Vamos ubuntar? Um convite para cultivar a paz; Coleção abrindo ...
Vamos ubuntar? Um convite para cultivar a paz; Coleção abrindo ...
Vamos ubuntar? Um convite para cultivar a paz; Coleção abrindo ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Vamos</strong> Ubuntar?<br />
O postulado central é a doutrina do caráter multifacetado da verdade, Anekantavada, segundo<br />
a qual tudo no universo pode ser observado a partir de diferentes pontos de vista, possibilitando<br />
diferentes conclusões. Assim, “uma determinada coisa existe unicamente com referência à sua<br />
substância, seu espaço, tempo e modo particulares; e não existe com referência à sua substância,<br />
seu espaço, tempo e modo diferentes”. 10 Esta abertura pluralista, que expressa respeito pelas diversas<br />
abordagens do conhecimento em busca de compreensão, está alicerçada no compromisso inequívoco<br />
com a primeira e principal observância ética estabelecida pelo jainismo: a não-violência,<br />
ahimsa, em pensamento, palavra e ato. Abster-se de causar sofrimento é o princípio fundante da<br />
humanidade do homem, cuja existência não consiste em estar no mundo, mas sim em estar com<br />
os outros.<br />
A violência física é a ponta do iceberg, a expressão visível do que foi antes expresso pela palavra<br />
e articulado no silêncio do sentir e do pensar. Podemos ferir alguém sem atingi-lo corporalmente,<br />
com um gesto, um olhar e até um não olhar. Há pessoas que se tornam “invisíveis” socialmente, seja<br />
pelas funções que desempenham, aparência que carregam ou estado em que se encontram. O psicólogo<br />
social Fernando Braga da Costa evidenciou a “invisibilidade pública” na sua tese de mestrado<br />
apresentada na USP em 2002. Durante oito anos ele vestiu as roupas e boné dos garis e passou meio<br />
período do dia trabalhando nessa função nas ruas da própria USP. Nunca foi reconhecido pelos seus<br />
professores nem pelos seus colegas de estudo. “Descobri que um simples bom-dia, que nunca recebi<br />
como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência.”<br />
A palavra pode ser igualmente violenta quando humilha, difama, desqualifica, ofende, ironiza,<br />
ridiculariza ou demoniza alguém, um grupo, uma tradição ou nacionalidade. Mas a recusa em dirigir<br />
a palavra a outrem também pode menosprezar, intimidar e envergonhar.<br />
Os jainistas estão cientes deste potencial ofensivo que carregamos, por isso destinam tempo <strong>para</strong><br />
se auto-educar, disciplinando primeiramente as atitudes, as disposições internas que nos autorizam<br />
a prejudicar os outros comprometendo os relacionamentos e o convívio social. A violência não é um<br />
direito, pelo contrário, é a quebra do princípio de convivência que viabiliza a nossa sobrevivência.<br />
10. JAIN, J. C. Jainismo: vida e obra de Mahavira Vardhamana. São Paulo: Palas Athena Editora, 1982. p. 68.<br />
34