bella Freud (que faz parte do júri<br />

da competição). O juiz espanhol<br />

Baltasar Garzón vem dar uma<br />

A montra<br />

do Estoril<br />

À quarta edição, o Estoril Film Festival quer ser um festival<br />

para todos os gostos. Jorge Mourinha<br />

conferência sobre “A memória<br />

colectiva e a importância das<br />

imagens” e a actriz Marisa<br />

Pare<strong>de</strong>s será homenageada com a<br />

projecção <strong>de</strong> três fi lmes seus.<br />

O cinéfi lo e o popular<br />

A presença <strong>de</strong> Garzón e Pare<strong>de</strong>s<br />

introduz o segundo vector<br />

do festival: uma selecção <strong>de</strong><br />

retrospectivas e homenagens<br />

que procuram fazer a ponte entre<br />

o cinéfi lo e o popular. Há uma<br />

integral <strong>de</strong> Kathryn Bigelow”,<br />

que é um dos momentos fortes do<br />

certame, e uma selecção <strong>de</strong> fi lmes<br />

<strong>de</strong> Polanski que inclui algumas<br />

das suas primeiras obras ( “A<br />

Faca na Água” ou “Repulsa”) mas<br />

também êxitos como “Tess” ou “A<br />

Semente do Diabo”.<br />

Contrapõem-se-lhe uma<br />

retrospectiva alargada do lendário<br />

experimentalista francês Chris<br />

Marker, o autor <strong>de</strong> “La Jetée”, que<br />

trará a Portugal o historiador do<br />

cinema Bernard Eisenschitz e<br />

a jornalista multimedia Annick<br />

Rivoire, bem como o seu mais<br />

recente trabalho, “Ouvroir the<br />

Movie” (não <strong>de</strong>ixa, contudo, <strong>de</strong><br />

ser uma retrospectiva peculiar<br />

quando, um mês <strong>de</strong>pois, a<br />

Culturgest propõe um outro<br />

olhar sobre Marker comissariado<br />

por Augusto M. Seabra); ou a<br />

apresentação integral da obra<br />

do palestiniano Elia Suleiman,<br />

autor <strong>de</strong> “Intervenção Divina”,<br />

acompanhada pelo realizador.<br />

Homenageiam-se o iconoclasta<br />

japonês Koji Wakamatsu, quase<br />

<strong>de</strong>sconhecido entre nós (com<br />

uma selecção focada nas suas<br />

“Still here”,<br />

a abrir;<br />

“Tournée”,<br />

<strong>de</strong> Mathieu<br />

Amalric;<br />

“Road to<br />

Nowhere”,<br />

o novo Monte<br />

Hellman<br />

incursões pelo porno soft-core<br />

nipónico), o falecido Werner<br />

Schroeter, autor <strong>de</strong> culto que<br />

Paulo Branco acompanhou<br />

repetidamente como produtor,<br />

e o antropólago Ruy Duarte<br />

<strong>de</strong> Carvalho, com documentos<br />

inéditos das suas viagens<br />

angolanas. E a homenagem a<br />

Garzón é o pretexto para mostrar<br />

os documentários que Patricio<br />

Guzmán (recentemente a concurso<br />

no Doc com o magnífi co “Nostalgia<br />

<strong>de</strong> la Luz”) <strong>de</strong>dicou à história<br />

do Chile (“El Caso Pinochet” e o<br />

monumental tríptico “La Batalla<br />

<strong>de</strong> Chile”).<br />

E ainda não chegámos ao<br />

terceiro vector, mais “hardcore”<br />

em termos cinematográfi cos<br />

e artísticos. Há uma secção<br />

paralela, Cinemart, que percorre<br />

as intersecções do cinema<br />

experimental e multimedia com<br />

obras dos artistas Lawrence<br />

Weiner e Douglas Gordon ou<br />

do fotógrafo Alberto García-<br />

Alix (todos presentes), e uma<br />

competição virada para o cinema<br />

<strong>de</strong> arte e ensaio mais tradicional.<br />

Que mostra a concurso dois dos<br />

mais importantes fi lmes europeus<br />

do ano - “Autobiography of Nicolae<br />

Ceausescu”, extraordinário<br />

documentário <strong>de</strong> Andrei Ujica,<br />

e “Aurora”, <strong>de</strong> Cristi Puiu” – e<br />

a estreia <strong>de</strong> João Nicolau, “A<br />

Espada e a Rosa” (<strong>de</strong>stinada<br />

a ser mais um dos momentos<br />

fracturantes do cinema português<br />

actual), mas pela sua própria<br />

condição difi cilmente atrairá o<br />

<strong>gran<strong>de</strong></strong> público que as ve<strong>de</strong>tas<br />

convidadas arrastam atrás <strong>de</strong> si.<br />

Tudo isto apenas sublinha a<br />

urgência quase excessiva da<br />

calendarização do programa,<br />

compactando a riqueza da<br />

oferta em apenas oito dias <strong>de</strong> tal<br />

modo que se torna impossível<br />

abranger tudo o que aqui se<br />

passa. É verda<strong>de</strong> que essa é a<br />

regra <strong>de</strong> todos os festivais – cada<br />

espectador <strong>de</strong>senha o seu próprio<br />

percurso – mas o zigue-zague do<br />

Estoril Film Festival 2010 promete<br />

ser complicado <strong>de</strong> gerir.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 5 Novembro 2010 • 9

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