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O Ateneu - Unama

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www.nead.unama.br<br />

E, depois, reclamar títulos de utilidade às divagações graciosas de uma energia<br />

da alma, que significa em primeira manifestação a própria perpetuidade da espécie?!<br />

Além de inútil, a arte é imoral. A moral é o sistema artístico da harmonia<br />

transplantado para as relações de coletividade. Arte sui generis. Se é possível<br />

eficazmente o regime social das simetrias da justiça e da fraternidade, o futuro há de<br />

provar. Em todo caso é arte diferente e as artes não se combinam senão em<br />

produtos falsos, de convenção.<br />

Poema intencionalmente moral é o mesmo que estátua polícroma ou pintura<br />

em relevo. Apenas uma coisa possível, nada mais; há também quem faça flores,<br />

com asas de barata e pernas.<br />

A verdadeira arte, a arte natural, não conhece moralidade. Existe para o<br />

indivíduo sem atender à existência de outro indivíduo. Pode ser obscena na opinião<br />

da moralidade: Leda; pode ser cruel: Roma em chamas, que espetáculo!<br />

Basta que seja artística.<br />

Cruel, obscena, egoísta, imoral, indômita, eternamente selvagem, a arte é a<br />

superioridade humana — acima dos preceitos que se combatem, acima das religiões<br />

que passam, acima da ciência que se corrige; embriaga como a orgia e como o<br />

êxtase.<br />

E desdenha dos séculos efêmeros.<br />

À vista da tranqüilidade do auditório, subentende-se que não estavam<br />

presentes os dois heróis da primeira sessão solene: o Dr. Zé Lobo não viera, para<br />

não encontrar o Senador; o Senador Rubim não viera, para não encontrar o Dr. Zé<br />

Loto: impulsos equivalentes em sentido contrário anulam-se.<br />

Havia na sala diversos ouvintes que se distraiam de perseguir com atenção a<br />

galopada de hipógrifo, em que se elevava a eloqüência do orador.<br />

Bento Alves, um; outro o Malheiro, moreno, nervoso, carrancudo, o primeiro ginasta;<br />

outro, Barbalho.<br />

A preocupação de Bento Alves era uma injúria. Entre ele e Malheiro havia rixa<br />

de velha de emulação. Malheiro não lhe perdoava a culpa de ser bravo. Os próprios<br />

prodígios da força e agilidade, aplaudidos e proclamados pelo <strong>Ateneu</strong>, não davam<br />

para saciar a vaidade. De que valia ser forte, se era impossível a aplicação do seu<br />

esforço para afrouxar uma fibra à musculatura do Bento? Ah! não ser possível por<br />

sugestão desfiar uma a uma aquelas meadas de arame, reduzir a infantilidade débil<br />

aquela corpulência odiosa! Por que não iriam os desejos da inveja, como vampiros,<br />

sorver o sangue àquela força, a vida, gota a gota, àquele vigor de ferro?<br />

Bento Alves não dava mostras de perceber a rivalidade. Malheiro evitava-o.<br />

Era impossível conservar-se um momento perto do colega, que lhe não<br />

dessem ímpetos de assaltá-lo.<br />

A façanha da prisão efetuada pelo rival definitivamente retirava-lhe a glória de<br />

valoroso único. Malheiro entrou em melancolia trancada. O rosto moreno amorenouse<br />

mais; a animação de um brilho não lhe chegava à janela do olhar; o sorriso nos<br />

lábios não abria a porta. Dir-se-ia um frontispício de luto.<br />

Ficou a ruminar o projeto de um encontro.<br />

O meu bom amigo, exagerado em mostrar-se melhor, sempre receoso de<br />

importunar-me com uma manifestação mais viva, inventava cada dia nova surpresa<br />

e agrado. Chegara ao excesso das flores. A principio, pétalas de magnólia seca com<br />

uma data e uma assinatura, que eu encontrava entre folhas de compêndio. As<br />

pétalas começaram a aparecer mais frescas e mais vezes; vieram as flores<br />

completas. Um dia, abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo,<br />

achei a imprudência de um ramalhete. Santa Rosália da minha parte nunca tivera<br />

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