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O <strong>Ateneu</strong> era invejado. Vitimas do uniforme, os discípulos de Aristarco<br />
passeavam entre os grupos dos colégios rivais, sofrendo dichotes, com uma<br />
paciência recomendada de boa educação.<br />
Fumava-se. No ambiente sem luz pairava fixo o nevoeiro dos hálitos e um<br />
cheiro de sarro intolerável; emplastravam-se de cusparadas as paredes; passeava-se<br />
arrastando os pés na areia do ladrilho; ressoavam grandes gargalhadas de<br />
ship-chandler; chasqueava-se a palavrões. Alguns rapazes de sorrisos frouxos, sem<br />
expressão, maneiras reles, arrebitavam para o alto, com as costas da mão, chapéus<br />
de palha suja, e passeavam gingando. Os mais distintos devam caminho, repuxando<br />
um canto desdenhoso de lábios, perfilando mais a elegância.<br />
Um rebuliço extraordinário agitou a multidão. Acabava-se de descobrir na cal,<br />
coberta de epigramas e rabiscos, uma nova inscrição de muito espírito: versalhada<br />
satírica contra o Professor Courroux, da mesa de francês, rimando em u, sempre em<br />
u, de cima a baixo, com uma fertilidade pasmosa de epítetos.<br />
Nem de propósito! na mesma ocasião entrava e lançava-se precipitadamente<br />
pela escada o terrível professor. “Não o conhece? Lá vai!” indicou-me um<br />
companheiro mais próximo.<br />
— Não o conhecia...<br />
Vi-o, magro, anguloso, feio, olhando com ferocidade continua, não se sabia<br />
felizmente para quem, porque era estrábico. Por ele começou o meu improvisado<br />
informante, e conhecendo que eu andava atrasado a respeito, não me deixou mais:<br />
“Se tem empenho, fura; se não tem, babau. Bancas de peixe! O peixe é caro às<br />
vezes, mas é sempre peixe de mercado. Olhe o Meireles da filosofia, aquele<br />
compridão de barba russa; o empenho é a Ritinha Pernambucana da Rua dos Arcos;<br />
o Simas da mesa de geografia, um pançudo apelidado esfera terrestre, mimoseiem-no<br />
com um par de galos de briga... o Barros Andrade... comprem-lhe os pontos..., aquele<br />
diabo da retórica que me bombeou há dias... falem-lhe nos versos, que não há suíças<br />
mais amáveis. O seu diretor é que os compreende. Quando entra aqui é uma onça; o<br />
próprio teto branco empalidece; levantam-se, saúdam o soberano! Agora, há homens<br />
respeitáveis: o velho Moreira, o simpático Ramiro, de sorriso patriarcal...”<br />
Do topo da escada gritaram para o saguão que ia principiar a chamada dos<br />
de português.<br />
Quando subia, vi um movimento enorme de rapazes na rua: um rolo!<br />
Silvavam os apitos. Atracavam-se os estudantes com os carroceiros a sopapos de<br />
ida e volta, segundo o belo costume do tempo.<br />
Prestavam-se os exames numa grande sala de muitas janelas, de velhos<br />
caixilhos em xadrez apertado, vidros grossos, antigos, mal fundidos, oferecendo<br />
espessuras desiguais e densidades verdes. Um parapeito de ferro em grade dividia<br />
o salão por dois lances; o mais espaçoso para os assistentes. No outro havia duas<br />
mesas de exame; a de matemáticas, perto da entrada, a de português, mais adiante,<br />
e tão chegadas que se fundiam as respostas de uma com as perguntas da outra,<br />
resultando admiráveis efeitos de aplicação das ciências exatas à filologia.<br />
Antes da cerimônia palestrava-se, a meia voz. Um sujeito entrou, deixando<br />
cair a bengala. Olharam todos. “Não conhece?” indagou-me o oficioso companheiro.<br />
Um sexagenário, encanecido e helicoidal, cara lambida de padre, cabelos<br />
brancos ondeando pelos ombros em bossa, sobrecasaca ilimitada riscando o chão a<br />
cada passo. “O Conselheiro Vilela, ou, melhor, o Conselheiro Tieitch, uma instituição!<br />
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