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www.nead.unama.br<br />
um assim. Que devia fazer uma namorada? Acariciei as flores, muito agradecido, e<br />
escondi-as antes que vissem.<br />
Mas o Barbalho espiava, ultimamente constituído fiscal oculto dos meus<br />
passos.<br />
As circunstâncias o tinham aproximado do Malheiro, e o açafroado caolho<br />
pretendia manejar a rivalidade dos dois maiores: um conflito entre Malheiro e Bento<br />
podia ser a vergonha para mim.<br />
O Malheiro, com o vozeirão grave de contrabaixo, começou a infernizar-me por<br />
epigramas. Queria incomodar o Alves mortificando-me, julgando que me queixasse.<br />
Eu devorava as afrontas do marmanjo sem descobrir o meio de tirar correta desforra.<br />
Barbalho lembrou-se de tomar as dores. Depois de incitar o Malheiro contra mim,<br />
incitou o Bento contra o Malheiro. Procurou-o misteriosamente e informou: “o Malheiro<br />
não passa pelo Sérgio que não pergunte quando é o casamento... é preciso casar...<br />
Ainda hoje pediu convite para as bodas. O Sérgio esta desesperado”.<br />
O furor do Alves não se descreve, furor poderoso dos calados. Uma onda de<br />
apoplexia ruborizou-lhe as faces. Por único movimento de indignação contraiu os<br />
dedos, como estrangulando. Procurou o Malheiro e com a voz talvez alterada, mas<br />
sem ódio, fez intimação: “amanhã é a sessão de encerramento; em meio da festa<br />
salmos ambos; preciso falar-lhe das bodas”.<br />
Malheiro percebeu: era o sonhado encontro!<br />
Apenas desceu da tribuna o presidente efetivo do Grêmio, os adversários<br />
deixaram as cadeiras. Barbalho saiu pouco depois. Notei o movimento e adivinhei<br />
mais ou menos.<br />
Quando saímos do pavilhão, finda a solenidade, um criado entregou-me um<br />
envelope, uma carta do Alves, a lápis. “Estou preso; antes que te digam que por<br />
alguma indignidade, previno: por ter dado uma lição ao Malheiro.”<br />
Minutos depois, Franco, muito satisfeito, contava a todos: “tinham lutado no<br />
jardim o Malheiro e o Alves; que briga dos dois brutos!” Alves saíra ferido com um<br />
golpe no braço, acreditam que de navalha; Malheiro estava no dormitório. Avisados<br />
pelo Alves, os criados tinham ido buscá-lo sem sentidos, ao fundo de um bosquete<br />
no parque. “Sem sentidos!” garantia o Franco; “que pândega! que sopapos! ora o<br />
Malheiro malhado!”<br />
Soube-se que Barbalho espreitara o combate através dos arbustos. Antes de<br />
o ver acabado, correra ativo, e concentrando a vesgueira numa só atenção de<br />
intrigante, preparara as coisas de modo que, ao voltar do jardim, Bento Alves foi<br />
surpreendido por uma ordem de prisão do diretor.<br />
Não denunciar nunca é preceito sagrado de lealdade no colégio. Os<br />
contendores recusaram-se a explicações. Bento Alves negou o braço a exame e a<br />
curativo; Malheiro, em panos de sal, fingindo-se muito prostrado, oferecia o mais<br />
impenetrável silêncio às indagações de Aristarco e protestava esborrachar as ventas<br />
a quem caísse na asneira de insinuar o bedelho no que não era da sua conta.<br />
“Ora o malhado!...” resmungavam os colegas; mas tratavam de esquecer o<br />
caso.<br />
Por minha parte, entreguei-me de coração ao desespero das damas<br />
romanceiras, montando guarda de suspiros à janela gradeada de um cárcere onde<br />
se deixava deter o gentil cavalheiro, para o fim único de propor assunto às trovas e<br />
aos trovadores medievos.<br />
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