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O Ateneu - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Não posso atear toda a retórica de chamas que ali correu sobre Pentápolis.<br />

Fica uma amostra do enxofre.<br />

Isto, porém, era um começo. Conduzidos pelos inspetores, saíram os doze como<br />

uma leva de convictos para o gabinete do diretor, onde deviam ser literalmente<br />

seviciados, segundo a praxe da justiça do arbítrio.<br />

Consta que houve mesmo pancada de rijo. Os condenados negaram, depois.<br />

Em todo caso, era de efeito o simples consta, engrandecido pela refração nebulosa<br />

do boato.<br />

Concluída a chamada dos indiciados, a sala inteira respirou desafogo. No<br />

recreio, a rapaziada dispersou-se com gritos festivos.<br />

Franco, sobretudo, estava de um contentamento nunca visto. Casualmente<br />

em liberdade, por não ter havido leitura das notas, fazia da circunstância uma pirraça<br />

contra o Silvino: “Eu é que sou o mau”, repetia andando à roda, “eu é que sou o<br />

bandalho, a peste do colégio!... O mal sou eu só!...” Silvino foi gradualmente<br />

perdendo a paciência. Atirou-se por fim ao Franco, desesperado, lançou-o à terra,<br />

meteu-lhe os pés. Alguns rapazes protestaram com gritos, Silvino ameaçou.<br />

Fogosos da exaltação desordeira do passeio da véspera, que por momentos<br />

dominara o terror do processo, reuniram-se em massa contra o Silvino. O inspetor<br />

salvou a força moral refugiando-se no alto da escada e fazendo de cima trejeitos<br />

enérgicos com a carteira e o lápis.<br />

À tardinha, em nome do diretor, foram convocados a castigo os cabeças do<br />

motim.<br />

Eu no meio. Fomos alinhados vinte e tantos no corredor que partia do<br />

refeitório. Na qualidade de presos políticos, vitimas de generosa sedição, não nos<br />

vexava a penitência. Uns conversavam gracejando, outros sentavam-se no soalho.<br />

Junto de mim ficava um armário dos aparelhos escolares, revestindo-se a vidraça de<br />

uma tela protetora de metal. Através do arame, na última luz vespertina, eu espiava<br />

lá dentro os queridos planetas de vago brilho, como a noite encarcerada ainda.<br />

Por trás do armário, havia uma porta. Conversavam do outro lado, na sala das<br />

visitas, Aristarco e o guarda-livros. Chegavam-me palavras perdidas “... De boa<br />

família dois, um descrédito! Vão pensar... Expulsar não é corrigir... Isto é o menos;<br />

não há gratuitos?... Sim, sim. Quanto a mim... desagradável sempre riscar... borra a<br />

escrita... Em suma... mocidade...”<br />

Acabavam de acender a iluminação do <strong>Ateneu</strong>.<br />

Decididamente, era um dia nefasto. Do corredor, ouvimos enorme barulho no<br />

pátio. Recomeçavam as vaias. Protegidos pela noite, mostravam-se mais<br />

alvoroçados os rapazes. Era um tumulto indescritível, vozear de populaça em<br />

revolta, silvos, brados, injúrias, em que os gritos estrídulos dos pequenos<br />

destacavam-se como arestas da massa confusa de clamores.<br />

Os inspetores chegaram aterrados a procurar o diretor, mostrando a cara<br />

salpicada de verrugas vermelhas. Adivinhei. Era a revolução da goiabada! Uma<br />

velha queixa.<br />

A comida do <strong>Ateneu</strong> não era péssima.<br />

O razoável para algumas centenas de tolinhos. Possuía mesmo o condimento<br />

indispensado das moscas, um regalo. Mas aborrecia a impertinência insistida de<br />

certos pratos. Uma epidemia, por exemplo, de fígados guisados, o ano todo!<br />

Ultimamente, havia três meses, a goiabada mole de bananas, manufatura<br />

econômica do despenseiro.<br />

Aristarco empalideceu de despeito. Visava-o diretamente a desaforada<br />

insurreição. E isto no mesmo dia em que fizera espetáculo da justiça tremenda. Não<br />

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